O excesso de trabalho mata ou dá prazer? Uma exploração dos antecedentes e
consequentes do workaholismo
Introdução
Na sociedade actual as pessoas passam uma considerável parte do seu tempo a
trabalhar ou a preparar-se para tal. O trabalho cumpre um papel central nas
suas vidas e na satisfação de diversas necessidades, sendo encarado, até, uma
actividade saudável. Contudo, em alguns casos, as pessoas assumem um
compromisso demasiado pesado com o trabalho em prejuízo das suas próprias vidas
e da dos seus familiares. O termo workaholismo é utilizado para descrever este
envolvimento excessivo com o trabalho (Seybold & Salomone, 1994).
E, no entanto, uma dedicação integral e uma vida centrada no trabalho parece
ser a regra de sobrevivência nas empresas modernas e o único caminho para
alcançar sucesso na carreira (Serva & Ferreira, 2006). Os autores fazem
notar o aumento da carga de trabalho e da quantidade de horas que se consome no
trabalho, assim como o maior envolvimento com a organização. No Japão este
trabalho excessivo é o responsável por muitas mortes, sendo que a família de
alguém que se comprova ter morrido por karōshi (morte por excesso de trabalho)
tem direito a uma elevada indemnização (The Economist, 2007).
Apesar do workaholismo ser relativamente recente, alguns trabalhos já foram
produzidos, ensaiando um início da análise científica que aponta para uma área
de estudo relevante e promissora. Algumas das questões que guiam as pesquisas
são: o que é o workaholismo?, como se caracteriza?, o que o causa?, e
quais as suas consequências?.
A investigação agora reportada procura responder às duas últimas questões
(antecedentes e consequências do workaholismo). O texto tem início com a
revisão da literatura, explorando-se o conceito, tipologias e dimensões; depois
analisam-se os antecedentes e consequências do fenómeno. A revisão culmina com
o objectivo da investigação. Na segunda parte expõe-se o trabalho empírico, e
por fim conclui-se tecendo as necessárias implicações teóricas, práticas, e
metodológicas.
Enquadramento
Definições e Tipologias de Workaholismo
O workaholismo foi inicialmente abordado por Wayne Oates (1971), em
Confessions of a Workaholic, onde descreve a sua própria necessidade
incontrolável de trabalhar. O workaholismo foi então considerado um vício, uma
compulsão desmedida para trabalhar incessantemente. Depois disso o termo tem
sido também associado a altos níveis de stress, causa de problemas de saúde
física e emocional, pobre funcionamento familiar, conflitos na vida social, e
burnout (Burke, 2000; Spence & Robbins, 1992). Para além da obsessão com o
trabalho, os workaholicos são descritos como indivíduos orientados para a
tarefa, compulsivos, perfeccionistas, neuróticos, rígidos, altamente motivados
e capacitados, impacientes e egocêntricos (Andreassen, Ursin & Eriksen,
2007).
Não existe um consenso no que respeita a definir ou categorizar o worksholismo,
ou até mesmo em aceitar o conceito (Scott, Moore & Miceli, 1997). Alguns
autores vêm o workaholismo como algo positivo (Machlowitz, 1980; Scott et al.,
1997) e outros como algo negativo (Killinger, 1991; Oates, 1971; Robinson,
1998).
Mosier (1983) define o workaholismo em termos de horas trabalhadas, proclamando
aqueles que trabalham mais de 50 horas por semana como workaholicos. Machlowitz
(1980), por seu lado, revela que os workaholicos são pessoas que dedicam sempre
mais tempo e pensamentos ao seu trabalho do que a situação exige; isto faz com
que a sua atitude perante o trabalho seja diferente dos outros colegas, e não o
número de horas que trabalha.
Naughton (1987) apresentou uma tipologia de workaholismo baseada em duas
dimensões: compromisso da carreira e comportamento obsessivo-compulsivo. Os
workaholicos envolvidos com o trabalho (elevado compromisso com o trabalho e
baixa obsessão-compulsão) apresentam um melhor desempenho em trabalhos
exigentes e uma elevada satisfação com o trabalho, com um baixo interesse em
actividades extra-trabalho.
Para Killinger (1991), o workaholico é um indivíduo que, numa tentativa de ser
aceite, respeitado e aprovado pelos outros, faz do trabalho um meio de alcançar
tal aprovação e sucesso. Os workaholicos são os viciados respeitáveis do
nosso século e portanto não causa estranheza aos olhos de ninguém que trabalhem
12, 14 ou mais horas por dia.
Spence e Robbins (1992) propõem três dimensões no workaholismo: work
involvement' (envolvimento com o trabalho), feeling driven to work'
(sentimento de imposição para com o trabalho) e enjoyment of work' (prazer com
o trabalho). Estas dimensões dão origem a três tipos de workaholicos:
workaholicos,workaholicosentusiásticos (enthusiasts workaholics), e entusiastas
com o trabalho (work enthusiasts). Os primeiros envolvem-se e persistem muito
no trabalho, retiram pouco prazer, sentem-se deprimidos quando não estão a
trabalhar, e são compulsivos. Os segundos envolvem-se com o trabalho, retiram
elevada satisfação, mas persistem pouco. Os últimos pontuam alto nas três
componentes. De acordo com os autores, os workaholicos são sempre mais
perfeccionistas, experimentam maior stress e mais problemas de saúde. Num
estudo com 174 sujeitos, Aziz e Zickar (2006) confirmam que os workaholicos
revelam um padrão de atributos que corresponde ao de uma síndrome
multifacetada.
