Relações de intimidade juvenis e adultas, uma análise comparativa: Das
narrativas de amor às conjugalidades violentas
Introdução
Vários estudos culturais (e.g., Jackson, 2001; Towns & Adams, 2000;
Vandello, Cohen, Grandon, & Franiuk, 2009) têm indicado a ligação entre os
discursos e as significações sobre o amor e as práticas relacionais abusivas no
contexto da intimidade. Maioritariamente, têm‑se centrado no discurso das
mulheres vítimas (e.g., Wood, 2001) e dos homens agressores (e.g., Borochowitz,
2008), não havendo estudos que procedam à sua contrastação com mulheres e
homens sem história de violência. Focando especificamente os jovens, dada a
especificidade da fase desenvolvimental da adolescência/juventude, os estudos
desenvolvidos com as vítimas e com os agressores jovens não procedem a uma
análise comparativa com as vítimas adultas e os agressores adultos.
Assim, consideramos que a investigação cultural sobre a violência e o amor não
deve limitar‑se à análise dos discursos dos sujeitos com histórias de
violência, tornando‑se fundamental considerar também os discursos dos sujeitos
sem histórias relacionais violentas. Importa perceber se os discursos
veiculados pelas vítimas e pelos agressores que sustentam a violência se
circunscrevem a estes grupos ou se, pelo contrário, têm continuidade nos
sujeitos sem história de violência. Neste sentido, no presente estudo
procuramos compreender quais as grelhas disponíveis culturalmente para
significar o amor e se existem, ou não, significações específicas que distingam
os sujeitos com história de violência dos sujeitos sem história de violência e,
mais especificamente, se existem particularidades no discurso dos jovens.
Os estudos culturais sobre o amor e a violência
O amor e a violência na intimidade têm sido analisados, maioritariamente, de
forma separada, como fenómenos distintos ou não se considerando a sua
interligação (Dias & Machado, 2011). No entanto, o desenvolvimento recente
dos estudos culturais (e.g., Hatfield & Rapson, 2005) e narrativos (e.g.,
Fraser, 2003; Maxwell, 2007), inspirados pelo construcionismo social, conduziu
ao reconhecimento da dimensão cultural dos fenómenos e da sua interligação.
Vários estudos procuram identificar os discursos culturais dominantes sobre o
amor veiculados pela cultura nos media e nas narrativas populares (e.g.,
Carpenter, 1998; Wilding, 2003), analisam os discursos e significados sobre o
amor e a violência em contextos culturais/etnias específicos (e.g., Perilla,
1999; Puente & Cohen, 2003) ou em populações especiais, como as vítimas e
os agressores (e.g., Borochowitz, 2008; Wood, 2001) ou, ainda, os jovens (e.g.,
Jackson, 2001; Wood, Maforah, & Jewkes, 1998).
No âmbito dos estudos culturais, Hatfield e Rapson (2005), numa vasta revisão
dos estudos que analisam o amor e algumas das suas expressões mais intensas e/
ou violentas (tais como, o ciúme, a rejeição, o amor não correspondido e alguns
tipos de violência), concluem que há diferenças culturais na interpretação,
intensidade e expressão das experiências emocionais amorosas e que é a cultura
que determina o que é, ou não é, perturbador numa relação, o que desencadeia
reações negativas mais intensas, bem como modela a adoção de práticas
relacionais abusivas ou violentas.
Outros autores referem que, em muitas culturas, a violência é percepcionada
como uma manifestação ou prova de afeto (e.g., Puente & Cohen, 2003) e
indicam que há determinadas idealizações sobre o amor que reforçam a
perpetração e desvalorização dos maus‑tratos, tanto pelas vítimas como pelos
agressores (Jackson, 2001; Romkens & Mastenbroek, 1998; Wood et al., 1998).
Vários estudos, desenvolvidos em culturas específicas, procuram explorar a
relação entre a violência e os significados, as normas e os valores associados
ao amor e às relações de intimidade, nomeadamente, a fidelidade e a lealdade
(e.g., Puente & Cohen, 2003; Vandello et al.,2009; Vandello & Cohen,
2003). Por exemplo, Puente e Cohen (2003) referem que o ciúme extremo e a
violência são considerados manifestação de amor nas culturas de honra, como
na cultura brasileira, mas que, também na cultura americana, a violência
masculina, quando enquadrada pelo ciúme, é interpretada como um sinal de amor.
Na cultura chinesa, Tang, Wong e Cheung (2002) identificaram, também, scripts
sociais sobre o amor que legitimam a violência conjugal. Num estudo com
focus‑groups, concluíram que a vitimação é dissipada pelo script social do
amor, no qual as mulheres batidas não são percepcionadas como vítimas mas como
mulheres que são amadas e educadas pelos seus maridos. Indicam que este
scriptjustifica e romantiza os atos de violência, considerando que, por amor,
os homens disciplinam as mulheres e que, também por amor, as mulheres tendem a
aceitar os maus‑tratos.
Além dos estudos culturais, os estudos centrados nas narrativas têm salientado
a dimensão construída e cultural da interligação do amor e da violência,
indicando que há significações sobre o amor que influenciam a perpetração da
violência e que contribuem para a tolerância, a legitimação e a manutenção de
relações abusivas (Fraser, 2003, 2005; Jackson, 2001; Towns & Adams, 2000;
Wood, 2001). Referem que a cultura proporciona narrativas românticas (através
das histórias infantis, da música, das séries televisivas, dos filmes e das
revistas) que veiculam normas, valores, expectativas e guiões de comportamento
que constrangem o modo como as pessoas fazem sentido das relações e como se
posicionam nas relações de intimidade (Fraser, 2003, 2005; Jackson, 2001). A
maioria destes estudos indica que se trata de narrativas culturais genderizadas
(Fraser, 2005), que reforçam a fusão entre amor e violência (Jackson, 2001) e
que veiculam relações de poder (Towns & Adams, 2000).
Wood (2001), por exemplo, num estudo com mulheres vítimas de violência,
identificou duas narrativas românticas: a narrativa do conto de fadas, do
príncipe encantado que corteja a princesa, em que a relação é descrita de forma
idealizada e os atos abusivos são desvalorizados; e a narrativa do romance
negro, em que a relação de amor é descrita como tipicamente dolorosa para a
mulher, sendo expectável que o homem seja controlador e, até, violento. Conclui
que são narrativas culturalmente enraizadas, que conceptualizam as relações
violentas como toleráveis ou, mesmo, preferíveis a não ter qualquer relação.
Num estudo com agressores, Borochowitz (2008) identificou a presença da noção
do amor fusão, através da qual os homens incorporam a mulher na sua identidade
e anulam a individualidade da parceira, surgindo a violência como estratégia de
a moldar ou disciplinar, na tentativa de alcançar o guião relacional que
idealizaram.
No que diz respeito aos jovens, só a partir da década de 80, com o estudo de
Makepeace (1981), o fenómeno da violência no namoro começou a ser alvo de
atenção por parte da comunidade científica, ao nível internacional (e.g.,
Pirog‑Good & Stets, 1989) e, mais recentemente, ao nível nacional (e.g.,
Caridade & Machado, 2006; Caridade, 2011), revelando a ampla disseminação
da violência nas relações de intimidade juvenis. Assim, apesar dos estudos
sobre a prevalência do fenómeno e sobre as atitudes dos jovens face à violência
(cf., Caridade, 2011), a sua conexão aos discursos sobre o amor só muito
recentemente tem começado a ser foco de análise.
