Cobertura jornalística da infância: definindo a "Criança Internacional"
Estudos comparados no jornalismo: a atenção aoutrasagendas
Os estudos dos média noticiosos têm estado estreitamente ligados a questões
políticas nacionais, constituindo sobretudo um metadiscurso académico sobre a
definição diária da realidade política (Schudson, 2000). Esta delimitação à
agenda política em sentido estrito envolvendo sobretudo decisores,
governamentais e de outras esferas de poder secundariza outras vertentes do
que constitui notícia e tende a subestimar porque constitui notícia. A escolha
de um grupo social habitualmente silenciado mas de grande influência simbólica
as crianças como território para observar processos de construção da
notícia na imprensa de informação geral considerada de qualidade no nosso país
teve pois como enquadramento a atenção a uma agenda de notícias frequentemente
discretas e no interior do jornal.1
No nosso país, os estudos sobre crianças e média têm-se vindo a afirmar de
forma notória, nos últimos anos (Pinto e Pereira, 1999). Tem sido a televisão o
campo mais trabalhado, em estudos centrados na programação para crianças
(Brederode-Santos, 1991; Ponte, 1998) mas sobretudo na recepção. As vivências
de crianças de várias idades e meios sociais como espectadores de televisão
foram objecto de estudo por Manuel Pinto (1995), Teresa Fonseca (2000), Sara
Pereira (2000), Sara Saramago (2000). Compilações de pesquisas internacionais
neste campo (von Feilitzen, 1999; 2000; 2001) revelam também que tem sido a
televisão o meio mais estudado, e os programas para crianças ou programas
familiares os que têm suscitado maior atenção por parte de investigadores. Por
contraste com esta grande atenção ao audiovisual e ao entretenimento, ressalta
a escassez de estudos sobre o discurso informativo em outros suportes, como a
imprensa ou a rádio.
Como outros campos que cruzam o público e o privado, como os estudos de género
ou a presença da ideologia da família nas notícias (Carter, 1998), também a
infância tem estado pouco presente nos estudos jornalísticos. A pesquisa
académica e a reflexão de profissionais sobre a cobertura jornalística de
crianças é ainda escassa mas vem registando um interesse crescente (Ponte,
2000). Deste interesse destacamos nomeadamente o estudo comparado envolvendo 13
países asiáticos (Goonasekera, 2001) e a intervenção protagonizada pela
Federação Internacional de Jornalistas, traduzida na aprovação de um guião para
tratamento noticioso dos direitos da criança consignados pela Convenção dos
Direitos da Criança de 1989, e elaborado conjuntamente com a UNICEF.
As análises que apresentamos fazem parte de um estudo mais geral sobre a
cobertura jornalística da infância nos últimos 30 anos (Ponte, 2002). Folheando
jornais de informação geral, procurámos ir além de momentos de crise ou de
calendário (abertura do ano escolar, exames, Dia Mundial da Criança),
inventariar que assuntos aparecem no dia-a-dia, tanto os que aparecem muito
como os que aparecem pouco, e procurar perceber como essas opções se inserem na
construção mais geral do discurso jornalístico.
Com contributos da história, da sociologia e da antropologia da infância,
construímos categorias sociais e culturais que permitem a diferenciação
temática das peças (por exemplo: criança aluno, para peças que cobrem conteúdos
de educação; criança em risco, para peças que cobrem conteúdos relacionados com
situações de insegurança; a criança olímpica, para peças que referem crianças
filhas de figuras públicas, da vida artística ou política).
O critério de recolha de notícias neste estudo tem como limite os 14 anos (e
não os 18, consignados na Convenção), uma vez que o nosso objectivo se centra
na percepção social da criança e da infância, e nos valores com que são
culturalmente construídas no ocidente (vulnerável, inocente, dependente). Mesmo
sabendo como são artificiais as fronteiras de idade, fizemo-lo na procura de
uma separação com a adolescência.
A criança internacional noPúblicoeDiário de Notícias, em 2000
A primeira comparação versa notícias internacionais e tem como base peças
recolhidas no ano 2000, nos dois jornais, que reportam situações vividas
directa ou indirectamente por crianças. Privilegiámos a comparação entre
notícias provenientes do espaço europeu, por um lado, e do terceiro mundo
(África, Ásia, América Latina), por outro.
Em secções como Internacional, Sociedade, Ciência ou Média, no Diário
de Notíciase Público, em 2000, as notícias internacionais pesam no total das
peças recolhidas. A percentagem das peças com origem externa é respectivamente
de 41,9% e 50,8%. Estes valores são superiores aos de outros anos, analisados
no nosso estudo, e para eles contribuiu a elevada cobertura que os dois jornais
portugueses (como de quase todo o mundo) deram à saga de Elián Gonzalez, o
pequeno náufrago cubano constituído como objecto de disputa política entre Cuba
e os Estados Unidos. Só este caso representa 16,4% das notícias com origem
externa no Diário de Noticias e 20,1% no Público
.
