Presentes e desconhecidos: reflexões socioantropológicas acerca do recente
fluxo imigratório no concelho de Loures
Contexto, objectivos e metodologia da investigação
Situado na área metropolitana de Lisboa e contíguo a esta cidade, o concelho de
Loures era, em 1991, o segundo mais populoso e o quarto mais denso
populacionalmente do distrito de Lisboa (a seguir a Lisboa, Amadora e Oeiras).
1 Apesar da redução populacional sofrida pela saída de Odivelas,2continua a ser
um dos mais populosos concelhos da metrópole de Lisboa, com aproximadamente 200
mil habitantes em 2001,3 e um local tentador para a instalação de quem se
dirige para a metrópole de Lisboa.
Com um sector terciário em crescimento, decorrente de uma crescente actividade
comercial, destacam-se, no secundário, as indústrias metalomecânicas, de
material de transporte, do sector químico e, ainda, as indústrias de
alimentação e bebidas. A horticultura e a vitivinicultura são as principais
produções agrícolas. Enquanto a actividade industrial se situa, sobretudo, nas
freguesias da margem direita do Tejo Sacavém, Santa Iria da Azóia, São João
da Talha e Camarate , a agrícola ocupa a lezíria, entre as serras de Frielas e
Montemor, e as freguesias de Lousa, Fanhões e Bucelas. Estas áreas conjugam-se
numa paisagem progressivamente urbanizada, ocupada por populações das mais
diversas proveniências, apesar da redução das suas áreas habitacionais, devido
à saída de Odivelas, mais próxima da capital e associada à função residencial.
No que diz respeito à população estrangeira, e de acordo com estatísticas do
SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), sabemos que no distrito de Lisboa o
número de estrangeiros terá duplicado entre 1991 e 1999. Segundo dados do INE
(Instituto Nacional de Estatística), em 1991, Loures era o terceiro concelho do
distrito de Lisboa com maior número de estrangeiros, a seguir a Lisboa e a
Cascais, e o terceiro com maior número de oriundos de países africanos,
essencialmente das ex-colónias portuguesas, a seguir a Lisboa e a Amadora.
No segundo processo de regularização de estrangeiros (de 11/06 a 11/12 de
1996), dada a importância da população imigrante aqui instalada, o concelho de
Loures teve um centro de recepção de pedidos, entre os 16 situados na área da
grande Lisboa, que contou com cerca de 13% (3.871) dos pedidos da Direcção
Regional de Lisboa. Destacaram-se, então, os pedidos de angolanos, guineenses
e, em menor quantidade, cabo-verdianos, são-tomenses, indianos e paquistaneses.
Tal como acontece noutros concelhos limítrofes da cidade de Lisboa, a
existência de vastas áreas disponíveis para instalação de novos residentes, não
só bairros e zonas-formigueiro, que se estendem para fora dos núcleos das
localidades mais próximas da fronteira com a capital, como também espaços
livres, menos densamente povoados, que ainda registam marcas de ruralidade, tem
contribuído para a atracção deste concelho. Não sendo um caso isolado no âmbito
da área metropolitana de Lisboa, Loures assume, pois, uma expressividade
evidente.
O projecto de investigação Presentes e desconhecidos: uma análise
socioantropológica sobre mobilidade e mediação com populações imigrantes no
concelho de Loures teve como objectivo analisar a incidência territorial da
imigração neste concelho, propondo-se identificar situações-tipo associadas a
processos de imigração e instalação no município. Pesquisa solicitada em final
de 2000 pelo GARSE,
4 da Câmara Municipal de Loures, tratou-se de um estudo exploratório, que
decorreu entre Janeiro e Dezembro de 2001, efectuado por uma pequena equipa de
sociólogos e antropólogos.5
Uma circunstância exterior à proposta de trabalho veio condicionar todo o
contexto de análise. Falamos do processo de legalização de imigrantes através
da concessão de autorização de permanência, que decorreu de 22 de Janeiro a 4
de Dezembro de 2001, tendo coincidido com o período da investigação. O ambiente
produzido em torno deste processo deu uma visibilidade ao tema imigração a
nível da opinião pública que nos obrigou, não só, a um acompanhamento
aprofundado das notícias que iam sendo emitidas pelos mass media, como alterou
as próprias condições de trabalho no terreno. As expectativas criadas entre os
imigrantes acerca deste processo contribuíram para que, ao longo da pesquisa,
tomássemos consciência de como estes se procuravam resguardar face aos curiosos
que os interpelavam, dada a importância que qualquer cedência de informação
assumia na resolução das suas vidas.
Deste modo, conscientes das dificuldades metodológicas na análise de processos
de mobilidade populacional que, não apenas transcendem territorialmente as
fronteiras municipais como, também, produzem formas de ocultação que dificultam
o acesso directo aos seus protagonistas, optámos por um estudo exploratório. Ao
longo de um ano, a recolha e sistematização de informação foi-se organizando em
patamares progressivos de aproximação à realidade analisada, em dois níveis de
pesquisa complementares: pesquisa bibliográfica e documental, que incluiu uma
recolha exaustiva na imprensa diária ao longo do ano de 2001, e pesquisa de
terreno de tipo etnográfico, com a constituição de uma rede de informantes,
para além da observação e da participação em situações de diverso tipo.6
Quanto ao primeiro nível de pesquisa, o firmamento dos media revelou-se um
veículo privilegiado para a análise deste fenómeno: os estereótipos construídos
a partir do efeito mass media são produtores de realidade, disponibilizando
elementos de informação e de opinião que são essenciais, quer no plano da
caracterização de protagonistas, quer na visibilização das redes interpessoais,
quer ainda na percepção das inserções estruturais (sobretudo no que diz
respeito ao nível do mercado de trabalho). Por esta razão, os media estiveram
no centro da nossa atenção como fonte etnográfica e, até, como factor de
intervenção na realidade imigratória. Com efeito, e perante as vertiginosas
mudanças na estrutura da população imigrada ocorridas nos últimos anos, cuja
diversificação quanto às origens nacionais e étnicas não pára de nos
surpreender, a pesquisa científica é diminuta, facto que torna a comunicação
social uma fonte essencial, mesmo quando a informação se revela deformada ou
pouco criteriosa.
Quanto à segunda fonte de informação, um esclarecimento deve ser feito. Muito
embora, na proposta inicial desta pesquisa, os imigrantes tivessem sido
definidos como sujeitos a ser inquiridos com o objectivo de recolher
testemunhos de trajectórias migratórias e carreiras de vida que testemunhassem
situações de vida concretas , o acesso a estes informantes revelou-se mais
difícil do que o previsto. Face às condições de manifesta precariedade em que
viviam muitos imigrantes, quer a nível do ritmo de trabalho, das dificuldades
de comunicação e, até, de uma certa desconfiança justificada pela sua situação
de indocumentados, que acompanhava todo um conjunto de estratégias de ocultação
que interferiam no acesso à informação, bloqueando uma comunicação capaz de
trazer elementos fiáveis para a análise, foi necessário diferir da estratégia
metodológica inicialmente prevista. Assim, foram os informantes, no seu sentido
alargado, que se impuseram, fossem estes imigrantes mais antigos ou outros
interlocutores que têm lidado directamente com imigrantes.7 Colocados perante a
necessidade de produzir conhecimentos que enquadrassem a situação excepcional
ocorrida em 2001 e que nos permitissem identificar os interlocutores credíveis
para alcançar as populações imigrantes em processo de instalação, contactámos,
pois, com todos aqueles que, num plano institucional ou a título individual,
estavam envolvidos no trabalho de acompanhamento de imigrantes.
