A metodologia Q nas ciências sociais e humanas: o resgate da subjectividade na
investigação empírica
Introdução
A Metodologia Q foi criada na década de 30 do século passado1 por William
Stephenson, físico e psicólogo inglês interessado em encontrar recursos para
estudar a subjectividade, característica de alguns objectos de estudo presentes
em diferentes áreas e contextos, incluindo os contextos pessoal e vivencial.
Esta metodologia foi posteriormente desenvolvida nos EUA por Steven Brown, com
um aperfeiçoamento significativo no que respeita à investigação empírica nas
áreas das ciências sociais e humanas (Watts & Stenner, 2005a, 2005b).
Trata-se de uma metodologia baseada originariamente numa perspectiva
construtivista, segundo a qual os seres humanos agem de acordo com as
representações que constroem da realidade, e não de acordo com a própria
realidade em si. Este pressuposto implica que a representação da realidade
externa seja construída internamente, já que resulta de uma interacção com o
meio que é única para cada indivíduo (Boros, Visu-Petra, & Cheie, 2007).
De acordo com Stenner (2008/2009), Stephenson estaria sobretudo interessado em
explorar as fundações empíricas do construtivismo, isto é, em explorar os
processos de construção da representação individual da realidade a partir da
experiência. Recorreu, assim, à metodologia Q para investigar a variedade das
construções subjectivas da realidade, procurando extrair configurações
interindividuais similares (Q sorts) que lhe permitissem definir factores
capazes de categorizar essa diversidade representativa, pelo recurso a análises
factoriais interpessoais (Q factor analyses).
Nas palavras de Stenner (2008/2009) a metodologia Q é, então, uma metodologia
construtivista arquetípica (p. 47), já que se refere sempre ao estudo dos
processos intersubjectivos de construção da realidade na interacção com o meio.
A formulação teórica fundacional de Stephenson (1986) para a metodologia Q como
método de estudo da complexidade fenomenológica da experiência humana, é
coerente com a sua crítica relativamente à orientação empírico-positivista dos
paradigmas dominantes da psicologia ' behaviorismo e cognitivismo ' os quais,
segundo ele, estariam presos a um determinismo linear causa-efeito
característico da corrente positivista do pensamento científico aplicado à
psicologia.
Ainda de um ponto de vista epistemológico, Febbraro (1995) considera que a
metodologia Q reflectia, na sua origem, uma orientação individualista, fundada
na perspectiva subjectiva/interna da percepção da realidade no estudo empírico
dos fenómenos sociais, por oposição às correntes objectivistas (empírico-
positivistas) da psicologia behaviorista dos anos 1930-1960.
De facto, a substituição do estudo pearsoniano das correlações entre testes
pelo estudo de correlações entre pessoas (Stephenson, 1935) está na origem,
pelo menos tácita, da valorização das abordagens empíricas centradas na pessoa
relativamente às abordagens orientadas para o estudo de variáveis no estudo da
interacção dos factores de risco e de protecção em relação às patologias
mentais e às perturbações do comportamento de crianças, adolescentes e adultos,
em particular entre os psicólogos e investigadores inscritos no modelo
ecológico-transaccional da psicologia desenvolvimental (Cicchetti &
Rogosch, 1999).
Contudo, o contributo mais interessante de Febbraro (1995) relativamente ao
posicionamento epistemológico da metodologia Q, a partir da colocação
originária como método de investigação da subjectividade individual na ciência
behaviorista, é a hipótese segundo a qual esta metodologia poderá ser utilizada
como instrumento retórico para legitimar a ciência como meio de obter
conhecimentos sistemáticos, objectivos, válidos, sobre o mundo, pelo que, tem
sido usada para uma variedade de agendas (científicas) em variadas
circunstâncias (Febbraro, 1995, p. 149).
Por estas razões, a metodologia Q é considerada por diferentes autores que
contribuíram para o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento (Brown, 1993, 1996;
Stephenson, 1953; van Exel & Graaf, 2005) como particularmente apropriada à
tradução empírica da diversidade de ideias, perspectivas, crenças e fenómenos
de natureza subjectiva, que caracterizam o estudo dos estados mentais e das
manifestações comportamentais dos sujeitos humanos.