Scott et al. (1997) identificaram três tipos de comportamentos workaholicos:
compulsivo-dependente, perfeccionista e orientado para a realização. As
características que compõem esses padrões são analisadas como variáveis
contínuas; assim, os padrões não são mutuamente exclusivos e um workaholicopode
ser uma combinação de qualquer dos dois ou de todos os três tipos. Uma outra
contribuição dos autores é a definição dos elementos básicos para a
identificação de indivíduos com padrões de comportamento workaholico: tais
indivíduos gastam uma grande parte do seu tempo em actividades de trabalho,
dando demasiada importância ao mesmo, abdicando de outros aspectos sociais '
família, amigos, lazer, entre outros; eles persistem em pensar frequentemente
em assuntos de trabalho, mesmo quando não estão efectivamente a trabalhar; eles
trabalham muito além do que é razoavelmente esperado do cargo que ocupam, ou do
que para atender as suas necessidades económicas básicas. Esta definição é a
adoptada ao longo deste estudo.
Scott et al. (1997) sugerem que o workaholismo é um fenómeno abrangente que tem
implicações para ambos os domínios, trabalho e fora do trabalho. Deste modo,
examinaram o workaholismo no contexto destes dois domínios. Em primeiro lugar,
parece haver um impacto negativo do workaholismo no funcionamento familiar,
havendo inclusive influência nos níveis de depressão e ansiedade nos filhos de
pais workaholicos (Robinson & Kelley, 1998). Por outro lado, um estudo de
Burke (2001) revelou não haver relação entre aumento de salário e satisfação na
carreira ou comportamento workaholico, isto é, os workaholicos podem trabalhar
mais que os outros funcionários sem receberem mais por isso, o que é coerente
com a ideia de que são motivados por forças internas e não por factores
externos. Por fim, e apesar das semelhanças entre um workaholico e a
personalidade tipo A discutidas por vários autores, os estudos revelam modestas
correlações entre os dois constructos (McMillan et al., 2001; citado por Taris,
Schaufeli & Verhoeven, 2005). Num estudo mais recente, Andreassen, Hetland
e Pallesen (2010), corroboram esta linha de pesquisa, ao encontrar associações
positivas fracas entre algumas dimensões personalísticas e as componentes do
workaholismo (e.g. a conscienciosidade relaciona-se modestamente com as três
dimensões de envolvimento com o trabalho, drive, e prazer com o trabalho).
Dimensões do Workaholismo
Ng, Sorensen e Feldman (2007) propõem várias dimensões do workaholismo (Figura
1).
Estes autores enfatizam a noção de dependência, e na sequência enfatizam três
dimensões: afectiva, cognitiva e comportamental (Ng et al., 2007). Os
workaholicos são definidos como aqueles que retiram prazer do acto de
trabalhar, que estão obcecados pelo trabalho, e que investem longas horas e
tempo livre pessoal a trabalhar. Em suma, são pessoas cujas emoções,
pensamentos e comportamentos, são fortemente dominados pelo seu trabalho.
Todo este conhecimento acumulado sobre o tema revela que o fenómeno é mais
intrincado do que se poderia inicialmente pensar; e mostra igualmente alguma
discordância entre os autores. No entanto, há alguma concordância relativa ao
facto do workaholismo estar associado a consequências adversas à saúde e a uma
reduzida satisfação com a família e com as relações interpessoais (Burke, 2000;
Killinger, 1991; Robinson, 1998). Os estudos empíricos são relativamente poucos
(Andreassen et al. contabilizavam 17 em 2007), o que indica um campo tremendo
para exploração e investigação. Dois temas pouco explorados são o das causas e
antecedentes do workaholismo, e o das suas consequências e impactos.
Antecedentes do Workaholismo
Existem três perspectivas teóricas sobre as causas do workaholismo (Ng et al.,
2007): disposições individuais, experiências socioculturais e comportamentos
reforçados pelo ambiente. As três perspectivas sugerem que os indivíduos se
tornam workaholicos porque possuem certos traços de personalidade (Scott et
al., 1997), as suas experiências sociais ou culturais promovem workaholismo
(Oates, 1971; Robinson & Post, 1995), ou os seus comportamentos
workaholicos são repetidamente reforçados.
No que concerne a perspectiva disposicional, Ng e colegas (2007) sugerem que
uma das influências mais importantes é a auto-estima. Uma vez que o
comportamento aditivo é tido como algo que procura paralisar ou evitar
sentimentos negativos associados a outras actividades ou envolvimentos (Porter,
1996), os indivíduos com baixa auto-estima estão mais propensos a
comportamentos aditivos do que outros (Robinson & Kelley, 1998), e como tal
estão mais predispostos a tornarem-se workaholicos.
Os traços de personalidade relacionados com a realização (por exemplo,
personalidade Tipo A, personalidade obsessivo-compulsiva, necessidade de
realização) podem de igual modo predispor os indivíduos a tornarem-se mais
dependentes do trabalho (Liang & Chu, 2009). Outro factor com peso é o dos
valores humanos. Segundo Schwartz (1992, citado por Ng et al., 2007) o valor de
realização reflecte o desejo de ser bem sucedido, capaz, ambicioso e influente;
e o valor de auto-orientação reflecte um rumo dirigido para a independência.
Estes valores tendem a predispor os indivíduos a tornarem-se excessivamente
focados no seu trabalho e no êxito da carreira e, por conseguinte, geram um
sentimento de que o trabalho é uma das tarefas mais centrais da vida, senão a
mais central. No que diz respeito às variáveis demográficas, os estudos são
ainda poucos e inconclusivos. Numa rara incursão por estes domínios, Aziz,
Adkins, Walker e Wuensch (2010), não encontraram diferenças entre pessoas de
raça caucasiana e raça negra no que diz respeito aos níveis de workaholismo. Já
Gorgievski, Bakker e Schaufeli verificam em 2010 que o nível de workaholismo é
superior em empregados por conta própria comparativamente aos trabalhadores por
conta doutrem.