Este artigo tem como objectivo apresentar, de uma forma sintética e abreviada,
parte dos resultados desta investigação, provenientes das duas fontes de
informação atrás referidas. Os dados recolhidos conduziram-nos à identificação
de linhas de compreensão dos processos migratórios, no caminho da definição de
situações-tipo e de perfis de imigrantes, que assentam no jogo de contrastes
que ligam as noções de território e mobilidade, as acepções de imigrante e
estrangeiro, de cidadão e indocumentado, e os domínios institucional e
informal.
Deste modo, quatro eixos de problematização dão sequência a este texto,
correspondendo a algumas das áreas críticas que, do nosso ponto de vista, se
revelam como incontornáveis na análise dos actuais processos imigratórios e,
consequentemente, na definição de políticas ajustadas à realidade existente. A
elas associámos questões-síntese que percorrem todas as intervenções que
envolvem populações imigrantes. São elas:
* território e mobilidade: onde estão os imigrantes?
* imigrante e estrangeiro: como se identificam os imigrantes?
* cidadão e indocumentado: há uma condição social de imigrante?
* institucional e informal: como são apoiados os imigrantes?
*
Território e mobilidade: onde estão os imigrantes?
Portugal e particularmente a área metropolitana de Lisboa foram tocados nos
anos mais recentes por uma mobilidade de crescimento (Ledrut, 1968: 80), que
transformou profundamente a morfologia do país e mais ainda os sítios da
envolvente lisboeta, levando a novas formas de coexistência entre as
populações. Há que recordar que, na sequência do 25 de Abril de 1974, a
frequência e a importância numérica dos fluxos populacionais de chegada, que
tiveram como palco o território português, não foram mais interrompidas: a
descolonização das ex-colónias portuguesas de 1975-76, os regressos mais ou
menos definitivos nos anos 80 dos emigrantes portugueses da Europa e, a partir
desses anos, a imigração com origem em África e mais recentemente no Brasil, na
Europa de Leste, na Ásia (Malheiros, 1996; Baganha e Góis, 1999; Peixoto, 1999;
Pires, 2000; Machado, 2002).
A grande Lisboa, que já vinha sendo o destino imigratório mais frequente entre
as populações oriundas dos países africanos de língua oficial portuguesa, ganha
na actualidade uma importância acrescida, tornando-se uma metrópole também no
sentido de grande receptora de imigrantes. Assim, os recentes desenvolvimentos
imigratórios não colocam em si uma questão nova, mas antes confirmam o lugar da
metrópole de Lisboa como central. Com esta centralidade emergem igualmente
problemas de escala que ao longo dos anos 90 se revelam ainda incipientes. Os
sentimentos de exclusão e de racismo vêem-se estimulados e as próprias imagens
que os meios de comunicação vão produzindo acerca dos bairros-gueto e da
delinquência estão progressivamente mais ligados à pertença étnica, e daí não
ser de estranhar que algumas reportagens jornalísticas que detectámos em 2001
assentem no pressuposto de que a insegurança urbana reside na existência de
bairros africanos nos subúrbios.
Esta chegada de imigrantes não corresponde a uma dinâmica isolada. Hoje as
questões da mobilidade, nas quais se prendem as das migrações, obrigam a olhar
a cidade de outro modo, reequacionando o sentido que tem falar de populações
estáveis e flutuantes. Mais do que definir estritamente a dimensão da
aglomeração ou as localizações concretas da residência, do trabalho ou do
lazer, há que atender a que mobilidade significa movimento (Dupuy, 2000: 7-9).
E desse ponto de vista, aquilo a que podemos chamar mobilidade local, que Jean-
Pierre Orfeuil entende como compreendendo o conjunto das deslocações cujas
origens e destinos estão a menos de 80 quilómetros do domicílio (2000: 53),
estrutura-se segundo a lógica do cada vez mais longe e cada vez mais rápido.
Assim, esta possibilidade de deslocação mais sistemática e mais autónoma obriga
a pensar a escala local tendo presente que a própria ideia de vida local é hoje
fortemente afectada pela capacidade de mobilidade mais intensa das populações.
E se bem que as desigualdades sociais se vejam até reforçadas num contexto de
mobilidade urbana e metropolitana (o século XXI será o século das metrópoles,
Bassand, 1997: XIII), também a discussão acerca da gestão da complexidade
metropolitana (Bassand, 1997: 213-221; Baptista e Pujadas, 2000: 293-308)
avançou significativamente, e a tentativa de dar respostas tendo em vista a
equidade dos cidadãos e a sustentabilidade urbana fez caminho no discurso e nas
práticas políticas e técnicas (Asher, 1995; Neves, 1996; Ferreira e Indovina,
1999; Guerra, 2000; Cabral, 2002).
Com isto chegamos ao desafio que nos foi colocado: como podem as autoridades
locais dar resposta à circunstância de administrarem um território invadido por
populações que não conhecem e que muitas vezes nem sequer identificam? Ou, de
um modo mais prosaico: como identificar os lugares de vida de populações móveis
neste caso imigrantes numa área tão vasta e diversificada como a do
concelho de referência?
De acordo com informação disponibilizada pela Câmara Municipal de Loures,8 é
possível detectar tendências ou sentidos de acomodação no espaço concelhio das
populações imigrantes, o que, não sendo conclusivo, nos permite um princípio de
descrição dos fenómenos em presença. Os dados colectados em meados da última
década de 90 identificavam, por freguesia, as maiores concentrações de
populações imigrantes, separando-as em três categorias: os africanos, os
ciganos e os indianos. Das freguesias que permanecem ainda hoje no concelho
de Loures, nas quais foi recolhida informação, Moscavide era referida como
tendo apenas ciganos, enquanto Sacavém, Unhos, Camarate, São Julião do Tojal
tinham africanos em exclusividade, Prior Velho africanos e ciganos, Santo
António dos Cavaleiros africanos e indianos, e Portela as três categorias.
As freguesias aparentemente mais marcadas pela presença de populações
imigrantes eram Sacavém e Prior Velho, havendo uma clara concentração em certos
bairros como a Quinta do Mocho e a Quinta da Serra. Já noutras freguesias o
cenário era de uma maior dispersão.
Um outro estudo, da mesma época, permite-nos identificar importantes manchas de
imigração africana concentradas em bairros designados como degradados (Cachada
e outros, 1995). Quinta da Serra, no Prior Velho, Quinta da Vitória, na
Portela, e Quinta do Mocho, em Sacavém, são apenas alguns dos mais importantes
núcleos citados, onde os indivíduos de diferentes nacionalidades cabo-
verdianos, guineenses, angolanos e santomenses, entre os mais importantes são
contabilizados (idem: 35).
A diversidade das origens nacionais africanas aí detectadas, assim como a falta
de equidade na distribuição desta população no âmbito concelhio, levam-nos a
avançar hipóteses à escala residencial. A presença maioritária de uma ou outra
nacionalidade parece não produzir efeitos de exclusividade, o que nos leva a
pensar a existência de uma espécie de rede transversal de relações de
solidariedade entre imigrantes oriundos destes países colonizados por Portugal,
que funcionaria, pelo menos nestes bairros do concelho de Loures, como forma de
conterraneidade africana, produtora de identidades transnacionais,
provavelmente associadas ao modo indistinto como muitos autóctones vêem o
fenómeno imigratório PALOP (começando desde logo pela generalizada utilização
desta sigla).
