Community, culture and the makings of identity: Portuguese-Americans along the
Eastern seaboard
Kimberly DaCosta Holton e Andrea Klimt (orgs.)
Community, culture and the makings of identity: Portuguese-Americans along the
Eastern seaboard
Dartmouth, University of Massachusetts, 2009, 650 páginas.
Marta Vilar Rosales
CRIA / FCSH-UNL
Community, Culture and the Makings of Identity, organizado por Kimberly DaCosta
Holton e Andrea Klimt constitui um volume de dimensão considerável que reúne um
conjunto de reflexões acerca das populações de origem portuguesa, angolana,
brasileira e cabo-verdiana que migraram para a costa leste dos Estados Unidos
da América.
De acordo com o exposto na introdução, o livro resulta de um conjunto de
debates académicos e propõe-se, enquanto projecto inovador, contribuir para a
ultrapassagem da dicotomia que perspectiva as migrações do último século para
os EUA, opondo as vagas ocorridas no início do século aos movimentos mais
recentes situados no quadro pós-colonial. Contrariando as lógicas de migrações
com origem noutros contextos, as migrações portuguesas são apresentadas como
movimentos mais ou menos permanentes, envolvendo diferentes classes sociais,
origens geográficas e sectores da sociedade portuguesa do século XX.
Possibilitar a emergência de uma discussão ampla, profunda e plural sobre os
portugueses da costa nordeste justifica a integração no livro de contributos
que exploram as intersecções das experiências destes migrantes com as
comunidades de brasileiros, cabo-verdianos e retornados africanos que povoam
igualmente a região. Sublinha-se ainda a necessidade de discutir as
potencialidades e os limites criados pelas condições políticas, económicas e
materiais enquanto factores-chave na construção de trajectórias individuais,
familiares e comunitárias, face a perspectivas que privilegiam a cultura como
factor explicativo, bem como a importância de se explorarem as valências
analíticas das interconexões existentes entre contexto e cultura, global e
local, continuidade e mudança, sistemas de valores e práticas quotidianas.
Dos vinte textos que compõem o livro, onze são versões revistas e / ou
traduzidas de textos anteriormente publicados. Relativamente aos autores que
contribuem para a obra (maioritariamente antropólogos e sociólogos norte-
americanos), é de referir a presença de nomes cujos trabalhos constituem
contributos incontornáveis para o estudo das migrações portuguesas.
Os textos encontram-se organizados em cinco temáticas. A primeira, cidadania,
pertença e comunidade, integra três reflexões que promovem a discussão dos
temas enunciados partindo de uma estratégia comum: a desconstrução de
estereótipos dominantes que pairam sobre os portugueses na América. Bloemraad
questiona a pretensamente inevitável invisibilidade política dos portugueses
no Canadá e nos EUA, desafiando as representações que a atribuem exclusivamente
aos baixos níveis de escolaridade e às políticas repressivas do Estado Novo.
Argumenta que estes obstáculos se conjugam com outros impedimentos resultantes
dos quadros legais e das políticas institucionais promovidas pelos contextos de
acolhimento. Feldman-Bianco parte do conceito de saudade e do lugar que este
ocupa na definição essencializada da alma e do carácter portugueses para
discutir as apropriações e conceptualizações diferenciadas a que o mesmo foi
sujeito pelo Estado Novo na construção de uma noção de nação
desterritorializada e pelos migrantes na gestão das suas identidades
individuais e colectivas. Klimt conclui o grupo com um contributo centrado nas
assunções reificadas existentes sobre a evolução natural das comunidades
portuguesas migrantes, sobretudo no que respeita às estratégias de
relacionamento com os contextos de acolhimento e de origem. Confrontando grupos
radicados nos EUA e na Alemanha, conclui que as identidades colectivas e as
políticas de desenvolvimento comunitário são processos contingentes,
historicamente específicos e dependentes de factores conjunturais, tais como as
oportunidades de emprego, os contextos ideológicos e legais ou as condições
objectivas de instalação no destino.
A segunda temática, cultura expressiva, representações nos media e
identidade, integra seis contributos. Leal explora a dialéctica entre
continuidade e mudança, tradição e inovação no quadro dos impérios marienses
nos EUA. Apesar de a tradição ser evidente na construção identitária migrante,
o seu texto reclama igual centralidade para a função desempenhada pelos
impérios na sua tradução e adequação a novas formas de sociabilidade e estilos
de vida decorrentes do contexto americano. Holton discute o conceito de
aculturação selectiva proposto por Portes, através da observação das lógicas
que estruturam os ranchos folclóricos na diáspora. Veículo de ligação económica
e emocional à origem, o folclore parece suportar as políticas de e / imigração
portuguesa e americana, ao estimular o uso da língua e dos valores da origem e
promover a endogamia, ao mesmo tempo que celebra o sucesso comercial a ele
aliado e aumenta a visibilidade política do grupo. A negociação das identidades
étnica, social e política através da cultura expressiva é igualmente abordada
por Batista, num artigo sobre uma exposição de imagens da Virgem Maria na arte
portuguesa organizada por um museu em Newark, e também por Brucher, ao
analisar a viagem de uma banda musical luso-americana a dois municípios
portugueses. Correia e De Almeida centram-se na análise dos discursos
jornalísticos. Abordando dois casos distintos, ambos discutem as
potencialidades e efeitos dos media no quadro da vida comunitária migrante.