De entre a grande diversidade de temas psicossociológicos que têm sido objecto
de investigação utilizando a Metodologia Q, podem ser destacados: os estilos
afectivos e cognitivos (e.g. Rayner & Warner, 2003; Samuels & Fetzer,
2008), os sistemas de crenças (e.g. Shinebourne & Adams, 2007), os
comportamentos e as emoções (e.g. Whyte, Constantopoulos, & Bevans, 1982;
Watts & Stenner, 2005b), o estudo da personalidade (e.g. Block, 1961), a
avaliação sobre processos pedagógicos (e.g. Sheridan, & Schuster, 2001) ou
sobre processo e resultados terapêuticos (e.g. Ablon & Jones, 2002;
Serralta, Nunes, & Eizirik, 2007), o estudo de representações (e.g.
Snelling, 1999), percepções e atitudes (e.g. Santos & Schor, 2003; Lai et
al., 2007).
A metodologia Q fornece, mais precisamente, uma base para o estudo de questões
com características subjectivas, como os sistemas de crenças, valores e
atitudes individuais (Brown, 1993; Mckeown & Thomas, 1988), expressas pelos
pontos de vista e opiniões pessoais.
Em termos operacionais, os sujeitos são colocados perante um conjunto de
afirmações, que constituem a amostra designada Q-set e que envolve uma selecção
de itens (afirmações) extraídos de um universo especializado de opiniões e de
posições possíveis relativamente à questão ou tema em estudo (Hurd & Bown,
2004-5). Os participantes que, no seu conjunto, definem o P-set, deverão
ordenar as afirmações de acordo com o seu ponto de vista. A ordenação obtida é
então sujeita a análise factorial.
Stephenson (1935) chegou a apresentar a metodologia Q como uma inversão da
análise factorial convencional, uma vez que Q correlaciona pessoas em vez de
testes2. A correlação entre os perfis pessoais (Brown, 1993) indica, então,
semelhantes pontos de vista. Ao correlacionar pessoas, a análise do factor Q
fornece semelhanças e/ou diferenças de visões sobre um assunto, e, deste modo,
os factores resultantes representam clusters mais operacionalizáveis da
subjectividade de temas como atitudes, valores e crenças (Brown, 2002).
Numa investigação que recorra a esta metodologia, sujeitos e variáveis são
invertidos relativamente às metodologias convencionais (Webler, Danielson,
& Tuler, 2009), dado que os sujeitos do estudo são as diferentes
afirmações encontradas sobre o assunto em análise e as variáveis são as pessoas
(participantes), ou, mais concretamente, as ordenações ( Q-sorts) por eles
realizadas de acordo com a sua opinião ou entendimento. Para serem ordenadas,
as afirmações compõem um todo e não partes separadas, reconhecendo-se neste
procedimento que o método recorre também a referências da teoria Gestalt (Watts
& Stenner, 2005a).
Uma premissa fundamental da metodologia Q, conforme já referido, é que a
subjectividade é comunicável (Stephenson, 1953, cit in Watts & Stenner,
2005a; Stephenson, 1963), e que pode ser analisada de forma sistemática, como
se de uma unidade comportamental determinada se tratasse. O conjunto de itens
resultante da análise efectuada é, então, classificado de acordo com o esquema
de referências de cada participante, o que maximiza a comunicação das
perspectivas individuais (Bigras & Dessen, 2002). Deste modo, é o
participante no estudo que decide sobre a importância de cada item pela sua
organização/ordenação no conjunto apresentado, sendo esta ordenação comparada
com todas as outras. A metodologia Q fornece itens (afirmações) que podem ser
ordenados e classificados em categorias, de acordo com o significado subjectivo
dado por cada sujeito relativamente ao tema em questão. Em rigor, o que
acontece é que esta ordenação e classificação em categorias permite uma base
para análise estatística de dados, nomeadamente a análise factorial que
facilita a organização e a comunicação da questão em estudo (Stephenson, 1953,
cit in Watts & Stenner, 2005a).
Os resultados encontrados num estudo com a metodologia Q podem então ser usados
para descrever uma população de pontos de vista, e não uma população de
pessoas3 (Risdon, Eccleston, Crombez, & McCracken, 2003), pelo que, o
método também não requer um grande número de sujeitos4 (conforme exposto, um
número significativo de itens ou afirmações é apresentado a um número reduzido
de participantes). O entendimento dos autores é de que a informação se repete
(Brown, 1996, 2009; van Exel & Graaf, 2005) após um certo número de
sujeitos.
