Bullying homofóbico no contexto escolar em Portugal
Introdução
Bullying
Nos últimos anos, a temática de violência nas escolas tem vindo a receber uma
maior atenção na área da investigação e dos media. O bullying é uma forma
específica de violência nas escolas, sendo definida por Olweus (1993), como um
(a) aluno(a) estar a ser provocado/vitimado quando ele ou ela está exposto,
repetidamente e ao longo do tempo, a acções negativas da parte de uma ou mais
pessoas (p. 9). As acções negativas podem ser verbais (e.g. chamar nomes),
físicas (e.g. bater), sexuais (e.g. tocar em partes do corpo do outro
deixando‑o desconfortável), ou sociais (e.g. excluir), contribuindo para a
distinção entre o bullying directo (que envolve um ataque manifesto a uma
vítima) e o bullying indirecto (que está relacionado com o isolamento social
e exclusão de um grupo). Destaca‑se ainda o cyberbullying, que envolve o uso
de tecnologias de informação e comunicação (e‑mail, telemóvel, pager, etc.)
como forma de agressão.Green (2008) afirma que estes dois tipos de bullying
podem ocorrer no intervalo, na hora de almoço, antes ou depois da escola, tendo
sempre uma ou mais vítimas e um/a ou mais agressores (bullies).
A maioria dos estudos indica que o bullying é mais frequente entre estudantes
dos 6 aos 15 anos, onde a percentagem de vitimização se encontra entre 58 e 77
valores (e.g. Poteat & Espelage, 2005). Hoover e Oliver, em 1996, afirmaram
que 80% dos/as estudantes já foi vítima de bullyingna sua escola, pelo menos
uma vez, nos Estados Unidos da América. Estudos feitos em Inglaterra referem
que em 68% das escolas existem alunos/as que já foram alvos de alguma forma de
bullying (O'Higgins ' Norman, 2008).
Em Portugal, investigações com amostras representativas, em 1998, verificou‑se
que 42.5% dos/as alunos/as entre os 11 e os 16 anos de idade relataram nunca se
terem envolvido em comportamentos de bullying, 10.2% afirmaram serem
agressores/as, 21.4% referiram serem vítimas e 25.9% eram simultaneamente
vítimas e agressores/as (Carvalhosa, Lima & Matos, 2001). Por sua vez em
2004, constatou‑se que 41.3% dos/as alunos/as nunca estiveram envolvidos em
situações de bullying, 9.4% foram agressores/as, 22.1% foram vítimas e 27.2%
foram vítimas e agressores/as (Carvalhosa, 2007). Registou‑se um maior
envolvimento dos rapazes nos comportamentos de bullying e um declínio destes
comportamentos no final da adolescência para ambos os sexos (Formosinho,
Taborda & Fonseca, 2008). As agressões físicas apresentam‑se como a forma
mais comum de bullying nas escolas portuguesas do 1º ciclo, ainda que a partir
do 2º ciclo se registe uma maior prevalência das agressões verbais (Carvalhosa,
Moleiro & Sales, 2009) e do cyberbullying (Almeida et al, 2008).
As investigações têm revelado que tanto os bullies como as vítimas de bullying
podem sofrer repercussões significativas ao nível do bem‑estar emocional, da
saúde e da aprendizagem (Green, 2008). Por norma, as vítimas apresentam baixos
níveis de auto‑estima, sociabilidade e felicidade, pior desempenho escolar,
auto‑imagem e auto‑avaliação negativas, elevados níveis de ansiedade, e uma
maior tendência para a depressão e desintegração social (e.g. Carvalhosa, 2009;
Craig, 1998; Rigby & Slee, 1993; Solberg & Olweus, 2003). Green (2008)
realça que as vítimas de bullying têm uma maior tendência para manifestar dores
de estômago, dores de cabeça e, em casos mais graves, apresentam uma maior
tendência para a auto‑mutilação e tentativas de suicídio. Por seu turno, os/as
bulliesapresentam uma maior prevalência de comportamentos anti‑sociais e
agressivos fora do contexto escolar, um maior consumo de substâncias, como
álcool e drogas, elevados níveis de ansiedade, impulsividade, auto‑imagem
positiva e necessidade de dominar os outros, queixas físicas e psicológicas, e
problemas escolares (Carvalhosa, 2009; Carvalhosa, Lima & Matos, 2001;
Olweus, 1993; Rigby & Slee, 1993; Solberg & Olweus, 2003).
