Relacionamentos íntimos juvenis: Programa para a prevenção da violência
Prevenção da violência nos relacionamentos íntimos
O foco de interesse na prevenção da violência nos relacionamentos íntimos
sofreu profundas alterações desde 1980. Os primeiros esforços de prevenção
centravam‑se principalmente nas relações de casamento ou de união de facto,
incluindo numa fase posterior a análise de mulheres separadas ou divorciadas e,
finalmente, relações de namoro e relações entre casais do mesmo sexo (Hickman,
Jaycox, & Aranoff, 2004). Além disso, de acordo com Wekerle e Wolfe (1999),
os primeiros programas de prevenção da violência no namoro dirigidos a
adolescentes parecem ter sido uma adaptação forçada de programas previamente
concebidos para a população adulta, sobretudo, no que concerne ao conteúdo, às
dinâmicas utilizadas e aos instrumentos selecionados para a avaliação do
impacto.
Atualmente parece haver algum consenso na percepção de que a adolescência é uma
fase de desenvolvimento propícia ao investimento em esforços preventivos. O
facto de os padrões de agressão não estarem ainda estabelecidos e de serem
considerados ainda em processo experimental pode fornecer uma janela de
oportunidade para intervenções, de forma a fortalecer comportamentos
interpessoais mais ajustados (Wekerle & Wolfe, 1999). Inicialmente focados
na intervenção individual, os programas de intervenção nesta área estão
actualmente bastante atentos à inclusão do contexto social e ambiental dos
indivíduos, particularmente a família e a comunidade, uma vez que os
comportamentos positivos ou negativos dos jovens podem ter lugar nestes
diferentes contextos (Burt, 2002). Por outro lado, a ocorrência de
comportamentos de risco juvenis sugere que as intervenções devem ser conduzidas
não só para a redução dos comportamentos de risco mas, concomitantemente, para
a promoção de fatores protetores e de desenvolvimento saudável (Catalano,
Hawkins, Berglund, Pollard, & Arthur, 2002; Matos, 2008).
Existem dois programas preventivos no domínio da violência no namoro
frequentemente referenciados em estudos comparativos, pela sua qualidade
técnica e metodológica (cf. Cornelius & Resseguie, 2007; Whitaker et al.,
2006; Whitaker, Baker, & Arias, 2007; Saavedra & Machado, no prelo): o
programa Safe Dates (Foshee et al., 1998; Foshee et al., 2004; Foshee, Bauman,
& Greene, 2000) e o Youth Relationship Project(Wolfe et al., 1996; Wolfe et
al., 2003).
O programa The Fourth R(Wolfe, Jaffe, & Crooks, 2006), apesar de ainda se
encontrar ausente dos estudos comparativos, uma vez que se trata de um esforço
preventivo mais recente, foi igualmente reconhecido pelas autoras (Saavedra
& Machado, no prelo) como um dos programas mais promissores nesta área. A
sua abordagem integrada da tríade de comportamentos de risco mais
preponderantes na adolescência (violência entre pares e no namoro,
comportamentos sexuais de risco e abuso de substâncias), a sua estrutura
teórica e a sua metodologia de avaliação experimental, levou as autoras a
considerar que este programa era um modelo que devia ser replicado. Os
resultados preliminares do The Fourth R devem, no entanto, ser cuidadosamente
considerados, uma vez que refletem alterações ou ganhos no conhecimento e
maior consciência face à violência nos relacionamentos, saúde sexual, e consumo
e abuso de substâncias, e auto‑relato da agressão relacional, mas não refletem
alterações no comportamento per se (Wolfe, Crooks, Chiodo, Hughes, &
Jaffe, 2005, p. 11, tradução realizada pelas autoras). Por outro lado, foram
percebidos ganhos superiores no grupo dos rapazes comparativamente com as
raparigas em algumas áreas, em particular, nas atitudes e comportamentos
relacionados com a agressividade e a violência relacional (ibidem, p. 11,
tradução realizada pelas autoras). Uma análise realizada dois anos e meio após
a implementação, demonstrou uma redução da violência física no namoro, em
comparação com um grupo de controlo, o que constitui sem dúvida um resultado
positivo mas, uma vez mais, os resultados apontaram para um maior impacto no
grupo dos rapazes do que nas raparigas (Wolfe et al., 2009).
Em virtude dos efeitos encorajadores do The Fourth R, e à recomendação presente
na literatura, passaremos à descrição do processo de tradução e adaptação deste
programa para o contexto português, apresentando posteriormente os resultados
preliminares da sua implementação.
