The Portuguese in Canada: diasporic challenges and adjustment
Carlos Teixeira e Victor da Rosa (orgs.)
The Portuguese in Canada: diasporic challenges and adjustment
Toronto / Buffalo / Londres, University of Toronto Press, 2009, 272 páginas.
Sónia Ferreira
CRIA / FCSH-UNL
Na segunda edição da obra colectiva ThePortuguese in Canada: Diasporic
Challenges and Adjustment, originalmente publicada em 2000, os editores
procuram conferir um novo fôlego à colectânea, substituindo e actualizando
parte das contribuições, mas conservando os temas essenciais que a estruturam.
Os artigos cobrem um espectro disciplinar diversificado, desde a antropologia,
à sociologia, história, geografia e literatura, e são produzidos por autores de
instituições académicas canadianas e portuguesas, embora os primeiros sejam
substancialmente mais representativos, já que uma parte essencial dos artigos
aqui publicados foi apresentada, em 1997, no encontro anual da Canadian
Association of Geographers. Segundo os editores, esta obra procura analisar e
compreender um segmento importante da diáspora nacional, nomeadamente os
portugueses que elegeram o Canadá como destino migratório. Este fluxo inicia-se
de forma mais expressiva a partir dos anos 50, com a chegada do primeiro grupo
de emigrantes ao porto de Halifax, a 13 de Maio de 1953, a bordo do navio
Saturnia, e prolongar-se-á pelas décadas de 60, 70 e 80, começando a diminuir
apenas a partir dos anos 90.
Os diferentes artigos, à excepção dos dois primeiros, encontram-se agrupados em
quatro secções temáticas, intituladas respectivamente Newfoundland and the
White Fleet, Immigration from Portugal to Canada, Portuguese communities
and Little Portugals' e History, cultural retention, and literature,
perfazendo um total de 15 contribuições. As duas primeiras procuram oferecer
uma análise conjuntural sobre os processos migratórios portugueses, a começar
com um artigo dos editores Carlos Teixeira e Victor da Rosa, onde estes
apresentam os fluxos de chegada e fixação das populações portuguesas em
território canadiano. O segundo artigo, da autoria de Maria Beatriz Rocha-
Trindade, foca de forma abrangente os processos migratórios portugueses,
procurando situá-los nas suas dinâmicas históricas próprias, da época da
expansão ultramarina aos mais recentes fenómenos das migrações transoceânicas
para a América do Sul e do Norte, à migração intra-europeia e aos processos de
migração de retorno, finalizando com uma breve caracterização da diáspora
portuguesa.
A organização da obra procura assim cobrir um espectro diacrónico que vai, com
excepção do artigo de Maria Beatriz Rocha-Trindade, do séc. XIX à
contemporaneidade multicultural de metrópoles como Toronto, Vancouver ou
Montreal, sendo que, em termos de escala, são analisados dados produzidos tanto
a nível macro como micro, variando as fontes entre documentos históricos,
imprensa, testemunhos orais e inquéritos.
A primeira secção temática foca-se na migração de carácter económico e sazonal
que caracterizava a chegada maciça de portugueses às costas canadianas para a
pesca do bacalhau, actividade que começa a surgir de forma organizada a partir
de 1830, aproximadamente, e que não cessará nas décadas subsequentes. Priscilla
Doyle não só explora as questões históricas e os aspectos tecnológicos
inerentes a esta actividade, como analisa todo o projecto iconográfico
promovido pelo Estado Novo para controlar ideologicamente as representações
nacionais que visavam este tema. Jean-Pierre Andrieux e Peter Collins discutem
igualmente a questão da pesca, nomeadamente evocando a famosa frota WhiteFleet,
procurando compreender, por um lado, as estratégias que os pescadores
utilizavam com vista à renovação das embarcações e, por outro, a memória local
deixada pelos portugueses nesta região costeira do Canadá. Collins destaca a
ausência de documentação e fontes que atestem este fluxo tão intenso de
indivíduos, principalmente entre as décadas de 40 e 70 do séc. XX, procurando o
autor registos memoriais, de imprensa e performativos da região de
Newfoundland.