Bullying Homofóbico
Apesar da investigação sobre bullying e vitimização ter sofrido um aumento
significativo nos últimos anos, verifica‑se que a sua relação com outras
áreas, como a homofobia, tem sido menos estudada (Poteat & Espelage, 2005).
A homofobia corresponde a qualquer forma de discriminação feita com base numa
orientação sexual não‑heterossexual (Oliveira, Pereira, Costa & Nogueira,
2010), envolvendo assim crenças, atitudes, estereótipos e comportamentos
negativos (e.g. irritar, ameaçar, importunar) para com indivíduos homossexuais
e bissexuais (Wright, Adams & Bernat, 1999). Assim, o bullying homofóbico
pode ser caracterizado por comportamentos associados ao bullying no geral (e.g.
agressões físicas, verbais, sexuais), mas revestidos de teor homofóbico. É
exemplo o conteúdo verbal utilizado em situações de homofobia e situações de
bullying (utilização da orientação sexual como forma insulto; Poteat &
Espelage, 2005).
É evidente a relação entre bullying e homofobia, considerando que as
experiências negativas reportadas por estudantes LGBT (Lésbicas, Gays,
Bissexuais e Transgénero) englobam, sobremaneira, o bullying exercido de forma
continuada no tempo (Takács, 2006). Segundo alguns autores (e.g. Adams et al.,
2004), o bullying homofóbico pode tornar‑se mais grave relativamente ao
bullying em geral por ser menos visível e menos credibilizado do que as outras
formas de bullying, inclusivamente pelos/as próprios/as professores/as.
É de salientar que o comportamento de bullying homofóbico pode ser expresso em
relação quer a pessoas heterossexuais, quer LGBT, ou seja, também existem
estudantes heterossexuais que podem ser vítimas de homofobia, não pela sua
orientação sexual, mas porque são percebidos/as como sendo diferentes das
expectativas tradicionais do papel de género masculino ou feminino (Poteat
& Espelage, 2005).
Neste sentido, a investigação existente sugere que a homofobia e o bullying
homofóbico mostram ser uma consequência negativa dos estereótipos de papel de
género (O'Higgins‑Norman, 2008). Para o autor, o bullying homofóbico pode ser
dividido em dois tipos: (a) o bullying subjacente ao carácter hetero‑normativo
do ambiente escolar, relacionado com as expectativas de papel de género
independentemente da orientação sexual da vítima, nomeadamente ao nível do
policiamento dos comportamentos considerados representativos dos géneros
feminino e masculino; e (b) o bullying que tem por base comportamentos
discriminatórios e persecutórios contra pessoas LGBT.
A prevalência do bullying homofóbico, apesar das dificuldades inerentes à sua
avaliação, parece ser bastante elevada, sendo que cerca de 92% dos indivíduos
LGBT já foram vítimas de comentários homofóbicos, 84% afirma ter sido ofendido/
a verbalmente, 83% sofrer insultos, ameaças, violência física e sexual (Poteat
& Espelage, 2005). Segundo O'Higgins‑Norman (2008), 45% dos gays e 20% das
lésbicas, nos Estados Unidos da América, já experienciou agressões físicas e
verbais por parte de outros/as estudantes devido à sua orientação sexual. Por
sua vez, 53% já ouviu comentários homofóbicos por parte dos/as funcionários/as
da escola. No Reino Unido, um estudo desenvolvido pela associação Stonewall com
a participação de mais de 1100 adolescentes, demonstrou que 65% dos/as
estudantes LGBT com menos de 18 anos já foram vítimas de bullying homofóbico
directo e mais de 95% foram expostos/as a agressões verbais de teor homofóbico
(Stonewall, 2007).