Jackson (2001), por exemplo, indica que as raparigas adolescentes, na fase da
construção da sua identidade, são particularmente vulneráveis às narrativas
culturais românticas e que estas narrativas prescrevem a dependência e
submissão feminina, veiculam guiões genderizados e reforçam a fusão entre o
amor e a violência. Num estudo com adolescentes vítimas de violência no namoro,
concluiu que as jovens recorriam a narrativas românticas para contar a sua
história (a expectativa do conto de fadas, a idealização do príncipe que as
salva e que, simultaneamente, precisa ser amado por elas), ditando a submissão
das jovens à relação e a sua tolerância a comportamentos abusivos. Por sua vez,
Romkens e Mastenbroek (1998), num estudo com adolescentes alemãs, referem que
há construções socioculturais sobre o amor que as torna vulneráveis à
violência: o ciúme e o controlo como sinal de amor, a extrema idealização do
parceiro e da relação, bem como a entrega e a pertença ao parceiro.
No âmbito das relações de intimidade juvenis, a literatura indica a
adolescência como uma fase desenvolvimental decisiva, sendo o período em que se
estabelecem as primeiras interações e práticas amorosas e se desenvolvem
atitudes, valores e significações sobre a intimidade e as relações amorosas
(Caridade, 2011; Matos, Machado, Caridade, & Silva, 2006; Wekerle &
Wolfe, 1999). Os estudos indicam que os jovens, pelo período desenvolvimental
em que se encontram, podem formar e consolidar significados e construções
míticas sobre o amor e sobre as relações afetivas, tais como a associação do
ciúme ao amor, a violência como manifestação de amor, a indissolubilidade das
relações (Black & Weiz, 2003), que promovem e sustentam a tolerância e a
legitimação de práticas relacionais abusivas, confundindo violência e amor
(Caridade, 2011; Caridade & Machado, 2006).
Da análise dos estudos, consideramos que o fenómeno da violência, tanto nas
relações adultas como nas relações juvenis, não pode ser analisado sem se
considerar os discursos sobre o amor e a intimidade. Adotando uma perspetiva
construcionista social, conceptualizamos o fenómeno do amor como sendo
socialmente construído através dos discursos e práticas dos sujeitos em
interação (Jackson, 2001; Towns & Adams, 2000; Wetherell, 1995, 1998),
discursos estes que constrangem a forma como os sujeitos vivenciam as relações
de intimidade e, logo, o seu envolvimento em relações disfuncionais e abusivas
ou, pelo contrário, em relações mais funcionais e não abusivas. Assim,
entendemos que é necessário compreender como os discursos socioculturais sobre
o amor podem ser usados e transformados, tanto para facilitar ou sustentar a
violência na intimidade, como para limitar ou inibir o seu uso.
Neste âmbito, apesar do vasto leque de estudos que indicam que os sujeitos em
relações abusivas (vítimas e agressores) apresentam discursos e significações
sobre o amor que legitimam e sustentam a violência na intimidade, analisando‑os
em profundidade, não encontramos estudos que procedam à análise comparativa com
o discurso dos sujeitos em relações não abusivas. O mesmo se verifica nos
estudos desenvolvidos com jovens, não havendo uma análise comparativa entre o
discurso dos jovens com historial de violência e o discurso dos jovens sem este
historial. Além disso, mesmo os estudos desenvolvidos com vítimas ou com
agressores jovens, dada a especificidade desta fase desenvolvimental, não há
estudos que procedam à sua contrastação com vítimas adultas e agressores
adultos.
Na nossa opinião, consideramos que a investigação cultural sobre a violência e
o amor não deve limitar‑se à análise dos discursos dos sujeitos com histórias
de violência. Além da identificação e análise dos discursos que facilitam e
sustentam a violência na intimidade, é necessário analisar, também, os
discursos que a podem limitar e que promovam relações mais funcionais. Neste
sentido, torna‑se indispensável, a par com as vítimas e agressores, dar voz a
homens e a mulheres sem histórias relacionais violentas, procedendo à sua
contrastação.
Assim, no presente artigo, pretendemos colmatar algumas destas lacunas.
Adotando uma perspetiva sociocultural, procuramos identificar as grelhas
culturais disponíveis para significar o amor e as relações de intimidade e
proceder à análise comparativa da sua utilização pelos sujeitos com historial
de violência e pelos sujeitos sem historial de violência, quer da população
juvenil quer da população adulta. O objetivo central é compreender de que forma
os discursos sobre o amor pode facilitar ou, pelo contrário, limitar, o
estabelecimento e a vivência de relações de intimidade violentas.
Mais detalhadamente, orientamos a nossa análise pelas seguintes questões:
' Quais os discursos sobre o amor e a intimidade veiculados pelos sujeitos com
história de violência e pelos sujeitos sem história de violência? Como se
caracterizam? Há diferenças? Há aspectos consensuais?
' Focando mais especificamente os jovens, há diferenças entre o discurso dos
jovens com história de violência e o dos jovens sem história de violência? Há
aspetos consensuais?
' Focando mais especificamente os sujeitos com história de violência, há
diferenças entre o discurso dos jovens e o dos adultos? Há aspetos consensuais?
Método
Participantes
Participaram no estudo 24 participantes com história de violência nas relações
de intimidade ' relatada pelos próprios ou sinalizada pelo sistema judicial ' e
28 participantes sem historial de violência. Incluímos jovens, com idades
compreendidas entre os 15 e os 25 anos, e adultos de diferentes faixas etárias
(dos 26 aos 62 anos).
Dos 24 participantes com história de violência, 12 são agressores do sexo
masculino (9 adultos e 3 jovens) e 12 são vítimas do sexo feminino (9 adultos e
3 jovens). Para conseguirmos histórias de vitimação e de perpetração mais
salientes e significativas, adotamos como critério a existência de violência
física (e não, unicamente, a violência verbal e a violência psicológica).
Dos 28 participantes sem historial de violência, 14 são mulheres (5 jovens e 9
adultas) e 14 são homens (5 jovens e 9 adultos). Nas mulheres adultas e nos
homens adultos considerámos os diferentes estados civis (casados/as ou união de
facto, solteiros/as e divorciados/as ou separados/as) e nas mulheres e nos
homens jovens a situação relacional (numa relação de namoro, saídos de uma
relação de namoro, sem histórico de relação).
Material e Instrumentos
Utilizou‑se a entrevista semiestruturada A história de amor da sua vida
(Machado & Dias, 2007), adaptada do guião da entrevista The Life Story
Interview, de McAdams (1995). O instrumento foi administrado individualmente,
pedindo‑se a cada participante que identificasse e descrevesse de forma
detalhada a história de amor da sua vida. O guião foca os seguintes tópicos:
resumo da história, capítulos da história, momentos importantes (e.g., momento
alto, momento baixo, ponto de viragem), desafios, futuro (o melhor futuro
possível, o pior futuro possível) e ideologia pessoal (valores e crenças
pessoais). Apesar desta estrutura prévia, as questões foram formuladas de forma
a permitir que a narrativa fluísse de acordo com os interesses dos
participantes, pelo que a ordem e organização variam de entrevista para
entrevista mas todos os tópicos do guião foram abordados.