No final de 2001, o olhar panorâmico sobre o concelho de Loures afigura-se algo
diferente, tornando-se claro que a realidade da imigração toca agora todas as
freguesias do concelho, sem excepção. Em todas elas os nossos interlocutores
inquiridos referiram a presença de imigrantes: nos bairros, nas habitações, nos
comércios ou nas empresas, um pouco por todo o lado. Mapeando todas as
ocorrências referidas pelos nossos informantes, pode-se, contudo, identificar
alguns pólos significativos da sua presença.
Num primeiro olhar, parece haver uma continuidade com a situação anterior,
retratada por Cachada em 1995, no que se refere a uma maior concentração de
imigrantes nalguns núcleos populacionais, tais como a Quinta da Serra, a Quinta
do Mocho, com uma maior visibilidade de africanos, ou como na Quinta da
Vitória, com uma população hindu mais evidente. No entanto, um olhar mais
detalhado detecta uma diferença relevante: a ausência de qualquer referência a
oriundos dos países do Leste europeu em 1995.
Em termos da distribuição espacial das populações imigrantes destacamos alguns
contrastes. Assim, enquanto o conjunto que normalmente se designa por PALOP se
parece concentrar maioritariamente nas freguesias urbanas de génese ilegal da
zona oriental do concelho, os chamados imigrantes de Leste, entretanto
chegados, distribuem-se de modo mais disperso por um maior número de freguesias
do concelho, incluindo freguesias tradicionalmente rurais que não têm atraído
imigração africana. Os casos de Bucelas, de Fanhões, de Lousa são
paradigmáticos desta distribuição, já que aqui apenas foi referida a existência
de imigrantes de Leste, com particular ênfase para os ucranianos o que é
apenas contrariado no caso de Bucelas, onde foi referida a presença de
brasileiros.
A avaliação feita por um informante de Bucelas, particularmente conhecedor
desse território, é bastante expressiva:
O que se percebe neste momento, é a situação dos imigrantes dos países dessa
área, que são os croatas, os moldavos, os ucranianos Anteriormente não havia
aqui no nosso território situações de muita imigração. Era meia dúzia de
pessoas, do Alentejo, do Norte, uma imigração interna Nos últimos três anos,
começou a aparecer essa imigração distribuída em todo este território (da
freguesia), que é grande com núcleos urbanos, pequenos. O que me apercebo mais
é a relação do movimento deles no espaço público e no movimento associativo
( ). É notório ver-se numa colectividade à noite meia dúzia e às vezes mais, e
num ou noutro café Em relação à habitação, aqui não é fácil, porque não há
muita habitação ( ) mas eles vão-se arrumando por aí dois ou três nalguma casa
desabitada, vivem muito homens, não se nota muito mulheres. E não vivem em
nenhuma zona de estilo comunitário, estão espalhados. Numa terra é capaz de
haver uns dez. Uns estão três aqui e dois acolá, e assim. E noutra é capaz de
haver mais uns vinte, mas todos dispersos, em função, também, do alojamento que
conseguem. E procuram muito o alojamento fora das zonas urbanas (português, 60
anos, funcionário de autarquia).
No caso dos indianos e paquistaneses, assim como no que respeita aos
brasileiros, a sua distribuição restringe-se a um menor número de freguesias,
não querendo contudo isto dizer que não haja imigrantes destas origens noutras
áreas do concelho. Assim, Camarate, Frielas, Loures, Moscavide, Portela, Santo
António dos Cavaleiros e Unhos parecem ser os lugares onde os indianos têm uma
presença mais marcante, enquanto Bucelas, Prior Velho e Sacavém e, também,
Camarate, Loures, Moscavide e Unhos, são as freguesias referidas para os
brasileiros. A referência a chineses foi pouco expressiva, o que não impediu a
referência de locais como Camarate, Loures e Moscavide como seus lugares
preferenciais de residência. Zairenses, gaboneses e outros africanos foram
referenciados, ainda que de forma residual, tendo sido Sacavém um dos lugares
apontados para a sua presença.
Um aspecto que é importante realçar é a presença de oriundos das ex-colónias e
de população hindu em locais de realojamento ou núcleos de barracas em vias de
realojamento, contrariamente aos imigrantes do Brasil e da Europa de Leste, que
parecem recorrer a outro tipo de habitação menos precária nos centros urbanos,
e mesmo em áreas menos densificadas do concelho.
Esta informação de terreno é confirmada pelo material recolhido a partir da
imprensa. A questão da integração territorial dos imigrantes é um problema de
difícil equacionamento que tem a ver com factores culturais e com os
quotidianos destes diferentes protagonistas da imigração. O sociólogo Eduardo
Vilaça salienta que os imigrantes de Leste não se adaptam aos nossos bairros de
barracas dos subúrbios:
onde impera a promiscuidade e a ausência de salubridade adequada para as
famílias residentes. Os que não arranjam casa ou quarto ou não ficam nas
próprias obras onde trabalham, preferem as pensões a 1000$00 ao dia, em quartos
com mais de uma cama. Existem, ainda, os que vivem na rua, engrossando as
hostes dos sem-abrigo e recorrendo a algum apoio comunitário que é diariamente
distribuído pelas poucas instituições que a estas meritórias tarefas se dedicam
(Expresso, 12-01-2001).
É precisamente em torno destas situações que se vão orientando as notícias
trazidas a público pelos jornais. Exemplos como a sobrelotação das pensões da
Curia e de Anadia, que levou particulares a abrirem a porta ao aluguer de
quartos nas suas casas (Jornal de Notícias, 19-03-2001), reforçam a ideia desta
dificuldade de instalação noutro tipo de alojamento.
Contudo, outro tipo de argumentos pode também aqui ter incidência. Ana I.
Ferreira afirma que os imigrantes clandestinos oriundos dos países do Leste
evitam residir nas zonas periféricas das grandes cidades, por se sentirem
vulneráveis aos crimes de extorsão das máfias da ex-URSS que operam em Portugal
(Público, 18-02-2001).
Parece corresponder à mesma motivação, escapar à actuação das máfias de Leste,
o facto de muitos imigrantes desses países, saírem de áreas de maior
concentração populacional e partirem para destinos menos frequentados. O
exemplo dos imigrantes de em Trás-os-Montes, que beneficiam de uma mais plena
integração na vida local, longe das redes de trabalho clandestino e podendo
reiniciar actividade na sua formação profissional de origem, dadas as carências
de certo tipo de profissionais nessa região, constitui clarificador exemplo
(Público, 15-04-2001).
Imigrantes e estrangeiros: como se identificam os imigrantes?
Eu sou imigrante e defino os imigrantes em três tipos. Primeiro, o imigrante
que sou eu, que pertenço a uma classe média e tenho uma vida relativamente boa,
a minha família tem posses e nos deu educação, nunca estive numa situação de
desespero e resolvi correr o mundo ( ) e fiquei aqui porque gostei do lugar
( ). O segundo imigrante é aquele imigrante tipicamente português do Norte, é
dinheiro debaixo do colchão, é trabalhar feito um desesperado para voltar uma
vez por ano e mostrar que tem um BMW e todos os anos troca de BMW ( ). O
terceiro imigrante são os refugiados, esses são os mais graves ( ) (imigrante
brasileiro, 39 anos, produtor cultural).
