Violência nas relações juvenis de intimidade: uma revisão da teoria, da
investigação e da prática
Introdução
A investigação científica sobre o tema da violência nas relações de intimidade
começou por privilegiar, durante cerca de duas décadas, o casamento/união de
facto enquanto principal objeto de estudo, negligenciando‑se outros contextos
relacionais, como as relações de namoro e ocasionais ou mesmo as relações
homossexuais. As dificuldades inerentes à própria definição do conceito de
violência e sua operacionalização, o difícil acesso dos investigadores à
população juvenil (e.g., necessidade de autorização dos pais) e a inexistência
de um estatuto legal, autónomo, alusivo à violência fora dos contextos maritais
(e.g., situação que condiciona quer a sinalização, quer o acesso desta
população aos serviços de apoio formais) constituem alguns impedimentos à
visibilidade social desta problemática e que, durante anos, contribuíram para a
sua ocultação, comprometendo, deste modo, a produção do conhecimento científico
neste âmbito.
Até aos anos oitenta, a extensão e gravidade deste fenómeno eram desconhecidas,
e só em 1981 surge um estudo pioneiro na área da violência na intimidade
juvenil, desenvolvido por Makepeace. Este estudo veio, assim, revelar que um em
cada cinco estudantes universitários era afetado por este problema e que 61% da
amostra revelava conhecer jovens com experiências de namoro abusivas. Desde
então assistimos a um aumento dos estudos de prevalência e das dinâmicas
violentas subjacentes a este tipo de relacionamentos.
Na origem desta extensão da investigação a outros contextos relacionais esteve
a administração de inquéritos de vitimação ou inquéritos sobre violência
auto‑relatada a largas amostras populacionais, tendo‑se constatado que a
violência não era exclusiva das relações maritais, mas que poderia iniciarse
em faixas etárias mais precoces. Os dados provenientes de diversos estudos
sugerem que a violência sofrida e/ou praticada por adolescentes poderá
situar‑se entre os 13% e os 42% (e.g., Luthra & Gidycz, 2006; Perry &
Fromuth, 2005). Um estudo mais recente (Miller, 2011) apurou que um em cada
quatro estudantes universitários estava envolvido em relações íntimas
violentas, tendo experienciado pelo menos um ato abusivo. Por sua vez, uma
revisão da produção científica internacional nesta área encontrou taxas de
prevalência (ofensores ou vítimas) que poderão ir desde os 12,1% (Henton, Cate,
Roval, Lloyd, & Christopher, 1983) até aos 72,4% (Aldrighi, 2004). Apesar
desta grande disparidade e variabilidade registada nos indicadores de
prevalência da violência, os quais têm sido atribuídos maioritariamente às
opções metodológicas e concetuais empregues pelos diversos estudos (e.g.,
ausência de uma definição clara de violência, o período temporal considerado, a
natureza da medida utilizada, o viés da amostragem) (cf. Caridade, 2011), é
consensual que a violência nas relações de intimidade entre os adolescentes e
jovens adultos encerra um problema social relevante e merecedor de atenção em
si mesmo. A análise dos diferentes estudos epidemiológicos realizados nesta
área comprova ainda que a violência nas relações de intimidade é um fenómeno
transversal às mais diversas culturas e grupos étnicos (Caridade, 2011).
Ao longo deste artigo, procedemos a uma descrição geral e alargada do estado
atual da investigação e do conhecimento teórico produzido acerca da violência
ocorrida nas relações de intimidade juvenil, quer no contexto internacional,
quer nacional. Na descrição da realidade portuguesa, daremos particular
destaque a um projeto de investigação intitulado Violência nas relações
juvenis de intimidade (com a referência: PTDC/PSI/65852/2006), desenvolvido em
território português e financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia,
sob a coordenação da segunda autora deste artigo, procurando‑se apresentar e
discutir alguns dos resultados e implicações dos mesmos para a prática
preventiva neste domínio. A concluir, procuraremos igualmente debater os novos
desafios para a investigação e intervenção futuras nesta área.
Perspetivas e modelos teóricos de compreensão da violência íntima juvenil
Pese embora a considerável investigação já produzida no domínio da violência
nas relações íntimas juvenis, verifica‑se um menor investimento no
desenvolvimento de abordagens teóricas explicativas da violência ocorrida neste
contexto relacional específico. Ainda que a literatura tenha vindo a
identificar um vasto número de variáveis que poderão predispor os jovens à
violência (e.g., Follingstad, Bradley, Laughlin, & Burke, 1999; Hickman,
Jaycox, & Aronoff, 2004), com particular destaque para a vitimação prévia
na infância, seja por violência direta ou indireta (exposição à violência
interparental), as atitudes legitimadoras da violência, o consumo de álcool e
outros fatores intra e interpessoais (e.g., baixa autoestima, depressão,
reduzidas competências comunicacionais), apenas um número muito reduzido de
investigadores procurou conceptualizar o problema da violência nas relações de
intimidade juvenil.
Na verdade, e não raras vezes, as abordagens teóricas que são evocadas para
compreender este fenómeno são as que foram elaboradas para explicar a violência
noutros contextos relacionais e que envolvem relações entre adultos (e.g.,
conjugalidade) com dinâmicas e contingências relacionais distintas (e.g., a
eventual dependência económica, a existência de filhos). Adicionalmente, as
parcas abordagens teóricas que surgem neste domínio não foram alvo de
comprovação empírica (e.g., Riggs & O'Leary, 1996) e não são utilizadas na
fundamentação dos programas de prevenção, limitando deste modo a eficácia dos
esforços preventivos e da intervenção em geral nesta área.
Uma revisão da literatura sobre as abordagens explicativas da violência nas
relações íntimas em geral (Dias, 2012) defende a existência de um percurso
evolutivo neste domínio, partindo‑se das abordagens mais individuais (teorias
intraindividuais), passando pelas dinâmicas e sistémicas (teorias
diádicas‑familiares) e culminando numa perspetiva mais abrangente que procura a
contextualização cultural do fenómeno (abordagens socioculturais).