Procedimentos
Para aceder aos participantes sem história de violência, fez‑se uso de
contactos informais e da técnica snowballing, a par da divulgação do estudo na
zona Norte e Centro do País em Juntas de Freguesia e em Associações. Os
participantes com história de violência foram, na sua maioria, encaminhados
pelo Serviço de Consulta da Universidade do Minho (agressores e vítimas, cujas
perícias foram conclusivas quanto à situação de violência), havendo apenas 3
vítimas e três agressores que foram identificados na recolha dos participantes
sem história de violência (violência relatada pelos próprios).
As entrevistas foram realizadas nas instalações disponibilizadas pelas
instituições que encaminharam voluntários/as para o estudo e nas instalações do
Serviço de Consulta da Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Foi
utilizado um formulário com o consentimento informado, dando a conhecer os
objectivos do estudo e todos os procedimentos seguintes (gravação, transcrição,
análise e divulgação dos resultados), garantindo o anonimato dos participantes.
Todas as entrevistas foram conduzidas pela investigadora responsável pelo
estudo, variando o tempo de duração entre os quarenta e cinco minutos e as duas
horas e meia. As entrevistas foram gravadas e transcritas na totalidade, no
sentido de preservar a integridade dos relatos.
Estratégia analítica
Utilizou‑se a metodologia da análise do discurso, sendo a metodologia
qualitativa mais congruente com a perspectiva construcionista social (Wiggins
& Riley, 2011), permitindo‑nos compreender como os fenómenos são
construídos e reproduzidos através da linguagem (idem). A análise do discurso
foi seguida tal como indicada por Wiggins e Riley, utilizando‑se o repertório
interpretativo como conceito metodológico (Wheterell & Potter, 1988).
Recorremos ao software NVivo 9.0 (QSR, 2010) para o processo de organização,
codificação e análise dos dados.
Todas as entrevistas foram codificadas individualmente, codificando‑se todo o
material. A codificação seguiu um processo interativo e itinerante, de
interpretação e recodificação dos dados, havendo um processo cíclico entre a
codificação e a análise dos dados ' após a primeira codificação foi necessário
voltar ao dados, recodificar e rever todas as entrevistas, sendo um processo
complexo (Wiggins & Riley, 2011).
O argumento (isto é, o conjunto de ideias, significados ou imagens que os
participantes pretendem apresentar através das palavras num determinado
extrato) foi usado como unidade de análise, não se limitando à frase ou ao
parágrafo. Na codificação fomos o mais inclusivos possível, no sentido de
evitar ocultar qualquer extrato potencialmente importante na categoria
definida. As categorias não são mutuamente exclusivas, podendo codificar‑se o
mesmo extrato em várias categorias. Focando especificamente todo o conteúdo
relacionado com Amor e relações amorosas, procedemos às seguintes etapas
(Wiggins & Riley, 2011):
(i) Em primeiro lugar, categorizámos as ideias centrais dos relatos e os
significados associados, criando notas sobre os termos, palavras, ideias ou
imagens mais salientes utilizados para que os participantes construíssem
determinados argumentos. Isto ajudou a fase posterior, possibilitando a
identificação de padrões.
(ii) Concluída a primeira fase, procurámos regularidades e padrões no discurso
dos participantes quando falam sobre amor e as suas experiências amorosas,
recorrendo, então, às ideias, termos, significados e imagens mais salientes da
fase anterior. Aqui começaram a notar‑se similaridades e, muitas vezes,
sobreposições, começando a surgir categorias mais amplas. Nesta etapa, numa
primeira fase, o número de categorias era elevado, pelo que foi necessário
voltar à leitura dos dados codificados em cada categoria, bem como reajustar,
recodificar e condensar as categorias mais amplas, focando os principais
padrões transversais no discurso: identificar o que surge junto, a
interligação de ideias, termos e significados, as sobreposições, as
redundâncias. As etapas 1 e 2 foram, ciclicamente, repetidas, de forma a passar
do plano descritivo dos relatos para o plano conceptual dos repertórios.
(iii) Numa terceira etapa, alcançado um primeiro esboço dos repertórios,
voltámos novamente aos dados, de forma verificar todos os extratos que
constituem os repertórios, bem como as subcategorias que os integram, havendo
reajustes e, até, recodificações.
(iv) Por fim, seguiu‑se a etapa de identificação dos repertórios, em que
classificámos todos os extratos que melhor representam as diferentes formas de
falar sobre o amor e as experiências amorosas (repertórios), isto é, os que
compartilham um modo particular de falar sobre o tema. Este processo foi
repetido várias vezes, ciclicamente, até se encontrar um modo congruente de,
conceptualmente, integrar as diferentes formas de falar sobre o amor e as
relações.
Por fim, há que referir que, recorrendo ao Nvivo 9.0 (através da funcionalidade
das matrizes que permite contabilizar os relatos/quantidade de texto
codificados nas categorias, considerando os atributos dos sujeitos)
contabilizámos a percentagem dos relatos (quantidade de texto) que constitui
cada repertório em cada grupo analisado (e.g. grupo com história de
violência, grupo sem história de violência).
Resultados
Para facilitar a leitura, apresentamos os resultados seguindo as questões, já
referidas, que orientaram a nossa análise.
Quais os discursos sobre o amor e a intimidade veiculados pelos sujeitos com
história de violência e pelos sujeitos sem história de violência?
Identificaram‑se cinco repertórios interpretativos sobre o amor: o amor
companheiro, o amor romântico, o amor pragmático, o amor apaixonado e o amor
game‑playing ' partilhados tanto pelos sujeitos com história de violência, como
pelos sujeitos sem qualquer histórico de violência (sofrida ou perpetrada).
Como podemos verificar na análise da Tabela_2, o que os distingue, não é a
existência de repertórios específicos ou exclusivos, mas o diferente padrão de
utilização e de relevância que os repertórios assumem nos seus discursos.
Os sujeitos com histórico de violência recorrem mais ao repertório amor
romântico (39,97%), seguindo‑se o companheiro (29,65%) e o apaixonado (16,51%),
surgindo em quarto lugar o pragmático (13,02%) e, por último, escassamente, o
game‑playing (0,85%). Na sua maioria, utilizam o repertório romântico ao longo
de toda a sua história: como ponto de partida para a história (guião
tradicional, fase cor‑de‑rosa e idealização da relação), no desenvolvimento da
história (prescrição dos valores românticos e das metáfora do amor vencedor e
do amor sacrifício para manter a relação), incluindo a conceptualização dos
problemas e a frustração dos ideais românticos (sub‑repertório desencantado),
bem como, até, como projeção no futuro (expectativa do final feliz). Alternam
com o repertório amor companheiro para reforçarem a permanência/recuperação da
relação, recorrendo às noções do entendimento, aceitação e diálogo, que
sustentam a crença na mudança do parceiro/a e da relação. O repertório amor
apaixonado assume, também, maior relevância no grupo com história de violência,
principalmente a noção da alteração do seu estado normal pela intensidade do
amor, servindo para justificar comportamentos abusivos.