A terceira temática, educação, mobilidade social e cultura política, integra
três contributos. Sá e Borges desafiam as explicações dominantes que atribuem a
relativa falta de mobilidade social dos migrantes portugueses aos seus capitais
culturais baixos e pouca valorização da escola, chamando a atenção para as
barreiras instituídas pelos contextos laborais, escolares e sociais, os quais
contribuem, em grande medida, para a reprodução do quadro. Barrow contesta
também as explicações deterministas que a atribuem à fraca participação
política dos portugueses, argumentando que a aparente inexistência de uma
agenda política portuguesa se deve menos aos níveis de participação política
apresentados do que a impedimentos estruturais que impossibilitam a sua
emergência. Becker retoma a problemática do relacionamento com a escola,
discutindo as dificuldades existentes na gestão da identidade étnica num quadro
em que simultaneamente se promove a valorização da cultura anglo-saxónica e se
rejeita a identificação com a mesma por parte das crianças migrantes.
A quarta temática, trabalho, género e família, inclui também três reflexões.
Reeve retoma a discussão da participação dos portugueses, neste caso, nas
estruturas sindicais. A partir de um estudo realizado numa unidade industrial
na primeira metade do século XX, o estereótipo da fraca participação é
desafiado por um registo que dá conta de um envolvimento muito significativo
das mulheres portuguesas, inclusive em posições de liderança. O elevado nível
de sindicalização apresentado pelas portuguesas constitui igualmente o campo de
discussão do artigo desenvolvido por Bookman. De acordo com a autora, os
argumentos que sustentam a ideia de que haveria uma fraca participação sindical
feminina ' representações de género tradicionais e forte identidade étnica '
são, em grande parte, os factores responsáveis por uma elevada sindicalização
efectiva das mulheres. Lamphere, Silva e Sousa desenvolvem uma reflexão em
torno dos efeitos da proletarização na estrutura das unidades familiares e na
gestão das redes de parentesco da população migrante que se encontrava
maioritariamente ligada ao sector primário em Portugal.
A última temática, raça, pós-colonialismo e contextos diaspóricos, integra
cinco artigos que, por transcenderem o campo das migrações portuguesas,
complexificam a discussão apresentada. Moniz analisa o processo de constituição
e reconhecimento formal de grupos minoritários na América como ponto de partida
para discutir a natureza maleável da categorização étnica e racial portuguesa.
Clarificando as intersecções existentes entre a construção e gestão das
categorias raça e etnicidade e o sistema legal, demonstra que o não-
reconhecimento dos portugueses enquanto minoria étnica não preveniu a sua
sujeição aos mesmos mecanismos de exclusão a que foram sujeitas outras minorias
legalmente reconhecidas, retirando-lhes, no entanto, a possibilidade de poderem
contar com a protecção legal que esse reconhecimento proporciona. Ramos-Zayas
examina a produção quotidiana da diferença à medida que esta é transformada em
categorizações rígidas. A partir do estudo de caso de um grupo de jovens
mulheres brasileiras que residem na Newark portuguesa, discute os processos
de formação de estereótipos e os modos como estes se cruzam e interferem no
campo das relações laborais, promovendo tensões sociais. Gibau observa os
processos de negociação identitária dos cabo-verdianos nos EUA, contexto onde a
raça constitui um mecanismo de categorização formal importante. Holton propõe
um artigo em que se desafia a tese da assimilação positiva dos retornados de
África pela sociedade portuguesa pós-colonial. Partindo de um conjunto restrito
de histórias de vida, discute os motivos que os levaram a concretizar mais uma
migração que os afasta de Portugal e os modos como a sua experiência colonial
anterior se faz sentir nas relações que estabelecem com outros grupos étnicos
no novo contexto. Halter finaliza o grupo com uma reflexão que confronta dois
fluxos migratórios cabo-verdianos, um no final do século XIX e o segundo no
período pós-independência. Partindo de um conjunto significativo de tópicos, a
autora demonstra a complexidade que marca, na contemporaneidade, o domínio das
relações pós-coloniais entre cabo-verdianos, portugueses e brasileiros no
contexto norte-americano.
A última nota desta recensão vai para a bibliografia que integra a obra.
Organizada a partir das referências utilizadas pelo grupo de autores
publicados, constitui um recurso importante para todos os que investigam e
reflectem sobre as migrações portuguesas em geral e, especialmente, sobre as
que tiveram como destino a costa nordeste dos Estados Unidos da América.