The Fourth R ' a implementação em Portugal
A versão adaptada do The Fourth, o Programa 4,é composta por 28 sessões,
estruturadas nos seguintes módulos: (i) Relacionamentos saudáveis, (ii)
Crescimento e sexualidade saudáveis, (iii) Consumo e abuso de substâncias, e
(iv) Igualdade de género. Cada unidade integra sete sessões. As dimensões
nucleares deste programa são, como o nome sugere, quatro: violência entre pares
e no namoro, comportamentos sexuais de risco, consumo e abuso de substâncias e
igualdade de género. Em comparação com a versão original, foram adicionadas
sete sessões ao The Fourth R, que corresponde à Unidade 4 ' Igualdade de
Género. A inclusão desta unidade está associada à Tipologia do financiamento na
qual a implementação portuguesa foi incluída (Eixo 7: Igualdade de Género),
tendo sido autorizada pelos autores do programa original.
Durante a implementação‑piloto do programa, as atividades foram desenvolvidas
na disciplina Área de Projeto, uma aula semanal de 90 minutos, ao longo de
todo o ano letivo. A versão portuguesa do programa não diverge dos pressupostos
do The Fourth R original. Os objetivos gerais que suportam esta intervenção
estão focados, como previamente definido pela equipa do The Fourth R, na
informação, atitudes, valores dos adolescentes e na aprendizagem e treino de
novas competências (Wolfe et al., 2005).
Objetivo do estudo
O objetivo específico deste estudo foi avaliar o impacto de um programa de
prevenção da violência no namoro (o 4d ' a tradução e adaptação portuguesa do
The Fourth R), desenvolvido junto de adolescentes em contexto escolar, ao nível
do seu conhecimento, atitudes, comportamentos e intenções de comportamento em
contextos relacionais.
Método
Amostra
Este estudo foi conduzido numa escola no norte de Portugal, entre setembro de
2008 e junho de 2009. Esta escola‑piloto foi considerada pelo Ministério da
Educação como um território educativo de intervenção prioritária, comummente
designadas como escolas TEIP, caraterizada por elevadas taxas de retenção e
fracos resultados escolares e uma vez que está inserida numa comunidade pobre e
multi‑problemática.
A comparação entre o grupo de intervenção e o grupo experimental foi realizada
através do método quasi‑experimental. A distribuição dos alunos pelos dois
grupos não foi realizada de forma aleatória, sendo que o critério de inclusão
dos estudantes neste estudo foi a sua frequência no 9º ano de escolaridade de
uma das quatro escolas envolvidas no estudo. As escolas foram selecionadas com
base na sua disponibilidade em participar neste estudo e em assegurar as
condições necessárias para a implementação do programa.
A amostra total do estudo é constituída por 220 estudantes, 113 (51.4%) no
grupo de intervenção e 107 (48.6%) no grupo de controlo (Md = 2). O grupo de
intervenção (GI) é composto por 42 (37.2%) raparigas e 71 (62.8%) rapazes (Md =
2), com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos, tendo uma média de 14.5
(DP = .84) e o grupo de controlo (GC) por 46 (43.0%) raparigas e 61 (57.0%)
rapazes (Md = 2), com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos, tendo uma
média de 14.5 (DP = .84).
A comparação entre os grupos de intervenção e de controlo permitiu‑nos afirmar
a inexistência de diferenças entre os dois grupos ao nível da variável sexo (c2
(1) = .38, p> .05), idade (t(218) = .42, p> .05), bem como ao nível dos valores
das dimensões centrais, incluindo atitudes em relação a violência psicológica
masculina, violência física masculina, violência sexual masculina, violência
psicológica feminina, violência física feminina, violência sexual feminina,
estratégias abusivas de resolução de conflitos em relação a outros, estratégias
positivas ou não abusivas de resolução de conflitos em relação a outros e
conhecimento sobre relacionamentos.
Dos 220 estudantes que integraram a amostra inicial, 168 (76.4%) completaram o
pós‑teste (88.5% daqueles incluídos no grupo de controlo), mas apenas 56
(25.5%) completaram as 3 fases de avaliação (pré‑teste, pós‑teste e follow‑up).
O reduzido valor de participação no follow‑up foi justificado, em vários casos,
pela transferência de escola por parte do aluno.
Por outro lado, e uma vez que este grupo final tinha características de idade,
sexo, conhecimento, atitudes e características comportamentais que diferiram da
amostra inicial, incorrendo‑se no potencial enviesamento da avaliação do
impacto, a opção foi a análise da intervenção apenas no pré e no pós‑teste.