A perspectiva sociocultural sugere que a dependência é geralmente o produto das
experiências sociais e culturais a que os indivíduos assistem na sua infância,
adolescência e fase adulta (Thombs, 1994, citados por Ng et al., 2007). As
experiências sócioculturais têm a sua origem na família ou no local de
trabalho. Do lado familiar, um leque de experiências negativas pode precipitar
o workaholismo, e o trabalho pode ser visto como um modo socialmente aceite de
evitar a família.
Por fim, alguns trabalhos sugerem que o workaholismo é o resultado de reforços
positivos de comportamentos workaholicos ou da falta de punição dessas acções.
Esta perspectiva concentra-se mais nos comportamentos workaholicos e menos nas
suas dimensões afectiva e cognitiva (Ng et al., 2007). Num interessante
trabalho de Chamberlin e Zhang (2009), realizado com 347 estudantes do ensino
secundário, descobriu-se que o workaholismo dos adolescentes está positivamente
relacionado com o workaholismo percebido dos seus pais.
Consequências do Workaholismo
A maioria das investigações em relação às consequências do workaholismo é
focalizada no seu lado negativo (ex: Killinger, 1991). Burke (2001) descreve os
workaholicos como infelizes, obsessivos, trágicas figuras que não representam
bem o seu trabalho e que criam dificuldades aos seus colegas. Outros sugeriram
que por vezes o workaholismo pode ser benéfico para os indivíduos ou para as
organizações. Por exemplo, Galperin e Burke (2006) registam correlações
positivas entre o envolvimento com o trabalho e a probabilidade de arrolar em
comportamentos desviantes destrutivos para com a organização.
A relação do workaholismo com a saúde também é profusamente abordada.
Andreassen et al. (2007) registam uma relação forte entre workaholismo e
stress, burnout, e queixas subjectivas relacionadas com a saúde. Taris, Geurts,
Schaufeli, Blonk e Lagerveld (2008) confirmam uma associação entre incapacidade
de se desligar do trabalho e saúde percebida. Por outro lado, Vodanovich,
Piotrowski e Wallace (2007) não encontram relações entre workaholismo e saúde
(medidas: tensão sanguínea e enfartes do miocárdio).
Outros autores sugerem que o workaholismo relaciona-se de forma positiva com a
satisfação com o trabalho e carreira (Machlowitz, 1980; Ng, Eby, Sorensen,
& Feldman, 2005) . Em particular, aqueles que retiram prazer do trabalho e
se sentem culpados ou ansiosos em actividades fora do trabalho sentem-se mais
satisfeitos com o trabalho e a carreira.
O workaholismo pode também produzir alguns efeitos negativos a nível cognitivo,
tais como saúde mental frágil, perfeccionismo e desconfiança para com os
colegas (Ng et al., 2007). O excesso de horas no trabalho pode traduzir-se de
igual modo numa maior exposição ao stress, particularmente quando os
workaholicos apresentam padrões de elevada performance. Outra consequência é a
tendência para o perfeccionismo e para a perda de confiança nos colegas de
trabalho.
Em termos de sucesso na carreira, aqueles que trabalham mais horas foram
identificados como tendo mais sucesso extrínseco na carreira, incluindo salário
e promoções (Ng et al., 2005). No entanto, este sucesso na carreira tem os seus
custos, que se podem catalogar em relações sociais pobres fora do trabalho, e
fraca saúde física (Ng et al., 2007).
No que respeita ao tempo (curto prazo e longo prazo), verifica-se que, por um
lado, os workaholicos podem ser trabalhadores alegres e cheios de energia,
dedicando mais horas ao trabalho do que os outros, daí resultando uma
performance superior a curto prazo. Tal é confirmado, por exemplo, num estudo
de Graves, Ruderman e Ohlott (2006), ao analisarem os efeitos das dimensões
prazer com o trabalho e drive, na performance de gestores.
Por outro lado, os workaholicos podem apresentar uma saúde mental e física mais
frágil, tal como relações sociais ténues, que podem reduzir a eficácia no
trabalho a longo prazo. Por exemplo, Brady, Vodanovich e Rotunda (2008)
corroboram a relação entre workaholismo, por um lado, e conflito trabalho-
família e menor satisfação com os tempos de lazer, por outro.
Objectivo da investigação
Apesar dos estudos mencionados, pouco tem sido feito a nível empírico no que
respeita ao workaholismo, e essas lacunas estendem-se, naturalmente, à
existência de modelos e teorias sobre o fenómeno, a uma definição forte e
consensual, assim como à relação com os seus antecedentes e consequentes. As
propostas de Ng e colegas (2007, 2005), e de Liang e Chu (2009), sendo teórica
e conceptualmente interessantes, carecem de confirmação empírica. Num curioso
estudo empírico sobre as causas do workaholismo, Boje e Tyler (2009) usam a
desconstrução dos discursos oriundos de autoetnografias, incluindo as de
Jacques Derrida e do próprio David Boje, para concluir que por detrás do
comportamento workaholico existem factores como a comparação social e a inveja,
o que sugere que o fenómeno pode ser mais consciente do que as abordagens
disposicional ou cultural, por exemplo.
O trabalho de Boje e Tyler é singular pela metodologia adoptada, mas também
igualmente importante porque ilustra o potencial revelador das metodologias
qualitativas em desvendar factores antes desconsiderados pelos modelos e
autores a escrever sobre o tema. De facto, aspectos como a comparação social e
a inveja não haviam sido ainda contemplados até ao estudo de Boje e Tyler.