Em Portugal, apesar da escassez de resultados relacionados com o bullying
homofóbico, é possível revelar alguns indicadores. Tendo por base os resultados
obtidos pela Associação redeex aequo(associação de jovens lésbicas, gays,
bissexuais, transgéneros e simpatizantes em Portugal), através do Observatório
de Educação LGBT, realizado em 2008 em território nacional, a maior parte das
queixas de situações de homofobia em ambiente escolar regista‑se entre o final
da adolescência e o início da idade adulta e em grandes centros urbanos,
nomeadamente Lisboa, com 38% das queixas e o Porto, com 12% (rede ex aequo,
2008).
A baixa auto‑estima, isolamento, dificuldades de concentração, fobia à escola
e tentativas de suicídio são alguns exemplos das consequências do bullying
homofóbico (e. g. Adams et al., 2004; Berlan et al., 2010; Harry, 1989;
Hershberger & D'Augelli, 1995; Ritter & Terndrup, 2002; Russell, 2003).
A longo prazo, Adams et al. (2004) apontam como consequências os sentimentos de
culpa, depressão e ansiedade, bem como receio de estabelecer relações
interpessoais e timidez. Deste modo, os efeitos deste tipo de bullying
englobam, sobretudo, a perda de confiança, a diminuição da auto‑estima e do
desempenho escolar, e o aumento do abandono da escola (O'Higgins-Norman, 2008).
Adicionalmente, os/as jovens LGBT, vítimas de bullying homofóbico, revelam um
elevado risco de tentativas de suicídio e elevados níveis de depressão e
suicídio (Robertson & Monsen, 2001).
Assim, o presente estudo tem por objectivo efectuar uma caracterização do
fenómeno do bullyinghomofóbico em Portugal, ao nível das suas formas de
agressão, prevalência e consequências, comparando‑se posteriormente estes
dados com os resultados observados a nível internacional.
Método
Participantes
Participaram neste estudo 184 estudantes de Portugal continental, com idades
compreendidas entre 12 e 20 anos (M=17; DP=1.68). Do total de participantes,
54% (n=99) eram do sexo feminino e a maioria frequentava o 12º ano (50.5%). A
amostra contou com a participação de jovens de todos os distritos de Portugal
continental, sendo que 33% estudava em Lisboa. Relativamente à sua orientação
sexual, 34% (n=63) dos/as participantes identificaram‑se como homossexuais,
27% (n=49) como bissexuais, 25% (n=46) como heterossexuais, e os/as restantes
optaram por não responder à questão ou declararam ter dúvidas relativamente à
sua orientação sexual.
Instrumentos
A recolha de dados foi feita através do preenchimento de um questionário
online, composto por várias secções. Inicialmente, após a apresentação de uma
definição de bullying e de bullying homofóbico, a primeira parte do
questionário, composta por 11 questões, destinava‑se à recolha de dados
biográficos. A segunda parte do questionário tinha como objectivo avaliar o
bullying homofóbico e as suas consequências físicas e psicológicas. Para tal
recorremos a um conjunto de questões de instrumentos internacionais, a saber, o
Homophobic Content Agent Target Scale (HCAT), desenvolvido por Poteat e
Espelage (2005); o Speakout Survey (Stonewall, 2007); e o Clinical Outcomes in
Routine Evaluation (CORE‑OM; Barkham et al., 1998).
A versão adaptada da escala HCAT (Poteat & Espelage, 2005) utilizada inclui
questões relativas à vitimização e agressão verbal, como Na última semana,
quantas vezes as seguintes pessoas te chamaram estes nomes [e.g. maricas, gay,
lésbica, etc.] ou Na última semana, quantas vezes chamaste estes nomes [e.g.
maricas, gay, lésbica, etc.], especificando‑se posteriormente o alvo (e.g.
alguém que não conhecias, alguém de quem não gostas, alguém que julgas ser
homossexual, etc.). Encontra‑se assim duas sub‑escalas: de alvo/vítima e de
agente/bully, com 5 itens cada. As respostas aos itens eram dadas numa escala
deLikert de cinco pontos, em que 1 correspondia a Nunca e 5 a Muito
Frequentemente. Os autores da escala encontraram boas qualidades psicométricas
da mesma, através de índices de precisão (α=.85, cada sub‑escala), análise
factorial (2 factores, 41% e 16% da variância), e correlação com diversas
outras medidas, mostrando boa validade convergente e divergente.