Efetivamente, são múltiplas as correntes explicativas da violência íntima que
têm procurado deixar o seu contributo na elucidação deste fenómeno, mas as
quais se têm revelado insuficientes para explicar a violência íntima juvenil.
Estas diferentes abordagens poderão divergir consoante o contexto social
enfatizado (e.g., família, pares) e a ênfase dada a certas variáveis
estruturais, situacionais, culturais e psicológicas (Mahlstedt & Welsh,
2005). Não obstante, e ainda que no debate acerca dos fatores de risco se
procure discutir a importância da dimensão cultural da violência, é verdade que
predomina, essencialmente, literatura sobre os fatores mais centrados na
família e no sujeito individual. Passamos, de seguida, a apresentar, por ordem
da sua emergência histórica, as principais perspetivas e modelos teóricos mais
utilizados na explicação da violência ocorrida nas relações íntimas juvenis,
procedendose a uma revisão crítica dos mesmos.
As perspetivas intra‑individuais destacamse por terem sido as primeiras
explicações teóricas a dar o seu contributo na explicação da violência íntima
em geral. De uma forma muito genérica, estas abordagens para além de procurarem
compreender as ações dos agressores a partir das suas características
biológicas e psicológicas, procuram igualmente descrever a personalidade das
vítimas e a sua vulnerabilidade psicológica para a ocorrência do abuso (cf.
Hydén, 1995). Refira‑se, aliás, que alguns autores (Rensetti, 1994 cit. in
Sharpe & Taylor, 1999) preconizam mesmo que a compreensão da violência
íntima deve envolver a análise das diferenças ao nível das variáveis
individuais. Estas perspetivas centram‑se, fundamentalmente, nas experiências
precoces de violênciados indivíduos (e.g., exposição à violência interparental,
experienciação de abuso sexual na infância) aliada à presença de determinados
fatores situacionais (e.g., consumo de álcool, conflitos relacionais). A
violência nas relações íntimas juvenis surge, muitas vezes, percebida como
sendo consequência das atitudes individuais de cada um, da dificuldade que os
jovens possuem em resolver os conflitos relacionais, em que os ciúmes e a
dificuldade em controlar a raiva surgem como sendo as principais causas da
violência (e.g., Sugarman & Hotaling, 1989).
Ainda que um vasto corpo teórico privilegie o recurso a fatores individuais na
explicação da violência na intimidade (cf., Ismail, Berman, & Ward‑Griffin,
2007), ideia igualmente difundida no senso comum, estas explicações
intra‑individuais têmse revelado insuficientes e, por vezes, inadequadas na
compreensão do problema. Do nosso ponto de vista, privilegiar as explicações
internas, em detrimento de outras abordagens, poderá contribuir para uma
individualização do problema, escamoteando outros factores (e.g.,
socioculturais) que poderão desempenhar um contributo igualmente importante na
explicação deste fenómeno. Além disso, e pensando numa lógica preventiva, uma
ênfase nesta conceção individualista significaria que a sua erradicação
passaria apenas por uma questão de tratamento clínico dos agressores e das
vítimas, em detrimento de uma intervenção mais social (Matos, 2002) e de
carácter mais comunitário.
Dentro das perspetivas diádicas‑familiares, a noção de aprendizagem social
inerente à teoria intergeracional da violência é a que tem merecido mais
destaque pelos investigadores da área que têm procurado explicar este fenómeno
(Hines & Saudino, 2002). Esta abordagem sustenta que o comportamento de
cada indivíduo é determinado pelo ambiente em que este se insere,
particularmente pelos elementos da sua família, mediante mecanismos de
observação, reforço, modelagem ou coacção (Foo & Margolin, 1995). Nesta
linha de pensamento, uma criança que tenha sido exposta à violência
interparental ou que tenha sofrido maus tratos na infância apresentará maior
probabilidade de vir a reproduzir estes comportamentos e/ou de evidenciar uma
maior tolerância face a este tipo de práticas abusivas. A vitimação direta ou
indireta (exposição ao conflito interparental) poderá contribuir para a
aceitação deste tipo de práticas e, deste modo, a violência ser interpretada
como uma forma adequada de resolução dos conflitos (Riggs & O'Leary, 1996).
O recurso à violência pelos jovens expostos ao conflito familiar tem sido ainda
atribuído ao facto de estes associarem à violência interpessoal mais
funcionalidades positivas do que consequências negativas e, consequentemente,
desenvolverem expectativas positivas face ao comportamento violento (Foshee,
Bauman, & Linder, 1999). Por sua vez, outros autores defendem (e.g.,
Dutton, 1999) que a modelagem não se processa apenas ao nível das atitudes e
comportamentos, mas inclui também a modelagem de certas características de
personalidade que sustentam o abuso íntimo (e.g., tendência para externalizar a
responsabilidade, emoções desproporcionais face à rejeição/abandono). Por outro
lado, a modelagem de crenças legitimadoras da violência poderá não advir apenas
do seu testemunho direto ou indireto, mas também do papel da família enquanto
agente de transmissão de certos valores ideológicos e sociais (e.g., atitudes e
crenças sobre os papéis de género e a violência) promotores de condutas
violentas (Gelles, 1997).
Em suma, a noção de aprendizagem social da violência e o seu potencial em
termos da transmissão intergeracional proporciona também contributos
fundamentais neste âmbito, ao alertar para a importância dos contextos precoces
de socialização familiar e da influência dos pares no comportamento agressivo.
Contudo, há ainda situações para as quais este paradigma não nos proporciona
explicações suficientemente satisfatórias. De forma mais específica,
referimo‑nos às situações em que os jovens, ainda que tenham sido confrontados
com o drama da violência familiar, não assumem comportamentos violentos nas
suas relações de intimidade, ou ainda, os casos em que não tendo os jovens
experienciado qualquer tipo de violência na família, adoptam estratégias
maltratantes para com o(a) parceiro(a) amoroso(a). Tal tem conduzido à
emergência de algumas questões relevantes que deverão continuar a motivar a
investigação neste domínio (cf. Jackson, 1999): Como explicar e a que fatores
atribuir o facto de as pessoas inseridas em contextos violentos se mostrarem
adaptadas e funcionais, não registando experiências de vitimação e/ou
perpetração de abuso íntimo? Qual é a real motivação para o recurso à violência
em pessoas oriundas de contextos violentos? Qual é de facto a real influência
do agressor (seja masculino ou feminino) da família de origem sobre a agressão
feminina e masculina nas relações íntimas juvenis?
