Sondagem ao mercado de emprego dos quadros, em 1989 e 1997
Introdução
Apresentam-se aqui os principais resultados de uma sondagem ao mercado de
emprego dos quadros.1 O seu objectivo é fornecer um contributo para o
conhecimento da evolução durante os anos 90 das preferências das empresas,
nacionais ou instaladas em território nacional, sobre as características dos
quadros e técnicos médios e superiores candidatos ao seu recrutamento externo.
Trata-se, como é sabido, de uma categoria de assalariados onde predominam as
qualificações escolares elevadas, e uma das vertentes do trabalho contempla a
análise das preferências empresariais por essas qualificações, especialmente as
de nível superior. O período considerado, como veremos, é de forte afluxo de
diplomados do ensino superior ao mercado de emprego. Parte-se de pressupostos
teóricos genéricos, e de outros mais específicos que adiante serão precisados,
quer no decurso da apresentação das escolhas metodológicas, quer na própria
análise de dados.
Genericamente dá-se importância ao papel da concorrência entre empresas, muito
pronunciado no estado actual da internacionalização da economia. Bem como às
estratégias empresariais de recrutamento dos quadros e técnicos, e de gestão da
utilização das suas capacidades, que podem ser consideradas, em parte, uma
expressão dessa concorrência acrescida. Considera-se que essas estratégias são
capazes de se alterar em diferentes condições do correspondente mercado de
emprego. Os empresários e dirigentes empresariais são no essencial actores
sociais como outros. As organizações que dirigem detêm recursos determinados
(no sentido sociológico do termo) e com eles fazem escolhas e tomam decisões no
interior de estruturas de oportunidades que mudam através do tempo, procurando
tirar partido de tais oportunidades, sem as deixar para outros (Ashton, 1998;
Martinelli, 1994).
Considera-se igualmente que as empresas, ao anunciarem, se colocam numa relação
de troca com os potenciais candidatos. Nesse sentido, e tal como em qualquer
mercado social, como por exemplo o mercado matrimonial (Singly, 1984), as
empresas oferecem a quem pretendem recrutar vantagens determinadas, procurando,
face a eles, valorizar os seus recursos, apresentando nomeadamente os que mais
as favorecem. O objectivo é o de recrutar candidatos eles próprios detendo
recursos determinados, implicitamente considerados de nível semelhante ou
equivalente ao da empresa no mercado em questão, logo sendo candidatos em
princípio disponíveis para se empenharem no processo de trocas solicitado.
Identificam-se e analisam-se não só as preferências das empresas relativas às
qualificações escolares dos candidatos a emprego de quadros e técnicos, mas
ainda as que respeitam a outras características dos candidatos, correspondendo
a competências técnicas e a outras que designamos de informais.
Precisando melhor, o estudo articula-se à volta de dois eixos fundamentais:
- ver até que ponto as alterações verificadas na produção de diplomados pelo
sistema educativo, em particular na produção de diplomados pelo ensino
superior, que registou uma forte inflexão na sua frequência a partir de
aproximadamente 1986/7, tiveram ou não consequências plausíveis (e em caso
afirmativo quais foram), em matéria das preferências das empresas quanto a
estas competências formais dos candidatos;
- analisar como se distribuem as competências formais e informais requeridas
pelas empresas, se a estrutura dessa distribuição evoluiu, e como; e quais as
prováveis relações entre essa evolução e a acrescida competição económica que
tem marcado nos últimos anos a evolução do mundo empresarial.
Crescimento e transformações no ensino superior
Realizaram-se duas sondagens ao mercado de emprego, a primeira correspondendo
ao ano de 1989 e a segunda a 1997. A data de 1989 foi escolhida por anteceder
aproximadamente de perto a inflexão na produção de diplomados pelo sistema
educativo, especialmente pelo ensino superior, consequência da já referida
inflexão na sua frequência. A de 1997 por eventualmente já repercutir as
alterações em questão, sendo por outro lado a data mais próxima possível da
actualidade, na altura e nas condições em que foi realizado o estudo (data e
condições em que era impraticável a opção por 1998 e datas ulteriores).
Vejamos em primeiro lugar o ensino superior. Em 1985/6 e 1986/7 houve de facto
uma acentuadíssima inflexão ascendente na frequência deste ensino, marcando uma
arrancada sustentada até data recente, com taxas de crescimento de dois dígitos
ano após ano. É conhecido em traços largos o perfil deste processo, no qual
oferta e procura de ensino combinaram poderosamente os seus efeitos. Procuremos
caracterizá-lo brevemente. No que respeita ao volume da frequência e das
formações, sabe-se como até meados da década de 80 a oferta pública era
insuficiente perante o número de candidatos. Daí a luz verde governamental dada
ao ensino superior privado, que vai ter um duplo papel: por um lado, vem
responder em parte à procura até aí não satisfeita de ensino superior e,
sobretudo, irá acompanhar de perto o acentuar do seu movimento ascendente.
Movimento que ficou a dever-se ao aumento dos rendimentos reais das famílias,
que alterou rapidamente as suas perspectivas, e as dos jovens, no que toca à
continuação ou cessação dos estudos. Historicamente trata-se do segundo grande
movimento expansivo do ensino em Portugal no após guerra, tendo o primeiro tido
lugar aproximadamente desde meados dos anos 50, e por idênticas razões de
alteração na procura de ensino associada a um aumento do ritmo do crescimento
económico e dos rendimentos reais (Grácio, 1998: 151-9).
Quanto à estrutura da frequência e das formações, do lado do sector público,
temos o acentuado crescimento das formações tecnológicas e científicas
(sobretudo as primeiras), deliberadamente assumido pelos sucessivos governos.
Verifica-se também, em termos de oferta, um crescimento moderado, e mesmo um
freio, em geral para todas as outras formações. Crescimento igualmente
acentuado do ensino politécnico e igualmente largamente dinamizado pela oferta.
No que respeita ao ensino privado, assistiu-se no essencial à expansão
explosiva das formações não tecnológicas e ao desenvolvimento extremamente
moderado de um sector de formações curtas, correspondente ao politécnico
público. No conjunto do ensino superior, as formações de ciências humanas e
sociais, da economia e gestão, e das ciências jurídicas, registaram o mais
forte crescimento, logo seguidas pelas formações tecnológicas. Daí que todo o
processo tenha resultado menos desequilibrado do que poderia supor-se. Acima de
tudo, a sua adesão ao perfil da própria procura terá sido particularmente
acentuada. É isso que sugerem, aliás fortemente, a diversidade da oferta, em
especial a sua estratificação por área de formação, e a extrema diversidade do
valor e capacidades escolares dos candidatos.
A adesão à procura vai a par da existência de um importante sector privado.
Isso sugere nomeadamente que globalmente o ensino superior é um sistema dotado
de razoável elasticidade. Isto é, trata-se de um sistema capaz de reagir,
através das estimativas, preferências e escolhas dos seus utilizadores,
efectivos e potenciais, ao valor que conferem aos seus diplomados as empresas e
ao estado do mercado de emprego. Retomaremos esta questão mais adiante.
Quanto ao ensino secundário, a progressão da sua frequência e o número dos seus
diplomados seguiu aproximadamente os mesmos contornos do ensino superior,
havendo a destacar a importância numérica dos diplomados do 12.º ano via de
ensino. De assinalar igualmente os progressos na produção de diplomados por um
ensino secundário profissional e tecnológico, desde o início da segunda metade
dos anos 80, com os cursos técnico-profissionais. E também, desde os primeiros
anos da década de 90, com as escolas profissionais e os cursos tecnológicos,
embora o seu volume permaneça modesto no conjunto.