Ao nível da imprensa, alguns jornais procuraram, logo nos primeiros meses de
2001, definir os tipos de imigrantes mais frequentes segundo as suas origens
nacionais e étnicas, tentando criar tipologias imigratórias. A mais exaustiva,
publicada no Diário de Notícias de 18-02-2001, pretende identificar os cinco
principais fluxos imigratórios clandestinos: Europa do Leste (Ucrânia,
Moldávia, Roménia e Rússia), Brasil, PALOP, Península Indostânica (Índia,
Paquistão e Bangladesh) e China.
9 As restantes notícias são menos desenvolvidas e procuram apresentar perfis de
indivíduos de várias outras origens nacionais, através de retratos de várias
realidades.10
Como já vimos no ponto anterior, também aqui encontramos uma certa continuidade
entre estas notícias e as informações recolhidas no terreno. Evidenciam-se,
segundo os testemunhos dos informantes de Loures, dois grandes grupos de
imigrantes: um, oriundo dos PALOP, e outro, proveniente de países da Europa de
Leste, com particular destaque para ucranianos, moldavos, russos, romenos,
croatas e kosovares. Indianos, paquistaneses e brasileiros constituem conjuntos
menos numerosos, embora presentes. Finalmente, os chineses constituem um grupo
de pequena expressão, em termos da sua visibilidade.
Estamos pois perante uma diversidade de origens migratórias que desde logo nos
obriga a pensar numa tipologia em aberto, de modo a não estreitar a compreensão
do processo em curso. Aliás, uma das perguntas feitas aos informantes foi se
consideravam ser possível definir um imigrante-tipo. A maioria considerou que
não, por existir uma diversidade muito grande, quer nas origens, quer na
condição social dos que partilham uma origem.
Um imigrante tipo pode ter tanta variação como um português tipo ( ) Não há um
angolano tipo. Há vários tipos de angolanos, se assim se lhe quiser chamar
como existem vários tipos de lisboetas, vários tipos de não creio que se possa
tipificar dessa forma Claro que se consegue sempre tipificar desde que se
queira basta criar os traços grossos e toda a gente pode ser encaixada nesses
traços mas não creio que seja correcto (portuguesa, 38 anos, técnica de
serviço social).
O que parece todavia claro na visão da maioria dos nossos interlocutores é a
distinção nítida entre a imigração mais antiga, proveniente dos países
africanos de expressão portuguesa, e esta imigração tão recente de povos do
europeu, diferença esta que suscitou, amiúde, na opinião pública, uma clara
preferência pelos segundos, o que aparecia sustentado num discurso de adesão e,
até, num certo fascínio por estes europeus louros, educados, trabalhadores.
Tendo em atenção que um dos objectivos iniciais desta pesquisa era a definição
de perfis de imigração, procurámos, pois, a partir desta breve análise de
imprensa, destacar variáveis de identificação social pertinentes na explicação
do fenómeno imigratório.
Em primeiro lugar, a nacionalidade, que envolve significados variados consoante
quem a usa e de que modo. Por exemplo, as nações dentro das nações oficiais que
são praticamente desconhecidas no exterior mas que implicam realidades
etnolinguísticas diversas e até concorrentes. Já era conhecida a situação dos
guineenses (da Guiné-Bissau) em Portugal (Machado: 2002), mas chegam-nos agora
novos registos, como é o caso dos ucranianos russófonos e ucranianos
ocidentais, para já não falar da multiplicidade de regiões no Leste europeu,
que nalguns casos parecem ter pouco mais em comum que a circunstância oriental.
Em segundo lugar, a (distinta) condição socioprofissional. Falamos da
disparidade de situações sociais e profissionais dos que chegam, identificados
num primeiro momento através de uma comum origem nacional, regional ou
linguística. A título de exemplo temos o caso da boa imagem dos oriundos do
Leste europeu que se vai fragmentando à medida que aumentam os sinais de
conflitualidade envolvendo membros deste colectivo. Contudo, à medida que a
instalação destes imigrantes se concretiza, também a sua condição nacional
passa a ser menos importante como principal identificador pessoal. Este passa a
ser identificado pelas suas capacidades profissionais, pela sua forma de se
relacionar com o exterior, pela sua condição social e cultural. Por aí passa em
grande medida o sucesso na sua instalação no país de imigração.
Também aprática religiosa se constitui como elemento fundamental de
identificação social. As particularidades quotidianas que lhe estão ligadas
fazem com que os observadores menos atentos tenham dificuldade em definir as
diferentes práticas, que se traduzem quer na aparência dos praticantes, quer
nas características dessas práticas religiosas que os autóctones desconhecem.
No caso das populações da Índia e do Paquistão encontramos uma diversidade de
práticas que chocam com o desconhecimento ocidental, sejam estas hindus,
muçulmanas, siques ou cristãs.
E por último, a pertença linguístico-cultural,que permite reconstituir
sentimentos de pertença, de semelhança e de identificação com o novo lugar de
permanência. Este sentimento de pertença abre portas à compreensão do novo
mundo em condições de imediata inteligibilidade. A chegada de brasileiros,
portadores desse pré-requisito de comunicação, mesmo que não se encontrem
relacionados com grupos de conterrâneos já instalados, é facilitada e permite
um tipo de imigração individual que assenta na garantia mínima de uma inserção
linguístico-cultural. No caso dos africanos tal situação é reforçada por uma
instalação mais antiga e muito mais estruturada de conterrâneos. Encontramos
ainda, para além destas situações, indicações acerca de imigrantes oriundos de
contextos em que a cultura portuguesa teve presença e é referência mas onde se
perdeu a relação com a língua. Tal traço, ao ser evocado, permite uma
aproximação relativamente diferente destes imigrantes face àqueles que
escolheram o destino Portugal porque era aquele onde era possível trabalhar ou
simplesmente entrar. Nesta última categoria, de completa ausência de sentimento
de pertença, estão os oriundos do Leste europeu, que são olhados por alguns dos
entrevistados nas notícias da imprensa, como uma espécie de atracção circense
resultante da nossa actual condição de país desenvolvido.
O testemunho de uma das imigrantes entrevistadas, Teresa, é bem revelador da
necessidade de melhor aprofundar a análise destas variáveis.11 Teresa, de 29
anos, é ucraniana, formada em medicina, indocumentada e tem ideias claras sobre
a situação dos seus conterrâneos e as políticas de imigração portuguesas.
Insiste em que a imigração ucraniana é muito diversa, sendo maioritariamente de
nível social baixo Segundo ela, Portugal é um destino secundário que tem
acolhido muitos imigrantes que não conseguiram, por exemplo, ir para o Canadá,
destino preferido. Transmite a ideia de que Portugal não controla as entradas
no país de uma forma eficaz
Refere a existência de fortes rivalidades nacionalistas entre os chamados
imigrantes de Leste, que dificultam e chegam mesmo a impedir qualquer tipo de
solidariedade entre indivíduos de diferentes repúblicas, e mesmo entre
indivíduos de diferentes simpatias políticas e nacionalistas dentro de um mesmo
país. Estas rivalidades criam situações de conflitualidade na concorrência
laboral, mesmo a nível do trabalho precário, e são acompanhadas de fenómenos de
violência. As situações de aluguer de quartos passam pelo mesmo tipo de
discriminações. Por outro lado, refere igualmente que há muito racismo por
parte dos imigrantes de Leste, não só em relação aos negros, mas também em
relação aos portugueses, que são vistos como sendo muito básicos.