A ausência de evidências mais consistentes no domínio da transmissão
intergeracional da violência tem sido atribuída à existência de problemas
metodológicos, tais como o facto de a maioria da investigação empírica neste
âmbito se basear em relatos retrospetivos das experiências de violência
sofridas na infância, sendo esparsos os estudos de natureza prospetiva (Lichter
& McCloskey, 2004). Adicionalmente, o facto de muitos estudos recorrerem a
amostras de conveniência poderá influenciar os resultados, na medida em que as
experiências precoces de violência, as atitudes e as motivações destes
participantes são, muitas vezes, sujeitos a enviesamentos (e.g., a grande
maioria das amostras contém poucos participantes com características
antissociais) (Simons, Lin, & Gordon, 1998).
Outros contributos importantes na explicação do comportamento violento íntimo
derivam de modelos importados da área da criminologia. Em linhas gerais, os
estudos (e.g., Simons et al., 1998) desenvolvidos neste domínio conceptualizam
a violência íntima como a expressão de um padrão de conduta antissocial mais
geral, propondo que as pessoas que apresentam um comportamento de agressão
persistente para com o(a) parceiro(a) amoroso(a), têm grandes probabilidades de
ter uma história passada de envolvimento em outros comportamentos antissociais.
Além disso, as investigações no domínio da criminologia sustentam que a
ausência de práticas parentais efetivas, mais do que a agressão interparental
ou mesmo os maus tratos, constitui um importante factor precipitante da
violência na intimidade juvenil. Esta leitura estabelece, deste modo, o
fenómeno da violência como resultante da ineficácia parental e como tal não nos
providencia explicações para os casos de violência em que os seus
intervenientes (sejam vítimas ou agressores) são oriundos de famílias sem
historial de violência passada.
As perspectivas feministas, pioneiras no reconhecimento das influências
culturais na violência íntima, têm igualmente proporcionado contributos
importantes nesta matéria, enfatizando o papel das mensagens sociais e
culturais na normalização e aprovação da violência na intimidade (cf. Ismail et
al., 2007). Segundo estas perspetivas, a violência resulta de um conjunto de
valores patriarcais que se foram institucionalizando a vários níveis e sob
diferentes formas: ao nível macro‑social (e.g., sistema legal, instituições e
estruturas sociais), ao nível intergeracional (valores patriarcais transmitidos
de geração em geração), ao nível cultural (destacando‑se a este nível o papel
dos media na reprodução e reforço dos valores patriarcais) e ao nível
individual (o indivíduo incorpora os valores patriarcais, reproduzindo‑os no
seu quotidiano) (Marin & Russo, 1999).
Desta forma, a variação intercultural que existe na tolerância ao comportamento
violento perpetrado sobre a mulher (Nayak, Byrne, Martin, & Abraham, 2003)
está relacionada com a influência dos valores patriarcais em cada cultura (Bui
& Morash, 1999 cit. inBhanot & Senn, 2007). Alguns estudos
antropológicos (Counts, Brown, & Campbell, 1999) vão precisamente neste
sentido, ao verificar que a violência contra a mulher está relacionada com o
valor social que lhe é atribuído e com o seu estatuto social. O poder económico
masculino, o isolamento social da mulher, e as normas culturais que valorizam a
submissão e a castidade femininas desempenham também um importante papel na
promoção da violência.
Não obstante as inúmeras críticas que têm sido dirigidas às perspectivas
feministas, não podemos pois negligenciar o importante contributo destas,
sobretudo na análise da relação entre género e violência, ao sustentarem que o
sistema patriarcal promove as desigualdades de género, tornando possível a
emergência de múltiplas e inovadoras práticas interventivas (e.g.,
desconstrução de estereótipos culturais, constituição de grupos de auto‑ajuda,
centros de acolhimento para vítimas) (Matos, 2002).
Efetivamente, vários estudos têm vindo a assinalar a importância do género na
compreensão da violência, contudo a enorme controvérsia empírica em torno desta
relação permitenos afirmar que o género não explica por si só a violência.
Ainda que os padrões de vitimação e perpetração neste contexto relacional se
apresentem menos diferenciados em termos de género, comparativamente ao que se
verifica nas relações maritais, e embora alguns dos nossos resultados empíricos
pareçam apoiar a tese da paridade da violência (Machado, Caridade, &
Martins, 2010), a verdade é que esta está longe de ser uma leitura unânime
entre os diferentes estudos. Tal como alguns autores defendem (Johnson, 1995),
torna‑se necessário ponderar a possibilidade de existirem múltiplas formas de
violência entre os parceiros íntimos, sendo que algumas destas formas de
violência poderão ser simétricas em termos de género e outras não. Nesta lógica
de entendimento, a violência íntima não pode pois ser entendida como um
fenómeno unitário, antes pelo contrário deverá ser conceptualizada em função da
sua multiplicidade.
Atendendo às especificidades de que se reveste a violência na intimidade
juvenil, parece‑nos fundamental considerar diferentes níveis de compreensão
desta realidade, em detrimento de uma análise mais singular. Mais
concretamente, consideramos que a centralização num único modelo teórico poderá
conduzir a uma visão demasiado redutora na compreensão deste problema, até
porque, e tal como a literatura sustenta, vários fatores poderão interferir com
o entendimento que vítimas e agressores constroem das experiências violentas.
Face a tudo isto, entendemos que para melhor compreender, prever, e prevenir o
abuso nos relacionamentos íntimos juvenis é necessária a adoção de uma
abordagem compreensiva, complexa e de carácter multidimensional, seja em termos
individuais, interpessoais, estruturais e culturais.