Oquadro_1 discrimina as origens por jornal, quantifica o total recolhido e
apresenta a variação dos valores percentuais entre os dois jornais.
Em ambos, dominam notícias da Europa (37,7%) e dos Estados Unidos (onde se
inclui o caso Elián), com 30,9%. O terceiro lugar, bem afastado (9,3%),
pertence ao continente asiático, em particular devido ao conflito israelo-
palestiniano. Para os valores alcançados por África (7,5%) contribuem notícias
sobre Angola e Moçambique no DN. Peças sobre as Nações Unidas e outras
instituições, reportando estudos ou conferências internacionais, apresentam
baixa percentagem, da ordem dos 7%, valor que quase coincide nos dois jornais.
Podemos pois constatar que o noticiário internacional é orientado sobretudo
para notícias de países do primeiro mundo.
Nos dois jornais, o número de peças de origem europeia (210) quase duplica o
número de peças cobrindo a Ásia, África e América Latina (112). Esta
distribuição mostra também a relevância da proximidade geográfica. Num ano
marcado pelo caso Elián e apesar do seu peso neste noticiário, a maioria das
notícias externas ainda veio de países europeus.
A distribuição irregular verifica-se nas notícias com origem europeia
(quadro 2). Não é de Espanha, país vizinho, nem da França, Suíça ou Alemanha,
países com proximidade com a sociedade portuguesa, dado o elevado número de
emigrantes que aí se fixaram, que vem a maioria das notícias. O lugar de
destaque pertence ao Reino Unido, com quase metade do total das notícias
europeias. Para esta relevância quantitativa podem contribuir factores como o
elevado número de revistas científicas aí publicadas e que constituem fonte de
informação para as páginas de ciência, o peso que tiveram em 2000 as campanhas
de jornais tablóides em prol da publicitação de listas de pedófilos (e
tornando-se elas próprias tema de agenda de outros jornais), a existência de
correspondentes permanentes na capital britânica, com produção regular de
notícias, a influência da agência de informação Reuters nas salas de redacção,
estes dois aspectos visíveis na maior cobertura do Público (provém do Reino
Unido mais de metade das suas notícias europeias).
No seu conjunto, cinco países (Reino Unido, Itália, Alemanha, Espanha e França)
representam mais de 3/4 das notícias da Europa. De novo se sente a dificuldade
da circulação de notícias do espaço supranacional: notícias sobre instituições,
reportando políticas comuns ou estudos sobre as crianças da União Europeia,
representam apenas 6,2%, na linha do que se verificara com outras instituições
internacionais. A distribuição dos restantes países com notícia é mostrada no
quadro_3.
Não se registaram pois notícias sobre crianças provenientes da maioria dos
países europeus (nomeadamente do norte, centro e leste da Europa). Iremos ver
adiante que conteúdos sobre crianças foram contemplados nestas notícias.
Dimensão das notícias e uso de fotografias
As decisões editoriais sobre a apresentação das peças quanto à extensão (número
de parágrafos) variaram nos dois jornais no ano 2000, desenhando dois estilos
diferentes de cobertura. As notícias de parágrafo único dominam no Diário de
Notícias,tanto nas europeias como dos outros continentes, enquanto no Público
encontramos peças mais extensas. A variação entre as coberturas dos dois
jornais neste item é a mais elevada (a comparação reporta ao ano anterior à
reformulação gráfica do Público). Estes resultados dão assim conta de duas
culturas de redacção diferentes quanto ao tratamento jornalístico, entre a
peça curta e de síntese e peças mais extensas e contextualizadas.
Se a maioria das peças não tem ilustração, encontramos mais imagens de crianças
nas notícias provenientes de África, Ásia e América Latina (43,2%) do que no
espaço europeu (36,2%). As imagens fotográficas foram apreciadas segundo
variáveis como a idade aproximada, género, características étnicas2 e estatuto
social e a sua comparação evidenciou diferentes retratos consoante a
proveniência geográfica:
A criança da Europa nestas fotografias de imprensa é mais nova que a criança do
Terceiro Mundo. É sobretudo bebé, de pele branca e de classe média. É ainda
uma criança genérica, não se distinguindo se é menino ou menina, dado o
recurso frequente a grandes planos de rostos de crianças. O espaço interior (da
casa, creche, hospital, escola, jardim cercado) é o ambiente dominante. A
homogeneidade nas características étnicas e nível social impõe-se perante a
quase ausência de grupos mistos (3,0%) e de cenários de pobreza (11,8%).
Vejamos por contraste as imagens da criança do Terceiro Mundo. Nas peças do
Público e do Diário de Notícias é sobretudo rapaz, pobre e mais velho que a
criança europeia (predominam aqui crianças entre os 6 e os 10 anos). Em apenas
27,1% das fotografias encontramos raparigas. São as crianças asiáticas as mais
presentes, seguidas das africanas. O cenário dominante é agora o exterior: com
frequência, são crianças deslocadas dos seus contextos naturais, fotografadas
em campos de refugiados, em cenários de guerra ou vítimas de catástrofes
ambientais.
