La migración hacia España de mujeres jefas de hogar
LA MIGRACIÓN HACIA ESPAÑA DE MUJERES JEFAS DE HOGAR
[Laura Oso (1998), Madrid, Instituto de la Mujer, Ministerio de Trabajo y
Asuntos Sociales, 438 pp.]
Laura Oso*
As mulheres sempre migraram; isto apesar de o seu papel nos movimentos
migratórios ser frequentemente subestimado, tanto por aqueles que elaboram o
discurso científico como pelos representantes sociais. Desde meados dos anos 80
e na década de 90 que o carácter económico da migração feminina tem vindo a
ficar algo mais visível. No norte, a participação crescente da mulher imigrante
no mercado de emprego responde a uma procura de mão-de-obra no sector dos
serviços, em trabalhos pouco qualificados e mal remunerados. O serviço
doméstico, a hotelaria, os serviços pessoais e sexuais não se podem exportar,
ao contrário das actividades industriais, o que arrasta uma procura de mão-de-
obra estrangeira e o desenvolvimento de correntes migratórias feminizadas de
carácter económico. Este fenómeno é paralelo ao aumento, no plano
internacional, da chefia feminina da família: ou seja, de famílias que são
sustentadas economicamente pela mulher. A inserção das mulheres imigrantes no
mercado de trabalho nos países de acolhimento responde, com frequência, a uma
estratégia de sobrevivência da unidade doméstica, de maneira que a mulher se
constitui na principal provedora da economia familiar. É nesta problemática de
investigação que se insere o nosso objecto de estudo: a migração para Espanha
de mulheres chefes de família.
Esta investigação combinou a exploração de fontes secundárias, principalmente
as do Ministério do Interior e do Ministério do Trabalho, com os dados
qualitativos obtidos com a realização de 60 entrevistas em profundidade a
mulheres imigrantes de diversas nacionalidades, assim como a especialistas e
informantes privilegiados em contacto com a realidade da imigração
(representantes de ONG, congregações religiosas e sindicatos) e quatro grupos
de discussão, dois com empregadoras espanholas de trabalhadoras estrangeiras
(profissionais de classe média e donas de casa de classe alta) e dois com
mulheres imigrantes (peruanas e dominicanas). O trabalho de campo realizou-se
em Madrid. Foram contactadas um total de 114 pessoas.
A primeira conclusão inferida da exploração dos dados do Ministério do Interior
é que, contrariamente ao estereótipo do migrante masculino, uma das notas
distintivas de Espanha enquanto contexto receptor de imigração tem sido a
importante presença de mulheres, as quais, em 1990, representavam 50,7% do
total de estrangeiros com autorização de residência em vigor. No caso espanhol,
longe do estereótipo da migrante reagrupada, economicamente inactiva,
dependente do migrante homem, os dados estatísticos revelam que a migração
regular de mulheres africanas, latino-americanas e asiáticas, em 1992, era
composta quase em 50% por trabalhadoras. Além disso, a exploração de dados do
Ministério do Trabalho, relativos a 1995, revela a existência de migrações
onde, para várias das nacionalidades de origem da imigração, predominam as
mulheres: República Dominicana, 86%; Colômbia, 64%; Peru, 64%, Equador, 64%,
Cabo Verde, 55%; Guiné Equatorial, 64% e Filipinas, 66%. Do mesmo modo, os
resultados da exploração de dados do Ministério do Trabalho, para 1995, põem em
evidência que 70% das mulheres com autorização de trabalho em vigor são
solteiras, viúvas e divorciadas e, portanto, a migração é independente do
homem. A conclusão que se infere da análise estatística é que a chegada a
Espanha de mulheres provenientes de países terceiros responde a correntes de
carácter económico de mulheres actoras do processo migratório.