Dado que na metodologia Q se usa uma amostra pequena, os resultados obtidos têm
sido por vezes criticados relativamente à sua validade empírica e,
consequentemente, à possibilidade de generalização. No entanto, e de acordo com
Brown (1980) em resposta a esta crítica, uma vez que não existem critérios
externos para definir o ponto de vista pessoal esta questão não é aqui
aplicável. Com efeito, ainda segundo o mesmo autor (Brown, 1980, 1996, 2009)
existe um número limitado de perspectivas sobre cada tema. Deste modo uma
amostra bem estruturada do ponto de vista da diversidade e abrangência do tema,
recolhida de um leque de opiniões diversas mas especializadas, irá revelar
essas perspectivas independentemente do tamanho da amostra. Os autores crêem
que a partir de determinado número de afirmações (em regra algumas dezenas) as
perspectivas se repetem não introduzindo novas ideias.
Por outro lado, Brouwer (1999) considera que o facto de as questões
pertencentes a um mesmo domínio não serem analisadas de forma distinta dos
itens, mas sim como um todo e em função da sua coerência mútua para o inquirido
(teoria Gestalt subjacente) constitui uma das vantagens do método. Deste modo,
é possível identificar perfis ou padrões partilhados por várias pessoas sem ser
necessário recorrer a amostras numerosas.
Tendo em vista os inquéritos na população geral, a validade estatística não é a
maior preocupação para esta metodologia, uma vez que os resultados de um estudo
Q são as diferentes opiniões (subjectivas) sobre o tema que está a ser
operacionalizado, e não a percentagem da população que adere a cada uma dessas
opiniões.
Finalmente, dado que a metodologia Q integra procedimentos qualitativos e
quantitativos, acaba por funcionar como uma ponte entre as metodologias
tradicionais (Rhoads et al., 2004-5), muitas vezes consideradas antagónicas
pelos investigadores mais cépticos. Ou seja, significa que as metodologias
qualitativa e quantitativa, se podem ainda enriquecer e complementar
mutuamente.
A título de exemplo, referir-nos-emos a um trabalho orientado para o estudo das
atitudes dos terapeutas relativamente a pacientes sofrendo de perturbações
ligadas ao abuso e dependência de drogas (Shinebourne& Adams, 2007). Neste
estudo, os autores propuseram-se um duplo objectivo: 1) compreender as
atitudes, crenças e experiências dos terapeutas no trabalho com pacientes com
problemas de dependência; 2) explorar a adequação da metodologia Q para esta
investigação e para a investigação qualitativa em psicoterapia. Partindo da
experiência pessoal dos autores, da discussão com terapeutas experientes na
área das dependências e da revisão da literatura, reuniram 60 afirmações que
constituíram o Q-set. Os 13 clínicos participantes foram seleccionados de
forma a representarem diferentes orientações teóricas. As afirmações foram
colocadas em cartões numerados e apresentadas aos respondentes, tendo-lhes sido
solicitado que colocassem os cartões em três grupos conforme tivessem uma
posição concordante, discordante ou neutra em relação a cada afirmação. De
seguida deveriam ordenar os cartões num continuum de discordo (-6) a
concordo (+6), idêntico aos das escalas tipo Likert (Q-sort). Relativamente
ao último grupo de questões os participantes foram, então, instruídos para
seleccionar as afirmações com as quais concordavam mais, seguidas daquelas com
que concordavam um pouco menos, e assim sucessivamente. O mesmo processo foi
repetido com os outros grupos de cartões até todos estarem ordenados e ter sido
registado o número de afirmações seriadas numa grelha previamente elaborada. Os
participantes puderam ainda comentar as afirmações, ou responder a algumas
questões complementares, que foram objecto de análise posterior. Para
identificar padrões de semelhança e divergência, foi utilizado o programa
estatístico PCQ ' Analysis Software for Q Technique (Stricklin & Almeida,
2001), que permite correlacionar as ordenações de cada participante entre si.