A composição destas fotografias corresponde às observações de Patricia Holland
(1992: 148) sobre as representações em imagem das crianças do Terceiro Mundo:
crianças pobres, negligenciadas, abandonadas, vítimas de guerra ou de desastres
naturais, estão presentes em fotografias de imprensa ou em anúncios de
campanhas como as figuras mais vulneráveis desse espaço. O seu sofrimento (ao
contrário das imagens de crianças bem alimentadas e com recursos, dos países
desenvolvidos) solidifica a imagem de debilidade dessas nações. Escreve Holland
(1992: 150):
O sofrimento do Terceiro Mundo proporciona (aos países desenvolvidos) um certo
sentido de conforto, recordando-nos que temos poder para ajudar outros. Esse
poder é confirmado pelo olhar apelativo de uma criança, cuidadosamente
seleccionada de maneira a que não nos faça vacilar da nossa posição. Essas
crianças que nos apresentam não são refugiados que procuram entrar nas nossas
fronteiras, não são guerrilheiros armados causadores de perturbação
internacional, não têm marcas de doença que as tornem fisicamente repelentes. O
seu ar miserável e submisso assegura a nossa compaixão e ajuda a que decidamos
contribuir. Ao olharmos essas crianças, reconhecemo-nos como adultos e
habitantes do Ocidente.
Diplomatas, organizações não governamentais e os média conhecem bem estes
códigos e estes olhares. Para Charlie MacComarck, dirigente da Save the
Children, a escolha de uma imagem forte para uma campanha de fundos obedece a
critérios bem pensados do ponto de vista da recepção desejada (recolha de
donativos). Comenta MacComarck (apud Moeller, 2002: 50):
As crianças escolhidas para essas imagens têm 5, 6, 7 anos. Andam por essa
idade. Mais novos do que isso e (acreditam os doadores) os pais devem tomar
conta deles ou o que precisam não é de apoio financeiro mas de alimentos.
Mais velhos e as pessoas acham que já são autónomos, capazes de tomarem conta
de si. A minha impressão (sobre o que funciona melhor) é uma criança gira,
genérica em termos de etnicidade ou género. Pode ser uma rapariga, mas pode ser
uma criança indonésia, com uma aparência não muito acentuada de rapaz ou de
rapariga, de 6 ou 7 anos. Penso que há um motivo para isso. As pessoas precisam
de uma imagem genérica. Quando a imagem é muito específica, para muitos o caso
torna-se muito específico. Outro ponto central são os olhos. Mais do que o
resto, é preciso que a criança nos esteja a olhar.
Por contraste com as crianças vítimas e desprotegidas, raramente é dada a
conhecer a autonomia e a resistência de crianças que vivem em condições
diferentes do ideal de infância do ocidente, a sua capacidade para cuidarem
de si, o cruzamento que fazem de papéis (entre o cuidar de irmãos mais novos e
o brincar com eles, por exemplo), o seu sentido da responsabilidade e
capacidade de sobrevivência ou, quando tal é feito, frequentemente, é-o em
termos de tragédia ou de ameaça.
Tópicos de diferentes mundos
Vejamos agora nos dois jornais portugueses, em 2000, quais foram os cinco
tópicos mais frequentes nas notícias da Europa e dos três continentes. Sem
surpresa, verificamos que não há tópicos comuns nestes dois territórios. Ao
contrário da variação nas decisões editoriais quanto à extensão das peças, de
que demos conta, a escolha temática evidencia menor diferença nos processos de
decisão sobre que temas cobrir relativamente a notícias envolvendo crianças nos
dois espaços geográficos: encontramos os mesmos temas em ambos os jornais, e a
sua variação situa-se abaixo de 2, 5 pontos em sete dos 10 principais temas
(quadro_4).
Na comparação entre os jornais, observamos a liderança da pedofilia. Segue-se
no DN a atenção a outros riscos envolvendo as crianças, enquanto o Público
coloca em segundo lugar a criança aluno (o tema da educação, tópico dominante
na cobertura nacional nos dois jornais, é uma das suas bandeiras noticiosas).
Estes dois temas, riscos e educação, alternam pois na segunda e terceira
posições nestes jornais.
A pedofilia constitui hoje um dos perigos mais associados à vida das crianças
nos países ocidentais, assinalam Jackson e Scott (1999), integrante do cenário
de uma sociedade vista como colocando em risco a segurança e bem-estar dos mais
novos. O motivo porque aparece aqui isolada é evidenciar como é forte a sua
frequência nas notícias dos jornais portugueses.