Esta nota distintiva de Espanha enquanto país de imigração é resultado das
características do mercado de trabalho, de uma procura de emprego imigrante
para o serviço doméstico nas grandes cidades (principalmente no mercado de
trabalho madrileno, onde as mulheres são maioritárias entre os estrangeiros com
autorização de trabalho em vigor: 51% em 1995). E inscreve-se, portanto, no
processo de transferência internacional do trabalho reprodutivo, paralelo à
globalização da produção, que se observa a nível mundial. Mas, para além desta
explicação macro-estrutural, este estudo pretendeu indagar nas estratégias dos
distintos actores sociais, e em concreto do estado e das entidades
empregadoras, a sua contribuição nestas correntes migratórias femininas de
carácter económico para a realização das actividades de reprodução social.
Assim, procurámos mostrar como o desenvolvimento de correntes migratórias
feminizadas de carácter económico radica em acções institucionais que, no caso
espanhol, aceitaram e favoreceram, através da política de quotas, a chegada de
trabalhadoras estrangeiras. A aplicação dos contingentes, desde 1993, supõe a
aceitação institucional da existência de uma procura de mão-de-obra estrangeira
para determinadas ocupações não cobertas pelo emprego autóctone, sobretudo para
a agricultura e o serviço doméstico. Desde a sua concretização, o contingente
de trabalhadores estrangeiros é composto maioritariamente por mulheres
empregadas domésticas. A imigração de mulheres é, portanto, aceite e promovida
pela administração espanhola. Esta situação mais vantajosa para a migração
feminina determina que as famílias optem por enviar a mulher como pioneira da
migração. Desta maneira o estado participa na consolidação da dinâmica
migratória composta por mulheres, as quais chegam como protagonistas da
migração, para trabalhar no mercado de emprego espanhol. Mas, para além do
papel do estado, pretendeu-se aprofundar a participação de outros actores
sociais na configuração dos processos migratórios. Para isso optou-se por
analisar em que medida a procura de trabalhadoras estrangeiras para o serviço
doméstico está determinada pelas estratégias de mobilidade social das
empregadoras espanholas.
As mulheres profissionais da classe média percebem como o acesso ao mercado de
emprego não foi acompanhado de uma partilha das tarefas domésticas na família.
Isto supõe uma sobrecarga de trabalho e de responsabilidades, de tal maneira
que o tempo livre, para estas mulheres, não existe. A mulher profissional está
consciente desta desigualdade na família e esta tomada de consciência surge
como a principal transformação social, geradora de tensões na unidade
doméstica. O emprego de trabalhadoras estrangeiras responde a uma estratégia de
sobrevivência da mulher profissional da classe média para solucionar a
pressão da dupla jornada e os conflitos entre o casal. Para as donas de casa da
classe alta, o recurso ao serviço doméstico constitui uma estratégia de
manutenção do status social. Se, para a mulher profissional, o emprego de
trabalhadoras domésticas está integrado num projecto emancipador/ modernizador,
para as donas de casa, que optaram por um projecto familiar como mulheres,
supõe a perpetuação da tradição. No primeiro caso constitui uma libertação,
no segundo, a manutenção dos valores sociais relativos à sua posição social, às
práticas distintivas e ao aparelho simbólico que as legitimam.
Em síntese, o recurso à imigração de mulheres constitui uma estratégia
reprodutiva dos diversos actores sociais (estado, homens e mulheres). As
trabalhadoras domésticas vêm porque são procuradas para preencher este nicho de
mercado laboral, de maneira que a sociedade espanhola se constitui como
participante do processo migratório. Além disso, a migração feminina para
Espanha de carácter económico está ligada a uma estratégia de chefia da
família. Com efeito, os dados da informação relativa à regularização de 1991
assinalam que a maioria das mulheres imigrantes recenseadas eram chefes de
família (60%) destas, 41% têm dependentes a cargo no país de origem, sendo,
também, os principais suportes económicos da família reagrupada ou da família
constituída em situação de imigração.