Estado da arte sobre a violência nas relações íntimas juvenis
O incremento da investigação e do conhecimento teórico produzido sobre a
violência nas relações íntimas juvenis traduz uma maior sensibilização da
comunidade científica para a gravidade e dimensão do fenómeno e,
consequentemente, uma maior consciencialização social para este problema. A
investigação produzida neste domínio, sobretudo no que respeita à realidade
internacional, poderá sistematizar‑se em torno de três dimensões centrais, as
quais se foram desenvolvendo de forma progressiva e pela ordem que apresentamos
de seguida:
a) primeiramente, a caraterização da dimensão do fenómeno, procurando‑se
determinar a prevalência da agressão e vitimação dos diferentes tipos de abuso
ocorridos nos relacionamentos íntimos dos jovens. Ainda que se tenha
privilegiado o estudo da violência física, registando‑se um menor interesse
empírico em conhecer a extensão da agressão psicológica, na atualidade,
subsiste uma clara preocupação em analisar estas duas formas de violência,
considerando‑se a agressão psicológica como sendo um percursor de outras formas
de violência (e.g., Hydén, 1995). Também a agressão sexual tem vindo a suscitar
grande atenção por parte da comunidade científica internacional, sobretudo
junto dos jovens universitários, contexto onde se tem registado elevados
índices de violência sexual no namoro (cf. Martins & Machado, 2010). Esta
preocupação começa a estender‑se ao contexto português, sendo possível
identificar a existência de alguns estudos específicos neste domínio (e.g.,
Martins, 2012).
A relação entre vitimação, agressão e género tem sido o domínio de maior
atenção, suscitando grande debate e, por vezes, alguma polémica nesta área de
investigação. Os primeiros estudos neste domínio, nomeadamente o já
referenciado estudo pioneiro nesta área, começou por reportar elevados
indicadores de vitimação feminina e elevados indicadores de agressão masculina
à semelhança do apurado pelos estudos realizados em outros contextos
relacionais (conjugalidade). Assim, Makepeace (1981) apurou que as raparigas
tinham mais probabilidades de relatar experiências de vitimação e os rapazes
experiências de agressão. Com o progredir da investigação nesta área, outros
resultados foram emergindo e, na década de 90, vários estudos concluíram pela
existência de níveis similares de vitimação entre rapazes e raparigas (e.g.,
Follette & Alexander, 1992; Perry & Fremouth, 2005; Straus, 2004).
Estudos mais recentes desenvolvidos internacionalmente (e.g., Cercone, Beach,
& Árias, 2005; Windle & Mrug, 2009) e em território português
(Caridade, 2011), encontraram resultados mais ambíguos em termos de género,
face ao apurado inicialmente, sugerindo‑se, por exemplo, que os rapazes poderão
experienciar níveis mais elevados de vitimação ou aqueles em que as raparigas
admitem mais o recurso à violência.
No mesmo sentido e a título meramente exemplificativo, um estudo muito recente
(Jain, Buka, Subramanian, & Molnar, 2010) apurou que as raparigas (38%)
reportam mais facilmente o recurso a comportamentos violentos do que os rapazes
(19%). Um estudo intercultural que envolveu 32 países contemplando um total de
13601 participantes, comprovou que o padrão mais comum de violência é
bidirecional/recíproca, seguido da violência feminina e depois a violência
masculina (Straus, 2008).
b) o estudo dos fatores de risco suscetíveis de incrementar as condutas
violentas nas relações de intimidade é igualmente consistente e sólido (e.g.,
Chase, Freboux, & O' Leary, 2002; Glass Fredland, Jacquelyn, Michael,
Phyllis, & Joan, 2003; Gover, 2004; Lewis & Fremouw, 2001; O' Keefe,
1998), procurando‑se a sua diferenciação em função das características das
vítimas e agressores, os quais se podem organizar em seis dimensões centrais:
familiares, ambientais, sócio‑demográficos, intrapessoais, interpessoais e
situacionais (Caridade, 2011).
c) por fim, a linha de investigação que procura essencialmente promover a
conceção e implementação de programas de prevenção primária da violência junto
dos jovens (e.g., Hickman et al., 2004). Estes programas têm procurado,
essencialmente, promover a consciencialização da população juvenil acerca da
gravidade e do impacto da violência e fomentar relacionamentos saudáveis,
procurando diminuir a probabilidade dos jovens se tornarem, futuramente,
ofensores ou vítimas (Suderman, Jaffe, & Hastings, 1995). Ainda que haja já
alguma preocupação em aferir a eficácia destes programas de prevenção, esta
ainda não é uma realidade extensível a todos, nem amplamente praticada, algo
que urge corrigir (Caridade, Saavedra, & Machado, 2012).
No que respeita ao estudo dos efeitos da violência ao nível do ajustamento
psicossocial das vítimas mais jovens, a curto e a longo prazo, este é ainda
algo incipiente, denotando‑se um menor investimento científico neste âmbito.
Efetivamente, os múltiplos estudos que procuram analisar as implicações deste
tipo de condutas, centraramse inicialmente na saúde física e psicológica das
mulheres adultas agredidas, sendo reduzidos os estudos ao nível das
consequências para as vítimas masculinas e juvenis, bem como para os ofensores
(Glass et al., 2003).
A ênfase na violência marital e subsequente omissão da violência ocorrida em
outros domínios relacionais foi igualmente evidente no contexto científico
português. Não obstante este tardio interesse pelo estudo da violência nas
relações juvenis de intimidade, é hoje evidente o aumento progressivo e
sistemático da investigação neste domínio, sendo possível identificar no nosso
país um conjunto de estudos que têm procurado, maioritariamente mediante o
recurso a questionários ou inventários, caracterizar a prevalência da violência
na intimidade juvenil. Ainda que a grande maioria se centre na população
universitária e, portanto, nos jovens adultos, assistimos também à emergência
de outros estudos interessados em perceber como esta realidade se manifesta
entre os mais novos, recorrendo para isso a amostras de adolescentes ou
estudantes do ensino secundário (Machado et al., 2010).