As variáveis sociais conducentes a uma caracterização social dos imigrantes
constituem, pois, pistas para uma análise mais completa destas populações
que, normalmente, são classificadas em torno de uma única variável, conforme o
impacto que, a nível do estereótipo, produzem nos sectores da sociedade de
acolhimento que com elas estabelecem relações categoriais (Mitchell, 1980).
Muitas das fricções e das dificuldades de compreensão que envolvem os processos
imigratórios ligam-se de uma ou outra forma a estes traços de identidade,
arbitrariamente seleccionados. As notícias jornalísticas, que encontramos mais
frequentemente, concentram normalmente a sua atenção em apenas uma destas
variáveis, o que limita quase totalmente a possibilidade de reconstituir o
universo dos imigrantes em instalação. Ora, a percepção de uma realidade social
através de uma simples categorização dos indivíduos, como é o caso da indicação
da nacionalidade, ou da pertença etnolinguística, revela-se pouco
esclarecedora, pelo que o uso conjugado das informações acima referidas a
nacionalidade, a condição socioprofissional, a orientação religiosa, a pertença
linguístico-cultural permite um melhor controlo dos conteúdos.
Rui Pena Pires, num dos seus textos sobre imigração em Portugal (Pires, 1993:
179-194), desenvolve uma tipologia que se revela útil na análise das
determinantes do processo migratórioe tipos de migração. O autor apresenta um
modelo do processo de decisão, onde a racionalidade e a motivação surgem no
quadro de outras variáveis externas que, em conjunto, levam à decisão de
emigrar. Igualmente útil nos parece a identificação de critérios de
classificação das migrações, em termos de fluxos (no espaço doméstico ou
internacional, mais permanentes ou temporárias, revelando dimensões mais
individualizadas ou configurando movimentos sociais); em termos de contexto
(onde factores económicos, políticos, sociais e culturais afectam a decisão,
assim como o grau de liberdade de decisão no momento da migração); e em termos
dos próprios migrantes (suas origens, expectativas e processo de integração na
sociedade de acolhimento). No caso das migrações internacionais são de
salientar, ainda, três tipos de movimentos migratórios com motivações
diferentes: profissionais, laborais ou de refúgio político.
As razões que provocam a imigração são, pois, complexas, e prendem-se não
apenas com constrangimentos no plano económico, social e político, como também
com idiossincrasias individuais e, ainda, com o contexto familiar e cultural,
no sentido da pré-existência de redes de parentesco, de amizade, de vizinhança
ou conterraneidade (Malgesini e Giménez, 2000: 239-244). A combinação e o peso
relativo de cada um destes elementos, a situação psicossocial, as fantasias, em
suma, a história de vida de cada pessoa que decide converter-se num imigrante
são difíceis de sistematizar (idem: 241). Por esta razão, uma das opções
metodológicas desta pesquisa foi tentar, o mais possível, retratar trajectórias
individuais de imigrantes, no sentido de captar o imigrante nas suas
semelhanças e particularidades.
Cidadão e indocumentado: há uma condição social de imigrante?
tenho vários outros casos que acompanhei directamente, de pessoas que estando
cá em Portugal, e que passaram a ter uma situação de ilegalidade depois de ter
autorização de residência pelo simples facto de caducidade de documentos.
Também ocorre com muita frequência. A passagem da situação do legal para o
ilegal é num ápice. A pessoa pode até julgar que está legal, mas pelo simples
facto de caducidade de documentos, que implica a renovação, que implica o
justificar porque deixou caducar (imigrante cabo-verdiano, 40 anos, mediador
associativo).
O epíteto clandestino, ilegal ou indocumentado deve ser entendido na
circunstancialidade que o caracteriza, já que é uma condição jurídica que num
minuto se pode perder ou ganhar, mas também é uma condição social com
conotações pejorativas, estigmatizantes, segregadoras e, até, xenófobas.
Ao longo da última década a imigração na Europa tem-se caracterizado pelo auge
da ilegalidade' ou irregularidade da actividade laboral dos cidadãos
estrangeiros, maioritariamente extracomunitários. Esta condição é uma
característica estrutural dos anos 80 e 90, directamente vinculada ao
desenvolvimento do sector de serviços e da economia subterrânea' (Malgesini e
Giménez, 2000: 262-3). Curioso é que se estigmatizem os trabalhadores sem
papéis, enquanto se tolera os seus empregadores, tão ilegais quanto eles
Num rápido esboço a partir da imprensa, encontramos um conjunto de críticas ao
processo de regularização dos trabalhadores imigrantes que assentam
precisamente no significado desta iniciativa governamental, diferentemente dos
processos anteriores:
desta vez não se trata de conceder autorizações de residência a quem comprovar
viver em Portugal há algum tempo, mas conceder aos trabalhadores estrangeiros
ilegais autorização de permanência em função do contrato de trabalho que
eventualmente tenham (Público, 16-01-2001).
Tal perspectiva de legalização orienta toda a discussão deste processo para o
mundo do trabalho e para as suas componentes ilegais, ou pelo menos de
indefinição legal. As associações de defesa dos imigrantes estimam que estes
sejam entre 80 e 120 mil, e daí o previsível estímulo que as redes ilegais de
tráfico de mão-de-obra sentem em trazer para Portugal novos indivíduos
expectantes perante uma sedutora possibilidade de legalização, que permite
inclusive a vinda para Portugal dos seus cônjuges e filhos. Veja-se a notícia
do Público de 24-01-2001 em que se refere: a nova lei poderá trazer até
Portugal os cônjuges e os filhos menores de muitos destes imigrantes: até agora
a imigração de Leste tem sido sobretudo masculina.
Em relação às informações contraditórias e às dificuldades encontradas no
processo de regularização, destacamos o episódio das longas filas de espera de
imigrantes, muitos deles à espera apenas da informação necessária. As áreas da
grande Lisboa e do Porto são as mais referidas (Jornal de Notícias, 8-03-2001,
acerca do posto de atendimento do Barreiro, e ainda em Cascais, Público, 21-3-
2001). Face a isto respondem em permanência o governo e as instituições
públicas com a abertura de novos centros de atendimento, com a conjugação de
esforços da Inspecção Geral do Trabalho, do SEF e da Segurança Social,
informações que encontramos detalhadíssimas ao longo dos primeiros meses do
processo (Diário de Notícias, 31-1-2001, 19-2-2001; Público, 23-2-2001 e 21-3-
2001).
Contudo, a maior parte das acusações a este processo de regularização de
permanência em Portugal, em 2001, assentam na dependência em que os
trabalhadores estrangeiros ficam face às entidades patronais. Os exemplos
noticiosos são variados. Fernando Ká, presidente da Associação Guineense de
Solidariedade Social, fala dos imigrantes ilegais como presas fáceis dos
empreiteiros (Diário de Notícias, 21-2-2001); Amélia Costa, estudante de
comunicação denuncia que há quem pague pelo seu contrato se o trabalhador não
tem documentos, o patrão sabe que o tem na mão e abusa dele (Público, 12-3-
2001).