Face ao exposto, a presente investigação procura responder às questões de
identificação e caracterização dos antecedentes e consequências do
workaholismo, mas adopta uma metodologia qualitativa. Esta metodologia, que se
pormenoriza em seguida, permite compreender o significado do workaholismo para
os indivíduos por ele afectados.
Método
Delineamento
Tendo em conta o objectivo da investigação, e dada a escassez de trabalhos que
levem em linha de conta a perspectiva dos próprios workaholicos, esta pesquisa
é essencialmente exploratória, com uma orientação qualitativa. A opção por
metodologias qualitativas permite dar voz aos participantes, e permite a
pesquisa de fenómenos complexos que não são imediatamente reduzidos a variáveis
quantitativas para inclusão em pesquisas ou designs experimentais (Krahn &
Putnam, 2003).
Visto que o fenómeno do workaholismo não é omnipresente, foi necessário
recorrer a um despiste quantitativo para identificar sujeitos que reunissem as
condições para a recolha da informação. Trata-se, assim, de uma pesquisa em
duas fases: uma quantitativa (aplicação de questionários para aferição do grau
de workaholismo), seguida de uma qualitativa (condução de entrevistas semi-
estruturadas aos sujeitos com um maior grau de workaholismo). A fase
quantitativa destinou-se a informar a qualitativa. Na notação de Tashakkori e
Teddlie (1998), trata-se de uma metodologia mista sequencial em que a fase
quantitativa tem como objectivo delimitar um ou mais aspectos da fase
qualitativa, que é a predominante no trabalho. No presente caso, o aspecto a
definir foi a triagem dos entrevistados.
Participantes
A primeira fase do estudo é baseada numa amostra de 33 sujeitos, 28 do sexo
feminino e 5 do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 22 e os 63
anos (média=30,6 e desvio padrão=9,9). Os sujeitos são colaboradores duma
empresa de cosméticos de venda directa, e exercem funções no mesmo espaço
físico em diferentes departamentos. A segunda fase do estudo abrange 10
sujeitos, 9 do sexo feminino e 1 do sexo masculino, com média de idades de 34,6
anos. Estes sujeitos pertenciam ao grupo da primeira fase do estudo, sendo que
obtiveram os dez resultados mais elevados nos questionários.
Instrumento
Para medir o workaholismo utilizou-se o Work Addiction Risk Test (Robinson,
1998), um questionário de auto-preenchimento com 25 itens numa escala tipo
Likert de 4 pontos. A soma das respostas às questões resulta num valor que pode
estar compreendido entre três níveis (Robinson, 1998): os do primeiro terço
(67-100) são considerados extremamente workaholicos; os classificados no nível
médio (57-66) são considerados workaholicos recuperáveis; e os classificados no
nível inferior são considerados não workaholicos.
Foram ainda incluídas questões de índole biográfica, tais como: nome
(importante para a segunda fase), sexo, idade, estado civil, anos de casamento
ou de união de facto (caso o individuo seja casado ou se encontre em união de
facto), número de filhos e respectivas idades, habilitações académicas, anos de
trabalho na empresa, cargo ocupado na empresa, número de colaboradores da
empresa, e média de horas de trabalho semanal.
Na fase qualitativa foi realizada uma entrevista a cada um dos dez sujeitos
classificados no terço superior, e que correspondem aos extremamente
workaholicos. O guião da entrevista foi desenvolvido com base na revisão da
literatura (e em particular nos trabalhos de Ng e colaboradores) e no objectivo
da investigação. Posteriormente, foi revisto pelos autores deste trabalho e por
outros colegas, e finalmente foi feito um estudo piloto com dois entrevistados.
Na sequência destes procedimentos, resultou um guião final composto por
questões abertas, do género que papel tem o trabalho na sua vida?, ou já
ouviu falar de workaholismo', ou seja, vício no trabalho? O que significa para
si?. De notar que a entrevista foi do género semi-estruturada, pois não
indagava directamente as pessoas sobre a sua extrema dedicação ao trabalho; ao
invés, procurava saber a sua posição genérica sobre o tema. Com este
procedimento, procurou-se ultrapassar a influência da admissão da condição de
workaholico sobre as respostas.
Resultados
Resultados do WART
No que respeita aos 33 indagados, 13 não são considerados workaholicos, 14
revelam-se workaholicos recuperáveis e 6 surgem como extremamente viciados em
trabalho. Pode concluir-se destes resultados que mais de metade dos
trabalhadores (20) é afectada pelo workaholismo (60,6%; média = 58,5; DP =
8,9). Estas 20 pessoas apresentam uma média de idades de 29,9 anos e são
maioritariamente do sexo feminino (2 do sexo masculino e 18 do sexo feminino).
O estado civil predominante é solteiro (12 sujeitos). Quanto ao número de
filhos, 12 indivíduos não têm filhos e 8 têm pelo menos um (6 deles têm dois
filhos). No que respeita às habilitações literárias, a maioria tem o 12º ano de
escolaridade ou superior (11 com o 12º ano e 5 com licenciatura ou superior).
Relativamente à função desempenhada, existe uma diversidade de cargos nestes
sujeitos, tais como Assistentes de Apoio ao Cliente (3 sujeitos), Escriturárias
(3 sujeitos), Assistentes de Marketing (2 sujeitos), Marketing Manager (2
sujeitos) e Coordenadores de Vendas (2 sujeitos). No que concerne o número de
horas trabalhado, a maioria trabalha 40 horas semanais (13 sujeitos),
verificando-se também 2 sujeitos que trabalham 45 horas semanais, 1 sujeito com
48 horas semanais, 3 com 50 horas semanais e 1 sujeito com 60 horas semanais.
Retirando a esta amostra de 20 sujeitos classificados como workaholicos os 10
com valores mais elevados, observa-se: a) média de idades = 34,6 (desvio padrão
= 11,0); b) média de horas de trabalho semanal = 44,8 (desvio padrão = 6,5); c)
estado civil: 5 solteiros; 1 união de facto; 4 casados; d) filhos: 5 sujeitos
sem filhos e 5 sujeitos com filhos; e e) habilitações literárias: maioria com
12º ano ou superior. A reduzida amostra não permite inferir sobre eventuais
relações entre as variáveis biográficas e o workaholismo. Apesar de não ter
sido objectivo deste trabalho, fica no entanto a sugestão de que pesquisas
futuras devam considerar estas variáveis como factores a controlar ou mesmo a
explorar na sua relação com o workaholismo.
Resultados das Entrevistas
As entrevistas foram analisadas com recurso à técnica de análise de conteúdo
(Vala, 1999). Os procedimentos analíticos foram elaborados a partir da
literatura especializada (e.g. Bardin, 2008; Krippendorff, 1980; Silverman,
1997). Como se referiu atrás, partiu-se de alguns grupos de questões
(categorias) para estruturar a entrevista, na sequência do objectivo da
pesquisa e dos trabalhos de Ng e colegas. Importante mencionar que a unidade de
registo principal foi o tema, normalmente realçado numa frase (unidade de
contexto), muito embora tivessem sido identificadas instâncias em que emerge
mais do que um tema por frase. A Figura_2 ilustra o processo seguido para
analisar o texto das entrevistas.
Deste processo resultaram quatro categorias: significado do workaholismo,
opinião sobre os workaholicos, antecedentes, e consequentes. Cada uma destas
categorias possui várias subcategorias (Figura_3). A Figura_3 detalha ainda o
registo via algumas unidades de enumeração, nomeadamente a frequência relativa
das categorias e subcategorias. Na totalidade, as 10 entrevistas produziram 89
troços de texto codificável, sendo que, destes, 32,5% não foram codificados
dado dizerem respeito a outros temas de conversa (e.g. fase de aquecimento nas
entrevistas). 60 troços de texto foram codificados, o que corresponde a 67,5%
de texto analisado e traduzido para categorias relevantes para o presente
trabalho.
Categoria 1: Significado do workaholismo
As subcategorias resultantes neste primeiro grupo foram: Obsessão com o
Trabalho, Centralidade e Dependência.
a) Obsessão com o trabalho:comportamentos relacionados com aincapacidade de
parar de trabalhar ou de pensar no trabalho dentro e fora do local de trabalho.
Esta categoria esteve presente num grande número de entrevistas, o que implica
necessariamente que é uma das mais associadas pelos sujeitos ao workaholismo.
Uma resposta típica neste grupo foi alguém que não consegue parar de
trabalhar.
b) Centralidade:papel central que o trabalho ocupa na vida dos indivíduos
colocando em segundo plano outras áreas da vida que perdem importância. Tal
como na categoria anterior, registou-se um largo número de respostas
enquadradas no âmbito desta categoria, o que se traduz na sua grande
importância na definição de workaholismo no presente estudo. Um entrevistado
referiu que um workaholico é alguém que tem como prioridade o trabalho. É
interessante verificar que cada vez mais as pessoas reconhecem que o trabalho
lhes consome uma grande parte dos seus dias e das suas próprias vidas, restando
pouco tempo para outras actividades ou mesmo para outras pessoas fora do âmbito
laboral. As pessoas acabam por despender mais tempo das suas vidas junto dos
colegas de trabalho do que com os seus familiares ou amigos, quer seja por
necessidade ou simplesmente por dedicação extrema ao trabalho que se
desempenha.
c) Dependência:adição desenvolvida pelos sujeitos face ao trabalho. Esta seria
uma categoria previsível dada a constituição da própria palavra workaholismo,
que leva os sujeitos a associarem o conceito a um comportamento aditivo (tal
como o alcoolismo, noção claramente conhecida por todos os indivíduos). No
entanto, esta subcategoria foi a menos referenciada neste grupo, tendo sido
referenciada apenas por três sujeitos.
Categoria 2: Opiniões sobre workaholicos
Em relação à opinião dos sujeitos sobre os workaholicos não foram geradas
subcategorias, sendo no entanto interessante analisar algumas das respostas
retiradas das entrevistas. Privação da vida pessoal em detrimento do trabalho e
falta de tempo para si próprios foram as críticas mais apontadas pelos
sujeitos. Alguns dos entrevistados revelaram um sentimento de pesar em relação
aos workaholicos referindo que não tem muita vida social e só sai de casa para
o trabalho e do trabalho para casaoupenso que essa pessoa se deixa absorver
muito, dedicando muito pouco tempo a si própria. Outros sujeitos apresentaram
opiniões que revelaram alguma reprovação em relação aos workaholicos tais como
acho que de maneira nenhuma compensa uma atitude dessas perante a
vidaouparece viver exclusivamente
para o trabalho e não tem outros interesses para além dele. É de referir que
três dos dez sujeitos entrevistados apontaram não conhecer ninguém workaholico
e, por isso, não ter nenhuma opinião formada; ainda assim, foram capazes de
emitir algumas opiniões.