Registamos ainda a emergência de outras linhas de investigação, as quais
procuram, mediante o recurso a outro tipo de metodologias (e.g., qualitativas),
contribuir para o aumento do conhecimento teórico neste domínio. Destacamos,
deste modo, os estudos que procuram analisar como as diferenças e mudanças
culturais podem influenciar as taxas e formas de violência na intimidade
(Machado & Dias, 2008) ou, ainda, explorar e compreender a articulação
entre os significados culturais do amor e as práticas relacionais violentas,
entre as quais, a violência nas relações de intimidade juvenil (Dias, 2012).
Decorrente deste investimento científico, é hoje possível, no plano social e
político, identificar a emergência de diversas alterações que refletem a maior
consciencialização para a gravidade deste fenómeno e a premência na
implementação de medidas preventivas do mesmo. Destacam‑se, assim, as mais
recentes alterações na lei, em que o crime de violência doméstica previsto no
artigo 152º do Código Penal passou a prever a eventual violência entre
namorados1 e ex‑companheiros, sejam casais heterossexuais ou homossexuais.
Paralelamente, as entidades públicas (e.g., Comissão para a Cidadania e
Igualdade de Género, autarquias, entre outras) ou mesmo as Organizações não
Governamentais e/ou Instituições Particulares de Solidariedade Social (e.g.,
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, União de Mulheres Alternativa
Resposta, Associação de Mulheres contra a Violência, e outros projectos
comunitários), que outrora privilegiaram o apoio imediato e remediativo,
dirigido às mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, começam agora,
e tendo por base os dados da investigação neste domínio, a desenvolver e
implementar esforços preventivos voltados para os grupos mais jovens (cf.
Caridade et al., 2012).
O projeto Violência nas relações juvenis de intimidade, sob a coordenação da
segunda autora deste artigo, surge precisamente num período em que se assistia,
em Portugal, a um incremento do interesse social e científico para o fenómeno
da violência nas relações de intimidade entre os jovens. Este projeto,
financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (com a duração de quatro
anos) surgiu tendo como objetivo reduzir a lacuna existente, na altura da sua
conceção, no conhecimento acerca da extensão e gravidade do fenómeno da
violência nas relações de intimidade juvenil. Este projeto pretendia assim
cumprir quatro grandes propósitos:
i) caraterização da prevalência da violência nas relações juvenis de
intimidade;
ii) caraterização das atitudes, crenças e discursos dos jovens sobre a
violência;
iii) identificação e avaliação crítica dos programas de prevenção da violência
na intimidade juvenil conduzidos em Portugal;
iv) e, ainda, o desenvolvimento, aplicação e avaliação da eficácia de programas
de prevenção neste âmbito.
De seguida e de forma muito sucinta2, procuraremos apresentar alguns dos
principais resultados obtidos pelos diferentes estudos desenvolvidos no âmbito
deste projeto de investigação e os quais deram origem a várias publicações
internacionais, nacionais, e ainda, teses de mestrado e doutoramento.
Ainda que na altura da implementação deste projeto existissem já alguns estudos
sobre a prevalência da violência nas relações de intimidade juvenis (Lucas,
2005; Paiva & Figueiredo, 2004), o estudo iniciado pela primeira autora
deste trabalho em 2004, no âmbito da sua tese de doutoramento, foi o primeiro a
recorrer a uma amostra alargada (recolhendo‑se dados em diferentes áreas
geográficas: desde a zona norte, centro, sul, incluindo também as ilhas, Açores
e Madeira) e que procurou envolver jovens de diferentes níveis de ensino. A
amostra final deste estudo integrou 4667 jovens com idades compreendidas entre
os 13 e os 29 anos, distribuídos pelo ensino secundário, profissional ou
universitário (Machado et al., 2010).
Neste estudo, e tomando o conjunto de participantes envolvidos em
relacionamentos íntimos juvenis, apurou‑se que 25,4% dos jovens relataram ter
sido vítimas de pelo menos um acto abusivo durante o ano anterior ao estudo e
30,6% assumiram adotar comportamentos violentos face ao seu parceiro atual
(Machado et al.,2010).
Ainda no mesmo estudo, foram avaliados os diferentes tipos de violência
praticados e sofridos pelos jovens nos seus relacionamentos íntimos atuais,
sendo que 19,5% relataram ter sofrido algum tipo de violência emocional, 13,4%
de violência física e 6,7% relataram sofrer violência física severa; por outro
lado, 22,4% admitiram ter exercido violência emocional sobre os seus parceiros,
18,1% perpetraram violência física e 7,3% admitiram recorrer à violência física
severa. Constatouse que, apesar do nível socioeconómico dos jovens não
influenciar os seus comportamentos de vitimação e perpetração, o mesmo não se
verificava quando se analisou o efeito das variáveis género, idade e
escolaridade. De forma mais específica, as raparigas admitiram níveis mais
elevados de agressão global, física e emocional, admitindo sofrer, por outro
lado, maior vitimação física. Foram os grupos etários mais velhos e que
frequentavam o ensino superior aqueles que mais relataram ter recorrido e terem
sido alvo de violência global e emocional, enquanto os jovens do ensino
profissional relataram sobretudo a agressões físicas e vitimação ao nível
físico e físico severo (Machadoet al., 2010).
Uma vez que este primeiro estudo de prevalência deu particular ênfase à
violência física e emocional, avaliando a violência sexual de forma muito
superficial (apenas inquirida num item do instrumento usado3) e dado que se
pretendia aprofundar o conhecimento neste domínio, foi projetado um outro
estudo de prevalência centrado nesta forma de violência específica e realizado
com uma amostra representativa de estudantes universitários (Martins &
Machado, em preparação).
Um segundo grande objetivo do projeto era investigar as atitudes dos jovens
acerca da violência nos relacionamentos íntimos juvenis, algo que foi
igualmente atendido pelos dois estudos de prevalência já referidos. De uma
forma geral, ambos os estudos (Machado et al., 2010; Martins & Machado, em
preparação) apuraram uma tendência geral dos jovens para a reprovação da
violência física, emocional e sexual em contextos de intimidade.