Já Pedro Louro, da Associação SOS Racismo, alerta para o facto de esta lei
criar uma segunda categoria de cidadãos que não têm acesso aos mesmos direitos,
nomeadamente à livre escolha da profissão (Público, 16-01-2001), enquanto
Joaquim Sismeiros, presidente da ARICCOP (Associação Regional das Indústrias de
Construção Civil e Obras Públicas), fala a propósito da região de Leiria, da
possibilidade de algumas empresas tentarem contornar a legislação, simulando
que contrataram o indivíduo para uma função de menor responsabilidade, ou seja,
menos bem paga, visto que os trabalhadores estrangeiros têm, à partida, menos
capacidade negocial (Público, 27-01-2001).
A resposta governamental vinda através do então ministro do emprego e da
solidariedade social a este duplo problema é também dupla. Afirmava Ferro
Rodrigues:
Estão a ser criadas condições para forçar à legalização empresas que estavam
ilegais, pela pressão dos trabalhadores. Estas pessoas entram no sistema fiscal
e de segurança social. Passam a ter os mesmos direitos dos outros trabalhadores
portugueses, é essa a lógica da legalização. ( ) A lógica é legalizar o máximo
de pessoas que estejam a trabalhar para atacar as máfias e um conjunto de redes
que vivem à custa da inexistência de qualquer legalização. Nos casos em que há
testemunhas de que determinada pessoa trabalha num sector ou numa obra e que
lhe querem passar o contrato de trabalho acontecem duas coisas: são legalizados
e aqueles que não lhes queiram passar o contrato de trabalho são severamente
punidos (Público, 11-3-2001).
Esta questão é também apontada pelos empresários, como os do sector da
construção civil, que se sentem alvo de uma concorrência desleal. Rui Viana,
presidente da Associação das Indústrias da Construção Civil e Obras Públicas/
Norte (AICCOPN) afirma que existe em Portugal uma economia paralela no sector
com consequências graves tanto para os outros empresários, que sofrem essa
concorrência desleal, como para os trabalhadores que empregam ilegalmente, pois
são vítimas de um crime social. Contudo, este interlocutor alerta também para
o facto de haver trabalhadores que preferem ganhar mil escudos à hora e não
ter segurança social, contratos e todos os direitos inerentes, esquecendo que
se estiverem legalizados recebem menos de cada vez mas ganham 14 meses
(Público, 24-01-2001).
Por fim, também as centrais sindicais (CGTP e UGT) participam deste processo,
contribuindo através do esclarecimento dos trabalhadores nestas condições.
Iniciativas como o posto de informação ambulante da UGT (Diário de Notícias,
19-02-2001) pretendem combater a falta de informação sobre o processo de
legalização. Muitos sindicatos, à semelhança do Sindicato dos Trabalhadores da
Construção Civil do Sul e da CGTP, transformam-se numa espécie de agência de
emprego, na medida em que tentam recolocar no mercado laboral, legal,
trabalhadores que não conseguiram contratos com os seus patrões. Refere Carlos
Trindade que cinco mil trabalhadores saíram dos grandes estaleiros por os
patrões se recusarem a fazer-lhes contrato, sendo mais difícil determinar o que
acontece em pequenas obras dificilmente identificáveis (Expresso, 03-03-2001).
A própria emissão, da parte deste sindicato e de outros, de comunicados em
russo a explicar os passos para a legalização e a esclarecer os direitos
laborais, tornam esta entidade importantíssima como lugar para o esclarecimento
dos imigrantes (idem).
Concretizando a nossa análise, a partir de relatos de experiências vividas por
parte dos imigrantes entrevistados, percebemos que a situação irregular do
ponto de vista jurídico é o drama que mais aproxima todos os imigrantes,
independentemente da sua origem, condição social, idade, língua ou religião. As
dificuldades que em Portugal existem para que um imigrante consiga atingir,
manter ou não perder o seu estatuto de documentado de legalidade
constituem, indubitavelmente, uma barreira muito séria. As histórias escutadas
são muitas e chegam a atingir proporções preocupantes. Os casos que de seguida
apresentamos decorrem, por conseguinte, de uma selecção difícil.
Caso 1
Elena, de 33 anos, é uma imigrante letã, de ascendência e nacionalidade russas,
que vive em Portugal há cerca de três anos. O seu caso é paradigmático das
dificuldades de integração laboral por falta de documentação. Engenheira
geodésica, só recentemente conseguiu exercer a sua profissão, que parece ser de
grande procura em Portugal razão pela qual após a sua regularização encontrou
facilmente trabalho.
Discriminada na Letónia devido à ascendência russa dos pais, e também em
Moscovo por se ter casado com um negro oriundo de um país africano de língua
oficial portuguesa, Elena resolveu emigrar para Portugal tendo entretanto
enviuvado. Desde o primeiro minuto empreendeu esforços no sentido de se
legalizar, o que demorou cerca de dois anos. Embora descontando para a
segurança social e com número de contribuinte, não se pôde inscrever nos
centros de emprego, por estar ilegal. Sujeitou-se, durante esse tempo, a
trabalhar em vários sítios e muitas vezes acabou por não ser paga, tendo,
inclusivamente, recebido ajuda alimentar numa paróquia.
Relatou-nos alguns incidentes no seu percurso de legalização: uma amiga deu-lhe
o contacto de uma senhora funcionária do SEF para conseguir a sua
documentação mais depressa. Encontrou essa senhora num escritório numa cave
apinhada de imigrantes africanos. Para iniciar o processo de regularização
pagou 750 dólares, sabendo que quando obtivesse a documentação iria pagar mais
dependendo esse montante da dificuldade da obtenção dos documentos. Ao fim de
um mês foi encontrar o escritório encerrado, sem quaisquer indicações de novo
endereço ou contacto. Felizmente tinha consigo o número do processo, que
verificou ser verdadeiro quando, mais tarde, recorreu ao SEF. Entretanto, numa
ida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, identificou visualmente a tal
senhora do SEF que conhecera nessa espécie de agência, numa cave, e
interpelou-a. A senhora, consternada, solicitou-lhe discrição e deu-lhe um
número de telemóvel, pedindo-lhe que a contactasse mais tarde. Número que se
veio a verificar ser falso. Foi-lhe também feita a proposta, por um português,
de comprar um passaporte espanhol, por cinco mil dólares, o que não fez.
Finalmente, ao fim de dois anos e meio conseguiu a legalização, o que lhe
permitiu concorrer com o seu currículo a empregos correspondentes às suas
habilitações de engenheira geodésica.
Caso 2
Natalia, de 39 anos, é ucraniana e chegou há pouco a Portugal. Vive num quarto
pequeno numa pensão, que lhe custa 50 contos por mês, e tem de partilhar os
espaços comuns com cerca de duas dezenas de brasileiros. No seu país de origem
trabalhava na área cultural, ligada ao teatro e à televisão, para a qual
planificava a programação. Filha de professores, tem familiares a viver no
Canadá, conhece a Europa e os EUA, onde diz ter muitos amigos. Aquando da
mudança de regime do seu país, no início da década de 90, todas as poupanças
que tinha no banco, resultado de anos de trabalho, desapareceram sem deixar
rasto e Natalia, tal como milhares de ucranianos, sem dinheiro suficiente
para sobreviver, teve de encarar seriamente a possibilidade de imigrar. No seu
país deixou três filhos com 18, 14 e 6 anos e acalenta a ideia de trazer a
filha mais velha para Portugal, para tirar um curso superior. Sobre os mais
novos, acha que deverão aprender, primeiro, a realidade ucraniana e só depois
vir para cá.
