Editorial
Editorial
Não deixará de constituir uma revelação para alguns o artigo com que abrimos
este volume. Habituados que porventura estejam a tomar por objecto de estudo
sociológico colectivos sociais, ainda que de diferentes ordens de grandeza,
deparam-se com a perspectiva de Bernard Lahire que defende e pratica uma
sociologia à escala individual. Reexaminando o conceito de disposição, tal
como foi utilizado por Pierre Bourdieu, Bernard Lahire propõe uma sociologia da
pluralidade disposicional para a compreensão das variações inter e intra-
individuais, no pressuposto de que a diferentes contextos estão associadas
disposições e acções também diferentes, quando não contraditórias.
É igualmente de disposições, incorporadas ou a incorporar, que trata o artigo
de João Teixeira Lopes. O autor apresenta uma reflexão crítica acerca da
violência simbólica, em seu entender praticada sobre os novos públicos da
cultura, a quem são dirigidos os novos manuais de civilidade. Elaborados com
o intuito de colmatar défices de capital cultural, tais manuais pretenderão,
nas palavras do autor, domesticar arbitrariamente os habitus dos agentes
sociais pouco familiarizados com os mundos da cultura, sem atender
devidamente aos constrangimentos institucionais da produção e aos contextos de
recepção.
José Machado Pais problematiza o conceito de cidadania e considera as
dificuldades da sua operacionalização, nomeadamente quando projectado para o
universo plural dos jovens e convocado para a formulação de políticas de
juventude. Conceitos como os de grounded policies e de cidadania participada
que atendam às especificidades e diversidades são avançados por Machado
Pais como modo de internalizar e reconhecer direitos dos jovens e de, com e
para eles, desenhar mapas de futuro. As problemáticas ligadas aos jovens
estão ainda presentes num outro artigo, o de Maria João Leote de Carvalho, que
estudou trajectórias de desvio e delinquência juvenil. Analisando processos e
biografias de jovens institucionalizados, a autora constata a forte associação
existente entre as suas trajectórias e contextos familiares instáveis, de
pobreza e de exclusão, tanto a montante como a jusante dos respectivos
percursos de vida.
O artigo de Adelino Gomes constitui um contributo importante para o
conhecimento do que são os antecedentes clássicos da sociologia portuguesa,
na expressão de Fernando Luís Machado a que Adelino Gomes faz referência.
Focando as décadas de 50 e 60 do século passado, mostra como na génese da
institucionalização da sociologia em Portugal se encontram os movimentos
católicos e os primeiros estudos sobre a situação universitária daquela época.
Este número encerra com um ensaio de António Pedro Dores, a propósito da obra
de António Damásio, e uma nota de pesquisa de Susana da Cruz Martins, a qual,
através da utilização de diversos indicadores socioeducacionais, evidencia os
actuais défices educativos de Portugal no contexto da União Europeia.
Maria das Dores Guerreiro