Por seu turno, nos sujeitos sem histórico de violência, o repertório amor
companheiro (39,27%) é o mais utilizado, seguindo‑se o romântico (29,47%) e o
pragmático (18,94%) e, muito pontualmente, o apaixonado (6,99%) e o
game‑playing (5,32%). Utilizam, maioritariamente, o repertório amor companheiro
como prescrição para manter/gerir a relação, recorrendo apenas ao amor
romântico como ponto de partida e como projeção no futuro (em termos de
expectativa e não como prescrição). Significativo é o facto de usarem, bastante
mais, o amor pragmático, em detrimento do apaixonado, veiculando um discurso
mais ponderado e cauteloso, nomeadamente, a listagem de atributos desejáveis
para a escolha do parceiro e a análise das condições para o estabelecimento/
consolidação da relação ' inclusive na fase inicial da relação e não só no
final (após a vivência de más experiências), como sucede com os sujeitos com
histórico de violência.
Por fim, apesar do repertório game‑playing ser pouco utilizado por ambos os
grupos, assume maior relevo nos sujeitos sem histórico de violência, dado que é
quase inexistente no discurso dos sujeitos com histórico de violência, que o
usam como antítese do verdadeiro amor, inscrito no repertório romântico.
Isto, no nosso entender, prende‑se com a maior vinculação dos sujeitos com
história de violência aos ideais do repertório amor romântico, que sustenta
formas relacionais mais convencionais e de comprometimento, o que resulta na
maior dificuldade em adotar conceptualizações do amor mais abertas e formas
relacionais alternativas.
Procedendo, seguidamente, à análise específica e detalhada de cada um dos
repertórios, verifica‑se que, além dos diferentes padrões de utilização e
relevância dos repertórios, a amplitude dos significados que constitui cada um
dos repertórios difere entre os dois grupos.
Repertório amor companheiro
É partilhado por ambos os grupos e assenta na associação entre o amor e a
amizade/companheirismo, no conhecimento mútuo, na noção da necessidade de
adequação dos parceiros, de ajuda, de compreensão e do entendimento entre
ambos, bem como na importância da comunicação e do diálogo. A sinceridade, a
confiança, a honestidade surgem como valores importantes e essenciais neste
repertório, em que a fidelidade e o respeito são hipervalorizados por ambos os
grupos.
No âmbito deste repertório, os_sujeitos_sem_historial_de_violência_apresentam
um_maior_leque_de_significações, integrando noções que não estão presentes nos
sujeitos com histórico de violência, nomeadamente: o conceito decumplicidade
(A cumplicidade é essencial. Sermos cúmplices em tudo, um do outro.)e,
principalmente, a noção dapartilha_comum_de_experiências, de emoções e de
valores básicos (Partilhar dos mesmos gostos, interesses e fazermos muitas
coisas juntos. Principalmente, defendermos os mesmos valores.).
Neste repertório, o tema da infidelidade é muito focado por ambos os grupos,
sendo conceptualizada como uma violação dos valores e expectativas do
repertório amor companheiro (honestidade, respeito, sinceridade) e, logo, usada
como motivo para a emergência de conflitos. Neste âmbito, a linha que separa os
sujeitos com conjugalidade violenta dos sujeitos sem história de violência é
muito ténue, dado que a infidelidade é conceptualizada como uma ferida na
relação. O que se verifica nos sujeitos com histórico de violência,
principalmente nos agressores, é a sua conotação negativa mais extremada e a
dificuldade em aceitar e superar, sendo vista como irremediável por colocar em
causa a sua autoimagem e a masculinidade. Assim, nos agressores, a construção
da infidelidade como violação_irreparável_dos_valores_companheiros,
associada à percepção da ausência dos ingredientes essenciais que defendem
neste repertório (compreensão, acordo, entendimento, comunicação), são usadas
como argumentos para a perpetração de violência sobre a parceira.
Sem história de violência, 28 anos, homem solteiro: Ser traído... é o pior que
pode acontecer. É uma ferida que fica para sempre. Já não se pode apagar.
Agressor, casado, 43 anos: Uma mulher tem de ser fiel, honesta. Se não... já
não há nada a fazer, é uma mancha que fica para sempre... ou é honesta ou não
é. E se não é... um homem tem de defender a sua dignidade, não é?!
Agressor, casado, 52 anos: Fui mal compreendido e ela não me ajudava. Uma
mulher deve entender, estar de acordo com o marido mas ela não... e eu era mais
agressivo porque ela não entendia.
Por outro lado, no caso das vítimas, os mesmos significados (compreensão,
acordo, entendimento, comunicação, ajuda mútua) sustentam a crença na mudança
do parceiro e da relação, sendo usados para justificar a sua permanência na
relação e a tolerância à violência.
Vítima, 52 anos, casada: Vou dar‑lhe mais uma oportunidade. A falar é que as
pessoas se entendem e chegam a um acordo. Se houver ajuda e compreensão entre
nós, os problemas podem resolver‑se.
Repertório amor romântico
O repertório romântico é usado, quase sempre, por todos os participantes, como
o ponto de partida das histórias que nos relatam, onde descrevem o guião
tradicional das relações: a associação do amor a uma relação de compromisso e
duradoira, preferencialmente que culmine no casamento e que seja para sempre,
havendo uma idealização da relação e do parceiro (fase cor‑de‑rosa) e a
expectativa de um final feliz. Tanto os sujeitos com história de violência como
os sujeitos sem história de violência partilham as noções do amor verdadeiro,
da pessoa certa e da necessidade de ter uma relação de amor para alcançar a
felicidade. Este repertório inclui ainda a metáfora do amor vencedor,
partilhado por ambos os grupos, no qual está patente a crença de que o amor
vencerá todos os obstáculos e dificuldades.
Sem história de violência, 28 anos, mulher solteira: Com amor tudo se supera.
Vítima, 30 anos, solteira: O amor é a base de tudo e pensamos que havendo amor
podemos vencer tudo. Se houver, vencemos os obstáculos e os problemas.
Além da partilha comum destes significados, os sujeitos sem histórico de
violência integram ainda outros, ampliando o leque de significações,
comparativamente aos sujeitos com história de violência, nomeadamente: na noção
de verdadeiro amor, consideram as anteriores relações como tentativas de
ensaio e erro (Houve outras relações, outras histórias, mas não foram
experiências, tentativas, até ter encontrado o H. Com ele foi completamente
diferente, é um amor verdadeiro.); a conceptualização do parceiro como
complemento e fonte de equilíbrio (Completamo‑nos. Somos o complemento e o
equilíbrio um do outro.); a valorização_do_romantismo e do sentimento amor
(É importante manter o romantismo, basta uma palavra, um elogio, um olhar;
Amar é a coisa mais bonita do mundo, o melhor que nos pode acontecer.); e a
metáfora efeito_cupido, no sentido de, quando ou com quem menos se espera, o
amor surge naturalmente e é capaz de esbater as diferenças (O amor surgiu ali,
entre dois seres completamente diferentes e que jamais se olhariam.)