No momento em que foi contactada, a sua maior preocupação era a de arranjar um
contrato de trabalho, como forma de se poder legalizar o que veio a acontecer
mais tarde, como empregada de limpeza na área de Lisboa. Todos os dias comprava
o jornal lendo os anúncios com a ajuda de um dicionário. Já tinha respondido a
muitos, sobretudo para empregada de limpeza, mas ninguém parecia disposto a
passar-lhe um contrato de trabalho. Passa as noites em claro, assustada com a
perspectiva da expulsão por cinco anos caso não regularize até ao fim do mês
a sua situação. O seu português é bastante hesitante, no entanto compreende-nos
bem. Mesmo assim, evita o convívio com portugueses, pois sente-se constrangida
com a falta de vocabulário e com a atenção que essa falha obriga a dispensarem-
lhe. Tem amigos ucranianos e alguns portugueses.
Caso 3
Maria, natural de Minsk, é bielorrussa e vive na Quinta do Mocho. Com 35 anos
está há oito em Portugal. Enfermeira de profissão, conheceu no seu país de
origem um estudante oriundo de um país PALOP com quem se casou e de quem tem
um filho, nascido no país de origem do pai, nos breves quatro meses que Maria
lá passou. Veio para Lisboa, onde acabou por se separar. Tem trabalhado em
vários lugares sem poder exercer enfermagem, pois o seu diploma carece de
reconhecimento. Com autorização de residência caducada e entregue para
renovação no SEF há largos meses, Maria conta-nos angustiada que teve de
contratar um advogado para localizar o seu processo e os seus documentos, sem
sucesso. Fala bem português, trabalha em várias organizações de solidariedade,
é uma verdadeira mediadora, sempre em risco de ser expulsa do país.
Caso 4
Marco tem 39 anos, é natural do Brasil, bacharel em arquitectura, vive em
Portugal há nove anos e exerce a actividade de produtor cultural em Loures,
desde 1997.
Embora com parentes a habitar no norte do País, foram as relações de amizade
que o trouxeram a Portugal. Quando saiu do seu país, em 1992, não tinha ideia
para onde ir, nem por quanto tempo. Estava farto de política, veio visitar
uma amiga por uma semana e acabou por decidir ficar. A ideia inicial era a
Europa, mas como ele lucidamente afirma:
Facilitou a língua por exemplo, se eu fosse para Londres provavelmente ia
lavar pratos, ia ser mais um terceiro-mundista a lavar pratos. Em Portugal
tenho outros laços, outra aceitação. Nunca se eu fosse para Londres ou para
França, a menos que eu tivesse um currículo invejável, mas nunca ia chegar a
fazer o que eu faço hoje, em Londres.
Em 1993 entrou com os pedidos de regularização, que foi como uma passagem
pelo purgatório:
uma vez fui até lá às cinco horas da manhã e aquilo fechava às três da tarde,
e quando faltavam dez para as três estavam quatro pessoas na minha frente para
entrar. O senhor fechou a porta e disse que não entrava mais ninguém, e não
entrava mesmo mais ninguém, e eu que tinha ido às cinco da manhã ( ) Aí noutra
vez fui às quatro e às duas da tarde consegui entrar e faltava um carimbo.
Foram cinco, seis meses nisto.
Mas finalmente conseguiu o visto, que cada ano renovava. Em 1997 casou com uma
alemã, tendo conseguido um visto de residência para dez anos, com o estatuto de
cidadão europeu, o que lhe permite ser atendido num guichê especial, que não
tem ninguém, nem pretos, nem indianos, nem brasileiros, nem nada
Institucional e informal: como se apoiam os imigrantes?
Na opinião dos imigrantes contactados, o apoio prestado por familiares foi o
mais importante. Contudo, há casos em que a existência de parentes em Portugal
não se traduziu numa mais-valia, por estes não terem a vida em Portugal
economicamente estabilizada. E, muito embora o apoio das comunidades religiosas
aos seus elementos tenha sido pouco referido, num concelho onde este tipo de
associações tem uma expressão forte, parece ser particularmente significativa a
referência que de seguida se transcreve, pela voz de uma são-tomense que foi
bastante ajudada pela sua igreja no momento da chegada a Portugal:
Eles também não tinham condições para me estar a ajudar lá naquelas casas
deles, as barracas, não é? Eles tinham vida difícil e cada um desenrascava como
podia Foi através de uma igreja Porque eu sou pentecostal, uma igreja
evangélica e os nossos irmãos somos unidos, e foram lá (ao aeroporto) me
buscar
( ) eu já conhecia essa igreja há muitos anos, em S. Tomé, e aqui também temos
uma grande família religiosa nós somos cristãos ( ) uma família unida, é uma
família bastante grande, e dou bem com eles, eles dão bem comigo (imigrante
são-tomense, 46 anos, ama).
Quanto aos apoios prestados por instituições oficiais, autarquias e
associações, os imigrantes inquiridos afirmaram ter sido pouco importantes. Na
realidade, de um modo geral, os apoios mais referidos são aqueles que podemos
classificar como informais (familiares, amigos, patrões, membros de uma mesma
congregação religiosa, etc.). Na sua percepção, os apoios institucionais são
praticamente inexistentes, sendo desenvolvidos, sobretudo, quando, a título
individual, os interlocutores se predispõem a ajudar e fazem uso dos lugares
institucionais que ocupam. Tais actuações não parecem, por conseguinte, derivar
de normativas ou de programas específicos.
É de assinalar a importância conferida a certos locais de sociabilidade, tais
como feiras, mercados, igrejas, bairros, amiúde referidos como lugares de
encontro importantes. Destacamos dois testemunhos particularmente
significativos, um de uma imigrante angolana que, após ter ficado sem casa, se
dirigiu à Feira do Relógio e, por acaso, encontrou uma vizinha de Luanda que a
ajudou; outro, de um responsável pela mesquita de Lisboa, que conta que os
imigrantes muçulmanos recém-chegados se dirigem à mesquita procurando alguém
conhecido que os possa ajudar a encontrar casa, trabalho, etc.
As situações de apoio mais frequentemente documentadas nos trabalhos
jornalísticos têm a ver com as associações, os movimentos, as pessoas que
participam nas iniciativas de apoio a estas populações, ou com os próprios
imigrantes que protagonizam histórias mais marcantes. Salientamos que o
processo de legalização, tão noticiado, acaba por desencadear por todo o país
iniciativas solidárias protagonizadas por várias entidades.
É precisamente em torno de grupos mais ou menos estruturados de imigrantes
chegados a Portugal que se desenvolvem iniciativas de solidariedade.
Encontramos notícia de entidades tão variadas como as câmaras municipais,
paróquias e escolas, no apoio ao ensino da língua portuguesa (Águeda, em Diário
de Notícias, 14-03-2001, Valpaços, em Jornal de Notícias, 14-04-2001, paróquia
de São Pedro de Penaferrim, Sintra, em Público 18-03-2001, professores de um
externato em Torres Novas, em Diário de Notícias,01-03-2001, Ensicoop e Junta
de Freguesia de Sacavém, em Jornal de Notícias, 10-04-2001), a Associação
Guineense de Solidariedade Social, no apoio informático e até no apoio
alimentar a imigrantes de todas as origens (Público, 26-01-2001), o Abrigo do
Beato, em Lisboa, com comida e dormida Finalmente, encontramos referências às
intenções que vários organismos estatais e da igreja católica revelam no
sentido da institucionalização de tais apoios (Expresso, 17-03-2001; Público,
09-04-2001, entre outros) e, ainda, a sindicatos da UGT e da CGTP, que
desenvolvem um número importante de acções.