Categoria 3: Antecedentes do workaholismo
No que respeita aos factores que podem fomentar o aparecimento de workaholismo
podem dividir-se em três grupos: organizacionais, sociais e individuais.
a) Factores organizacionais:incluem conceitos inerentes à cultura
efuncionamento da organização, que desencadeiam comportamentos considerados
workaholicos, tais como competitividade, responsabilidade e ambiente de
trabalho. Esta categoria relaciona o excesso de trabalho com as características
da própria organização, o que pode indiciar que haverá locais de trabalho mais
propensos ao desenvolvimento de workaholismo do que outros, consoante os seus
valores e as suas práticas.
b) Factores sociais:episódios da vida social que podem conduzir ao
workaholismo, tais como solidão, falta de amigos ou outro tipo de carências de
cariz social em que o trabalho aparece como um refúgio. Esta categoria vem a
ser largamente mencionada (e.g. uma falta em outros domínios, que vem ser
compensada pelo trabalho), indiciando que este é um factor que muito afecta os
indivíduos de modo a quererem dedicar-se excessivamente ao trabalho para
colmatar falhas ou mesmo ausência de vida social.
c) Factores individuais:inclui atributos pessoais ou relativos aosujeito que
são favoráveis ao desenvolvimento de comportamento workaholico, tais como
ambição, gosto pelo trabalho, necessidade de afirmação. O gosto por aquilo que
se faz é o que mais se destaca nesta categoria pelo número de ocorrências nas
entrevistas, o que aponta para um factor chave para se querer trabalhar mais,
tanto que acaba por ser desmesurado e nocivo para outras áreas da vida do
sujeito, como a vida pessoal (como se verá mais
à frente). As respostas incluem quer elementos positivos (gostar muito do
que faz e trabalhar por amor à camisola), quer negativos (a ganância e
vontade de ir mais além).
Categoria 4: Consequências do workaholismo
Quanto aos efeitos do workaholismo na vida das pessoas, as respostas indiciam
especialmente os de nível pessoal, social e saúde. Deste modo, as subcategorias
encontradas são factores: emocionais, sociais e saúde.
a) Factores emocionais: aspectos relativos aos danos provocados pelo
workaholismo na vida afectiva e pessoal do sujeito, tais como isolamento,
solidão, problemas familiares, perda de valores,edepressão. Estes factores
assolam a vida dos sujeitos e podem trazer consequências dolorosas e de
instabilidade emocional. Por despenderem tanto tempo a trabalhar ou a pensar no
trabalho as pessoas negligenciam ou prejudicam a sua vida pessoal.
b) Factores sociais:aspectos da vida social que podem resultar de
comportamentos workaholicos, tais como exclusão. Este tema surge em várias
respostas, pelo que se considera pertinente a sua nomeação. O tema deixa
antever uma marginalização feita pela própria sociedade. A ideia de alguém que
trabalha demasiado ou que se dedica excessivamente às suas funções pode muitas
vezes ser interpretada como um comportamento desajustado socialmente.
c) Factores de saúde:consequências físicas e psicológicas prejudiciais à saúde
dos indivíduos que manifestam comportamentos workaholicos, tais como cansaço, e
stress. Estes factores remetem directamente para o estado de saúde dos sujeitos
que pode ser nefastamente alterado pelo excesso de esforço e tempo aplicados no
e para o trabalho.
Outros dados relevantes
Deve ainda acrescentar-se que relativamente à correspondência entre os
resultados obtidos nos questionários e nas entrevistas existem alguns dados
interessantes de ser analisados, tais como o facto de os sujeitos se
considerarem ou não workaholicos e o serem efectivamente (de acordo com a
escala do questionário de Robinson, 1998).
Dos dez sujeitos entrevistados, apenas três se consideram efectivamente
workaholicos, nomeadamente os que obtiveram as pontuações mais elevadas no
questionário (dois com 73 e um com 71 pontos). Houve ainda um quarto sujeito
que se classificou como sendo um pouco workaholico, curiosamente o que dos dez
apresentava a classificação mais baixa (63 pontos). Os restantes seis sujeitos
afirmaram não se considerarem workaholicos, pelo menos de acordo com aquilo que
significa para si esse conceito.
Outro aspecto a considerar é a relação entre o significado que os sujeitos
atribuem ao trabalho e considerarem-se ou não workaholicos. Todos os
entrevistados indicam que o trabalho é de grande importância nas suas vidas. No
entanto, verifica-se que os quatro sujeitos que se consideram workaholicos dão
maior ênfase à envolvência e realização pessoal inerente ao trabalho do que à
sua componente financeira e de subsistência, como acontece com a maioria
daqueles que não consideram ser afectados pelo workaholismo.
Finalmente, comparando as respostas dadas pelos sujeitos à pergunta 3 da
entrevista (considera-se workaholico? Porquê?), e o número de horas de
trabalho semanais reportadas nos questionários, pode dizer-se que os sujeitos
que se consideram workaholicos são efectivamente os que reportam trabalhar mais
horas por semana: os três sujeitos que confirmam ser workaholicos trabalham
entre 48 a 60 horas semanais; o sujeito que se considera um pouco workaholico
trabalha 45 horas semanais; todos os restantes sujeitos que não se auto-
proclamam workaholicos, trabalham abaixo das 45 horas por semana.
Discussão e conclusões
Este estudo teve como objectivo principal compreender os antecedentes e
consequentes do workaholismo, tal como percebidos pelos próprios workaholicos.
Buscou-se ainda explorar o significado do termo, também de um ponto de vista
subjectivo.
A pesquisa revelou algumas semelhanças ao nível da definição de workaholismo em
relação à definição de Oates (1971), uma vez que a maioria das respostas
apresentadas se refere a uma obsessão pelo trabalho, uma incapacidade em parar
de trabalhar ou de pensar no trabalho, assemelhando-se a outro tipo de
dependências.
É afirmada de igual modo a definição de Moisier (1983), na qual o workaholismo
é definido pelo número de horas trabalhadas. Apesar de não ser apenas este o
critério defendido neste estudo para definir o workaholismo como o autor fez, a
verdade é que os sujeitos entrevistados que se auto-intitulam de workaholicos
trabalham acima das 48 horas semanais, o que pode levar a considerar este
critério com alguma legitimidade.