Por outro lado, verifica‑se que os sujeitos com história de violência, além do
menor leque de significados, os significados assumem um caráter mais extremado
e rígido, adotando posicionamentos menos flexíveis que fecham/limitam as
possibilidades de ação no âmbito relacional: na expectativa do final feliz
sustentam a crença romântica de que o amor basta para resolver os problemas e
a relação ser bem‑sucedida, bem como alicerçam mais as noções da
indissolubilidade da relação e do imperativo que a relação e a pessoa amada se
sobreponham a todas as prioridades individuais (para que o amor vença).
Vítima, 40 anos, divorciada: Pensamos que o amor é suficiente para resolver
qualquer problema. Que basta o amor.
Agressor, 33 anos, divorciado: Acredito que ainda podemos ser felizes, o amor
quando é amor é para sempre.
Além disto, tanto as vítimas como os agressores, apesar do leque mais restrito
de significados, apresentam duas especificidades no seu discurso que não estão
presentes nos participantes sem história de violência:
(i) a metáfora_do_amor_sacrifício, nomeadamente a noção de abdicar e ceder
por amor, fazendo sacrifícios pessoais em prol da relação ' que, nas vítimas, é
usada para sustentar a sua permanência na relação violenta e a tolerância aos
maus‑tratos (Vítima, 30 anos, união de facto ' vamos suportando porque no
casamento temos de ceder, o amor também é sacrifício) e, nos agressores, é
usada para reforçar o seu investimento na relação e fundamentar a imagem de
ingratidão da parceira (Agressor, 43 anos, casado:Fartei‑me de trabalhar,
fui para o estrangeiro. Tudo por ela e pela minha filha... e ela desprezou‑me.
Nem me atendia o telemóvel.. e qualquer homem agia como eu!)
e (ii) a construção discursiva do amor_desencantado que constitui um
sub‑repertório do amor romântico, sob o qual descrevem o desencanto/desilusão
dos ideais e sonhos românticos e fundamentam a noção do sofrimento e mal‑estar
psicológico face à frustração dos sonhos românticos e a descrença no amor e nas
relações. Recorrendo à imagem do desencanto/desilusão dos sonhos românticos,
principalmente com base no confronto com os problemas do quotidiano (problemas
financeiros, problema aditivos, fatores externos de stress), tanto os
agressores como as vítimas justificam a emergência de conflitos.
Repertório amor apaixonado
No repertório amor apaixonado, ambos apresentam a noção de que o amor constitui
uma alteração do seu estado normal (em termos cognitivos, emocionais e
físicos), assente na intensidade afetiva e que pode levar a comportamentos ou
atitudes que escapam ao seu controlo. Neste âmbito, enquanto os sujeitos sem
história de violência se limitam à incontrolabilidade emocional, os sujeitos
com histórico de violência generalizam à componente comportamental, associando
os comportamentos de violência à intensidade emocional e, até, irracional, do
amor. Isto sucede tanto nas vítimas como nos agressores, havendo uma
desresponsabilização do agressor em nome da incontrolabilidade do amor que, por
um lado, sustenta a tolerância aos maus‑tratos por parte das vítimas e, por
outro, sustenta a legitimação da violência por parte dos agressores.
Agressor, 31 anos, união de facto: O amor era muito intenso. E quando as
emoções são, assim, tão intensas, tu não consegues controlar e chegas a ser
fisicamente agressivo. Perdi o controlo e bati‑lhe.
Vítima, 20 anos, relação de namoro: É um bocado agressivo... violento. Mas eu
sei que ele me ama, é a forma dele mostrar que me quer.
Repertório amor pragmático
O repertório amor pragmático é, também, partilhado por ambos os grupos, ainda
que menos frequente no discurso dos sujeitos com história de violência, que o
usam exclusivamente no final das narrativas. Neste repertório, conceptualizam o
amor sob uma perspetiva mais prática e calculada, sendo utilizado para
contrabalançar significações mais idealistas e proceder a uma reflexão
ponderada das experiências relacionais. A ideia de aprendizagem/amadurecimento,
após o balanço das experiências relacionais, é amplamente partilhada, bem como
a listagem de vantagens/desvantagens da relação e a listagem dos atributos
desejáveis do parceiro, que acarretem ganhos para o próprio. Além disto, inclui
uma visão mais flexível das relações, como a noção da vulnerabilidade do amor
às contingências da vida.
Um aspeto diferenciador no âmbito deste repertório é que os sujeitos sem
história de violência usam‑no ao longo_da_sua_história, em que referem a
análise ponderada das condições pessoais e materiais de ambos os parceiros para
avançarem e investirem na relação, ao contrário dos sujeitos com história de
violência, que o usam exclusivamente_no_final para proceder ao balanço do que
falhou na relação.
Sem história de violência, 28 anos, casada: Aquela fase de apalpar um
bocadinho o terreno e perceber se, de facto, é aquela pessoa. Depois analisar
as condições para um projeto de vida, de toda aquela fase que se prolongou
durante bastante tempo, de termos condições para o fazer
Sem história de violência, 42 anos, solteira: Perceber «isto é muito forte,
muito intenso, mas o mal que provoca é superior ao bem que alguma vez na vida
tirarei daquilo», até, de facto, se tomar a decisão de interromper este
relacionamento porque estava a tornar‑se complicado de gerir.
Vítima, 40 anos, divorciada: Percebi muito tarde que ele não ia mudar. Ele só
me fazia mal, muito mal. Era mais o sofrimento do que outra coisa qualquer.
Coisas boas... olha, nenhuma! Agora sou eu que estou em primeiro lugar. Deixei
de ser burra.
No caso dos agressores, é usado exclusivamente para dar sentido à rutura,
emergindo apenas nos que foram deixados pelas companheiras: a rutura da relação
é avaliada como sendo a melhor opção e há um foco nos benefícios que trouxe
para o próprio. Esta estratégia da ponderação dos ganhos permite‑lhes aceitar a
rutura e manterem‑se emocionalmente distanciados.Também nas vítimas é usado
para conceptualizar a saída ou equacionar essa possibilidade, sendo o
repertório que permite desconstruir a crença na mudança do parceiro e/ou da
relação e a tomar a decisão (ou equaciona a possibilidade) de sair da relação.
Agressor, 46 anos, divorciado: Olhe, o melhor momento que tive na vida é
agora! Sinto‑me livre! Era só discutimentos! Agora é um sossego.
Vítima, 45 anos, união de facto: O melhor futuro possível era eu separar‑me
dele, completamente. E ficar sozinha com os meus filhos... Eu só quero sair e
seguir com a minha vida. Aquele homem nunca vai mudar e eu também já não
quero.
Repertório amor game‑playing
É o repertório menos recorrente no discurso dos dois grupos (embora, menos
ainda, no discurso dos sujeitos com história de violência), associado
essencialmente à agência masculina, em que as relações são concebidas como um
jogo, envolvendo menor investimento emocional, intimidade e compromisso. Esta
forma relacional é conceptualizada por todos os participantes como não amor,
sendo associado essencialmente às conquistas sexuais, a relações fugazes e
passageiras, à noção de aproveitar o momento e adiar o compromisso. É de notar
que, embora muito escasso nos sujeitos com história de violência, é mais usado
pelos agressores do que pelas vítimas e, exclusivamente, utilizado como
contraponto_do_verdadeiro_amor, no sentido de reforçarem_o_seu_amor_pela
parceira_como_sendo_o_verdadeiro
Agressor, 43 anos, casado: Tive várias relações, mas só de um dia ou dois,
para passar tempo. Mas sem importância, sem compromisso. E elas sabiam, não
pedi nenhuma. Esta é que me agarrou, com ela foi diferente e pedi‑a.