Apontamentos finais
Um dos objectivos iniciais desta investigação foi a reconstituição de
trajectórias migratórias, assim como a identificação de perfis de imigrantes e
situações-tipo, de forma a melhor elucidar os processos de instalação e de
relação social em contexto imigratório. Contudo, atendendo a vários tipos de
constrangimentos surgidos ao longo da pesquisa, mais do que definir uma
tipologia de populações imigradas, procurámos dar voz a experiências vividas de
imigrantes, pelos próprios ou por próximos deles, o que nos levou a
problematizar a própria categoria de imigrante na, por vezes, apenas aparente
objectividade da sua condição e na subjectividade das representações que
suscita.
Escolhemos dois enfoques complementares. Através da cobertura mediática
tentámos ilustrar o modo como a imigração aparece associada a variadas formas
de clandestinidade e de marginalidade com todos os sinais de ocultação que
as acompanham. No terreno, procurámos retratar, de um modo impressivo e
limitado, a dinâmica que envolve a instalação dos imigrantes num território
concreto: o concelho de Loures. Em termos de trabalho de terreno a nossa
estratégia passou por aplicar instrumentos de observação e análise que nos
garantissem quer a fiabilidade dos dados recolhidos nunca trabalhar com
populações que dada a sua desconfiança face aos colectores de informação
poderiam dar apenas as respostas convenientes ou simplesmente nem as dar quer
a inteligibilidade dos processos recorrer a interlocutores que dada a sua
localização privilegiada pudessem apresentar ideias de conjunto enriquecedoras
para a compreensão dos processos em causa. Assim, devido às dificuldades de
acesso a imigrantes num tão curto período de tempo (apenas um ano), criámos uma
rede de contactos com informantes (imigrantes ou não), o que nos permitiu
ampliar, num sentido aberto e informal, o universo de interlocutores e de
interlocução. Procurámos, igualmente, contribuir para a construção, por parte
da autarquia, de uma rede de agentes locais capazes de colaborar na definição
de uma política de apoio à integração de imigrantes em situação indocumentada.
Na realidade, nos processos de imigração recente tudo parece indicar que a
instalação num determinado território, entendido aqui ao nível do concelho,
decorre mais de factores estritamente circunstanciais, do que de opções
evidentes. A proximidade de Lisboa, a oferta de trabalho e de habitação
relativamente barata (incluindo aqui a possibilidade de autoconstrução e de
realojamento), a prévia existência de redes de suporte de parentesco, de
conterrâneos ou conhecidos, facilitadores de uma inserção residencial e
laboral, parecem ser alguns dos factores determinantes na direcção dos fluxos
migratórios razões de atracção migratória partilhadas pela maior parte dos
concelhos da área metropolitana de Lisboa. A existência, em Loures, de uma
diversidade grande de imigrantes, provenientes de várias origens, sociais e
geográficas, que ocupam tanto as suas áreas menos povoadas como as mais densas,
leva-nos a considerar que, apesar da delimitação territorial feita neste
trabalho ter sido artificial (do ponto de vista de um fenómeno como o
migratório que ultrapassa os limites concelhios), este município constitui, sem
sombra de dúvida, um lugar de observação privilegiado uma espécie de
laboratório onde o aprofundamento do estudo do fenómeno imigratório é, não só
possível, como desejável.
Notas
1 Loures confina igualmente com os concelhos de Arruda dos Vinhos, Mafra,
Sintra, Vila Franca de Xira e, recentemente, Odivelas, novo concelho cuja
principal área foi retirada do território de Loures.
2 Em 1999 Loures viu a sua área de 195 km2 reduzida para 168 km2, tendo ficado
com menos cerca de 100.000 habitantes, distribuídos por 18 freguesias, após a
saída das freguesias de Odivelas, Caneças, Famões, Olival Basto, Pontinha,
Ramada e Póvoa de Santo Adrião que passaram a integrar o novo concelho de
Odivelas.
3 O concelho tinha, em 1981, 276.467 habitantes, em 1991 chegava aos 322.158, e
em 2001 a sua população ficava pelos 199.061.
4 Gabinete de Assuntos Religiosos e Sociais Específicos. Agradecemos à equipa
do GARSE que nos acompanhou ao longo de toda a pesquisa, em particular às Dras.
Isabel Vieira, Cristina Santinho e Carla Assunção, a forma acolhedora e
empenhada como o fizeram.
5 A investigação, desenvolvida no âmbito do CEAS/ISCTE, integrou os seus
coordenadores Luís V. Baptista e Graça I. Cordeiro, a socióloga Violeta
Alarcão, e os estudantes de antropologia, Vasco Ruivo e Anabela Moreira.
6 As notícias de imprensa analisadas foram recolhidas de forma sistemática nos
diários de grande tiragem nas duas maiores cidades do país (Jornal de Notícias,
Diário de Notícias, Público) e num semanário (Expresso). A análise feita
reporta-se aos primeiros quatro meses do ano de 2001.
7 A vantagem estratégica do recurso a estes informantes, também designáveis
como mediadores, baseia-se na distância que estes vivem face à situação de
indefinição dos recém-chegados, o que os torna disponíveis para outro tipo de
abordagem, mesmo no caso em que estes são imigrantes, graças ao estatuto e
segurança relativos, entretanto conquistados, na sociedade de acolhimento.
Entendemos como mediador todo aquele que nos conduziu e orientou por uma
realidade desconhecida, como intermediário e informante sobre factos
objectivos, juízos subjectivos, frequentemente opiniões e imagens filtradas por
variados veículos de comunicação sobre essa realidade. Mesmo sendo parte
interessada num processo em curso, era reconhecido como capaz de agir
legitimamente, tomando posição e negociando posições próprias e alheias [ver
Berger e Mehaus, 1977; Velho e Kuschnir (orgs.), 2000].
8 Dados sobre imigração, GARSE, CML, 1995; Base de dados Gestão de
habitação, C. M. Loures/D. M. Habitação.
9 Durante o processo de legalização que decorreu entre 22/1 e 4/12 de 2001,
foram concedidas, a nível nacional, 120.244 autorizações de permanência, em que
as nacionalidades mais representadas, por ordem decrescente, foram: ucraniana
(42.647), brasileira (22.604), moldava (8.469), romena (6.985), cabo-verdiana
(5.232), russa (4.817), angolana (4.752), chinesa (3.231), guineense (3.104),
paquistanesa (2.797), indiana (2.704) e são-tomense (1.519) (estatísticas do
SEF sobre autorizações de permanência).
10 Dossiês sobre a Invasão do Leste (Pública, 04-03-2001), United colors of
Portugal (Visão, 08-03-2001), Um país ilegal (Grande Reportagem, Março 2001)
servem apenas como ilustração de uma produção maciça de dossiês de informação
acerca de um fluxo populacional que se começa a sentir quotidianamente
11 Todos os nomes de informantes são pseudónimos.