A partir do Speakout Survey (Stonewall, 2007), foram extraídos os itens
referentes a diferentes formas de agressão (e.g. Agressão verbal, Agressão
física, Por posts na internet ou blogs), consequências para o agressor (e.g.
O que aconteceu ao agressor?), outras características relativas à situação de
bullying (como o local, intervenientes, etc) e algumas das suas consequências
escolares e relacionais. As hipóteses de resposta variavam consoante o conteúdo
do item, apresentando‑se, em alguns casos, sob a forma de uma escala de Likert
de cinco pontos. Esta escala foi já utilizada no Reino Unido para dois estudos
ao nível nacional, com o objectivo de caracterizar a prevalência,
características e consequências do bullying homofóbico nas escolas Britânicas,
tendo revelado não só adequabilidade na investigação, como na aplicabilidade a
jovens.
Do CORE‑OM (Barkham et al., 1998), foi utilizada a versão reduzida e dirigida
a adolescentes (YP‑CORE), para a avaliar as consequências psicológicas do
bullying. O CORE‑OM é composto por 4 dimensões: bem‑estar subjectivo,
queixas/sintomas, funcionamento social e pessoal, e comportamentos de risco
para com o próprio e/ou outros. É uma escala amplamente utilizada em
investigação e em clínica/psicoterapia, com excelentes qualidades
psicométricas. A versão reduzida para adolescentes tem apenas 10 itens,
traduzindo o nível de bem‑estar psicológico global. As respostas são dadas
numa escala de Likertde cinco pontos, em que 1 correspondia a Nunca e 5 a
Muito Frequentemente. Estas medidas foram já traduzidas para português, tendo
dados preliminares para população clínica e não clínica (Sales et al., 2008).
Para a avaliar as consequências do bullyinga nível de problemas de
comportamento para além das emocionais de carácter mais internalizante, foram
acrescentados 6 itens de comportamentos externalizantes e de consumos de
substâncias (que não fazem parte da versão reduzida).
Procedimento
O questionário foi elaborado através da plataforma Google docs, tendo sido
gerado um link de acesso que foi enviado por e‑mail para os núcleos locais da
Associação rede ex aequo,através dos quais foi encaminhado a jovens de idades
compreendidas entre os 12 e os 20 anos. Foi‑lhes explicado que o questionário
se destinava a recolher opiniões dos/as estudantes acerca de alguns aspectos da
sua vida escolar e que a sua colaboração seria fundamental para a compreensão
das relações humanas na escola, assegurando‑se a confidencialidade e anonimato
das respostas e o carácter voluntário da participação (American Psychological
Association, 2002; Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2011). O consentimento
informado foi, assim, obtido junto dos participantes e, apesar de estes serem
menores de idade em muitos casos, o consentimento dos pais ou representantes
legais não foi procurado. Essa escolha foi feita por ter sido a associação rede
ex aequo, à qual pertenciam de forma autónoma, uma parceira na investigação e
por não ser requerido que os jovens tivessem revelado a sua orientação sexual
aos seus representantes legais (constituindo‑se uma situação de excepção à
obtenção do seu consentimento).
O questionário esteve online durante dois meses, tendo os dados sido
posteriormente analisados através do programa SPSS.
Resultados
Num primeiro momento, realizou‑se uma análise dos resultados de forma a
obter‑se uma caracterização geral e descritiva do bullying homofóbico na
amostra. Neste sentido, verificou‑se que 42% dos/as participantes afirmaram já
ter sido intimidados/as, insultados/as ou agredidos/as na escola por ser
homossexual ou bissexual, ou por alguém que os/as via como sendo homossexual ou
bissexual. Para além disso, a maioria dos/as estudantes inquiridos/as
declararam já ter visto outras pessoas serem vítimas de bullying homofóbico
(67%), sendo que 40% das vítimas foram alunos/as que eram ou podiam ser vistos/
as como homossexuais ou bissexuais. O local mais comum onde os/as participantes
afirmam ter ocorrido estas situações foi dentro do recinto escolar (28%), ou
quer dentro quer fora da escola (67%).