Após um conjunto de procedimentos estatísticos, foram identificados quatro
factores: aceitação, desafio, ambivalência e doença. Estes factores foram
descritos e interpretados com base na classificação atribuída a cada afirmação
e na matriz factorial, em conjunto com os comentários dos respondentes.
Por fim, e relativamente aos objectivos do estudo, os autores apuraram que cada
factor mostrou ser um construto multifacetado, não correspondendo a uma única
teoria ou orientação terapêutica. Concluíram, então, que os resultados sugeriam
uma necessidade de os terapeutas reflectirem sobre as suas crenças
relativamente à dependência, bem como à necessidade de supervisão. Apesar de se
tratar de um estudo-piloto sobre a questão em causa, Shinebourne e Adams (2007)
concluíram que o estudo mostra a capacidade da metodologia Q para identificar
semelhanças e diversidades de pontos de vista que não correspondem a
conceptualizações estabelecidas a priori e valorizaram a capacidade da
metodologia Q para combinar investigação fenomenológica e técnicas
estatísticas.
Procedimentos da Metodologia Q
A realização de um estudo com esta metodologia envolve fundamentalmente cinco
passos5 (Brown, 1980, 1993, 2009; Danielson, 2009a, 2009b; Webler, et al.,
2009):
1 ' definição do concourse (curso da comunicação)
2 ' desenvolvimento da amostra Q (Q sample)
3 ' selecção do P set
4 ' Q-sorting
5 ' análise e interpretação
1 ' Definição do concourse6(curso da comunicação)
Concoursediz respeito à confluência da comunicação em torno de um tema (o que,
em termos de análise da comunicação verbal, é distinto da ordem do discurso).
Trata-se da recolha de todas as afirmações que os participantes podem fazer
sobre o tema em questão. Esta recolha deverá conter todos os aspectos
relevantes de todos os discursos recolhidos, cabendo ao investigador
constituir uma amostra representativa destas afirmações ou depoimentos (Brown,
1993). O concourse verbal ou escrito7 pode ser obtido, entre outros
procedimentos, através de entrevistas, observação participante, literatura
científica ou documental. O material recolhido representa os pareceres e
opiniões de profissionais, de investigadores ou de outros actores credíveis
sobre o tema em apreço e constitui a matéria-prima para a metodologia Q (Brown,
1993).
2 ' Desenvolvimento da amostra Q
A partir do concourse é desenhado um conjunto inicial de afirmações que é
apresentado aos participantes ' a chamada amostra Q (Q set ou Q sample). A
selecção desta amostra é de importância crucial, sendo tida comouma arte, mais
do que uma ciência, de acordo com Brown (1980). O investigador usa uma
determinada estrutura (ou construção) para seleccionar uma amostra
representativa de todas as comunicações8 (concourse). Esta estrutura pode
emergir de uma análise mais aprofundada das declarações recolhidas, ou pode ser
sujeita a uma determinada teoria.
Independentemente da estrutura usada, o investigador tem de seleccionar a
amostra de forma suficientemente alargada, de modo a que esta seja
representativa.
Especificando, e conforme já foi referido, as afirmações são inicialmente
seleccionadas a partir de uma revisão da literatura sobre a questão em estudo,
e de entrevistas ao um painel especialistas que opinam sobre o tema. Numa
entrevista ou consulta de opinião, o investigador pode partir de uma questão
inicial. Por exemplo, em estudos sobre a personalidade criativa ou sobre o
significado de Ego (Block, 1961) poderá perguntar-se respectivamente o que
significa para si personalidade criativa? e o que os psiquiatras e psicólogos
entendem por força do ego?. Desta fase exploratória, são recolhidas as
afirmações mais representativas e que revelam a diversidade de opiniões, em
regra de acordo com métodos de análise de conteúdo. Para melhor organização da
informação recolhida, podem ainda ser constituídas categorias. Posteriormente é
seleccionado um número de afirmações que representam cada uma das categorias.
Por exemplo, no caso de oito categorias encontradas, poderão ser seleccionadas
4 ou 5 frases para representar cada categoria, o que perfaz um conjunto de 32 a
40 afirmações, e que constituem a Q sample (Webler, et al., 2009). Diferentes
investigadores podem chegar a diferentes amostras Q partindo do mesmo conjunto
inicial de afirmações.