Quase 1/5 das notícias provenientes da Europa cobre o tema da pedofilia, em
percentagens quase idênticas nos dois jornais. A maioria das peças reporta o
número crescente de sites com pedofilia na Internet, prisões, julgamentos,
perseguições e ameaças públicas a pedófilos em diversos países europeus. As
crianças estão implícitas, como pressupostos objectos de desejo, são portanto
notícia de forma indirecta. A polémica sobre a divulgação de listas de
pedófilos por tablóides britânicos, nos meses de Julho e Agosto de 2000,
mereceu grande atenção dos jornais portugueses, mas a sua cobertura foi mais
focalizada nas questões éticas da acção dos média do que no problema do abuso
sexual de crianças. Comparando esta atenção ao tema nas notícias internacionais
com a sua presença no noticiário nacional, constatamos que o abuso sexual de
crianças foi sobretudo construído como perigo do exterior (fora de casa, fora
do país), em ambos os jornais.
A criança em risco cobre notícias que dão conta de outros riscos para crianças,
provenientes também de zonas inseguras fora de casa (acidentes, sequestros,
raptos, crianças desaparecidas, mordidas por cães em jardins públicos ou na
rua), do próprio mercado de consumos e mesmo dentro de casa (riscos
alimentares, em cuidados de saúde, brinquedos, programas de televisão).
As notícias sobre pedofilia e outros riscos representam quase 30% do total das
notícias com origem na Europa. Podemos assim considerar que a criança europeia
é sobretudo construída nesta imprensa como criança em risco, rodeada de espaços
e experiências arriscadas, com a sua segurança em perigo (embora as
estatísticas confirmem que a maioria dos abusos sexuais, acidentes e situações
de perigo ocorrem na esfera doméstica).
A criança aluno (7,6%) é o principal tópico de cobertura das crianças de âmbito
nacional, não só nos jornais portugueses. O mesmo se verifica nos EUA, Brasil e
na maioria dos países asiáticos cobertos pelo estudo de Goonasekera, conforme
demos conta na revisão deste tema (Ponte, 2002). Nos jornais portugueses, as
notícias sobre educação provindas de países europeus reportam matérias e
questões como currículos, castigos físicos, violência entre estudantes,
indisciplina, acesso à escola e insucesso em crianças de minorias sociais,
conteúdos de actualidade também presentes na agenda nacional sobre educação.
Para a criança da ciência (6,2%) contribui sobretudo a informação fornecida por
fontes científicas (revistas, estudos, especialistas) em páginas de ciência dos
jornais, ou eventos dramáticos e de final incerto envolvendo crianças e
decisões médicas, como nascimentos múltiplos decorrentes de gravidezes in-
vitro, nas páginas de Saúde/Sociedade. A medicina, a genética, as ciências do
ambiente ou a psicologia cognitiva são alguns dos campos naturais destas
notícias. Recordemos em 2000 como crianças da ciência o caso das gémeas
siamesas de Manchester e a polémica sobre a sua separação conduzindo à morte de
uma delas, uma polémica que envolveu os seus pais, médicos, tribunais e
instâncias éticas, extravasou fronteiras e se prolongou como notícia de
continuidade durante semanas.
O quinto tópico nas notícias da Europa, a criança olímpica (5,2%), mostra a
atenção recebida por eventos como o nascimento do filho do primeiro ministro
britânico, Tony Blair, ou a mudança de escola das netas de Isabel II. Estas
crianças são vistas como especialmente notáveis devido à posição de elite das
suas famílias.
Na sua maioria, as notícias europeias cobrem, pois, eventos ou situações
consideradas como de risco ou polémicas para o bem-estar das crianças nas
sociedades ocidentais contemporâneas, correspondendo a um discurso latente de
ansiedade para com elas e aos valores-notícia da negatividadee do conflito.
Nalguns casos, como em notícias sobre pedofilia, os jornais fazem uma cobertura
do tema mais alargada que na sua agenda nacional, como se as notícias
provenientes do espaço europeu funcionassem como amplificadores de recursos
para a agenda pública destes temas de risco. Também o contexto escolar,
favorecido na agenda nacional sobre educação, é aqui ampliado, contribuindo
para o debate sobre questões educacionais nas sociedades contemporâneas. Em
muitos destes tópicos, menos que a negatividade pesará a polémica e a
proximidade com a vida quotidiana e as preocupações dos leitores sobre o
presente escolar dos seus filhos. A polémicae anovidade são valores dominantes
nas notícias sobre crianças da ciência. Questões sobre o valor da vida humana
ou o primado da decisão (pais versus médicos ou juízes), limites éticos de
decisores e de descobertas alimentam eternos e renováveis debates públicos. Por
fim, a posição de figuras de elite é também relevante. Notícias sobre as suas
crianças sustentam sentimentos calorosos, por extensão, sobre os seus papéis
como pessoas comuns, mobilizam sobretudo o interesse humano, com proximidade
afectiva. Podemos dizer, em síntese, que a criança europeia se aproxima
bastante da criança do noticiário nacional.