Pode‑se constatar igualmente que 57% das situações foram presenciadas por mais
pessoas para além do/a inquirido/a, sendo que 32% das pessoas não fizeram nada,
22% riram‑se da situação, e apenas 17% pediram ao/à agressor/a para parar. Nos
casos em que a situação não foi vista por mais ninguém para além dos/as
participantes, apenas 20% contou a amigos/as da escola o que presenciou,
registando‑se percentagens baixas de relatos das situações a adultos,
nomeadamente a professores/as (7.8%) e aos progenitores (1.6%). Em 80% das
situações de bullying homofóbico, os/as inquiridos/as revelaram que não
aconteceu nada ao/à agressor/a, sendo que em apenas 14% das situações o/
a agressor/a foi repreendido/a.
Posteriormente, foram realizadas análises estatísticas com o intuito de
categorizar os diferentes tipos de bullying e melhor definir o fenómeno a nível
das suas consequências, e diferenças de sexo e orientação sexual.
Deste modo, foram agrupadas as diferentes formas de bullying homofóbico
presentes nos itens referentes ao Speakout Survey (Stonewall, 2007), através de
uma Análise por Componentes Principais (ACP), recorrendo ao método de rotação
Varimax (KMO=.851; Bartlet χ² (55) =1082.787, p<0.001) e usando o critério de
Kaiser para extracção de factores (valores próprios iguais ou superiores a 1).
A solução final revelou um total de três factores que explicam 71.84% da
variância total (ver Tabela_1). O primeiro factor obtido, Violência
Psicológica, refere‑se às agressões verbais, exclusão e isolamento, bem como
aos mexericos e boatos, tendo apresentado uma boa consistência interna (α=.90).
O segundo factor, Violência Física e Sexual, remete para um tipo de agressão
que envolve agressões e ameaças à integridade física e agressões sexuais,
apresentando uma consistência interna elevada (α=.78). Por último, o terceiro
factor, Cyberbullying,está relacionado com as agressões perpetradas através da
Internet (e.g. publicação de posts) ou do telemóvel, tendo apresentado uma
consistência interna também elevada (α=.83). A Violência Psicológica registou
uma maior ocorrência média (M=2.12), em detrimento do Cyberbullying(M=1.29), e
da Violência Física e Sexual (M=1.15), explicando 27.64% da variação.
Uma vez que a forma de violência psicológica foi aquela que registou uma maior
frequência de ocorrência, tornou‑se imprescindível analisar a escala de
agressão verbal HCAT (Poteat & Espelage, 2005), que permite avaliar até que
ponto os/as alunos/as praticam ou sofrem agressões verbais de teor homofóbico.
A escala, dividida entre agressão e vitimização, revelou elevados valores de
consistência interna (agressores, α=.82; vítimas, α=.86), tendo‑se verificado
um maior frequência média na sub‑escala de vítimas (M=1.64) do que na de
agressores (M=1.40).
Com o objectivo de verificar o impacto das consequências psicológicas e físicas
decorrentes da vitimização por bullying homofóbico, foram realizados testes t
para comparação de médias, de modo a comparar as consequências entre as vítimas
de bullying homofóbico e as não‑vítimas. A distinção entre os dois grupos foi
feita com base na pergunta Já alguma vez foste intimidado(a), insultado(a), ou
agredido(a) na escola por seres homossexual ou bissexual, ou por alguém que
pensava que que eras homossexual ou bissexual?. Assim, verificaram‑se
diferenças estatisticamente significativas entre vítimas e não‑vítimas em
quase todas as consequências avaliadas, conforme a Tabela_2. Deste modo,
constatou‑se que as vítimas de bullyinghomofóbico, quando comparadas com as
não‑vítimas, apresentam maiores níveis médios de consequências psicológicas
(i.e. o bem‑estar psicológico avaliado com os itens do YP‑CORE foi inferior
para as vítimas de bullying homofóbico). As vítimas reportaram, por exemplo,
sentir‑se significativamente mais tristes, sozinhas, irritadas e,
inclusivamente, ter mais vontade de se magoarem a si próprias. As consequências
ao nível da segurança na escola (t(1,182)=‑4.68, p<.01), do sentido de
comunidade escolar (t(1,182)=‑4.29, p<.01), e no próprio desempenho escolar
(Tiveste dificuldade em concentrar‑te na escola; t(1, 182)= 4.33, p<.01)
também foram mais elevadas para as vítimas. Finalmente, alguns problemas de
comportamento foram também significativamente superiores nas vítimas de
bullying (como Agiste sem pensar, t(1, 182)=2.10, p<.05; e Tiveste muitas
discussões, t(1, 182)=2.68, p<.05). Apenas não se verificaram diferenças
significativas relativas aos indicadores de consumos de substâncias (tabaco,
álcool e drogas).