Scott et al. (1997) apontaram alguns elementos básicos na identificação de
indivíduos com padrões de comportamento workaholico: parte do tempo gasto em
actividades de trabalho; muita importância atribuída ao mesmo; pouca
importância a outros aspectos sociais ' família, amigos, lazer... ; pensar
frequentemente em assuntos de trabalho, mesmo quando não se está a trabalhar;
trabalhar muito além do que é razoavelmente esperado do cargo. Esta definição
vai de encontro ao que se conseguiu apurar neste estudo, nomeadamente o tempo
que os sujeitos despendem no trabalho em detrimento da vida pessoal ou social.
Estes resultados foram claramente identificados nas entrevistas, tanto ao nível
da obsessão no trabalho, que impede os indivíduos de parar de trabalhar ou de
pensar no trabalho, como ao nível do afastamento de amigos e familiares. Outro
aspecto a salientar é que os entrevistados não apontaram o factor económico
como determinante do comportamento workaholico, o que é coerente com a ideia de
que os indivíduos são motivados por forças internas e não por factores externos
(Burke, 2001).
Para além disso, Scott et al. (1997) preferem interpretar o workaholismo como o
resultado de variáveis pessoais, embora considerem que variáveis situacionais
possam constituir um factor chave no desenvolvimento e manifestação dos
comportamentos analisados. Aqui também surgem afinidades com os resultados
apurados, em que, apesar do peso dos factores individuais, é indispensável
também ter em conta os aspectos organizacionais que determinam o aparecimento
de workaholismo. Esta é uma contribuição importante do presente trabalho, pois
os factores organizacionais tinham sido raramente considerados (excepções
recentes incluem os artigos de Galperin & Burke, 2006, e Liang & Chu,
2009).
Apesar das diversas definições e tipologias de workaholismo na literatura, há
alguma harmonia relativamente ao facto do workaholismo estar associado a
consequências adversas de saúde, e a uma reduzida satisfação com a família ou
outro tipo de relações interpessoais (Burke, 2000; Robinson, 1998; Killinger,
1991; Spence & Robbins, 1992; Taris et al., 2008). A presente investigação
veio também corroborar este aspecto, pois verificaram-se algumas referências ao
nível dos efeitos nefastos na saúde dos indivíduos, tal como problemas gerados
ao nível da vida familiar e mesmo de outras relações (e.g. amizade).
Ng et al. (2007) definem três dimensões no workaholismo: afectiva, cognitiva e
comportamental. Os workaholicos retiram prazer do acto de trabalhar, estão
obcecados pelo trabalho, e nele investem longas horas e tempo livre pessoal.
Muitos entrevistados salientaram o gosto pelo que se faz como um factor
catalisador de workaholismo, tal como a incapacidade em parar ou desligar-se do
trabalho, mesmo fora do ambiente laboral.
No que diz respeito aos antecedentes do workaholismo, a literatura sintetiza
três perspectivas baseadas em comportamentos aditivos: disposições individuais,
experiências socioculturais e comportamentos reforçados pelo ambiente. As
disposições individuais têm um papel fundamental na generalidade dos
comportamentos aditivos e, como tal, também se reflecte no workaholismo. São
relevantes: a auto-estima, os traços de personalidade relacionados com a
realização e os valores do indivíduo.
Uma das influências disposicionais mais importantes é a auto-estima, estando
negativamente relacionada com o comportamento workaholico. No presente estudo,
não se verificaram respostas neste sentido, não havendo qualquer referência ao
índice de auto-estima dos indivíduos como catalisador do workaholismo.
No que respeita a traços de personalidade relacionados com a realização (como
personalidade Tipo-A, comportamento obsessivo-compulsivo e necessidade de
realização), não foram enquadrados pelos sujeitos no âmbito dos antecedentes do
workaholismo, mas antes na sua própria definição. Isto significa que os
sujeitos do estudo identificam efectivamente este tipo de traços de
personalidade como inerentes a pessoas workaholicas. Este é outro resultado
relevante, dada a inconsistência observada na literatura sobre a relação entre
personalidade e workaholismo (Andreassen et al., 2010; Liang & Chu, 2009).
No que concerne os valores mais relevantes para despoletar o workaholismo, a
literatura (Ng et al., 2007) sugere o desejo de se ser bem sucedido, capaz,
ambicioso e influente; e ainda a auto-orientação, que reflecte uma direcção
para a independência. Neste estudo, a ambição é dada como um dos factores
conducentes ao workaholismo. Em relação aos valores de auto-orientação, não
foram verificadas citações no presente estudo.
A perspectiva baseada nas experiências sócio-culturais sugere que a dependência
é geralmente o produto das experiências sociais e culturais que as pessoas
vivem durante a infância, adolescência e fase adulta (Thombs, 1994, citados por
Ng et al., 2007). Esta perspectiva é altamente apoiada pelas respostas obtidas
nesta pesquisa, em que vários sujeitos apontam a carência de vida pessoal como
factor motivador do workaholismo.
As experiências sócio-culturais nascem frequentemente dentro da família ou no
local de trabalho (Ng et al., 2007). Do lado familiar, um leque de experiências
negativas podem precipitar o workaholismo, e o trabalho pode ser visto como um
modo socialmente aceite de evitar a família. Esta convicção está presente neste
estudo, em que é apontado que o excesso de trabalho pode servir como um refúgio
da vida familiar.