O mercado de emprego dos quadros e técnicos
As sondagens ao mercado de emprego foram realizadas a partir de anúncios
publicados na secção Expresso emprego do semanário Expresso, para os anos de
1989 e 1997. A larga maioria destes anúncios dirige-se ao recrutamento de
quadros e técnicos. Eliminámos os anúncios que não correspondiam a pedidos de
estes profissionais, e que incidiam, sobretudo, sobre operários e empregados
qualificados (por exemplo secretárias de direcção). Isto porque o seu reduzido
número remete claramente para a sua irrelevância em matéria do lugar que ocupa
o recrutamento destas categorias através do Expresso emprego, que no entanto
ocupam na população activa um volume de empregos pelo menos de grandeza
semelhante ao dos quadros e técnicos. Por falta de espaço não discutimos aqui
teoricamente os contornos da categoria quadros e técnicos, o que implicaria
em particular que fosse devidamente explicitada a combinação da perspectiva
simultaneamente objectivista (Goldthorpe, 1987: 40-3) e construtivista
(Gonçalves, 1991, Boltanski, 1982) que adoptámos. A análise de conteúdo dos
anúncios revelou a variedade de informação que contêm no seu conjunto. Ela
permitiu construir 42 variáveis que julgámos pertinentes dados os objectivos do
estudo. Em cada variável foi criada a categoria não indica, o que permite,
para cada anúncio, considerar a totalidade das variáveis. Para cada ano
aplicou-se uma taxa de sondagem de cerca de 27%, com tiragem ao acaso, de que
resultou uma amostra total de uns 6000 anúncios.
Claro que os anúncios em questão representam apenas uma parte do recrutamento
externo das empresas. Parece lícito admitir que a maioria das empresas
anunciantes têm uma posição importante, ou relativamente importante, no seu
sector de actividade, na medida em que recorrem, no mínimo ocasionalmente, a
estes métodos não informais de recrutamento externo dos seus quadros e
técnicos. Uma parte destas empresas deve ter mesmo uma posição elevada no seu
ramo (o que frequentemente é indicado nos anúncios, como veremos) e, como tal,
pode supor-se que as suas práticas de recrutamento e a sua evolução representam
tendências assinaláveis.
Com efeito, sabe-se que as empresas também recrutam largamente por métodos que
podemos designar de informais, é certo que de modo muito variável consoante
as funções a ocupar e as próprias características da empresa, especialmente a
sua dimensão (Guerreiro, 1996). As redes informais são redes de relações
interpessoais voltadas para o recrutamento externo das empresas, onde estão
inseridos os empresários e os assalariados, e/ou potenciais assalariados. Têm
uma racionalidade e eficácia próprias na realização do tendencial ajustamento
entre oferta e procura de trabalho. São mais selectivas do que poderia supor-se
à primeira vista, constituem uma maneira extremamente barata de obter
informação relevante e em quantidade suficiente sobre os interessados (de ambos
os lados, empresarial e assalariado), sendo este aspecto particularmente
importante para as empresas. Além disso favorecem uma rápida circulação da
informação sobre lugares vagos e um rápido acesso a força de trabalho
disponível. Acima de tudo, talvez, são baseadas em laços pessoais, participando
na cadeia de trocas sociais entre os seus protagonistas, e fornecem deste modo
garantias mínimas de lealdade, desempenho e remuneração do trabalho
(Granovetter e Tilly, 1988: 191-4; Tilly e Tilly 1994: 288-303).
Ora, por contraponto aos mercados de emprego baseados na informalidade, que têm
em geral uma natureza mais circunscrita geograficamente, o mercado a que
correspondem os anúncios em questão é um mercado nacional. Veja-se em
particular o papel que aqui desempenham as firmas multinacionais, com um peso
importante no conjunto dos anúncios, e que são o tipo de firma que deve estar
mais afastado das redes informais. Não ignoramos que nas multinacionais existem
quadros recrutados nos países de origem (Peixoto, 1999). Contudo, quando estas
empresas anunciam num jornal português dirigem-se essencialmente a quadros
portugueses. De qualquer modo, quando uma empresa anuncia no Expresso
emprego, uma publicação periódica de larga e bastante equilibrada difusão
nacional, coloca-se em concorrência com outras num conjunto mais vasto de
empresas do que o que é permitido pelas redes informais de recrutamento.
Considera-se portanto em condições de suportar essa concorrência. E por isso
mesmo as empresas anunciantes devem ser de razoável importância nos respectivos
ramos. Daí que as tendências detectadas devam ser elas próprias relevantes, num
duplo sentido. Com efeito, por um lado, parece lícito supor que se trata de
tendências em processo de difusão e, por outro lado, situar-se-iam em segmentos
mais dinâmicos e estratégicos da actividade económica. Refira-se de qualquer
modo um indicador simples, mas sugestivo, para situar minimamente as empresas
anunciadoras no conjunto do universo português, a confrontar adiante com a
análise de dados: na amostra de empresas nacionais de Manuel Lisboa (1998:
476), 60,5% não tinham licenciados ao seu serviço.
Principais variáveis e sua construção
Globalmente, as variáveis foram divididas entre duas grandes categorias. As que
respeitam às características pedidas dos candidatos, e reconhece-se aqui talvez
mais espontaneamente o essencial da informação contida nos anúncios, mas também
as variáveis construídas a partir de certas características das empresas, que
são igualmente possíveis de apreender a partir dos anúncios. A razão parece
óbvia: ver quem pede o quê, e com que eventuais alterações entre as duas datas,
é preparar o terreno para realizar algumas inferências e propostas
interpretativas. Como veremos, não se trata aliás apenas de perguntar aos dados
quem pede o quê (sobre os candidatos) mas igualmente para realizar que tipo de
tarefas.
A construção das variáveis, em particular das suas categorias, seguiu de perto
os resultados da análise de conteúdo dos anúncios, aderindo tanto quanto
possível às próprias nomenclaturas e designações utilizadas pelas empresas.
Para a elaboração deste trabalho seleccionámos um conjunto de variáveis que
considerámos de valor estratégico para a análise de dados. No que respeita às
empresas, trabalhámos com três variáveis: o seu estatuto (noção adiante
precisada), e mais duas variáveis sobre a função a ocupar pelo candidato.
Incluímos igualmente na análise variáveis relativas às contrapartidas e
vantagens que as empresas oferecem aos candidatos, funcionando como factores da
sua captação ou como incentivos aos seus desempenhos. São elas a oferta de
carreira, a oferta de remuneração aliciante ou acima da média, e a oferta de
automóvel para uso do candidato. Toda esta informação pode, com efeito, remeter
para aspectos importantes da gestão da força de trabalho dos quadros e técnicos
nas empresas. Gerir a força de trabalho é ajustar os seus custos salariais aos
contributos que os assalariados fornecem à empresa. Há no essencial duas
maneiras de o fazer:
- ajustar o salário à produtividade do assalariado, sem tentar influenciar o
seu esforço e capacidade, procurando sempre que possível a empresa trocar os
seus assalariados por outros de idêntica produtividade, mas dispostos a receber
salários mais baixos;
- procurar influenciar o desempenho dos assalariados (a sua produtividade), o
que pode ser obtido seja pelo exercício da autoridade seja através de
incentivos.
O uso da autoridade tem custos evidentes: custos salariais dos supervisores,
além de que a supervisão pode ser considerada alienatória pelos assalariados e
levar deste modo a desempenhos mínimos. É por isso que as empresas recorrem
frequentemente aos incentivos (o que não significa obviamente que a autoridade
seja eliminada). Há fundamentalmente três meios de criar incentivos:
- pagar acima do que as outras empresas pagam;
- ligar o pagamento à quantidade de trabalho fornecida (à peça, à comissão );
colocam-se aqui em certos casos problemas de medição dos desempenhos, como é
seguramente o caso dos quadros e técnicos (os vendedores são aqui uma
excepção);
- remunerar os assalariados segundo estimativas do seu mérito, das suas
capacidades demonstradas e adquiridas, através de sistemas de promoção como por
exemplo a oferta de carreira (Sorensen, 1994: 505-10).
O estatuto ou posição das empresas no mercado dos produtos é inferido a
partir do facto de a empresa anunciante mencionar (ou não), no anúncio, que tem
uma posição forte no seu ramo, ou que é multinacional. A partir daí foram
criadas três categorias da variável:
- empresa nacional de estatuto elevado: a empresa menciona uma posição forte no
mercado dos produtos, afirmando, por exemplo, ser líder no ramo;
- empresa nacional de estatuto baixo: não menciona posição forte nem que é
multinacional;
- empresa multinacional: menciona-o.