Conjunto diferente de tópicos domina nas notícias provindas de África, Ásia ou
América Latina, onde a negatividade é o valor-notícia comum. As crianças são
apresentadas como vítimas de problemas distantes para uma perspectiva
europeia ocidental, como guerras ou perseguições étnicas, catástrofes naturais
ou falta de cuidados básicos de saúde. São as maiores vítimas da pobreza,
dependentes da ajuda internacional, abandonadas e negligenciadas pelos governos
dos seus países. Estamos aqui perante imagens convencionais de situações
remotas de um ponto de vista europeu, apresentadas em textos, em regra curtos,
sem contexto nem alternativas, construindo um sentido de fatalidade e
impotência. Ao contrário da criança europeia, estas crianças distantes
pertencem definitivamente a outro mundo.
Claro que isto não significa que essas situações sejam irreais. Mas se
pensarmos que o que aparece muito é tão significativo como o que aparece pouco,
destacamos a ausência ou escassez de notícias sobre a situação das crianças
desses territórios contextualizadas com fenómenos sociais e económicos de
natureza global. Por exemplo, questões como as redes de turismo sexual
envolvendo crianças ou o trabalho infantil em indústrias são temas praticamente
ausentes do noticiário internacional. As condições de vida desses milhões de
crianças tendem a ser ofuscadas pela redundância de estórias ou informações
apresentando-nos um mundo dos outros aparentemente sem conexões com o nosso.
O discurso dos títulos sobre crianças
Trabalhamos agora com um menor conjunto de peças (97), recolhidas na primeira
semana de Outubro de 2000 em cinco jornais (Público, Diário de Notícias, El
Pais, The Guardian e Le Monde), sobre notícias, nacionais e internacionais,
relacionadas com crianças. Os temas das peças não variaram muito das grandes
categorias identificadas na análise anterior. Apenas um único evento foi comum
a todos os jornais: o nascimento de um bebé geneticamente concebido para ser
compatível com a irmã, com leucemia. A notícia foi primeira página no
Washington Post, no dia 3 de Outubro, e no dia seguinte surgia também na
primeira página do El Pais, The Guardian e Diário de Notícias e em páginas de
interior nos restantes, prosseguindo no dia 5 o tratamento deste caso de uma
criança da ciência com artigos de opinião e editoriais. Outras notícias retomam
os temas que encontrámos na liderança dos tópicos, respectivamente, a pedofilia
no espaço geográfico mais próximo e a criança vítima de violência política e de
guerras, no mais distante.
Esta análise procurou apreciar como os jornais representaram nos títulos das
peças as crianças como membros de contextos sociais, usando instrumentos da
análise crítica do discurso (Fowler, 1991). Nesta análise de títulos observamos
a transitividade, as transformações sintácticas e elementos interpessoais das
frases, integrando-os no inventário sociossemântico da representação dos
actores sociais, proposto por Teun van Leeuwen (1997).
Pelo conceito semântico da transitividade, uma frase é lida analisando-se como
representa a realidade a que se reporta, que lugares ocupam os diferentes
participantes na acção: quem/o quê é o agente (sujeito lógico), que acção é
representada, quem/o quê é o paciente afectado pela acção. Como veremos, muitas
vezes o sujeito lógico está ausente dos títulos. As acções são mencionadas sem
agente, por vezes mesmo sem verbo indicador do seu processo. Os títulos com
estruturas sintácticas (sujeito-verbo) coexistem com outros sem elas e
continuando, apesar disso, a terem sentido para os leitores pelo conhecimento
contextual partilhado.
Algumas das transformações sintácticas mais comuns são a passiva e a
nominalização. Fowler (1991) observa que o uso da passiva é muito frequente nos
títulos de imprensa: pela voz passiva, pacientes ocupam sintacticamente
posições de sujeito, geralmente associadas a um agente. Também comum é a
nominalização, a realização sintáctica de predicados (verbos e adjectivos) como
substantivos. Fowler aprecia as consequências estruturais e possibilidades
ideológicas desta transformação, sublinhando o seu potencial para a
mistificação e reificação: processos e qualidades assumem um estatuto de
coisas: impessoais, inanimadas, capazes de serem agregadas e contabilizadas
como capital e exibidas como troféus.
Como apreciação da relação interpessoal estabelecida pelo texto, a modalidade
cobre o comentário ou atitude implícita ou explicitamente introduzidos pelo
autor do texto. Tem a ver com diferentes regimes de afirmação: a verdade (da
confiança absoluta no que se afirma a vários graus de incerteza), a obrigação,
a permissão e a apreciação (indicação de aprovação ou desaprovação do estado de
coisas comunicado pela proposição).
Por fim, o inventário sociossemântico proposto por van Leeuwen articula a
linguística com a sociologia, sublinhando categorias sociológicas da linguagem,
como agência e actor social. Deste inventário escolhemos seis categorias. São
elas:
1) exclusão (supressão ou lugar secundário ou remoto);
2) apresentação por um papel activo (como actor) ou passivo (como objecto
directo da acção, beneficiário ou circunstância);
3) particularização pelo nome (nomeação) ou pelas identidades e funções comuns
(categorização);
4) referência associada a membros de classes na realidade social (representação
genérica) ou a pessoas singulares, ligadas a lugares e acções singulares
(representação específica);
5) despersonalização pelo uso de uma qualidade (abstracção) ou lugar ou objecto
directamente ligado à pessoa (objectivação);
6) sobredeterminação pelo uso de práticas opostas (inversão), dimensões
simbólicas ou conotações.