Não obstante, e no que diz respeito à violência física e emocional,
verificou‑se uma maior tolerância por parte dos elementos de sexo masculino, de
faixas etárias mais jovens, com menor escolaridade, de níveis socioeconómicos
mais desfavorecidos e com menos experiências relacionais (Machado et al.,
2010).
Ao nível das atitudes acerca da violência sexual verificou‑se um padrão
semelhante, com os jovens de sexo masculino e com menor escolaridade a
evidenciarem uma maior legitimação dos comportamentos sexualmente abusivos
(Martins & Machado, em preparação).
De forma a aprofundar as significações dos jovens acerca da violência em
relações de intimidade juvenil, e também na expectativa de clarificar a
contradição verificada entre comportamentos e atitudes registada nos dois
estudos de prevalência já referenciados, realizaram‑se ainda alguns estudos de
carácter qualitativo no âmbito do projeto que temos vindo a descrever, quer
através de focus‑group(Caridade, 2011), quer de entrevistas individuais (Dias,
Manita, & Machado, publicado nesta revista).
Assim, foram realizados nove focus‑group com jovens, três em cada nível de
formação em análise (ensino secundário, profissional e superior). Em cada nível
de ensino, um grupo era exclusivamente masculino, outro exclusivamente feminino
e o outro misto. Em termos gerais, os discursos dos jovens revelaramse
congruentes com as suas atitudes, exprimindo a condenação dos diferentes tipos
de violência e considerando esta problemática relevante na medida em que os
comportamentos violentos na intimidade juvenil são avaliados como comuns e
precursores da violência em relações de intimidade futuras (Caridade, 2011). No
entanto, uma análise mais detalhada concluiu pela existência de discrepâncias
entre esta posição geral e a aceitação da violência e sua desculpabilização em
certos contextos específicos. Mais concretamente, verificou‑se uma tendência
para a avaliação da violência sexual como rara e para a banalização da
violência emocional e de alguns atos de violência sexual entendidos como menos
graves. Acresce que a conceptualização que os jovens atribuem ao abuso surge
como sendo dependente da intenção do agressor, do contexto da agressão e do
impacto causado, procedendo‑se a uma maior desculpabilização do comportamento
violento quando aquele é atribuído à impulsividade e descontrolo do agressor,
quando este manifesta arrependimento, quando o abuso não ocorre em público e
quando daí não decorrem consequências físicas graves (Caridade, 2011).
Apesar dos jovens reconhecerem a existência de padrões de poder diferenciados
em função do género, associados à violência, tendem a enfatizar fatores
familiares, do grupo e do meio (e.g., experienciação e/ou exposição à violência
na família, influência do grupo de amigos), e características intrapessoais
(e.g., impulsividade, falta de autocontrolo, consumo de substâncias) como
causas da violência, prevalecendo também discursos culpabilizadores da vítima
em função da sua tolerância à violência ou da precipitação da mesma através de
comportamentos atuais e/ou prévios (e.g., vestuário, infidelidade).
Considerando a possibilidade dos discursos juvenis sobre a violência na
intimidade estarem enquadrados em discursos mais abrangentes sobre o amor, Dias
procedeu a uma análise comparativa entre o discurso dos sujeitos com história
de violência nas relações de intimidade e o discurso dos sujeitos sem história
de violência, tanto na população juvenil como na população adulta, tendo
emergido repertórios interpretativos para o amor tipificados pela autora em:
"amor romântico", "amor apaixonado", "amor
companheiro" e "amor desencantado" (Dias, Manita, & Machado,
em preparação).
Da realização de todos estes estudos, de índole qualitativa e quantitativa,
emergiu a constatação de números significativos de violência na intimidade
juvenil, aliados à persistência de significações e crenças que perpetuam a
genderização do poder e legitimam a violência. Reforçase, desta forma, a
necessidade de desenvolver e avaliar programas de prevenção nesta área, para o
que é fundamental conhecer e avaliar os esforços desenvolvidos até ao momento
no nosso país (Saavedra & Machado, no prelo).
A partir de uma revisão sistemática da literatura internacional acerca dos
programas de prevenção primária da violência nos relacionamentos íntimos
juvenis, foi possível constatar que os programas mais longos e mais focalizados
no treino de competências apresentam resultados mais promissores (Saavedra
& Machado, no prelo). No mesmo sentido, partindo de um inquérito (Saavedra
& Machado, no prelo) efetuado junto de entidades nacionais especializadas
no campo da violência doméstica, sobre as suas ações de prevenção primária
levadas a cabo, concluiu‑se que os esforços de prevenção desenvolvidos em
Portugal se afiguram, até ao momento de realização deste estudo, deveras
reduzidos, breves e, maioritariamente, adotando uma lógica informativa e
educacional (ibidem).
Findo este trabalho de análise e caracterização da cultura de prevenção nesta
área, quer no contexto internacional, quer nacional, procedeu‑se ainda à
implementação em Portugal do The Fourth R ' um currículo de prevenção universal
que se destina a prevenir a violência no namoro e os comportamentos de risco
associados (Saavedra, Martins & Machado, publicado nesta revista).
Por último e uma vez constatado o papel determinante que os pares desempenham
na vida dos jovens, sendo pelos próprios (sobretudo pelos rapazes) percebidos
como potenciais modelos e fontes de reforço da violência e fontes de eleição
dos jovens para partilharem as suas experiências abusivas amorosas (Caridade,
2011), procurou‑se ainda delinear um programa de prevenção por pares (Coelho
& Machado, em preparação).