Focando mais especificamente os jovens, há diferenças entre o discurso dos
jovens com história de violência e o dos jovens sem história de violência?
Os jovens com história de violência e os jovens sem história de violência
partilham do mesmo padrão de utilização e relevância dos repertórios mas, no
entanto, os jovens sem história de violência usam de forma mais flexível e
distribuída os diferentes repertórios. Isto é notório, por exemplo, no
repertório game‑playing que, sendo o menos utilizado por ambos os grupos, está
mais presente nos jovens sem história de violência (9,53%) do que nos jovens
com história de violência (1,33%).
Por outro lado, no que diz respeito às especificidades dos repertórios,
verifica‑se que os jovens com história de violência se diferenciam, não pela
amplitude e especificidade de significados (ambos revelam um leque de
significados mais restrito e partilham as mesmas significações), mas pela sua
maior vinculação aos significados que mais concorrem para a rigidez,
inflexibilidade e intransigência na vivência das relações amorosas: os ideais
românticos da exclusividade/prioridade da relação, da fidelidade, do amor
verdadeiro, do amor união/fusão; as construções apaixonadas do ciúme e da
violência como prova de amar de mais, do amor cego e irracional.
Por outro lado ainda, é de referir que os jovens com história de violência
tendem a recorrer mais aos significados que promovem uma atitude passiva e, até
disfuncional, na resolução dos problemas relacionais, tais como: a noção de que
o o amor basta para manter a relação, a expectativa que, principalmente a
rapariga, abdique e ceda por amor, e a noção do amor transformador que
sustenta a crença na mudança sem a adoção de estratégias ativas de mudança.
Por seu lado, os jovens sem história de violência também fazem uso destes
significados mas de forma menos rígida e menos dominante. Há que referir, no
entanto, que a intolerância à frustração dos ideais românticos e a ênfase na
incontrolabilidade das atitudes e ações pela intensidade do amor é similar. O
que distingue os jovens sem histórico de violência dos jovens com historial de
violência é o facto de não descreverem situações limite que os tenha levado à
adoção de comportamentos violentos. No entanto, verificamos que, quando estes
jovens perspetivam essa hipótese (como a infidelidade), não descartam a
possibilidade de ocorrer violência.
Sem violência, rapaz, 19 anos, sem relação: O pior era descobrir que era
traído. Nem sei o que faria... nem consigo imaginar. Compreendo que alguns se
passem... eu também me passava (sem violência, 19 anos, sem relação)
Agressor, 16 anos, saiu da relação de namoro: Saber que ela andava com
todos.... e quando a encontrei a falar com o rapaz que andava atrás dela,
passei‑me. Dei‑lhe um empurrão e disse‑lhe que não queria uma P***
Focando mais especificamente os sujeitos com história de violência, há
diferenças entre o discurso dos jovens e o dos adultos?
Contrastando o discurso dos jovens com o dos adultos com história de violência,
verifica‑se que os jovens apresentam algumas especificidades que os diferenciam
dos adultos.
No âmbito do repertório romântico, como já foi referido, identificou‑se o
sub‑repertório desencantado como específico dos sujeitos com história de
violência. No entanto, os jovens constituem a exceção, não estando presente nem
nas vítimas, nem nos agressores jovens. Os jovens, provavelmente por se
encontrarem na fase do estabelecimento das primeiras interações e práticas
amorosas, mantêm‑se imunes ao desencanto e à desilusão dos sonhos românticos.
Contrariamente aos adultos, muito focados na desilusão das expectativas
românticas, os jovens estão mais centrados na idealização da relação e na
expectativa da vivência de um grande amor e do final feliz, mantendo a crença
no encantamento do amor, apesar das más experiências e das situações de
violência.
Vítima, 52 anos, casada: O meu amor morreu. Já não acredito no amor. Tudo o
que sonhei não aconteceu. Desilusão...
Vítima, 20 anos, relação de namoro: Acredito no amor, que as pessoas podem ser
felizes. E o amor é a chave para a felicidade, ter uma vida a dois, filhos...
Outro aspeto diferenciador é o facto de os jovens agressores integrarem, no
repertório romântico, o tema da violência, aspeto que não se verifica nos
agressores adultos. Assim, no nosso entender, enquanto a perpetração da
violência nos agressores adultos parece colidir com a imagem idealizada do
herói romântico, pelo que o tema não é incluído quando recorrem a este
repertório, nos jovens a perpetração da violência não é dissonante com os
sonhos românticos (exclusividade/fidelidade, amor união/fusão): os jovens
integram a violência quando confrontados com a violação dos ideais românticos
(como as situações de infidelidade), que, por ter quebrado o guião do conto de
fadas, é legitimada e tolerada.
Agressor, 17 anos, saiu da relação de namoro: Ela estava com outro, eu vi‑a. O
meu mundo acabou, fiquei de rastos, chocado. Foi difícil vê‑la a trair‑me
quando eu a amava tanto. Discutimos e, na dor, bati‑lhe.
Assim, nos jovens, a associação entre o amor e violência surge essencialmente
no repertório amor romântico (quando não são corroboradas as expectativas
românticas da exclusividade/prioridade da relação, da fidelidade, do amor
união/fusão) e, também, no repertório apaixonado (noção do amor cego/irracional
e a forte intensidade emocional). Nos adultos, mais do que no repertório
apaixonado (sob o argumento da elevada intensidade emocional) e no repertório
romântico (descrição da violência como fonte de desencanto/desilusão, no caso
das vítimas), a associação amor/violência está mais patente no repertório
companheiro: abordam a falta dos valores companheiros na sua relação para
justificar a violência e procedem à sua prescrição para sustentar a manutenção/
recuperação da relação.
O repertório amor pragmático, pelos significados que inclui (modelo
economicista da relação, ponderação de vantagens e desvantagens, listagem de
atributos), é o menos compatível com a violência, sendo essencialmente
utilizado para conceptualizar a rutura e considerar o processo de tomada de
decisão acerca da permanência versus abandono da relação violenta. Neste
âmbito, os jovens distinguem‑se pela maior ambiguidade entre o sair e o ficar/
recuperar a relação, enquanto os adultos revelam posições mais restritas e
rígidas no processo de tomada de decisão e na consideração da rutura.
Por outro lado ainda, de uma forma geral, os jovens com história de violência
conseguem revelar maior versatilidade e flexibilidade no uso dos diferentes
repertórios, o que indica que ainda não apresentam discursos tão restritos e
cristalizados, ao contrário dos adultos, que restringem o seu discurso em torno
dos repertórios mais convencionais e integram os significados e modelos
relacionais mais rígidos e extremados, dificultando exponencialmente a
alternância entre os diferentes repertórios e a aceitação de perspetivas
alternativas.