Cada um dos 97 títulos foi apreciado segundo estas categorias, de seguida
comentadas agregando-se a cada uma títulos considerados ilustrativos.
[1] A exclusão de crianças dos títulos é comum nas peças que reportam eventos
ou questões com elas relacionados, pela supressão (1, 2) e pela sua
secundarização ou lugar implícito (3, 4). A ligação desses títulos às
experiências das crianças (como a escola ou produtos para ela direccionados)
pressupõe que se complete informação como quem foi/é/poderá ser afectado pela
acção. Se ignorássemos estas questões, muitas peças ficariam de fora do nosso
corpus. Se o fizéssemos, perderíamos certamente informação sobre lugares e
valores associados a este grupo, nas notícias.
1) El 57% de los franceses apoya la enseñanza de las religiones (El Pais, 02-
10).
2) Jardins de infância/Rede pública do pré-escolar não chega para necessidades
(DN, 06-10).
3) Itália/Site pedófilo aberto (Público, 04-10).
4) À imagem do V-chip americano/PE quer protecção contra TV e net (Público, 05-
10).
[2] A apresentaçãodas crianças como participantes sociais activos ou passivos é
a que mais varia. As crianças são sobretudo participantes passivos, directa ou
indirectamente afectados por acções externas, como podemos ver em vários
títulos. São objecto da acção de outrem quando directamente afectadas ou
marcadas pela acção externa (5-8). Mesmo quando ocupam posições de sujeito
gramatical (como o bebé nos títulos 6 e 7), não são sujeitos lógicos do ponto
de vista da transitividade, uma vez que a sua situação depende da acção de
outros (pais, médicos). São beneficiárias quando indirectamente afectadas
(como a irmã doente, em 4, 5 e 6). Podem também ser apresentadas como
circunstância (9), aqui a causa remota para uma condenação.
5) Parents create baby to save sister (The Guardian, 04-10).
6) Un enfant a été crée par fécondation in vitro pour soigner sa soeur
leucémique aux États-Unis (Le Monde, 05-10).
7) Genética/Bebé nasce para salvar irmã de morte prematura (DN, 04-10).
8) Vaga de assassínios de crianças em Nairobi (Público, 05-10).
9) Condenado a 18 años un cura por abusar de 11 menores en Francia (El Pais,
07-10).
Poucos títulos apresentam as crianças de modo activo, como alguém capaz de
fazer coisas e fazendo-as. Neste conjunto de notícias quando isto acontece
estamos perante acções negativas (10, 11, 34) ou processos de emposse e
metafóricos associados a capacidades de recém-nascidos ou mesmo de fetos (12,
13). Aqui a criança delinquente e a sua punição e a criança aluno e a sua
ignorância estão a par da criança da ciência e todas as suas espantosas
possibilidades.
10) Florida/Criança de 11 anos presa por assaltar banco (Público, 04-10).
11) Alunos do 1.º ciclo sabem pouco sobre os símbolos da República/5 de Outubro
é sexta-feira santa (Público, 02-10).
12) Embriologia/Los fetos pueden memorizar y aprender en el útero materno (El
Pais, 03-10).
13) Bebé salva irmã (Público, 04-10).
[3] A particularização neste conjunto mostra que poucos títulos nomeiam
crianças, uma vez que a maior parte delas não são figuras públicas. O uso de
nomes próprios significa que os leitores as conhecem, devido ao seu estatuto
social ou a estarem presentes em notícias de continuidade. No nosso corpus, a
nomeação associa-se a circunstâncias relacionadas sobretudo com a morte,
nomeando a criança vítima (14, 15, 16, um rapaz palestiniano de 12 anos e um
assassinato civil). O uso do nome surge também em notícias de temas polémicos,
onde a continuidade no tratamento do assunto gera intimidade com a pessoa
afectada, neste caso a criança da ciência (17). Também encontramos este recurso
num título sobre uma criança com um estatuto próximo do olímpico (18).
14) A morte de Rami I, A morte de Rami II, A morte de Rami III (Público, 06-
10).3
15) Le père du petit Mohamed réclame vengeance (Le Monde, 05-10).
16) Fait-divers: l´autopsie de la petite Marine, douze ans (Le Monde, 05-10).
17) Discrepâncias éticas sobre el caso de Adam Nash (El Pais, 05-10).
18) Chama-se Alexandre, como o pai (Público, 02-10).
A particularização por categorização é mais comum e está sobretudo associada à
idade, que pode ter vários sentidos: estatuto (19), amplitude (20) ou
apresentação simbólica enfatizada (21). Outras categorizações invocam
indirectamente situações remotas ou presentes (22):
19) Justicia tendra que crear 52 fiscalías de menores (E Pais, 02-10).