Após a conclusão deste projeto de investigação, e uma vez observadas as
similaridades entre a violência ocorrida nas relações íntimas juvenis e a
violência ocorrida nas relações maritais, como o referenciado anteriormente,
procedemos ainda à realização de um estudo comparativo (Machado, Martins, &
Caridade, 2012). Tendo por base duas amostras de participantes distintas '
jovens envolvidos em relações de namoro e adultos envolvidos em relações
maritais, ' pretendiase: i) analisar e comparar as atitudes dos participantes
envolvidos em relações de namoro e relações maritais; ii) analisar e contrastar
a prevalência da violência perpetrada e sofrida, nas duas amostras; iii)
investigar as diferenças de género em termos de vitimação e perpetração,
atendendo ao tipo de contexto relacional. Para tal, participaram no estudo um
total de 3.716 participantes, com idades compreendidas entre os 15 e os 67
anos, e os quais responderam a dois questionários: um de atitudes e outro de
comportamentos. Em termos atitudinais, e pese embora a tendência geral dos
participantes para a reprovação da violência, os participantes de sexo
masculino e o grupo dos casados surgiram como sendo os mais legitimadores da
violência. Quando comparamos a violência ocorrida nos dois contextos
relacionais, e no que respeita ao padrão de agressão, os participantes
envolvidos em relações de namoro assumiram, comparativamente com os casados, o
maior recurso à violência física (16,4% e 12,8% respetivamente) e física severa
(8% e 4,7%, respetivamente). Em contrapartida, os participantes casados
assumiram recorrer mais frequentemente aos comportamentos emocionalmente
abusivos (26% contra 21% registados no namoro). De igual modo, a vitimação das
diferentes formas de violência estudadas é assumida mais frequentemente pelos
casados, especialmente a vitimação emocional. Para ambos os contextos
relacionais, foram detetadas diferenças de género, em termos de vitimação e
agressão: nas relações de namoro, os rapazes admitiram o maior recurso à
violência física severa (11,9% contra 5,6% registado pelas raparigas) e as
raparigas assumemse como sendo as principais vítimas deste tipo de violência
(9,5% contra 6,2% registado nos rapazes). Para as outras formas de violência
estudadas neste contexto relacional (global, emocional e física) não se
verificaram diferenças de género. Nas relações maritais, e no que ao padrão de
agressão diz respeito, registou‑se grande paridade de género para as diferentes
formas de violência estudadas (a agressão global foi admitida por 31,8% dos
homens e 28,7% das mulheres; a violência física por 13,6% dos homens e 12,1%
das mulheres; a violência emocional por 27,4% dos homens e 24,8% das mulheres),
algo que poderá eventualmente deverse às características da amostra (população
normativa). Já no que respeita à vitimação, as mulheres, comparativamente com
os homens, surgem como sendo as mais vitimadas pela violência em termos gerais
(33,7% vs. 27,3% registados, respetivamente), física (16% vs. 9,7%,
respetivamente), física severa (12% vs. 3,3%, respetivamente), e emocional
(30,2% vs. 24,7%, respetivamente) (Machado et al., 2012).
Conclusão: Novos desafios para a investigação e intervenção
A análise da literatura permitenos, assim, concluir que a violência nas
relações de intimidade não é uma experiência incomum entre os jovens, sendo na
atualidade amplamente reconhecida como uma problemática de dimensões
preocupantes e efeitos alarmantes, não somente a nível individual mas em toda a
esfera social. Os estudos empíricos que desenvolvemos neste domínio, e que
corroboram os dados da investigação internacional, demonstram que as faixas
etárias mais jovens não estão imunes a este problema, sugerindo, quer a
existência de indicadores significativos de vitimação e agressão, quer a
manutenção de discursos legitimadores deste tipo de violência.
Face a estas evidências e não obstante o já documentado progresso em termos de
investigação neste domínio, parecenos fundamental que se continue a apostar no
desenvolvimento de estudos que possibilitem expandir a nossa compreensão do
problema em causa, razão pela qual passamos a sugerir algumas pistas e/ou
desafios para a investigação futura nesta área.
Desde logo, no plano da prevalência do fenómeno, destacamos a necessidade de
garantir a possibilidade de generalização dos dados à população juvenil
portuguesa, com uma distribuição mais equitativa dos participantes entre as
diferentes regiões, de diferentes contextos formativos, incluindo‑se igualmente
jovens fora do sistema de ensino.
Atendendo à existência de evidências que comprovam que a violência nas relações
íntimas juvenis constitui um preditor da violência marital e que o padrão de
violência marital poderá estabilizar‑se durante o período do namoro (e.g.,
Frieze & Brown, 1989), parece‑nos ser também de grande interesse o
desenvolvimento de estudos longitudinais que procurem comparar padrões
evolutivos de violência no sentido de melhor clarificar estas questões.
Um dos dados mais interessantes da investigação sobre a violência nas relações
de intimidade juvenis reside na contradição entre a elevada prevalência das
condutas abusivas adotadas pelos jovens e a aparentemente reduzida aceitação
social da violência. Os resultados obtidos no âmbito deste projeto de
investigação comprovam isto mesmo: ainda que os jovens, genericamente, afirmem
reprovar a violência, registam‑se taxas de prevalência claramente superiores às
dos casais adultos, algo que é de facto preocupante. Parece subsistir, assim,
uma discrepância entre aquilo que são as práticas/comportamentos e as crenças/
atitudes dos jovens. A exploração desta questão, mediante a realização de
grupos de discussão, confirma esta tendência dos jovens para contestarem a
violência, num plano mais global. Sobressai, contudo, uma tendência para os
jovens identificarem situações de exceção em que a violência é considerada
legítima (e.g., quando ocorre em privado; de forma impulsiva; quando assume
menor gravidade; quando é percebida como decorrente da psicopatologia do
agressor ou quando seguida de desculpas) (Caridade, 2011). É uma realidade que
os esforços de prevenção se têm multiplicado, promovendo uma maior
consciencialização dos jovens para estas dinâmicas e para a contestação social
desta realidade. Parece subsistir, contudo, um problema da excecionalidade '
Ok, a violência é errada mas em certas situações é aceitável, legítima
(Machado, 2010, pág. 4), fundamentando‑se, deste modo, a necessidade em
clarificar esta incongruência detetada entre atitudes e comportamentos,
nomeadamente, o entendimento dos mecanismos cognitivos e emocionais utilizados
para justificar a violência.
A investigação científica nacional nesta área tem privilegiado o recurso ao
auto‑relato dos inquiridos, pelo que consideramos ser de extrema relevância a
utilização de outros métodos de recolha de informação (e.g., entrevistas
individuais aprofundadas, entrevistas com pares de namorados, grupos de
discussão, exposição a situações de conflito relacional seguido de role play) e
que possam proporcionar um conhecimento mais aprofundado desta realidade. Tal
sugestão prende‑se, essencialmente, com o facto da violência nas relações
íntimas juvenis constituir uma experiência pessoal, privada, e frequentemente
acompanhada por sentimentos de culpa, o que, não raras vezes, condiciona os
relatos dos inquiridos, promovendo o sub‑relato deste tipo de experiências.
Assim, no plano qualitativo, parece‑nos fundamental a análise das experiências
diretas dos jovens com a violência íntima, quer enquanto vítimas, quer como
agressores. A realização de entrevistas individuais aprofundadas com jovens com
estas experiências permitir‑nos‑ia, é nossa convicção, avançar também e de
forma significativa na compreensão das contradições verificadas entre atitudes
e comportamentos, como já referenciado. Do mesmo, consideramos que a realização
destas entrevistas individuais poderão fornecer mais elementos para a
compreensão da relação entre género e violência, por exemplo, elucidando os
contextos e motivações da violência feminina.
Quer para aprofundar a questão do género, quer para melhor compreender a
violência juvenil em termos gerais, importa também conhecer os contextos em que
a violência é praticada por cada um dos parceiros (e.g., auto‑defesa, controlo
do parceiro amoroso, expressão de raiva), a influência do consumo de álcool nos
comportamentos violentos (ao nível da vitimação e perpetração), as reações da
vítima às agressões e o impacto da violência (no relacionamento amoroso e nos
agentes envolvidos). De igual modo, urge compreender se e a quem os jovens
relatam estas situações, em que circunstâncias o fazem e o que os demove de as
denunciar.
Importa ainda perceber como a dimensão cultural poderá influenciar a construção
social do género e dos relacionamentos violentos. Neste âmbito, alguns autores
alertam para a necessidade de se apostar na investigação cultural sobre a
violência e o amor, mediante a análise aprofundada dos discursos dos jovens,
quer os que estejam envolvidos em relações violentas, quer jovens isentos de
experiências abusivas, procedendo‑se à sua contrastação. Defendem, deste modo,
a necessidade de se identificar e analisar os discursos que podem limitar e/ou
promover relacionamentos saudáveis (Dias, 2012).
Atendendo a que investigação nesta área se centra, maioritariamente, nos jovens
individualmente considerados, seria igualmente importante que os estudos
procurassem contemplar nas suas amostras pares de namorados, o que nos iria
permitir, por um lado, obter estimativas mais precisas sobre a frequência da
violência, dado que há estudos que comprovam que os sujeitos individuais tendem
a subestimar a frequência da violência e, por outro lado, iria permitir reduzir
as discrepâncias entre os dados obtidos entre casais e indivíduos. Tal é
particularmente pertinente se considerarmos que os parceiros amorosos, regra
geral, tendem a definir e a interpretar os comportamentos amorosos de forma
distinta e, como tal, analisar os relatos de um só membro da relação não
permite aceder às perceções e atitudes do outro membro.
Uma outra tendência registada na investigação neste domínio relaciona‑se com o
facto de se incluírem nos estudos apenas relações formais e casais
heterossexuais, descurando‑se outro tipo de vínculos relacionais não formais
(casos de divórcio, separação) ou mesmo as relações homossexuais. A título
exemplificativo, Brown e Bulanda (2008) defendem que as relações de coabitação,
mas em que não há formalização do vínculo relacional (uniões de facto), se
afiguram mais violentas comparativamente com as relações maritais, existindo
uma maior probabilidade de as mulheres reagirem violentamente contra os seus
parceiros e de serem mais vitimadas por estes. Atendendo a que a violência nas
relações de intimidade se afigura como um fenómeno transversal a diferentes
contextos relacionais (namoro, casamento, coabitação), justifica‑se a
necessidade da investigação se estender a outros contextos relacionais, no
sentido de promover o desenvolvimento e implementação de programas mais
adequados às diferentes realidades.
Por último, não será também de negligenciar o papel preponderante que os mass
media ocupam na vida dos jovens, seja através da televisão, filmes, revistas,
jogos de vídeo,internete respetivas redes sociais, pelo que importa igualmente
perceber que influência poderão ter no recurso à violência nas relações íntimas
juvenis, à semelhança do que já existe para outros comportamentos de risco
adotados pelos jovens (e.g., consumo de substâncias, comportamentos sexuais de
risco) (Manganello, 2008). Tal é particularmente pertinente porque quando os
jovens são inquiridos acerca das causas para a violência nas relações íntimas,
reconhecem a influência dos media(pornografia, filmes) como sendo um factor
precipitante de determinadas atitudes, conhecimentos e comportamentos (Lavoie,
Robitaille, & Hebert, 2000).
Em matéria de prevenção neste domínio, parece‑nos fundamental sublinhar que
ainda que as lógicas de sensibilização para o problema se afigurem importantes
e fundamentais, são claramente insuficientes para combater este fenómeno de
grande complexidade social. Urge, portanto, a necessidade de os esforços de
prevenção progredirem para intervenções mais prolongadas no tempo (Caridade et
al., 2012).
O papel primordial da escola no desenvolvimento dos jovens, na promoção de
múltiplas aprendizagens, na formação das primeiras relações de intimidade, mas
também na disseminação de determinadas condutas violentas, converte‑a num
espaço privilegiado de ação junto dos jovens e, indiretamente, junto de
diversos elementos da comunidade, tornando os esforços preventivos mais
abrangentes e articulados. Neste sentido, consideramos, pois, a necessidade de
perceber os jovens não como meros alvos de intervenção passivos, mas como
potenciais agentes ativos de mudança, capazes de interiorizar nova informação e
desconstruir mitos, de adquirir competências e utilizá‑las adequadamente, e de
refletir sobre os efeitos benéficos ou prejudiciais dos seus comportamentos,
tomando assim decisões responsáveis com repercussões em todo o seu mundo
relacional.