As experiências sociais nas organizações também podem desencadear o
workaholismo. Nas organizações o observar de comportamentos workaholicos em
supervisores ou em colegas ' tal como excesso de horas de trabalho e
negligência da vida pessoal ' pode induzir a respostas copiadas por outros
funcionários (Ng et al., 2007). Os comportamentos workaholicos dos pares podem
evocar comportamentos workaholicos nos indivíduos devido à atmosfera
competitiva generalizada que o workaholismo produz (Boje & Tyler, 2009;
Seybold & Salomone, 1994). Esta concepção está claramente implícita na
competitividade apontada pelos entrevistados, pois se há ostentações na
organização de quem trabalhe mais que outros e que daí seja mais bem cotado
pelos superiores, isto leva a que outros queiram competir com os primeiros,
adoptando os mesmos métodos ou laborando ainda mais.
Na perspectiva dos comportamentos reforçados pelo ambiente, vários estudos
sugerem que o seu início é resultado de reforços positivos de comportamentos
workaholicos ou da falta de punição dessas acções. Por conseguinte, quando os
funcionários se apercebem de que o workaholismo é recompensado, eles tendem a
alimentar essas acções de modo a continuarem a ser recompensados (Ng et al.,
2007). Esta perspectiva não foi, no entanto, detectada no presente estudo.
No que concerne as consequências do workaholismo, as investigações enfatizam o
seu lado negativo (e.g. Killinger, 1991), muito embora alguns trabalhos sugerem
haver benefícios para indivíduos e organizações (e.g. Machlowitz, 1980). Os
dados obtidos neste estudo corroboram a perspectiva negativa, havendo apenas
uma resposta de carácter positivo (progressão na carreira). Todas os restantes
sujeitos focam factores nocivos como o afastamento de amigos e família,
problemas pessoais e de saúde, ou perda de valores.
As consequências do workaholismo são analisadas segundo várias perspectivas:
satisfação com o trabalho e carreira; saúde mental, perfeccionismo e
desconfiança; sucesso na carreira, relações sociais e saúde física; e o papel
do tempo (curto prazo vs longo prazo).
Várias pesquisas sugerem que o workaholismo está positivamente relacionado com
a satisfação com o trabalho e carreira (Ng et al., 2005). No presente estudo há
apenas a referência ao gosto por aquilo que se faz sendo um dos antecedentes
citados pelos sujeitos que desencadeiam o comportamento workaholico.
O workaholismo pode também produzir efeitos negativos a nível cognitivo, tais
como saúde mental frágil, perfeccionismo e desconfiança para com os colegas. Os
resultados do presente trabalho apontam para efeitos nefastos ao nível da saúde
mental (como o cansaço ou perturbações causadas pelo stress). O perfeccionismo
é também associado ao workaholismo, sendo ligado pelos sujeitos à definição do
próprio conceito. No que respeita à desconfiança para com os colegas não se
verificaram ocorrências nas entrevistas efectuadas.
Em termos de sucesso na carreira, aqueles que trabalham mais horas são
identificados como tendo mais sucesso extrínseco na carreira, incluindo salário
e promoções (Ng et al., 2005). No entanto, este sucesso na carreira tem custos:
relações sociais pobres fora do trabalho e fraca saúde física. Neste estudo,
apenas um sujeito identificou a possibilidade de progressão na carreira como um
dos efeitos do workaholismo, não havendo alusão a factores monetários, como o
aumento de salário. Em relação aos custos acarretados pelo sucesso na carreira,
foram referidas pelos sujeitos as relações sociais pobres e problemas de saúde.
Com esta pesquisa promoveu-se essencialmente uma reflexão sobre alguns aspectos
do mundo do trabalho na actualidade, nomeadamente sobre o fenómeno do
workaholismo. Foi alcançado o objectivo de investigação inicialmente proposto,
conseguindo-se encontrar alguns significados associados ao workaholismo, bem
como identificar alguns antecedentes e consequências associados a esta
problemática. Todavia, o presente estudo enferma do número reduzido de
participantes, o que limita à partida a variabilidade de respostas encontradas
assim como a generalização dos resultados. A saturação teórica foi parcialmente
encontrada durante as entrevistas, o que determinou a restrição da recolha de
dados a 10 casos, mas a panóplia de sub-temas no vasto território do
workaholismo suscitou tantas questões quantas as que foram respondidas no final
do estudo. Por exemplo, nesta pesquisa não se exploraram as relações entre o
workaholismo e as variáveis biográficas. Em parte porque não era este o
objectivo do trabalho, mas também porque a reduzida amostra numa única empresa
não poderia revelar padrões de elevada qualidade no que à extrapolação diz
respeito. Investigações futuras com amostras representativas e de maior
dimensão podem e devem averiguar se o workaholismo afecta todas as pessoas de
igual forma.
Outra das dificuldades sentidas foi a escassez de informação disponível,
mormente no que respeita a estudos feitos em Portugal. Neste caso concreto não
foi encontrado nenhum, o que sugere que pouco tem sido feito em torno desta
temática no país. A evidência existente é sobretudo de carácter anedótico ou
jornalístico, o que condiciona um desenvolvimento científico do problema.
Dado que o presente estudo foi realizado numa única organização, as conclusões
são igualmente limitadas a esse ambiente. Importa, por isso, perceber se os
factores encontrados emergem noutros contextos, nomeadamente em outras
organizações. Particularmente estimulante e curiosa pode ser a exploração do
workaholismo em ambientes altamente competitivos, como a banca ou a
consultoria.
Revelar se o workaholismo está mais ou menos presente num dos géneros (feminino
e masculino) seria também um estudo pertinente a conduzir, uma vez que cada
género, ao cumprir funções distintas na sociedade, pode estar mais ou menos
exposto ao fenómeno. Seria ainda útil averiguar se existem profissões onde o
workaholismo tenha maior expressão, bem como se existem culturas
organizacionais que promovam este padrão comportamental.
Em suma, muitas investigações poderão e deverão seguir a presente pesquisa,
explorando diferentes áreas ou problemas para que este tema seja melhor
compreendido na teoria e nas organizações.