20) Annan wants UN to try teenagers for war crimes (The Guardian, 07-10).
21) La mort d'un enfant (Le Monde, 03-10).
22) Indemnização para vítimas de orfanatos ingleses (Público, 05-10).
[4] A referência distingue a apresentação genérica, baseada em classes e suas
espécies, da representação específica como pessoas singulares ligadas a lugares
singulares. Nos nossos títulos, como é corrente no jornalismo onde os eventos
são mais facilmente tratados que as problemáticas, a apresentação genérica (23,
24) é minoritária comparada com a representação específica, predominando
apresentações de crianças como pessoas ligadas a lugares ou acções específicas
(25, 26, 27 e ainda 6, 8, 9, 10).
23) El Congreso debate hoy la ley de Extranjería/El PP nega el derecho a la
educación infantil a los hijos de irregulares (El Pais, 05-10).
24) Ambassador's wife and the missing children For the children (The
Guardian, 05-10).
25) Atacado con un coctel mólotov un centro de niños inmigrantes en
FuerteVentura (El Pais, 06-10).
26) Bereaved couple demand right to baby girl (The Guardian, 05-10).
27) Fait divers: une fillette disparue retrouvée morte à Nantua (Le Monde, 04-
10).
[5] A despersonalização é outra opção comum, pela abstracção ou pela
objectivação, podendo também ser associada à exclusão. A abstracção, pela
qualidade (28, 29) é menos frequente que a objectivação, o uso de um lugar ou
objecto directamente ligado à pessoa (30, 31, 32).
28) Delinquência juvenil/Centros de acolhimento terão vigilância reforçada (DN,
02-10).
29) Castilla y Léon crea un servicio contra la violencia escolar (El Pais 02-
10).
30) Nouvelle campagne d´éducation à la sexualité dans les collèges (Le Monde,
02-10).
31) O peso do 2.º ciclo do ensino básico (Público, 06-10).
32) Three-fifths of failing schools raise standards (The Guardian, 07-10).
[6] A sobredeterminação reforça a dimensão expressiva da linguagem. Isto
implica da parte do jornal uma ligação estreita com os leitores, uma audiência
pressuposta como capaz de compreender não apenas o contexto implícito do título
(o seu tema) mas também figuras de estilo como a ironia ou a metáfora. Esta
opção não é frequente no nosso corpus, mas foram encontrados alguns casos,
nomeadamente no noticiário nacional dos jornais. Realiza-se por estratégias
como a surpresa e inversão (33, 34), dimensões simbólicas (35, também 13),
associações e conotações (36, 37, também 31) ou o sublinhar uma menoridade de
estatuto (35, 38).
33) Niños adultos? (El Pais, 06-10).
34) Once in school, they'll learn to hate each other (The Guardian, 03-10).
35) Volodia Poutine, le gros ours et les petits enfants (Le Monde, 05-10).
36) Go forth and multiply (The Guardian, 04-10).
37) Embrión de un dilema (El Pais, 05-10).
38) Campanha da Administração Interna, Educação e Juventude arranca hoje em
todo o país/Levar o hino e a bandeira às criancinhas (Público, 02-10).
Apesar das diferenças editoriais, estes jornais não diferem na representação
que fazem das crianças nos seus títulos. O uso da passiva é dominante, a
apresentação como actores sociais activos é temperada pela negatividade ou pelo
olhar de espanto sobre seres distantes. A exclusão e a despersonalização são
também escolhas comuns, criando outra distância social no leitor. Dispositivo
ideológico que também contribui para afastar os problemas sociais das crianças
da agenda pública, como grupo, é a opção maioritária pela representação
específica. A estreita ligação com lugares e acções específicas configura-se
como sugestão de leitura de acontecimentos de um ponto de vista singular e
fragmentado, acentuado pelo uso dominante da notícia curta. Este dispositivo,
comum no discurso noticioso, pode ser associado a processos de reificação.
Encontramos também a nominalização nos títulos 14, 17, 21 ou 22. Mesmo
recordando que estamos perante títulos (que partilham a síntese como
necessidade informacional), os seus conteúdos permanecem sem pistas de leitura
(muitas vezes a explicação também está ausente no próprio corpo da notícia). A
mistificação e a reificação podem ser assim, como notava Fowler, consequências
desta escolha linguística.
A análise interpessoal mostra o domínio da modalização de verdade com elevados
níveis de certeza, algo esperável na cultura jornalística. Aqui podemos
observar modalidades de verdade (apresentação de factos), por vezes
acompanhadas pelos seus propósitos (5, 6, 7) ou antecedentes (9, 10). As
excepções a este modelo dominante são relevantes e vêm de outro tipo de
modalização, a apreciação interpretativa. Esta coloca os jornais como
comentadores críticos dos assuntos públicos (título 2) e pode ser construída de
diferentes maneiras. Por exemplo, o título 33 (um editorial) mostra uma
apreciação crítica das medidas de decisores políticos construída de forma
dialógica, questionando-os e cada um dos leitores sobre o sentido de reduzir a
idade mínima de prisão. O título 11, o único que directamente dá voz a uma
criança, apresenta uma apreciação negativa das crianças quando generaliza a
fala de uma delas a uma avaliação global do conhecimento. Finalmente, os
títulos 16 e 27, ambos do Le Monde, enquadram o leitor no modo de ler aquelas
notícias: como fait-divers.