Neste estudo procurou‑se ainda averiguar as diferenças relativamente à
vitimização por bullying homofóbico, nomeadamente em função do sexo e da
orientação sexual. Mediante os testes realizados, foi possível verificar que os
rapazes foram aqueles que apresentaram maiores níveis percentuais de
vitimização (56.4%), comparativamente com as raparigas (43.6%), níveis esses
que revelaram uma diferença estatisticamente significativa (χ2=5.68, p<.05).
Por sua vez, aqueles que se identificaram como sendo homossexuais apresentaram
maiores níveis percentuais de vitimização (48.7%), comparativamente com os/as
alunos/as que se identificam como bissexuais (34.6%) e heterossexuais (5.1%),
sendo estas diferenças também estatisticamente significativas (χ2=33.72,
p<.01).
Discussão
O presente estudo teve como objectivo efectuar uma caracterização do fenómeno
do bullyinghomofóbico em Portugal, ao nível das suas formas de agressão,
prevalência e consequências. Os resultados obtidos permitiram constatar que a
maioria dos/as jovens estudantes já presenciou situações de bullying homofóbico
contra alunos/as que são ou que se pensa que possam ser homossexuais ou
bissexuais, sendo que a maioria das situações ocorreram dentro do recinto
escolar. À semelhança dos resultados encontrados noutros estudos (e.g.
D'Augelli et al., 2002; O'Higgins‑Norman, 2008), os resultados obtidos sugerem
que os rapazes portugueses são mais frequentemente vítimas de bullying
homofóbico, comparativamente com as raparigas.
Ao nível da intervenção em situações de bullying homofóbico, verificou‑se que
apesar das situações de vitimização serem presenciadas por terceiros, na
maioria dos casos ninguém intervém e apenas em poucas situações é pedido ao/à
agressor/a para parar com o seu comportamento. Regista‑se ainda uma elevada
percentagem de comportamentos que incentivam o comportamento do/a agressor/a e
desvalorizam a agressão (e.g. risos). É de realçar ainda que os resultados
indicam que, na esmagadora maioria das situações, os/as agressores/as parecem
não ter consequências face ao seu comportamento, ou seja, são raras as ocasiões
em que estes/as sofrem qualquer tipo de sanção. Este contexto é também
reportado em outros países (e.g. no Reino Unido, Stonewall, 2007). Neste
sentido, verifica‑se a falta de sensibilização para as questões do bullying e
homofobia entre os/as mais novos/as, permanecendo, muito provavelmente, crenças
que legitimam atitudes e comportamentos agressivos para com os indivíduos que
não correspondam aos papéis de género normativos ou que manifestem uma
orientação sexual não heterossexual.
Relativamente aos tipos de bullying homofóbico, os resultados obtidos
demonstram maiores níveis de violência psicológica do que de violência física,
o que vai de encontro ao demonstrado em estudos semelhantes (O'Higgins‑Norman,
2008; Poteat & Espelage, 2005).