Para a mulher que deixa o marido e os filhos no país de origem, a migração
surge claramente como uma estratégia familiar do conjunto da unidade doméstica,
podendo envolver vários projectos: a sobrevivência, a educação dos filhos e uma
melhoria do nível de vida e do status socioeconómico da família. As mulheres
que migraram sós e que deixaram o marido e os filhos na região de origem,
tornam-se, de facto, chefes de família de redes familiares transnacionais,
devido à importância das transferências monetárias na manutenção dos membros
que permanecem no país de origem. A migração de mulheres separadas, mães
solteiras, viúvas e divorciadas, com familiares dependentes nos respectivos
países, responde a uma estratégia de chefia familiar monoparental. A separação
dos filhos é percebida por estas mulheres como o principal sacrifício. Os
descendentes ficam entregues aos avós. A migração de reagrupamento familiar
verifica-se, sobretudo, entre a comunidade marroquina. Importa assinalar que a
vida destas mulheres segue o esquema regido pelas normas e valores do país de
origem, os quais se reproduzem no contexto de acolhimento através das relações
intrafamiliares e comunitárias. Desta forma, a posição da mulher na família e
na sociedade, apesar de saírem das redes de dependência da família extensa,
varia pouco com o processo migratório. Entre as pessoas entrevistadas
constatamos situações em que a mulher teve que assumir com o seu salário como
empregada doméstica o conjunto da economia familiar. Isto supõe uma
transformação dos papéis sociais na unidade doméstica, em relação às estruturas
familiares do país de origem, no qual o homem é o principal responsável da
economia familiar. Esta chefia familiar feminina acarreta, em certa medida, uma
alteração nas relações entre o casal: o homem começa a ajudar nas tarefas da
casa. Produz-se, assim, uma certa transformação das relações entre os sexos. A
mulher imigrante continua, no entanto, a assumir a principal responsabilidade
pelas tarefas domésticas, realizando uma dupla jornada: mantém economicamente a
família e tem a seu cargo a educação dos filhos e a manutenção da casa. Esta
situação traduz-se numa sobrecarga física e emocional. A chefia não é,
portanto, percebida como um benefício mas mais como uma angústia.
Em resumo, longe do estereótipo da imigração como uma invasão, a chegada de
trabalhadoras estrangeiras a Espanha é desejada e promovida pelos diversos
actores sociais (estado, empregadores ), para resolver o vazio da reprodução
social. As mulheres imigrantes em Espanha não são um reduto marginal do
sistema, mas sim parte integrante do mesmo contribuindo, de maneira activa,
para a sua reprodução. A imigração de mulheres para Espanha retro-alimenta o
sistema de estratificação de classes (permite às classes altas manter o seu
status social através de práticas distintivas e do aparelho simbólico que o
legitima); mas também o sistema de estratificação por género e a desigual
partilha de tarefas e papéis entre os sexos, perpetuando a divisão clássica do
trabalho entre homens e mulheres na sociedade. A substituição da profissional
pela trabalhadora estrangeira determina que não se verifique uma redefinição
das tarefas na unidade doméstica (uma vez que os homens continuam sem se
implicar na reprodução social), e permite que o estado não tenha que assumir
estes serviços necessários para a manutenção de toda a sociedade.
Simultaneamente, possibilita que a família das domésticas da classe alta
mantenha o seu estilo de vida e as suas práticas distintivas, as quais se
perderiam caso não houvesse a possibilidade de recorrer a esta mão-de-obra
estrangeira. Deste modo, a presente investigação questiona quer a forma como os
imigrantes são transformados pela sociedade de acolhimento, quer também o
inverso: isto é, os efeitos da imigração sobre o contexto receptor. Uma
perspectiva de investigação, esta última, muito pouco desenvolvida no quadro
dos estudos sobre movimentos populacionais. Este estudo também indaga a análise
da migração de mulheres associada a outro fenómeno social crescente em todo o
mundo: a chefia familiar feminina.
[Tradução de Rosário Mauritti]
* Laura Oso. Facultade de Sociología, Universidad de La Coruña, Campus Elviña
15071, La Coruña, España. Tel.: 34981226054, Fax: 34981167103.