Discussão dos resultados
Dos resultados descritos, há dois aspetos centrais que consideramos essenciais
discutir: (i) de que forma os repertórios interpretativos sobre o amor são
usados para facilitar e/ou para limitar o estabelecimento e a vivência de
relações de intimidade violentas; e (ii), considerando as particularidades
discursivas que distinguem os diferentes grupos de sujeitos, explorar
potenciais pontos de intervenção (preventiva e remediativa), diferenciados,
principalmente com os jovens.
Repertórios Interpretativos sobre o amor ' da facilitação à limitação da
violência
Como vimos, todos os participantes recorrem, em maior ou menor grau, aos cinco
repertórios, o que indica, por um lado, que se trata de grelhas interpretativas
consensuais e culturalmente partilhadas e, por outro lado, que os repertórios,
por si só, não determinam o estabelecimento de relações de intimidade violentas
ou não violentas, dado que estão presentes tanto nos sujeitos que têm como nos
que não têm história de violência. No entanto, identificámos diferenças no
padrão de utilização e na amplitude dos repertórios, pelo que consideramos que,
não sendo os repertórios, em si, que potenciam ou inibem a violência, há
padrões de conjugação e estruturação dos repertórios que podem facilitá‑la ou,
pelo contrário, inibi‑la.
Da análise dos resultados, sugerimos que a conjugação entre o repertório
romântico, o companheiro e o apaixonado, em concomitância com a escassez do
repertório_pragmático, parece ser a que mais facilita a legitimação e a
tolerância a práticas relacionais abusivas.
O repertório romântico, quando utilizado ao longo da toda a narrativa (ponto de
partida, projeção no futuro e, principalmente, na gestão da relação), limita os
sujeitos a formas relacionais convencionais, reforça expectativas românticas
idealizadas, restringe a identificação das dificuldades relacionais e
dificulta a adoção de estratégias adaptadas para as gerir/solucionar (pela
sustentação da crença de que o amor basta e da metáfora do amor vencedor e,
principalmente, pela persecução do guião tradicional como modelo).
Paralelamente, o repertório companheiro, quando usado essencialmente na fase
final da narrativa e centrado na adulteração ou na ausência dos valores que
o repertório prescreve (compreensão, acordo, entendimento, comunicação,
honestidade), dificulta paradoxalmente a aplicação desses valores e limita a
adoção de estratégias ativas de resolução (na medida em que se centra no que
falhou e culpabiliza o/a parceiro/a por não ter ou por adulterar os valores
companheiros, dificultando a corresponsabilização do próprio e,
consequentemente, a aplicação dos valores que prescreve). Além disto, sendo
usado como prescrição, mantém a crença na mudança e sustenta a manutenção/
investimento na relação, mesmo que insatisfatória ou violenta.
Em articulação com estes repertórios, o repertório apaixonado, ao acrescentar a
componente passional do amor à relação (a noção de amar de mais e
intensamente, a alteração do estado normal) sustenta a exasperação emocional e
facilita, exponencialmente, a adoção de práticas relacionais abusivas e
violentas, legitimadas e toleradas sob a conotação de manifestações de amor.
Concomitantemente, a escassez do repertório pragmático, que é o menos
conciliável com as relações insatisfatórias e com a violência, aumenta a
vulnerabilidade dos sujeitos ao envolvimento e à manutenção de relações
violentas ou abusivas. Delegado para o final das narrativas (i.e. após a
vivência de más experiências) e inexistente nas fases inicial e de investimento
na relação amorosa, não é utilizado para contrabalançar as construções mais
idealistas e extremadas dos outros repertórios, pelo que não há uma análise e
monitorização das condições dos parceiros e das vantagens/desvantagens de estar
na relação, desde o ponto de vista do próprio.
Por seu turno, os resultados apontam que a conjugação, entre o repertório
companheiro, o romântico e o pragmático, em concomitância com a menor
relevância do repertório_apaixonado, parece ser a que mais restringe e
dificulta a adoção de práticas relacionais abusivas(logo, a legitimação e
tolerância face à violência).
O repertório companheiro, sendo dominante ao longo de toda a narrativa e,
principalmente, na fase de desenvolvimento/aprofundamento da relação amorosa,
permite o foco na gestão das práticas e das dinâmicas relacionais de ambos os
parceiros, nomeadamente quando confrontados com dificuldades. Assim, facilita a
adoção, na prática, dos valores inscritos neste repertório (compreensão,
diálogo, procura de entendimento, companheirismo, amizade, reciprocidade),
diminuindo a probabilidade de conflitualidade, e promove a aplicação de
estratégias de resolução mais funcionais, minimizando os focos de conflito e
dificultando o recurso a comportamentos abusivos.
Paralelamente, o repertório romântico, usado exclusivamente como ponto de
partida e projeção no futuro, permite que, na gestão da relação, os ideais
românticos não deem lugar ao desencanto quando confrontados com dificuldades,
permitindo espaço às estratégias ativas de entendimento e de resolução
possibilitadas pelos outros repertórios (companheiro e pragmático), sem cair na
frustração extrema das expectativas românticas nem na exasperação emocional do
repertório apaixonado.
Um repertório fulcral, nesta conjugação que mais limita a violência, é o
pragmático, que, como vimos, pelas suas características, é o menos compatível
com a vivência/manutenção de relações insatisfatórias e com situações abusivas
ou de violência. O uso deste repertório na fase inicial ou no desenvolvimento
da relação amorosa (e não só no final, como balanço das experiências
negativas), por implicar uma análise e monitorização das condições e das
vantagens/desvantagens da relação, parece permitir a detecção de eventuais
problemas, possibilitando a adoção de estratégias de resolução mais
funcionais ou, havendo aspetos inconciliáveis, possibilitando a tomada de
decisão de abandonar a relação. Assim, este repertório assume extrema
relevância ao funcionar como balizador da relação amorosa e por não contemplar
significados que promovam a legitimação e a tolerância à violência, diminuindo,
assim, a vulnerabilidade dos sujeitos a relações abusivas.
Concomitantemente, a escassez do repertório apaixonado parece diminuir a
vulnerabilidade dos sujeitos a relações abusivas: ao ser usado apenas como
ponto de partida (a par do romântico) para descrever a ativação física e
emocional do amor, não é considerado na gestão/desenvolvimento da relação.
Assim, quando há o confronto com problemas relacionais, não há espaço para a
expressão mais intensa e alterada do repertório apaixonado, dificultando a
adoção e/ou legitimação de comportamentos menos ponderados (entre os quais, os
violentos).
Repertórios interpretativos sobre o amor ' possibilidades de ação e potenciais
pontos de intervenção
Os resultados que descrevemos fornecem‑nos pistas importantes para a
intervenção, quer remediativa quer preventiva. No âmbito da intervenção
remediativa, quer com vítimas como com agressores, consideramos que a
significação do amor e das relações amorosas deve constituir um tópico central.
Como vimos, o leque mais reduzido de significados, principalmente nos
repertórios romântico e companheiro, contribui para a adoção de posições mais
rígidas e práticas mais extremadas quando os valores, inscritos naqueles
repertórios, são quebrados ou quando surgem problemas relacionais, dando espaço
à violência passional e incontrolável, inscrita no repertório apaixonado.