Partiu-se aqui do pressuposto plausível e já referido de que em geral as
empresas colocam no anúncio qualquer vantagem estatutária (ter boa posição no
ramo, ou ser multinacional), de forma a, simultaneamente, captar os melhores
candidatos (reduzindo até eventualmente os custos do recrutamento) e colocar-se
em boa posição negocial face a eles.
As duas variáveis sobre a função a desempenhar pelos candidatos fundamentam-se
na distinção clássica entre duas vertentes, uma social e outra técnica, da dita
função, vertentes as mais das vezes quase inextricavelmente ligadas nos
processos de trabalho. A vertente técnica foi designada de área funcional, e
foram criadas seis categorias para a apreender (comercial, administração e
gestão, estudos técnicos e planeamento, gestão do pessoal e formação, produção,
polivalência). A vertente social corresponde ao posicionamento hierárquico
(variável posição hierárquica), para o qual foram construídas cinco
categorias. No essencial estas categorias da posição hierárquica podem dividir-
se entre as que implicam algum trabalho de enquadramento (chefia elevada, apoio
à direcção, enquadramento médio), e mais duas que não integram esse trabalho.
Estas últimas foram designadas de individual com autonomia e individual sem
autonomia, conforme estejam ou não associadas a maior autonomia nos desempenhos
dos candidatos.
As variáveis dos candidatos dividem-se fundamentalmente entre as que traduzem
competências formais e paraformais, e as que traduzem competências não formais.
Esta distinção visou essencialmente circunscrever e disponibilizar para a
análise os pedidos das empresas dirigidos a qualidades pessoais dos candidatos.
O termo pessoal remete aqui para a terminologia e as representações
correntes, e corresponde a aquisições realizadas no decurso da socialização, em
princípio, fora de quadros institucionais escolares ou de formação. Com adiante
veremos, a ventilação das correspondentes propriedades, e o jogo global entre
elas e as correspondentes às competências formais, poderá fornecer elementos
importantes sobre as preferências das empresas e a sua evolução.
No primeiro grupo das variáveis dos candidatos estão evidentemente as formações
escolares. Para estas foram construídas duas variáveis: o nível (e modalidade)
escolar (licenciatura, bacharelato ), com seis categorias, e a área de
formação (ciências sociais, tecnologias ) com sete categorias. Em seguida
temos a variável competência técnica, com quatro categorias, que traduz o
apelo a competências precisas, não necessariamente certificadas escolarmente, e
em todo o caso sem correspondente menção dessa certificação.
A experiência profissional, apreendida em parte através do número de anos de
experiência pedidos, é de certo modo uma variável charneira entre as que captam
as competências formais e as não formais. Pode supor-se, com efeito, que os
dirigentes das empresas tomam a experiência como um indicador simultaneamente
de competência técnica e de competência social. Sendo esta última a que é
relevante e valorizada no mundo social em questão, ela resulta no essencial e
evidentemente da socialização no próprio mundo das empresas.
Temos por fim, em matéria de variáveis dos candidatos, as que traduzem as suas
competências que designámos acima por informais, e cuja apreensão nos anúncios
foi realizada através da variável qualidades pessoais. Vejamos de perto as
várias categorias desta variável e o seu significado teórico.
a) Num primeiro conjunto, temos duas categorias correspondentes ao que tem sido
designado por novas competências: a capacidade de autonomia (iniciativa,
criatividade, inovação, autonomia, capacidade para resolver problemas e
identificar soluções alternativas ), e a competência relacional (capacidade de
comunicação, gosto pelas relações interpessoais, capacidade de diálogo, de
negociação e de persuasão, de integração em grupo e equipa, ser afirmativo ).
Este tipo de qualidades estaria a ser crescentemente requerido pelas empresas,
essencialmente devido à pressão da internacionalização das economias, da
intensificação da concorrência e da transformação da natureza dos produtos, com
ritmos acentuados de inovação, uma tendência típica dos processos capitalistas
(Shumpeter, 1984: 118-9; Lisboa, 1998: 515-51), e que se tornou extremamente
acentuada de há escassos anos para cá.
Com efeito, tem sido defendido que há uma nova racionalidade nas empresas em
matéria de regulação do seu funcionamento, na qual é necessário ao mesmo tempo
gerir as regulações que produzem regulamentações, as que asseguram a
socialização pelo reconhecimento das identidades em contexto de trabalho e as
que permitem a elaboração de objectivos comuns legítimos para o conjunto do
corpo social da empresa (Sainsaulieu, 1997: 300). A empresa, para responder às
fortíssimas pressões envolventes, deve integrar os modos de subjectivação de
todos os seus actores (idem). Estas novas realidades têm trazido em particular
alguma reformulação das concepções da formação, na qual o desenvolvimento
pessoal e o profissional aparecem estreitamente entrelaçados (Alves, 1996:
295).
Tudo isto acompanharia um certo reordenamento das estruturas internas das
empresas, no sentido de uma maior horizontalidade e da redução das linhas
hierárquicas. Com efeito, a produção de massa tende a saturar-se, enquanto os
bens de alta qualidade e mais especializados ganham a dianteira, atraindo um
número crescente de consumidores. Ao mesmo tempo as novas tecnologias da
informação permitem arranjos produtivos inteiramente novos, mais flexíveis e
desagregados. As empresas estariam a valorizar a cooperação horizontal entre
funções, uma maior e mais aberta partilha de informações entre os seus
assalariados, com maior flexibilidade na própria definição das funções e das
responsabilidades de cada um, de acordo com as necessidades de resposta aos
problemas, que deve ser rápida e eficaz, e com a própria evolução da interacção
entre os actores. Além disso, cada problema tende a ser tratado ao nível mais
próximo da sua execução, sem recurso à linha hierárquica. Isso mobilizaria e/ou
revalorizaria qualidades humanas que não são as tradicionalmente mais
apreciadas em geral no mundo das empresas (Lisboa, 1998: 524; Powell e Smith-
Doerr, 1994: 370; Bernoux, 1995: 135-9). Daí que a análise dos dados deva
considerar atentamente as correspondentes categorias da variável qualidades
pessoais, e em particular examinar a hipótese da crescente apetência das
empresas por essas qualidades.
b) No segundo conjunto da variável qualidades pessoais distinguimos cinco
categorias, correspondentes ao que poderá ser designado por competências
tradicionais: responsabilidade, orientação para a tarefa/empenho (trabalhador,
dinâmico, motivado, gosto pela área/vontade de desenvolvimento na área );
capacidade racional/burocrática (capacidade de organização, disciplina,
método ); capacidade adaptativa (vontade de aprender, estar preparado para o
envolvimento em nova actividade ); capacidade dirigente.
Estas últimas propriedades pessoais dos quadros e técnicos estariam mais
ligadas (embora, é claro, não exclusivamente ligadas) a formas organizativas
elas próprias mais tradicionais, de tipo taylorista-fordista, com
predominância da linha hierárquica e da orientação para a produção de grandes
séries, cujo declínio relativo já atrás referimos. Nesta organização, como é
sabido, a solução para o problema da coordenação do conjunto das actividades
tem lugar a partir dos níveis hierárquicos mais elevados, a começar, bem
entendido, pela direcção da empresa.
c) Por último, no terceiro conjunto de qualidades pessoais, duas categorias
remetendo para qualidades próximas das tradicionais, mas sem lhes
corresponderem integralmente: competitividade e apresentação pessoal (no
sentido de apresentação física).
Mais geralmente, as empresas estariam a orientar-se para uma mais plena
valorização do conjunto das competências dos assalariados (pessoais e
sociais, como acabámos de ver, mas igualmente técnicas), subordinando as suas
carreiras mais a essas competências e não tanto a postos de trabalho
existentes. A noção de organização valorizante, capaz de promover competências
nos seus assalariados, passa a integrar a nova temática empresarial emergente
com o novo estado do mundo económico. Isto acontece ao lado da invenção ou
revalorização de outras noções, como a noção correlata de balanço de
competências (através da qual se procura inventariar as capacidades de um
assalariado num determinado momento do seu itinerário) (Mestre, 1997) ou a de
organização aprendente, oriunda da sociologia das organizações (Argyris, 1999;
Darling, 1998; Moingeon, 1998).
