Em defesa da investigação-acção
EM DEFESA DA INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO
José-Carlos Ferreira de Almeida*
Porquê em defesa da investigação-acção? Porque ela tem sido a parente pobre no
campo das ciências sociais, dela pouco se falando, sendo insuficientemente
praticada, tendo em conta as potencialidades que abrange, e porque, mesmo
quando é efectuada, raramente é divulgada fora dos círculos restritos que
utilizam os seus resultados. Sobretudo, é muito escasso o número de
publicações, livros ou artigos de revistas científicas que dela se ocupam.
Não estou a referir-me apenas ao panorama nacional. O que atrás se aponta é
válido no plano internacional. Desde que, em 1948, Kurt Lewin lançou a ideia da
action research,tal proposta não foi bem aceite nos círculos científicos.
Talvez porque vinha a contracorrente da história das próprias ciências sociais,
muito preocupadas, nessa época, em afirmar a sua cientificidade e em delimitar
os campos da produção e da utilização do conhecimento, distanciando-se das
intervenções e das ideologias. Resta que um manto de silêncio recobriu a
investigação-acção e raros foram os autores/investigadores de nomeada que a
praticaram por vezes sob outras designações, em correspondência com as
alterações que introduziram para a adaptar às suas próprias preocupações e
metodologias.
Mais recentemente e agora refiro-me sobretudo a Portugal houve alterações
significativas. A generalização da sociologia, depois de 1974, a explosão do
número de sociólogos que, não podendo ser absorvidos pela investigação e pelo
ensino, se disseminaram por vários domínios de actividade, participando muitas
vezes em trabalhos de equipa com outros profissionais, levaram a um aumento da
preocupação em realizar estudos e levantamentos antes de se passar à fase da
intervenção. Tais actuações têm sido particularmente sensíveis em áreas como as
do ensino, da intervenção social incluindo as intervenções urbanas e da
saúde (de que são exemplos estes não nacionais, os trabalhos ditos de
participatory research, nomeadamente nos países nórdicos). As designações nem
sempre são as mesmas: há quem, conforme os casos, prefira acção-investigação,
investigação na e/ou para a acção, pesquisa-acção, etc., mas o fundo e o
estímulo são idênticos e é isso que importa.
Há uma questão que julgo relevante e que não tenho visto abordada.
O mundo das ciências e tecnologia tem sido invadido pela noção de I & D
(investigação e desenvolvimento), a que têm sido concedidas larga atenção e
vultuosas verbas.
As ciências sociais têm procurado, na medida das suas virtualidades, retirar
daí benefícios. Mas tem sido esquecido que, dada a sua especificidade e a das
tecnologias implicadas pelo desenvolvimento, é justamente a investigação-acção
o campo de trabalho que, para elas, melhor corresponde às preocupações
implicadas pela I & D e para esse facto deveria ser chamada a atenção,
quer das autoridades financiadoras e promotoras de projectos, quer dos próprios
investigadores, daí se retirando as consequências apropriadas.
Interessa apontar, mesmo num texto tão sucinto como este, algumas
características da investigação-acção.
Não existe um paradigma da investigação-acção (o que não é de espantar, dados
quer a fraca divulgação da sua prática, atrás apontada, quer o próprio carácter
pluriparadigmático das ciências sociais). Mas é possível apontar alguns traços
que lhe são inerentes.
Com efeito, a(s) metodologia(s) da investigação-acção apresenta(m) aspectos
específicos que diferem das metodologias de investigação tout court. O facto de
congregar a produção e a utilização imediata ou, até, concomitante, do saber,
faz com que ela se inscreva numa lógica própria de um espaço de intersecção:
nem a metodologia da investigação pura, nem as simples regras da acção
imediata. Trata-se de criar uma interface entre duas atitudes/posturas, por
sobre o pano de fundo da interpenetração e circularidades complexas entre três
ordens de categorias: as das ciências (nomeadamente as sociais), as de tipo
político-institucional e as do senso comum.
Não se trata de projectos bicéfalos, mas sim de conjugar/congregar duas ordens
de preocupações e, muitas vezes, de agentes/actores. Assim, a orientação de um
projecto de investigação-acção implica entrosar metodologias de investigação
com praxologias da acção, sem esquecer a viabilidade da execução do projecto no
seu conjunto, tendo em conta as contingências e constrangimentos inerentes a
qualquer intervenção.
Implica o recurso a sensibilidades que, não sendo as mesmas, se vêem levadas,
de forma inequívoca, a serem comunicantes, não de forma incidental, mas de modo
estrutural/estruturante. E, não esqueçamos, é necessário, para o bom sucesso de
qualquer projecto deste tipo, que se abandonem as tentações hegemónicas de
qualquer das suas vertentes. O que envolve também a necessidade de desocultação
e transparência por parte de todos os agentes e processos envolvidos.
Tudo o que ficou dito pressupõe que se acha haver vantagens em alargar a
prática da investigação-acção. Ela implica o abandono do praticismo não
reflexivo, favorece, quer a colaboração interprofissional, quer a prática
pluridisciplinar quando não interdisciplinar ou mesmo transdisciplinar , e
promove, inegavelmente, a melhoria das intervenções em que é utilizada.
*José-Carlos Ferreira de Almeida. Escola Nacional de Saúde Pública
da Universidade Nova de Lisboa. Investigador associado do Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa.