Editorial
Editorial
Os requisitos da produção de conhecimento científico impõem procedimentos que
nem sempre se compadecem com os tempos e os modos como na chamada sociedade da
informação as notícias circulam nos meios de comunicação de massas. Nuns casos
os assuntos podem não merecer dos cientistas sociais a atenção que merecem dos
media. Noutros, a montagem de dispositivos de investigação validados
cientificamente é morosa e complexa, para evitar, como diz Bourdieu (Science de
la Science et Réflexivité, 2001), que se apresentem como supostamente
científicos discursos que não passam de especulações acerca de assuntos não
investigados nem sujeitos a prova. Aliás, o mesmo autor acrescenta que é
desastroso o discurso sobre a prática científica que toma o lugar da própria
prática científica, já que nas ciências sociais não se pode pensar
correctamente senão através de casos empíricos teoricamente construídos
(Réponses, 1992).
Nem sempre, por isso, a agenda da análise sociológica vai a par com os ritmos
do surgimento de novos fenómenos sociais que requerem interpretação científica.
Não são raras as vezes em que os meios de comunicação social mais atentos e
preocupados com a divulgação de explicações cientificamente fundamentadas para
fenómenos emergentes se deparam com um vazio de estudos sobre as matérias em
causa.
Contudo, por coincidência que não deixa de evidenciar a preocupação que a
sociologia em Portugal vem fazendo no sentido de procurar compreender as
dinâmicas e processos sociais da realidade actual, este segundo número de 2002
de Sociologia, Problemas e Práticasreúne a publicação de um conjunto de artigos
cujas problemáticas em boa parte coincidem com temas de forte actualidade
mediática e se inscrevem no âmago de algumas das discussões que presentemente
preenchem alguns dos dossiês políticos de maior relevância nos últimos tempos.
Desde logo o artigo sobre Barrancos e as festas de touros que todos os anos
decorrem nesta pequena vila alentejana, as quais continuam a ser alvo de
controvérsia, obrigando a tomadas de posição pública e política em contexto de
grande polémica à escala nacional. O autor deste texto analisa o fenómeno, o
seu efeito amplificador e as relações nele implicadas entre poder simbólico,
dominação cultural e direitos culturais. Um outro assunto na ordem do dia
abordado no presente volume é a problemática do consumo de drogas. Numa
interessante análise do que os autores referem ser a passagem de um fenómeno
natural ao estado de objecto de políticas discursivas e interventivas é aqui
feita uma reflexão sobre as políticas de redução de riscos e evidenciado o seu
carácter normalizador e contraditório, assim como a sua inscrição em novas
tecnologias de controle social. Igualmente objecto de atenção política e
mediática é o tema da imigração, tratado num texto sobre as novas correntes
imigratórias chegadas a Portugal nos últimos anos, vindas sobretudo de países
de Leste, dos PALOP e do Brasil.
Fazem ainda parte deste volume a análise de questões como a relação da
indústria portuguesa com a universidade e as modalidades de transferência de
conhecimento inovador para as empresas, enquanto vector de competitividade. A
influência das origens sociais nos padrões de vida e trajectórias dos
estudantes universitários e os projectos futuros dos alunos do 9.º ano,
enquanto decorrentes de um quadro dinâmico de possibilidades, são aqui
analisados em dois outros artigos. Refira-se também o artigo sobre as formas de
celebração do casamento em Portugal, onde a autora procura explicar a aparente
redução de casamentos católicos nos Açores.
Esperamos que a actualidade e riqueza dos assuntos abordados estimulem a
leitura deste número.
Maria das Dores Guerreiro