Estas perspectivas novas exprimem a pressão exercida sobre as empresas para
tirar o maior partido possível das diversas capacidades dos seus recursos
humanos. Já foi observado a propósito da temática das competências, e das
prováveis estratégias de gestão da força de trabalho das empresas, que se
poderia estar igualmente em presença da vontade de fazer depender mais das
competências, e menos dos diplomas escolares, as oportunidades de carreira dos
assalariados. Isso seria obviamente vantajoso para as empresas, dada a maior
instabilidade das primeiras relativamente às segundas. A análise dos dados
deverá igualmente sondar a evolução neste âmbito.
Uma parte do recrutamento externo dos quadros e técnicos corresponde a uma
opção em desfavor da possibilidade de recrutamento interno. Isto acontece, é
claro, quando o recrutamento externo não é correlativo de um movimento
expansivo da empresa. Ora as características da força de trabalho existentes na
empresa no momento em que anuncia foram em muitos casos, sobretudo, forjadas
pelo passado, em outras condições da produção, num outro estado da dinâmica
competitiva interempresas e com outros níveis educativos da força de trabalho,
bem assim como outros níveis da procura social de educação. Presume-se por isso
que o recrutamento externo de quadros e técnicos pode ser considerado como um
bom ângulo de observação para perceber a natureza e a evolução das preferências
e das estratégias das empresas nesta matéria. Por outro lado, o recrutamento
externo é classicamente considerado como uma opção que desfavorece a
constituição de mercados internos (Marsden, 1998: 258-9). Os dados empíricos de
que dispomos não permitem o acesso a informação sobre estes mercados. Contudo,
procurar-se-á que a análise de alguns traços do recrutamento externo possa
entreabrir as portas sobre os mercados internos, permitindo formular algumas
hipóteses e inferências.
Antes de passar aos resultados, procuremos recapitular resumidamente o modelo
de análise que propomos. Na tentativa de dar conta das preferências das
empresas sobre as características dos quadros e técnicos candidatos ao seu
recrutamento externo, partimos de pressupostos genéricos, e também de âmbito
mais específico, sobre a racionalidade das duas categorias de actores em
questão. A relação que se estabelece entre eles a partir do momento em que se
manifesta a intenção de recrutamento das empresas é no essencial uma relação de
troca, na realização da qual confluem as estratégias de ambos, orientadas pela
competição interempresas e intercandidatos, pelos respectivos recursos e pela
procura da melhor relação possível entre benefícios e custos (no sentido lato)
a obter dos dois lados. O mercado de emprego assim configurado é antes de mais
um mercado externo, embora remeta igualmente, e necessariamente, para os
mercados internos das empresas, e os termos da relação formam-se e alteram-se
em função do estado do mercado (no caso vertente marcado pelos aumentos da
competição entre empresas e do volume global dos recursos dos candidatos).
Análise de dados
Competências não formais
Consideremos em primeiro lugar as competências não formais dos candidatos,
apreendidas, como vimos, através da variável qualidades pessoais.
Vejamos os valores das categorias que correspondem às designadas novas
competências: autonomia e competência relacional. Quer em um quer no outro
caso, e com destaque para o segundo, trata-se de requisitos bastante
mencionados nos anúncios. Entre as duas datas, e também para os dois casos,
verificou-se um aumento dos pedidos das empresas destas características dos
candidatos. Em 1989, por cada 100 anúncios, houve 42,7 referências a novas
competências, em 1997 o mesmo valor foi de 46,5. No que respeita às
competências tradicionais houve, em 1989, 63,7 referências por cada 100
anúncios e, em 1997, 61,9.
Continuam, portanto, a ser estas últimas claramente as características mais
referidas. Por fim, foi nas competências que designámos de próximas das
tradicionais, competitividade e apresentação física, que o aumento das
referências foi o mais elevado: respectivamente 11,4% e 14,7%, em 1989, e 12,9%
e 14,3%, em 1997. Deste modo, não se verificou uma redução dos pedidos de
competências tradicionais e das competências próximas destas a favor das novas
competências. Globalmente, o que se verificou foi um aumento quase generalizado
dos pedidos de competências de tipo pessoal: em 1989, por cada 100 anúncios
havia 134 menções, enquanto em 1997 o mesmo valor era de 141,1. As empresas
anunciantes tornaram-se mais exigentes, sem prescindir, para os quadros e
técnicos que querem recrutar, das qualidades humanas que tradicionalmente são
valorizadas no mundo económico. Algumas dessas qualidades, como a
competitividade, tiveram um aumento notável.
Uma qualidade como a autonomia passa a ser nitidamente mais requerida entre
1989 e 1997 em certas áreas funcionais. Tal é o caso, para além da área
comercial, quando a empresa não indica a área. E, igualmente, para a
polivalência e para a categoria outras, isto é, neste último caso, para
muitas das vezes em que se tornou difícil, em termos de análise de conteúdo,
classificar o tipo de tarefas. Isto sugere que se pede mais autonomia quando as
tarefas são mais variadas e estão menos circunscritas e/ou menos bem definidas.
As empresas são mais exigentes com os seus quadros e técnicos e ao mesmo tempo
parece ter aumentado a confiança que concedem às capacidades pessoais destes
agentes. Fica sugerido, é claro, que uma coisa depende da outra, que a maior
confiança decorre da maior exigência (e, em particular, da possibilidade em ver
satisfeita esta última). Por outro lado, estamos aqui aparentemente diante de
maior flexibilidade na gestão interna desta força de trabalho, de acordo com as
tendências atrás mencionadas e, portanto, talvez em correspondência com a
própria orientação global para uma maior flexibilidade por parte das empresas.
Um bom testemunho da coexistência de competências tradicionais com competências
novas está no aumento simultâneo dos pedidos de capacidade de autonomia e de
capacidade racional/burocrática para as actividades de apoio à direcção da
empresa. Ainda quanto à autonomia, deve assinalar-se que o aumento dos
correspondentes pedidos se ficou apenas a dever às multinacionais e às empresas
nacionais de baixo estatuto. A autonomia hierarquiza estes três tipos de
empresas, com as multinacionais à frente (20,0% e 22,7%, em 1989 e 1997),
seguidas das empresas nacionais de estatuto elevado (18,3% e 17,9%) e das de
estatuto baixo (15,7% e 17,1%). Contudo, e como se vê, estas últimas empresas
aproximaram-se entre as duas datas das de estatuto elevado, não havendo em 1997
quase nenhuma diferença sob este aspecto entre os dois tipos de empresas
nacionais.
A importância de uma qualidade como a apresentação física de si regista entre
as duas datas uma progressão particularmente acentuada nas actividades de apoio
à direcção e sobretudo de gestão do pessoal. Ambas as actividades envolvem
contactos interpessoais em grau elevado. Nesse sentido, é provável que a
apresentação de si dos quadros e técnicos tenha ganho importância na fabricação
da imagem da empresa, quer ela esteja voltada para o exterior, quer para o seu
próprio interior. Neste último caso implicando igualmente talvez novas formas
de afirmar a autoridade dirigente (enquanto autoridade delegada). De qualquer
modo haveria que examinar o papel do género e das propriedades que
tradicionalmente lhe estão associadas, como a apresentação física de si, capaz
de funcionar como um capital na afectação a certas funções. Não é possível
fazê-lo com os dados disponíveis: as empresas não mencionam em caso algum o
género dos candidatos nos anúncios (o que seria de resto ilegal). Quanto à
competitividade, passou a ser mais requerida nas funções de gestão, sobretudo
para o enquadramento intermédio, e igualmente para as funções de não
enquadramento (individual), quando requerem autonomia.
Competências técnicas
Tal como para as competências informais, as empresas tornaram-se mais exigentes
no que respeita às competências técnicas. Em 1989, por cada 100 anúncios havia
129,6 referências a estas competências, e em 1997, o mesmo valor era de 134,6.