De acordo com alguns autores (Thomas & Baas, 1993) os estudos comparativos
realizados e referidos na literatura (em número limitado) apontam no sentido de
que diferentes amostras de afirmações, estruturadas de modos diferentes,
convergem para as mesmas conclusões.
As afirmações podem inicialmente ser menos objectivas, o que faculta a
possibilidade de diferentes interpretações por diferentes participantes, já que
serão agrupadas e ordenadas posteriormente, o que permite construir uma
definição mais rigorosa do conceito ou do tema em causa.
Importa, contudo, que o material seleccionado no concourse seja representativo
do assunto a estudar. Cada afirmação destina-se a ser interpretada no contexto
de todas as outras, sendo as informações ordenadas no seu conjunto. Como uma
referência indirecta à Psicologia Gestalt, importa aqui, a visão do todo, já
que o todo ordenado e relacionado entre si não é o mesmo que a soma das partes
ou afirmações. Não compete ao investigador preocupar-se com esta ordenação,
pois ela é o objectivo do trabalho dos respondentes e o foco do estudo.
Por último, as afirmações seleccionadas são escritas em cartões aos quais é
atribuída uma numeração aleatória, a fim de serem ordenadas de acordo com a
instrução dada numa fase posterior ' o q-sorting.
3 ' Selecção do P set
O conjunto de pessoas ou participantes que vão ordenar as afirmações (fazer o
Q-sort) é designado por P set, sendo que a metodologia Q não exige um grande
número de participantes (Brown, 1978, 1980) . O que é exigido, outrossim, é que
os sujeitos sejam em número suficiente para estabelecer a existência de um
factor9 que possa ser comparado com outros. Importa também que assegure a
necessária abrangência, a fim de maximizar a confiança de que os principais
factores da questão foram identificados. De acordo com alguns autores (Brouwer,
1999; Brown, 1993; Webler et al., 2009), o P set deve ser mais pequeno10 do que
o Q set.
Os participantes Q são seleccionados de forma a serem representativos de uma
determinada população, tendo em conta a questão em estudo. Por exemplo, se o
objecto de estudo for as atitudes terapêuticas em diferentes abordagens
teóricas, devem ser contactados terapeutas experientes nas abordagens em
estudo, acreditados pelas respectivas entidades/sociedades científicas e
distribuídos por características como género, idade e anos de experiência
(Block, 1961; Shinebourne & Adams, 2007; Watts & Stenner, 2005a).
A selecção tem por objectivo garantir que os sujeitos informantes representam
uma larga amplitude de opiniões, sempre no contexto da população-alvo do
estudo, e não a distribuição de opiniões ou crenças na população em geral.
Por isso, o P set não é aleatório, mas antes uma amostra estruturada de
participantes teoricamente relevantes para a discussão do tema em questão, com
opiniões claras e distintas (Brown, 1978).
4 ' Q-sorting
De acordo com o procedimento geral (Brown, 1993), o Q set (ou Q sample) é
apresentado aos participantes sob a forma de um conjunto de cartões numerados
aleatoriamente, contendo cada um uma afirmação. Ao respondente é pedido para
ordenar os cartões de acordo com uma regra, mais precisamente a condição de
instrução (ou critério de instrução) que representa normalmente o ponto de
vista/opinião sobre o tema em causa. É ainda fornecida uma folha de pontuação,
bem como a instrução para a distribuição da ordenação. A pontuação apresenta-se
distribuída num continuum cujos extremos são as afirmações concorda menos e
concorda mais.
O trabalho de campo tem uma sequência lógica que evolui do seguinte modo: a)
primeiro é pedido ao participante que leia cuidadosamente todas as afirmações
de modo ficar com uma ideia geral da variedade de opiniões sobre a questão em
causa; b) depois, é instruído para que, à medida que for lendo, comece a
elaborar uma primeira ordenação das afirmações segundo as três categorias
(montes de cartões) seguintes: aquelas com que concorda genericamente, aquelas
de que discorda e as afirmações relativamente às quais é neutro (fica indeciso
ou que lhe suscitam dúvidas); c) o número de afirmações em cada categoria é
anotado para verificar o equilíbrio entre concordância e discordância dentro do
Q set; d) finalmente, o respondente é convidado a ordenar as afirmações de
acordo com a condição de instrução, colocando-as na folha de pontuação
fornecida.