Conclusões
Os dois tipos de análise comparada apontam informações diferentes sobre a
apresentação das crianças como actores sociais nas notícias de imprensa. A
comparação dos dois jornais portugueses, durante um ano no que se refere a
noticiário estrangeiro, mostra o espaço geográfico como critério de
noticiabilidade. Não é surpresa ver como é assimétrica a distribuição da
informação, com o reduzidíssimo espaço editorial concedido aos países mais
pobres. Vinte anos depois do relatório MacBride e num contexto de intensa luta
de audiências, nos países ocidentais a informação permanece, sem surpresa,
orientada pelo olhar ocidental.
Mas não se trata apenas a quantidade de notícias. Tendo como terrenos a Europa,
por um lado, e a África, Ásia ou América Latina, por outro, retiramos
diferentes critérios sobre o que constitui tema jornalístico. As notícias da
Europa estão mais próximas das agendas nacionais, estendendo-as e completando-
as, cobrindo matérias sobretudo ligadas a insegurança e riscos da vida
quotidiana. Dos espaços distantes vêm sobretudo problemas distantes, como a
pobreza imensa ou a violência da guerra. Há polarização entre a imagem
hegemónica da criança europeia, com mais futuro e menos marcada pelo género e
pela pobreza, e a criança do Terceiro Mundo, mais marcada nas suas diferenças
étnicas, de género, de idade, de posição social. Esta distribuição pode ser
lida como promovendo uma imagem do mundo que associa a pobreza (quase ausente
nas notícias europeias) a mundos distantes, ausentada do nosso e dissociada
dos fenómenos de globalização.
Também não estamos perante um espaço homogéneo na própria Europa, mesmo no
espaço político da União Europeia. As notícias vindas de um único país, o Reino
Unido, dominam a agenda externa neste assunto nos jornais portugueses, como se
a cobertura britânica deste campo e algumas das suas estórias (muitas cobrindo
situações de pânico moral ou de ansiedade social) tivessem noticiabilidade
suficiente para influenciar de forma tão marcada agendas de jornais de outros
países. Estudos semelhantes, noutros países, poderão confirmar, ou não, esta
hipótese de uma hegemonia cultural britânica.
A comparação entre os dois jornais portugueses mostrou ainda diferenças nos
seus critérios de cobertura e de edição, contrastando com a quase idêntica
agenda de temas. Neste último ponto, diríamos, é como se existisse uma visão
latente e partilhada do que constitui a boa matéria de notícia, ainda que na
maioria das vezes os acontecimentos relatados não coincidam.
Por seu lado, a comparação de uma semana em cinco jornais sublinhou escolhas
comuns de representação das crianças nos títulos. Parece possível identificar
enquadramentos linguísticos comuns que contribuem para colocar as crianças no
lugar da alteridade de jornalistas e leitores. Essa construção é traçada pela
sua presença como sujeitos passivos ou beneficiários, e pela negatividade ou
distância social que acompanha a sua apresentação como sujeitos activos.
Processos de exclusão ou de objectivação contribuem também para colocar as
vivências das crianças fora da agenda pública definida pelos média. Se a
primeira análise tinha mostrado uma bastante comum agenda de temas, aqui
estamos perante uma forma bastante comum de apresentar as crianças como os
outros por excelência.
As análises que apresentamos apelam a mais estudos e comparações alargadas, bem
como a serem integradas em debates sobre o que é notícia e sobre formas de
construção da infância pelo discurso jornalístico. Apesar dos seus limites,
parecem confirmar que, como afirmava Hartley, as notícias sobre crianças são
sempre sobre algo mais e esse algo mais foca-se sobretudo em adultos. Tal pode
ser visto nos tópicos e na sua relevância social, e nos valores-notícia
(negatividade, polémica, consonância, proximidade, figuras e países de elite) a
eles associados. Ambos designam escolhas do que pode ser mostrado e do que pode
ser ignorado.
Notas
1 Artigo baseado na comunicação Mapping the international child in the news,
apresentada na V Conferência da European Sociological Association (ESA),
Helsínquia, 2001.
2 Estas construções sociais (branco, negro, asiático, latino-americano), comuns
no discurso corrente, não são rigorosas do ponto de vista biológico ou
sociológico. São aqui usadas contudo para exprimir as diferenças na aparência
das crianças, o que consideramos constituir elementos relevantes para a própria
construção social das crianças de diferentes espaços geográficos.
3 Títulos atribuídos a cartas de leitores publicadas neste dia na respectiva
secção do jornal.