Estas competências distribuem-se, nas duas datas, por línguas (44,5% e 42,7%),
informática (34,6% e 42,6%), competências técnicas especializadas (39,4% e
38,7%) e competências técnicas genéricas (11,1% e 10,6%). Vê-se como o avanço
global fica exclusivamente a dever-se às competências em informática, havendo
mesmo ligeiros recuos nas outras.
Os requisitos em informática progridem sobretudo na área da produção, logo
seguida da área comercial e um pouco mais distanciadamente dos estudos técnicos
e planeamento. Quanto aos requisitos em línguas estrangeiras, não obstante o
seu ligeiro recuo global, progridem na área de administração e gestão. Isto é
confirmado se considerarmos agora a posição na hierarquia: é nas chefias
elevadas e no apoio à direcção, sobretudo nesta última, que estas capacidades
passam a ser mais pedidas entre 1989 e 1997.
Competências formais
Entre 1989 e 1997 houve lugar para importantes alterações nas preferências das
empresas anunciantes em matéria da formação escolar dos candidatos ao seu
recrutamento externo. Comecemos pela análise do nível e modalidade escolares.
As licenciaturas, que eram já preponderantes em 1989 (37,5%), passam a valores
ainda mais elevados em 1997 (41,2%). O recuo mais nítido pertence aos
bacharelatos, seja quando são pedidos conjuntamente com a licenciatura, em
alternativa recíproca (18,5%, em 1989, e 14,7%, em 1997), seja quando são
pedidos isoladamente (3,9%, em 1989, e 1,7%, em 1997). Ganhos igualmente
assinaláveis para o 12.º ano via de ensino (5,6% e 7,5%), com recuo do 10.º e
11.º anos (3,8% e 2,6%) e do 12.º profissional (1,2% e 1,0%). Deste modo os
bacharéis viram o seu espaço reduzir-se no interior de uma tenaz constituída
pelos licenciados e pelos detentores do 12.º ano via de ensino.
É possível que a explosão do número de licenciados pelo ensino superior entre
as duas datas, ao criar alguma abundância relativa destes diplomados, tenha
incentivado as empresas a recrutá-los, a favor nomeadamente de alguma pressão
para a contenção salarial. O facto de terem sido as empresas nacionais de
estatuto baixo as que aumentaram mais substancialmente o recrutamento de
licenciados (35,3% e 40,7%, contra 38,1% e 41,4% para as empresas nacionais de
estatuto elevado e 38,7% e 41,2% para as multinacionais) parece ajustar-se à
hipótese. Com efeito, se em 1989 eram as empresas nacionais de estatuto baixo
que menos recrutavam licenciados, dos três tipos de empresas eram aquelas onde
provavelmente era maior a probabilidade de não o fazerem em parte por razões de
custos económicos imediatos. São também estas empresas que mais drasticamente
reduzem a sua preferência por bacharéis e, ao mesmo tempo, que mais
acentuadamente passam a recrutar diplomados com o 12.º ano via de ensino.
Entre as duas datas os bacharéis perdem posições para os licenciados e os
diplomados com o 12.º ano via de ensino, sobretudo na área funcional de
administração e gestão, mas igualmente em estudos técnicos e planeamento, onde
ainda perdem a favor do 12.º ano via de ensino, embora mais moderadamente. Em
contrapartida os bacharéis ganham posições em gestão dos recursos humanos e
formação.
Na vertente hierárquica das funções as perdas de posições dos bacharéis a
favor, simultaneamente, como vimos, dos licenciados e dos diplomados com o 12.º
ano profissional, têm lugar antes de mais em funções de enquadramento médio.
Funções para as quais, no entanto, e como é bem conhecido, as formações do
ensino superior politécnico estariam particularmente voltadas, de acordo com a
definição oficial do papel deste ensino. O mesmo fenómeno tem lugar, embora um
pouco mais moderadamente, para as funções que designámos de individuais, e que
correspondem, recorde-se, a tarefas de não enquadramento.
No que respeita à área de formação, as formações em engenharia (27,2%, em 1987,
e 26%, em 1997), logo seguidas de economia/gestão (18,9% e 15,6%), situam-se na
dianteira do conjunto dos pedidos das empresas, a grande distância de todas as
outras. Estas últimas repartem-se entre informática/matemática (4,6% e 5,9%),
ciências (4,7% e 5,4%), humanidades (2,2% e 2,6%), artes (1,5% e 2,2%) e
direito (1% e 1%). Entre as duas datas há portanto recuo nítido do espaço para
os diplomados em economia/gestão, estabilização das formações em engenharia (as
formações em informática/matemática incluem formações em engenharia), pequenos
avanços em ciências, humanidades e artes.
O recuo de economia/gestão tem lugar nos três tipos de empresas nacionais de
estatuto baixo, nacionais de estatuto elevado e multinacionais , e em todas
elas de modo muito semelhante. Isto indicia uma mesma orientação quanto a estes
diplomados pela generalidade das empresas anunciantes, pelo que é pouco
provável uma reversão da tendência. É notável que os diplomados em economia/
gestão percam terreno entre 1989 e 1997 precisamente na área funcional de
administração e gestão (onde representam, em 1989, 54,3% dos pedidos e 45,3% em
1997). Ao mesmo tempo, são remetidos para a gestão e formação de recursos
humanos, com um fortíssimo incremento (13,3% e 18,3%), e também para a
polivalência, mas desta vez com aumento moderado (26,7% e 29,2%).
Entretanto, os diplomados em engenharia passam a aceder mais aos postos de
gestão e administração (9,5% em 1989, 13,5% em 1997), onde vão sobretudo ocupar
o terreno deixado pelos diplomados em economia/gestão. Apesar disso os
diplomados em engenharia são, previsivelmente e muito largamente, dominantes
nas funções de produção, a enorme distância de todas as outras categorias de
diplomados, embora aí tenham perdido ligeiramente terreno de 1989 para 1997
(61,5% e 58,8%). O aumento do recrutamento dos diplomados em informática/
matemática tem lugar sobretudo nas empresas nacionais de estatuto mais elevado.
Em termos de área funcional estes diplomados obtêm os mais fortes incrementos
por parte dos pedidos das empresas quando estas não indicam essa área, quando
os querem recrutar para os postos de administração e gestão, e também para os
de gestão e formação dos recursos humanos.
Examinemos agora as relações entre a área de formação dos candidatos e a
posição hierárquica das tarefas para as quais se pretende recrutá-los. Entre
1989 e 1997 teve lugar uma polarização da competição entre as duas principais
categorias de diplomados, engenharia e economia e gestão. Confirma-se deste
modo o que já era patente no que respeita à área funcional, e também aqui, sob
este ângulo da análise, com vantagem para os diplomados em engenharia. Com
efeito, nas posições mais valorizadas, isto é, nas chefias elevadas e no apoio
à direcção, os diplomados em economia e gestão perdem muito nitidamente terreno
a favor dos engenheiros (e igualmente a favor dos diplomados em ciências, com
destaque para o apoio à direcção). Em contrapartida, para o acesso ao
enquadramento médio mantêm-se as posições relativas das duas categorias de
diplomados.
No conjunto, a indicação do nível escolar nos anúncios passou de 70,4% dos
casos, em 1989, para 68,7%, em 1997. Para a área de formação escolar os mesmos
valores são de 60,1% e 58,7%. Há, portanto, ligeiro recuo das referências à
escolaridade, recuo que deve ser colocado lado a lado com os dados já vistos
relativos ao aumento dos requisitos em conhecimentos informáticos e em
qualidades pessoais. A experiência profissional (que é analisada adiante em
detalhe) foi referida em 65,2% dos anúncios, em 1989, e em 66,5%, em 1997.
Estes resultados sugerem uma evolução bastante moderada entre as duas datas em
direcção ao aumento da importância das competências dos candidatos não
escolarmente sancionadas, face às competências escolares. Embora desenhando-se
com relativa nitidez, a evolução fica claramente aquém de uma alteração
marcante da relação entre as duas ordens de competências. Contudo, deve
assinalar-se que isto ocorre num período em que aumenta pronunciadamente o
volume do capital escolar disponível.