As instruções metodológicas clássicas recomendam que a administração do Q set
seja realizada com recurso à entrevista presencial. Todavia, alguns
investigadores experimentados nesta metodologia (Van Tubergen & Olins,
1979), argumentam que os estudos Q podem igualmente ser efectuados por via
postal, considerando até que, nestas circunstâncias, conseguem obter resultados
mais congruentes do que aqueles que são obtidos através de entrevista
presencial.
Mais recentemente, a possibilidade de utilização de recursos informáticos tem
conduzido a que boa parte dos estudos sejam conduzidos online11 (Santos &
Amaral, 2004) . A este propósito, Reber, Kaufman e Cropp (2000), realizaram
dois estudos de validação comparando Q sorts baseados em entrevistas
presenciais e outros com recurso suporte informático específico para Q-sort
(online), tendo concluído que não há diferença significativa entre estes dois
métodos de administração no que respeita à validade e fiabilidade.
5 ' Análise e interpretação
A análise estatística tem por objecto os diferentes Q-sort, os quais funcionam
como variáveis qualitativas que representam as perspectivas individuais dos
participantes no estudo. Assim, em primeiro lugar, é calculada a matriz de
correlação de todos os Q-sort, a fim de identificar as correlações entre as
ordenações obtidas. Seguidamente, procede-se à análise factorial para encontrar
o número de agrupamentos de Q sort que correspondem aos factores. Procuram-se
idênticas visões de um conceito ou variável (Bryman & Cramer, 1993), ou
seja, grupos que partilham uma descrição similar dessas variáveis (Bigras &
Dessen, 2002). O conjunto de factores encontrado é então rodado (e.g. varimax)
para obter o conjunto final de factores (Thomas & Watson, 2002). Cada
factor final resultante, representa um grupo de pontos de vista individuais com
elevada correlação entre si e não correlacionados com os outros.
De seguida, e tendo em conta as directrizes mais frequentemente referidas na
literatura (Brown, 1978, 1993; van Exel & Graaf, 2005) sugere-se o cálculo
da pontuação dos factores e a diferença de pontuações, sendo que a afirmação
que define o factor é aquela que tem a pontuação média ponderada normalizada
(Z-score). Com base nas médias ponderadas podem ainda ser conhecidas as
afirmações distintivas e as de consenso.
Se os investigadores pretenderem perceber de forma mais detalhada o modo como
se distribuem os dados e a sua representatividade numa determinada população,
poderão ainda recorrer à utilização combinada com outros instrumentos ou
métodos (Danielson, 2009a)12.
Conclusão
Conforme foi referido na introdução, entendemos justificar-se cada vez mais a
utilização da Metodologia Q nas ciências sociais e humanas. O estudo dos
comportamentos humanos, de atitudes, de valores e de crenças, pela sua natureza
variável e/ou subjectiva, beneficia com a utilização de métodos de investigação
capazes de classificar e ordenar esta informação de modo a clarificá-la.
A metodologia Q proporciona uma forma de integrar a metodologia qualitativa com
a quantitativa, que são por vezes consideradas incompatíveis, ou, pelo menos,
sem aparente união eficaz, mesmo em estudos multi-método. Oferece uma
possibilidade de complementaridade entre as duas metodologias. Parte de
pressupostos e da lógica de investigação qualitativa e é associada a
procedimentos de análise quantitativa de dados
Dispõe de ferramentas informáticas próprias (para além das já existentes) quer
de administração quer de análise de dados que facilitam a sua utilização, de
forma exclusiva, ou em conjunto com outros métodos.
Entendemos, assim, que a metodologia Q é válida no campo das ciências sociais e
do comportamento, já que é sensível à variabilidade e à subjectividade
particulares aos fenómenos que são objecto de estudo empírico nestas áreas
científicas. A metodologia Q permite, mais precisamente, que a estrutura destes
fenómenos, por via de regra com características discursivas subjectivas, se
torne observável pela operacionalização sistemática que decorre quer da
sequência metodológica acima referida, quer da complementaridade de métodos
qualitativos e de técnicas estatísticas na construção do conhecimento empírico
sobre os fenómenos em estudo.