Do mesmo modo, verificou‑se que as consequências psicológicas decorrentes do
bullying homofóbico são notoriamente superiores para as vítimas do que para
aqueles/as que não foram vítimas, destacando‑se o isolamento, tristeza e
solidão, tal como outros autores haviam evidenciado (e. g. Adams et al., 2004;
Russell, 2003). É ainda de referir que as vítimas de bullying homofóbico
afirmam igualmente sentir‑se menos seguras na escola, sentindo‑se menos
integradas no seio da comunidade escolar, sendo este um resultado que vai de
encontro a outros estudos (e.g. Berlan et al., 2010). Com efeito, importa
ponderar a necessidade de se criarem redes formais ou informais de suporte
social para as vítimas de bullying homofóbico, que possam diminuir a ocorrência
destas situações e atenuar as suas consequências ao nível psicológico.
Contrariamente aos resultados de outros estudos (e.g. D'Augelli et al., 2002;
Ritter & Terndrup, 2002), não se registaram diferenças ao nível das
consequências relativas a consumos de substâncias entre vítimas e não‑vítimas,
o que poderá reflectir o facto de estes serem comportamentos que têm padrões de
consumos diferentes dos anglo‑saxónicos entre os/as jovens portugueses, e que,
para mais, tiveram respostas médias bastante baixas e pouca variabilidade na
nossa amostra.
A realização deste estudo permitiu constatar que a discriminação com base na
orientação sexual ou no carácter hetero‑normativo do ambiente escolar está
presente em escolas portuguesas, assumindo características análogas às
encontradas em estudos realizados noutros países (e.g. nos EUA por Kosciw, Diaz
& Graytak, 2008; no Reino Unido por Stonewall, 2007). À semelhança do que
tem vindo a ser desenvolvido nesses países, em Portugal foi recentemente
lançado um projecto escolar que visa a sensibilização contra o bullying
homofóbico, o Projecto Inclusão, desenvolvido pela Associação rede ex aequo. É
ainda exemplo o projecto recente Tod@s somos precis@s (It takes all kinds),
iniciativa do Instituto Dinamarquês dos Direitos Humanos, que conta com a
colaboração de 10 países Europeus, entre os quais Portugal, promovido pela ILGA
Portugal (2012). Contudo, mantém‑se a necessidade de se criarem mais programas
de sensibilização, bem como medidas de protecção e redes de apoio formais e
informais contra a homofobia e o bullying homofóbico, em ambiente escolar. De
facto, a investigação tem mostrado que medidas escolares (como a implementação
de regras inclusivas anti‑bullying, formação dos/as profissionais nas escolas,
inclusão de temáticas LGBT nos curricula, ou a criação de núcleos de alunos/as
LGBT) são eficazes a diminuir o número de agressões verbais e assédio de
alunos/as LGBT, a diminuir o absentismo, a aumentar o nível percebido de
segurança na escola e sentimento de pertença, e até mesmo aumentar o sucesso
escolar (Kosciw, Diaz & Graytak, 2008).
O presente estudo apresenta algumas limitações metodológicas. A recolha de
dados constitui a maior limitação, dado que foi efectuada através da maior
associação de apoio a jovens LGBT e simpatizantes do país, o que tornou a
amostra não representativa da população juvenil em Portugal (uma
sobre‑representação de jovens homossexuais e bissexuais). Mais ainda, foi
utilizada uma amostragem em cadeia, assegurando de forma mais estruturada a
participação dos/as jovens. Esses/as jovens tinham ainda algum tipo de suporte
social informal através desta associação. A metodologia de recolha de dados,
através de questionário online, também apresenta algumas limitações. Muito
embora se revele eficaz na recolha de maiores amostras, principalmente entre
os/as mais jovens, não permite garantir alguns aspectos metodológicos e éticos
relevantes (e.g. participação de menores de idade sem consentimento parental;
garantia de resposta única por participante; impossibilidade de controlar as
condições de resposta).
Uma vez que a existência de suporte social e/ou parental pode moderar as
consequências do bullying homofóbico, estudos futuros poderão debruçar‑se
sobre esta questão, bem como recorrer a uma amostra mais ampla e representativa
de jovens portugueses e explorar as diferenças entre as características do
bullying homofóbico e do bullying no geral. Não obstante, pensamos que o
presente trabalho contribui para uma melhor caracterização deste fenómeno em
Portugal, que se reveste de uma crescente importância social.