Destaque-se também a progressão do recrutamento dos diplomados em artes nas
chefias elevadas e no apoio à direcção, bem como nas posições individuais com
autonomia, o que pode indiciar maior investimento na concepção dos produtos.
Embora, é claro, na escala correspondente à parte extremamente modesta que cabe
a estes diplomados.
Experiência profissional
Quando há nos anúncios menção do número de anos de experiência profissional as
preferências das empresas concentram-se largamente nas categorias de 1 a 3 anos
(9,3%, em 1989, e 11,9%, em 1997) e >3 a 5 anos (8,8% e 10,2%), com ligeira
predominância do primeiro intervalo. Isto em detrimento das categorias >5 anos
(5,5% e 5,0%) e dos recém-diplomados (2,2% e 1,6%). Entre as duas datas os
requisitos 1 a 3 anos e >3 a 5 anos aumentaram portanto nitidamente, sobretudo
no primeiro caso. Note-se, contudo, que na maior parte dos casos as empresas
não especificam o número de anos de experiência, quer a mencionem como
obrigatória (43,3% e 33,8%), ou simplesmente com preferencial (5,1% e 4,1%). De
qualquer modo, entre as duas datas aumenta a proporção dos casos em que as
empresas especificam o número de anos de experiência.
Procuremos ver mais de perto alguns aspectos das preferências pelas duas
categorias temporais da experiência dos candidatos mais pedidas. Em termos de
área funcional, em primeiro lugar. Os candidatos com 1 a 3 anos, face aos de >3
a 5 anos, estão mais vocacionados para as funções polivalentes e os estudos
técnicos e planeamento e menos para as funções de produção. Para a vertente
hierárquica das funções vemos as chefias elevadas e o enquadramento, e em menor
grau o apoio à direcção, a atrair mais os candidatos de >3 a 5 anos de
experiência, o que mostra a importância da idade na definição pelas empresas do
trabalho de enquadramento. A função a desempenhar pelos candidatos orienta
assim claramente as preferências das empresas quanto às suas idades.
Mas a função não esgota a lógica do recrutamento em termos etários. Com efeito,
se considerarmos agora o estatuto das empresas, vemos que o requisito 1 a 3
anos de experiência segue de perto esse estatuto: são as multinacionais que
mais pedem candidatos com esta experiência (12,5%, em 1989, e 14,5%, em 1997),
seguidas das empresas nacionais de estatuto elevado (8,8% e 12,4%) e por último
das empresas nacionais de estatuto baixo (5,4% e 7,5%). Para a categoria >3 a 5
anos temos semelhante distribuição, mas de modo menos vincado (6,2% e 7,3% para
as empresas nacionais de estatuto baixo, 9% e 10,5% para as empresas nacionais
de estatuto elevado, 10,8% e 11,9% para as multinacionais). Em todo o caso,
para os candidatos de >5 anos a relação inverte-se: quanto mais elevado o
estatuto da empresa, menor é a probabilidade de mencionar este requisito etário
(6,0% e 6,9% para as empresas nacionais de estatuto baixo, 6,2% e 5,4% para as
empresas nacionais de estatuto elevado e 4,3% e 3,3% para as multinacionais).
Ou seja, e para resumir o conjunto da distribuição: o estatuto das empresas
está inversamente correlacionado com o nível de experiência dos candidatos que
desejam recrutar. Em particular, a predilecção das empresas de estatuto mais
elevado pelos candidatos com 1 a 3 anos de experiência sugere a seguinte
hipótese: essas empresas, se estiverem em condições de fixar estes candidatos,
como parece plausível, transferem uma parte do que poderia ser designado como
os seus custos de formação inicial no mundo económico para as empresas menos
bem colocadas no mercado dos produtos.
Isto sucederia na medida em que as empresas melhor posicionadas estão em
condições de atrair os candidatos com aquela experiência colocados nas empresas
de menor estatuto, beneficiando assim dessa mesma experiência sem terem
suportado os custos que necessariamente lhe estão associados. Esses custos
seriam largamente custos de socialização. O próprio intervalo 1 a 3 anos de
experiência parece indicar que tudo se passa como se fosse necessário um
contacto suficientemente prolongado com o mundo económico para conhecer o
essencial do seu funcionamento. Mas um contacto, ao mesmo tempo, não demasiado
prolongado, para que os candidatos não estejam já moldados por uma cultura
determinada de empresa (Sainsaulieu, 1997: 234-63), logo, em condições de serem
devidamente socializados pela empresa anunciante. Além disso, 1 a 3 anos de
experiência seria também favorável à empresa em termos negociais.
Só há uma forma de obter uma repartição equitativa pelas empresas dos custos de
formação, por exemplo, os custos de formação que aqui designámos de inicial,
por incluírem com toda a probabilidade uma componente socializadora que só pode
ter lugar no próprio meio empresarial. Ela implica mecanismos institucionais
que coloquem todas as empresas, ou uma parte importante de entre elas, e
economicamente estratégica, na obrigação de realizar a correspondente formação
(Marsden, 1998: 259-60). Historicamente uma tal situação só ocorreu na Alemanha
com o sistema dual de aprendizagem nas formações de nível secundário, através
da acção do estado e da efectiva e maciça mobilização das empresas
(Buechtemann, 1993; Tanguy e Kieffer, 1982). Quando a obrigação está totalmente
ausente, como no caso do mercado de emprego dos quadros e técnicos, é elevada a
probabilidade de ocorrer a transferência dos custos, através das
correspondentes estratégias das empresas.
De qualquer modo tudo indica, nos nossos dados, que as empresas de estatuto
mais elevado estão de facto em condições de atrair e fixar candidatos com as
características mencionadas: nos seus anúncios oferecem também mais
frequentemente carreira e automóvel, além de mencionarem mais vezes que
oferecem vantagens remuneratórias, mencionando frequentemente que pagam
salários acima das outras empresas. Por exemplo, para os candidatos com 1 a 3
anos de experiência, as taxas de oferta de carreira, em 1989 e 1997, são de
29,0% e 26,3% para as empresas nacionais de baixo estatuto, de 31,5% e 30,4%
para as nacionais de estatuto elevado, e de 40,4% e 41,9% para as
multinacionais. Mesmos valores, na mesma ordem crescente do estatuto das
empresas, para a oferta de remuneração acima da média: 58,0% e 50,0%, 62,2% e
59,8%, 72,5% e 64,8%. Para a oferta de automóvel: 5,8% e 5,3%, 5,5% e 6,5%, e
15,2% e 15,2%.
De uma maneira geral é provável que estejamos aqui perante um conjunto de
procedimentos orientados:
- quer para captar os melhores quadros (seria sobretudo essa a função da oferta
de salário vantajoso);
- quer para que uma vez ingressados na empresa, esta possa obter o mais alto
empenho e esforço da sua parte (função sobretudo do incentivo da oferta de
carreira).
No primeiro caso estaríamos mais perto de estratégias confortando a concepção
neoclássica do mercado de emprego, com as empresas pagando mais para terem um
grande número de candidatos, entre os quais podem em seguida escolher os
melhores. No segundo caso estaríamos perante um modelo de comportamento
empresarial enfatizando a promoção da concorrência entre os assalariados
interna à empresa e os correlativos mecanismos de controlo social (Le Grand,
1995: 286-7; Finlay e Martin, 1995: 161).
Na literatura consultada vimos igualmente referência à experiência prévia dos
candidatos como um meio de assegurar uma socialização em aspectos do
funcionamento do mundo económico, alguns deles elementares, como a capacidade
para cumprir horários (Finlay e Martin, 1995: 153). Contudo, nada encontrámos
sobre estratégias empresariais ligando entre si o conjunto destes
procedimentos: (a) a captação e (b) a fixação de assalariados com (c)
modalidades de socialização que aparentemente levam em conta a especificidade
das culturas organizacionais, bem como (d) a transferência para empresas menos
bem colocadas no mercado dos produtos dos custos da socialização anterior.