A segunda secção centra-se em aspectos mais ligados às questões da cidadania,
evocando movimentos sociais ou acções colectivas levadas a cabo pela comunidade
portuguesa no Canadá. Em primeiro lugar, Manuel Armando Oliveira analisa a
questão da designada retenção cultural, ou seja, processos de preservação da
língua e da cultura portuguesa tanto em Montreal como em Toronto,
particularmente junto da comunidade açoriana. Seguidamente, Susana Miranda
investiga uma acção de resistência e luta colectiva levada a cabo por mulheres
portuguesas migrantes, trabalhadoras do sector económico das limpezas em
Toronto. A autora analisa a configuração política das suas acções e a sua
constituição em militantes étnicas, procurando desconstruir o estereótipo da
mulher da limpeza portuguesa, redefinindo conceitos como o de público ou de
político e os papéis de género adjacentes. Ainda no âmbito desta secção, Luís
Aguiar descreve o caso da deportação de Hélder Marques, analisando os
diferentes discursos emanados a partir da comunidade portuguesa e da sociedade
canadiana. O autor analisa a forma como se organizou a resistência à deportação
e os discursos que a enformaram, destacando aspectos como a importância do
argumento étnico e o modo como esta situação revela alguns dos problemas da
comunidade luso-canadiana, tornando visível o seu estatuto e posicionamento
ainda marginal. Irene Bloemraad discute, por fim, a questão da invisibilidade
das comunidades portuguesas nos EUA e no Canadá, defendendo, ao contrário de
outros autores, que não existem semelhanças estruturais entre ambas. Bloemraad
considera que no Canadá se verifica um maior envolvimento político e cívico da
comunidade portuguesa, devendo-se essa situação a vários factores, entre eles
as políticas multiculturais implementadas naquele país.
Na terceira parte da obra, Carlos Teixeira e Robert Murdie apresentam os
padrões de ocupação do território, a mobilidade residencial e a escolha do tipo
de habitação mais visíveis na comunidade portuguesa de Toronto. Os autores
analisam ainda o fenómeno da suburbanização e a configuração sociodemográfica
que distingue a zona portuguesa do centro de Toronto da do subúrbio de
Mississauga. Victor da Rosa e Carlos Teixeira analisam ainda, no artigo
subsequente, a presença portuguesa na Província do Quebeque, apresentando as
características sociais desta comunidade ' ocupação e educação, tipos e locais
de residência, vida comunitária ' assim como o processo de suburbanização para
a zona do Laval. Conclui esta secção um artigo de Carlos Teixeira sobre a
fixação dos portugueses em zonas rurais do Canadá, como Okanagan Valley. O
autor analisa as actividades empresariais agrícolas e as experiências de gestão
financeira dos emigrantes portugueses desta região, destacando o facto de a sua
estratégia de fixação residencial ser diferente da verificada em urbes como
Toronto ou Montreal, embora a posse da terra assuma igualmente um sentido
económico e simbólico fundamental.
Na quarta e última parte da obra, temos um ensaio de Onésimo Teotónio Pereira
onde este discute as características culturais de um grupo nacional como o
português, ancorando-se em autores como Jorge Dias e Leite de Vasconcelos. O
autor defende que as comunidades portuguesas que vivem fora do país apresentam
uma grande coerência e unificação cultural e explora ensaisticamente esta
proposição. No capítulo que se segue, Isabel Patim analisa a literatura
portuguesa de background canadiano, destacando o processo tardio da sua
inclusão na definição de obra literária e de que forma isso acompanha a própria
enunciação e delimitação do conceito de literatura canadiana. Por fim, um
artigo da autoria de John Warkentin finaliza a obra, apresentando uma síntese
final dos artigos que a constituem e analisando-os no seu conjunto.
A presente colectânea pretende fazer assim uma apresentação sumária,
interdisciplinar e diacrónica do fenómeno da emigração portuguesa para o
Canadá. A diversidade dos pontos de vista apresentados, a exaustividade
geográfica e a tentativa de conferir espessura histórica ao tema constituem
factores relevantes para uma apreciação positiva da mesma. É de notar, contudo,
a ausência de temáticas que reflictam, por exemplo, as estratégias familiares e
matrimoniais, os processos heterogéneos de reconfiguração identitária da
segunda e terceira gerações ou o papel da cultura material e performativa na
definição e circunscrição da ideia de comunidade. Estas ausências, tanto
quanto as presenças, que constituem um contributo de relevo, deverão no seu
todo ser objecto de reflexão. Quem produz o quê, quando e como sobre a diáspora
portuguesa? Que produção científica a enforma? Quais os agentes que
tendencialmente a produzem?