Assim, a intervenção com as vítimas e com os agressores deve contemplar a
desconstrução das significações românticas e companheiras mais extremadas,
bem como a desmistificação da construção passional da violência. Só
desconstruindo estas noções base, se poderá reconstruir novas grelhas de
significados que não sejam conciliáveis com práticas abusivas e violentas no
contexto da intimidade e do afeto.
Um repertório fulcral parece ser o pragmático que, pelas suas características,
é o menos compatível com as relações insatisfatórias e com situações abusivas.
Assim, este repertório deve ser trabalhado, tanto com as vítimas como com os
agressores, dado que assume extrema relevância ao funcionar como balizador da
relação e por não incluir significados que promovam a legitimação e tolerância
à violência, dificultando a sustentação de práticas abusivas.
Além desta análise global, procedemos a contrastações mais específicas e
identificámos diferenças entre os jovens com história de violência e os adultos
com história de violência, indicando a necessidade de desenvolver intervenções
diferenciadas. Relembramos que os jovens recorrem mais ao repertório romântico
e ao apaixonado para conciliar a violência com o amor, enquanto os adultos
recorrem preferencialmente ao repertório companheiro.
Assim, os resultados indicam a necessidade de, nos jovens, focar a
desconstrução dos significados românticos (exclusividade/prioridade da
relação, fidelidade, amor união/fusão) e das noções apaixonadas do amor
(ciúme e violência como prova de amor, incontrolabilidade do amor intenso. Por
seu lado, nos adultos, os resultados remetem para a necessidade de desconstruir
e clarificar os valores companheiros, não negligenciando a desmistificação do
guião romântico como modelo, bem como a desconstrução do desencanto/
desilusão e do amor passional como estratégias discursivas de
desresponsabilização/tolerância perante a violência.
No âmbito do repertório pragmático, verificou‑se que os jovens revelam maior
ambiguidade na opção de sair ou ficar/recuperar a relação, enquanto os adultos
têm posições mais fixas. Esta ambiguidade dos jovens pode indicar a maior
probabilidade de se manterem ou regressarem à relação violenta, pelo que se
torna essencial trabalhar o processo de tomada de decisão e, se for o caso, o
processo da rutura.
Por fim, o facto dos jovens com história de violência, quando comparados com os
adultos com história de violência, revelarem maior diversidade e flexibilidade
no uso dos diferentes repertórios, indica que os jovens, mesmo envolvidos em
relações violentas, ainda não apresentam discursos muito rígidos e
cristalizados, maximizando o potencial da intervenção. Provavelmente, por se
encontrarem na fase da descoberta, exploração, desenvolvimento e aprendizagem
no âmbito emocional e relacional (Saavedra, 2011), constitui um público‑alvo
mais maleável e receptivo à mudança.
Como vimos, também os jovens sem história de violência partilham dos mesmos
significados idealizados e passionais dos jovens com história de violência,
bem como da intolerância à frustração dos ideais românticos e da noção da perda
do controlo do amor apaixonado: os jovens sem história de violência, quando
perspetivam a possibilidade da frustração dos ideais românticos (como a
infidelidade), não descartam a possibilidade de ocorrer violência. Isto aponta
para a necessidade de desenvolver ações preventivas junto dos jovens em geral,
dado que, como vimos, todos começam por usar as construções mais convencionais,
idealizadas e rígidas. Assim, tratando‑se de uma fase com grande potencial de
experimentação e aprendizagem (Saavedra, 2010), há que proporcionar‑lhes
oportunidades para co‑construírem grelhas interpretativas e guiões relacionais
que promovam relações funcionais, igualitárias e saudáveis.
Conclusões
Há uma diversidade de recursos culturalmente disponíveis para dar sentido ao
amor e à intimidade e a sua associação à violência é mais complexa do que,
habitualmente, a literatura supõe. A literatura na área tem enfatizado o papel
do amor romântico e do amor apaixonado para a associação amor/violência
(Fraser, 2003, 2005; Jackson, 2001; Wood, 2001). No entanto, o nosso estudo
indica que, além do amor romântico e do amor apaixonado, outras grelhas de
significação podem facilitar aquela associação (como é o caso do amor
companheiro ou, ainda, o caso do amor game‑playing que, como vimos, inclui
noções que remetem para a objetificação do parceiro e pode ocultar a violência
pelo facto das relações passageiras não serem, usualmente, consideradas
relações de intimidade ou de amor).
Além disto, verificámos que não são os repertórios em si, considerados
isoladamente, que promovem a violência mas a conjugação entre os diferentes
repertórios e os momentos em que são usados. Apesar das diferenças no padrão de
utilização/conjugação e na amplitude de significados, consideramos pertinente
realçar que, tanto os sujeitos com histórico de violência, como os sujeitos sem
este historial, partilham as mesmas grelhas interpretativas para significar o
amor e as relações de intimidade. Fazendo uma análise holística, verificamos
que as grelhas interpretativas são comuns, em que o guião romântico e os
valores/prescrições do amor companheiro assumem extrema relevância, e a
componente passional, ainda que mais expressiva nos sujeitos com história de
violência, não se dissipa, surgindo pontualmente.
Em nosso entender, as conceptualizações românticas e apaixonadas funcionam como
pedras basilares, onde os sujeitos começam por edificar as suas histórias ' o
que é corroborado pela nossa análise, verificando‑se que as idealizações
românticas e as reações apaixonadas são partilhadas por todos os sujeitos
como ponto de partida. Por seu turno, o companheirismo, sob a forma de valores
básicos, funciona como elemento de desenvolvimento e manutenção, sem deixar de
preservar a estrutura romântica e de, pontualmente, recuperar o colorido
apaixonado (principalmente em fases de transição da vida relacional, como o
divórcio ou uma nova relação).
Assim, concluímos que, apesar das diferenças já descritas, há uma partilha
consensual transgeracional (jovens e adultos) e trans‑historial (sujeitos com
história de violência e sem história de violência na intimidade),
principalmente do guião romântico e dos valores invioláveis do
companheirismo, cuja frustração é conceptualizada como fraturante. Assim,
concluímos que os discursos sobre o amor que podem facilitar, legitimar e
tolerar a violência não estão circunscritos à anormalidade, aos sujeitos
disfuncionais, aos perpetradores ou aos vitimizados. Pelo contrário, em maior
ou menor grau, estão presentes nos discursos de todos os sujeitos, nas
histórias comuns do quotidiano e são culturalmente partilhados. Isto implica
que nós, enquanto sociedade, temos que reconhecer, e refletir criticamente,
sobre o nosso papel na co‑construção do fenómeno de amar violentamente,
obrigando‑nos a sair da zona neutra ' de que a violência na intimidade é algo
que só diz respeito aos outros e que está nos outros, isto é, nos que agridem e
nos que são vitimizados. O amor violento faz parte do discurso social e
acarreta várias funções dentro dos discursos públicos e privados (como a
manutenção da estrutura social convencional, a preservação da família
tradicional, o reforço de relações de conjugalidade genderizadas e
assimétricas, a instrumentalização dos afetos para exercer dominação e
controlo). A sociedade em geral não pode demitir‑se do seu papel, sendo
necessário desconstruir muitos dos discursos sobre o amor, partilhados e
veiculados no dia‑a‑dia que, como vimos, têm utilidades específicas e podem ser
utilizados para legitimar e tolerar práticas abusivas e violentas na
intimidade.