Em todo o caso, os dados não apoiam o que poderia designar-se como uma versão
particularmente forte da hipótese da transferência dos custos de formação
inicial. De acordo com essa versão, as empresas que pretendem recrutar
candidatos com 1 a 3 anos de experiência profissional, desejosas em muitos
casos de os fixar e integrar, oferecer-lhes-iam contrapartidas mais vultuosas
do que para os outros candidatos. Nesse caso é de esperar que para os
candidatos com 1 a 3 anos de experiência, relativamente às outras categorias
etárias de candidatos, as menções às ofertas de carreira, a remuneração
atraente e a automóvel fossem mais frequentes. É claramente o caso para as
ofertas de carreira nos três tipos de empresas, sobretudo tendo em conta os
candidatos com 1 a 3 anos de experiência, face aos com mais de 5 anos. Já não o
é para a remuneração, em que há ligeira vantagem dos com 3 a 5 e > 5 anos. Para
a oferta de automóvel a experiência dá ligeira vantagem aos candidatos nas
empresas nacionais de estatuto baixo e nas multinacionais, e nítida vantagem
nas empresas nacionais de estatuto elevado.
No entanto, também não se pode deixar de pôr aqui em destaque dois pontos. O
primeiro é que, no conjunto das três ofertas empresariais, são as ofertas de
carreira que mais claramente correspondem à intenção de fixar e integrar os
candidatos. Em segundo lugar, as empresas estão com bastante probabilidade em
posição negocial relativamente favorável face aos candidatos com 1 a 3 anos de
experiência (logo a seguir aos recém-diplomados). Nesse sentido, as
contrapartidas que oferecem em remuneração e automóvel poderiam ser
particularmente baixas o que não é o caso, como vimos.
Por isso mantêm-se as razões para conservar a hipótese da transferência dos
custos de formação inicial, e a sua ligação com os outros aspectos das
estratégias empresariais em questão, embora rejeitando o que poderia ser
considerado como a versão forte dessa hipótese.
Entre o mercado interno e o mercado externo
Retomemos o que atrás foi dito acerca da possibilidade de as empresas se
orientarem (a) mais para a escolha do que consideram ser os melhores
candidatos, sem incentivos para deles obterem os melhores desempenhos uma vez
recrutados, ou então (b) mais para a criação de incentivos após o seu ingresso.
Pode tentar-se analisar a presença de cada uma destas alternativas nos
procedimentos das empresas. Obviamente que, aqui como nas demais análises
propostas, a informação que iremos usar, contida nos anúncios, tem unicamente o
estatuto de um conjunto de indicadores plausíveis da orientação da acção das
empresas. Não tem o grau de amplitude e de precisão que resultariam de um
inquérito expressamente construído no âmbito das problemáticas que temos
ventilado.
As duas variáveis da oferta de carreira e de salário vantajoso podem prestar
aqui bons serviços. Com efeito, a oferta de carreira estaria mais próxima das
estratégias voltadas para tirar o melhor partido dos candidatos, após
recrutamento. A oferta de salário vantajoso, em contrapartida, estaria mais
orientada para captar os melhores entre os candidatos possíveis. Considerem-se
os quatro casos que resultam da combinação da presença ou ausência nos anúncios
das ofertas de salário atraente e carreira, com as correspondentes taxas às
duas datas:
1 não oferta de carreira, não oferta de remuneração: atrair os melhores, sem
incentivos após ingresso, versão fraca; 33,7% dos casos, em 1989, 39,4%, em
1997;
2 oferta de carreira: atrair e integrar com incentivos; 5,1% dos casos, em
1989, 4,9%, em 1997.
3 oferta de remuneração: atrair os melhores, sem incentivos após ingresso;
39,3% dos casos, em 1989, 34,5%, em 1997.
4 oferta de carreira, oferta de remuneração: atrair e integrar com incentivos,
versão forte; 21,8% dos casos, em 1989, 21,2%, em 1997.
A combinatória resume para cada caso a correspondente e provável estratégia das
empresas, de modo meramente tendencial, é óbvio, pelas razões atrás expostas.
Em (2) a oferta de carreira funcionaria simultaneamente como elemento de
atracção de candidatos e da sua integração na empresa. Não se trata apenas de
procurar atrair os melhores, mas de procurar também que dêem o melhor de si uma
vez recrutados. Em (4) teríamos uma versão forte desta última alternativa, dado
que se conjugam aqui a oferta de carreira e o salário atraente. Em (3) as
empresas estariam, sobretudo, orientadas para atrair através de salário
vantajoso os melhores candidatos, com menor orientação para os integrar, o que
pode implicar maior rotação dos seus quadros e técnicos. Seria o caso mais
próximo da abordagem neoclássica do mercado de emprego, com predominância da
dinâmica do recrutamento externo. Em contrapartida, no caso (4) as empresas
procurariam beneficiar dos incentivos ligados ao funcionamento dos mercados
internos. Isto é, a acção das empresas estaria voltada para tirar o máximo de
vantagens dos recursos e capacidades dos candidatos recrutados, inclusive
favorecendo o próprio desenvolvimento desses recursos e capacidades. Para (1)
temos situações mais difíceis de caracterizar. Contudo, não é de excluir que
uma boa parte dos anúncios correspondentes a este caso esteja igualmente
orientada para o mercado externo. Leve-se nomeadamente em conta o facto de que
a simples menção no anúncio de a empresa ser líder no ramo ou multinacional
pode funcionar do ponto de vista das empresas como um equivalente da referência
ao salário vantajoso.
Em 1989 há 39,3% de casos em que as empresas anunciantes estão claramente
orientadas para o mercado externo, enquanto a figura oposta regista
5,1+21,8=26,9% dos casos. Mesmos valores para 1997: 34,5% e 4,9+21,2=26,1%.
Entre as duas datas os casos em que no anúncio não figura nem a oferta de
carreira nem a remuneração atraente passam de 33,7% para 39,4%. Dado o
significado atribuído a este último caso é provável que entre 1989 e 1997 não
tenha havido finalmente grandes alterações em matéria de orientação para o
mercado externo.
Podemos agora examinar a relação entre as ofertas das empresas, o nível de
escolaridade dos candidatos e a sua experiência profissional, de acordo com a
tipologia atrás proposta. Quando as empresas querem recrutar candidatos com
determinadas características o que é que oferecem em troca? Por exemplo: por
cada 100 candidatos com 1 a 3 anos de experiência, a quantos as empresas
oferecem simultaneamente carreira e remuneração vantajosa? No que respeita ao
nível escolar: o traço mais saliente da distribuição (que não detalhamos)
corresponde à predominância de oferta de remuneração vantajosa quando as
empresas querem recrutar bacharéis e titulares de diplomas do 12.º ano via de
ensino. Quanto à intenção de recrutar licenciados, ela não está claramente
associada a uma contrapartida definida oferecida pelas empresas. Quando muito
há uma ligeira maior propensão para oferecer carreira a estes diplomados. Para
a experiência dos candidatos: a menção a salário atraente está claramente e
positivamente associada à intenção de recrutar candidatos com mais de três anos
de experiência; enquanto a oferta de carreira se correlaciona mais com o
recrutamento de candidatos com 1 a 3 anos de experiência, especialmente se
estiver combinada com oferta de remuneração atraente. A mesma associação
positiva existe, embora em menor grau, para os candidatos com >3 a 5 anos de
experiência.
Deste modo, o recrutamento externo, mais próximo do modelo neoclássico do
mercado de emprego, estaria sobretudo associado aos diplomas de nível mais
baixo, enquanto os licenciados estariam mais protegidos destas orientações das
empresas. Em contrapartida, a intenção de fixar os candidatos e de tirar o
máximo partido das suas competências através de incentivos parece estar,
sobretudo, associada ao recrutamento de candidatos com 1 a 3 anos de
experiência profissional.
Conclusão
Qualidades como a autonomia e a competência relacional, no âmbito do que tem
sido designado como novas competências, têm um lugar importante nas
preferências das empresas anunciantes, embora claramente atrás das competências
tradicionais. As novas competências passaram a ser, moderadamente, mais pedidas
entre as duas datas. Por outro lado, este movimento não teve lugar à custa das
competências tradicionais.
Isto indicia uma mudança talvez não tão pronunciada como seria de esperar, face
ao contexto económico, à importância actualmente concedida ao tema, bem como ao
tema correlato da flexibilização da actividade e da estrutura das empresas e da
intensificação da competição entre elas. Em todo o caso, o facto de os pedidos
de autonomia crescerem, sobretudo, nas áreas funcionais menos bem definidas
parece estar, em princípio, de acordo com o tipo de alterações nas estruturas
das empresas que estão associadas às novas competências. Não é de excluir que o
aumento dos pedidos das competências não certificadas escolarmente tenha
igualmente algo a ver com o próprio aumento do volume de diplomados. Com
efeito, este último, em si mesmo, passa a fornecer menos informação às empresas
sobre os candidatos (Breen e Goldthorpe, 2001: 236). Os pedidos de competências
técnicas cresceram, mas unicamente em matéria de conhecimentos informáticos.
No que toca às competências formais e para os níveis de formação, as
licenciaturas dominam largamente nas preferências das empresas, a grande
distância dos bacharéis e dos detentores de diplomas do 12.º ano, da via de
ensino ou profissionais. Isto é tanto mais notável quanto a nossa escolha para
a análise dos anúncios não incidiu apenas sobre as funções de quadros e
técnicos superiores, mas igualmente de quadros e técnicos médios.
Em particular, as funções de enquadramento intermédio são maioritariamente
providas por licenciados. Esta estrutura das preferências das empresas
contraria frontalmente e felizmente, para bem da empregabilidade do conjunto
dos diplomados do ensino superior as crenças e definições de uso corrente
sobre o papel e as necessidades de formações intermédias. Para mais, diminui
ainda, entre 1989 e 1997, a parte já de si exígua que nos anúncios do Expresso
emprego cabe aos bacharelatos e ao 12.º ano profissional, sobretudo, nas
actividades de enquadramento médio.
Apenas os detentores do 12.º ano via de ensino parecem minimamente fazer jus ao
destino mais adequado às formações intermédias. Note-se que estamos aqui
perante um tipo de diplomado relativamente ao qual são nulas ou praticamente
inexistentes as referências ao seu papel no mundo económico. Claro que é
necessário lembrar: o estudo respeita apenas a uma parte do recrutamento
externo dos quadros e técnicos. Em particular, uma parte talvez bastante
importante do recrutamento dos bacharéis e dos detentores de diplomas do 12.º
ano profissional deve ter lugar através de métodos informais. Métodos esses, em
todo o caso, diferentes do anúncio em periódico de circulação nacional (veja-
se, por exemplo, o papel do estágio em empresa para as formações de nível III,
do Ministério do Trabalho).
De qualquer modo, destaque-se o facto de terem progredido nas preferências das
empresas as licenciaturas e o 12.º ano via de ensino, precisamente as
formações, de longe, com maior volume relativo de diplomados. Pelo menos no
caso das licenciaturas, são as que mais cresceram entre 1989 e 1997. Isso
sugere que as empresas têm uma larga propensão e capacidade para ajustar uma
boa parte das suas preferências à própria oferta de força de trabalho. As
empresas podem mesmo, em relativamente curto espaço de tempo, rever muitas das
suas perspectivas e concepções nesta matéria, em particular no que se refere às
relações entre formação, posição e função, por um lado, e tarefas a ocupar e a
desempenhar, por outro lado. E, ao fazê-lo, estão no essencial a colher as
oportunidades que lhes oferece o novo estado do mercado de emprego.
Um indício da flexibilidade do comportamento empresarial está na existência, e
no reforço entre as duas datas, de estratégias que tudo indica estarem
orientadas para fixar e integrar quadros jovens, assegurando a melhor
socialização possível às suas culturas organizacionais. E transferindo
simultaneamente para outras empresas menos bem colocadas no mercado dos
produtos os custos de uma socialização inicial, de carácter genérico, no
mundo económico. Pode considerar-se, com efeito, que tais estratégias são
particularmente adequadas a um estado do mercado de emprego em que a forte
afluência de diplomados do ensino superior é um dos traços dominantes. Isto é,
um estado do mercado em que cresce particularmente depressa a parte do segmento
juvenil no conjunto dos diplomados do ensino superior.
O recuo das formações em economia/gestão regista-se precisamente numa área em
que foi (a) extremamente acentuado o crescimento do número de diplomados, (b)
com contributo relevante do ensino superior privado, ao qual o referido recuo
também terá ficado a dever-se. O fenómeno não corresponde apenas a uma redução
quantitativa global: uma vez recrutados, os candidatos com aquelas formações
têm menos oportunidades de ingresso nas funções e posições mais desejáveis. Em
contrapartida, os diplomados em engenharia, cujo crescimento entre as duas
datas (a) terá sido menos acentuado de que no caso anterior, (b) mas que foi em
todo o caso importante e (c) no essencial sustentado pelo ensino público, não
só mantêm a sua parte no volume global das preferências empresariais, como
ainda ganham terreno para ao acesso às posições mais desejáveis, com maior
poder formal nas empresas. O que tem lugar em detrimento, precisamente, dos
diplomados em economia/gestão e também na área funcional de administração e
gestão.
No que toca à orientação empresarial segundo a alternativa mercado interno/
externo, num quadro geral em que domina o recurso ao mercado externo, nota-se
no caso desta orientação das empresas alguma prevalência dos recrutamentos
orientados, sobretudo, para os candidatos com escolaridade inferior à
licenciatura e experiência profissional superior a 3 anos. E maior importância
relativa dos incentivos, uma vez realizado o recrutamento (prevalência do
mercado interno), muito moderadamente para os candidatos licenciados e bastante
mais nitidamente para os que têm experiência de 1 a 3 anos.
A relativa flexibilidade de que dá provas o mundo empresarial, ou pelo menos
uma parte relativamente importante deste mundo social, perante as
transformações no volume e estrutura da oferta de formações, deve ter como
contrapartida alguma capacidade da própria procura de ensino por parte dos
estudantes reagir ao estado das preferências das empresas e às linhas de força
do mercado de emprego. Ao que tudo indica os acréscimos de procura de ensino
superior verificados desde a segunda metade dos anos 80 são desencadeados, num
primeiro tempo, pelo aumento dos níveis de vida e a correlativa alteração das
perspectivas dos jovens e das famílias quanto à escolaridade. A prazo, porém,
os estudantes protagonistas dos sucessivos suplementos da procura não podem
permanecer indiferentes ao estado das preferências das empresas e dos segmentos
do mercado de emprego implicados na valorização das suas formações.
É verdade que no caso do ensino superior uma boa parte da informação
proveniente do mercado de emprego só chega aos jovens depois das escolhas
feitas, isto é, no fim ou perto do fim dos estudos, através dos primeiros
contactos com o mercado de emprego dos pares com idênticas escolhas e que os
precederam na escolaridade. Contudo, a informação deve circular igualmente por
outras vias (Alves, 2000: 90-2). É provável que em 1997 o estado do mercado de
emprego dos quadros e técnicos fosse já o resultado de um conjunto de
reajustamentos importantes entre oferta e procura de diplomados, sucedendo à
explosão da procura de ensino superior que ocorreu a partir de meados dos anos
80.
Veja-se nomeadamente que o facto de uma parte do ensino superior ser privado
deve dar a este ensino alguma flexibilidade perante as modulações da procura.
Por outro lado, sabe-se como, para cursos idênticos ou homólogos, as
preferências dos estudantes vão quase sempre para o ensino universitário
público. Consideremos assim, por exemplo, a desvalorização dos cursos de
economia/gestão, patente, como vimos, quer na redução do volume relativo de
pedidos destes diplomados quer na quebra das suas oportunidades de aceder a
funções de gestão e enquadramento. Essa perda de valor dos diplomas poderá ter-
se repercutido negativamente na procura destes cursos, especialmente no sector
privado, com algum provável reajustamento da oferta.