Instrumentos
Experiências anteriores de avaliação de programas de prevenção em contexto
escolar (Saavedra & Machado, 2007; Saavedra & Machado, no prelo)
demonstraram desvantagens na utilização dos questionários em suporte papel,
sobretudo no que concerne aos elevados custos inerentes à reprodução dos
instrumentos e ao volume de trabalho associado à inserção da informação em
suporte informático. O desenvolvimento de um questionário online teve como
objetivo ultrapassar estas desvantagens. Neste estudo foram utilizados três
instrumentos: (1) Relacionamentos ' mitos e factos (Saavedra & Machado,
2008); (2) Escala de atitudes acerca da violência (Price, Byers, & Dating
violence research team, 1999; Adaptação portuguesa: Saavedra, Machado, &
Martins, no prelo); (3) Inventário de conflitos nos relacionamentos de namoro
entre adolescentes (Wolfe et al., 2001; Adaptação portuguesa: Saavedra,
Machado, Martins, & Vieira, 2011).
O questionário Relacionamentos ' mitos e factos é composto por cinco afirmações
que os sujeitos deverão identificar como sendo Mitos (afirmações falsas) ou
Factos (afirmações verdadeiras).
A Escala de atitudes acerca da violência é um instrumento de auto‑relato, com
um total de 76 itens organizados em três subescalas de atitudes face à
violência masculina no namoro e três subescalas face à violência feminina no
namoro, medindo as atitudes dos sujeitos relativamente à violência psicológica,
física e sexual nestas relações. Trata‑se de uma escala com elevado nível de
consistência interna (alpha de Cronbach da escala total é de 0.94).
O Inventário de conflitos nos relacionamentos de namoro entre adolescentes é
também um instrumento de auto‑relato constituído por 35 itens que permitem
avaliar a utilização de estratégias de resolução de conflitos positivas (ou não
abusivas) e abusivas nos relacionamentos de namoro entre adolescentes,
utilizadas pelo próprio(a) e pelo parceiro(a). O valor e consistência interna
do inventário avaliado pelo alpha de Cronbaché de 0.90.
Procedimentos
Os questionários online foram preenchidos na presença de um membro da equipa do
projeto. Os procedimentos para esta aplicação foram estandardizados e
previamente treinados.
No grupo de intervenção, o pré‑teste foi aplicado uma a duas semanas antes da
intervenção, enquanto o pós‑teste foi aplicado uma semana após o final da
intervenção, e o follow‑up cerca de doze meses após o final da intervenção. No
grupo de controlo, os questionários foram preenchidos nos mesmos períodos.
Neste grupo, não foi conduzida nenhuma intervenção planeada entre o pré‑teste e
o pós‑teste.
Descrição da intervenção
As principais áreas de ação, quer na versão original do programa quer na sua
versão modificada, incluem a clarificação de valores, o fornecimento de
informação para uma tomada de decisão informada e uma componente estruturada de
competências de desenvolvimento (Wolfe et al., 2005; Wolfe et al., 2006).
Entende‑se que a prestação de informação e a aprendizagem de competências, em
conjunto com a possibilidade de conduzir extensas discussões e antecipar as
consequências de diferentes comportamentos possam conduzir à clarificação de
valores e limites para jovens e espera‑se uma maior motivação para a adoção de
comportamentos saudáveis. No entanto, é essencial não ignorar o que os jovens
entendem como consequências positivas de comportamentos de risco. É
precisamente uma reflexão dos prós e contras das várias alternativas
comportamentais que irá permitir uma tomada de decisão informada e responsável
de cada um pelas suas escolhas (ibidem).
Tal como mencionado anteriormente, cada unidade inclui sete sessões organizadas
do seguinte modo (ver quadro_1):
Esta implementação, de acordo com o descrito no quadro_1, perfaz uma duração de
aproximadamente 37 horas (21 sessões de 90 minutos das unidades 1, 2 e 3 e 7
sessões de 45 minutos).
Resultados
Impacto da intervenção
De seguida são descritos os resultados da análise detalhada do impacto do
programa no grupo de intervenção e do grupo de controlo em dois períodos de
avaliação ' pré‑teste e pós‑teste ' nos seguintes domínios: a) conhecimento
sobre relacionamentos b) atitudes em relação a violência no namoro, e c)
estratégias de resolução de conflitos nos relacionamentos de namoro. Note‑se
que em virtude de terem sido realizados testes t simultâneos, de acordo com a
correção de Bonferroni,o ponto de corte de p será .025 para a análise do
impacto da intervenção no conhecimento, .004 para a análise das atitudes e
.0125 para a análise das estratégias de resolução de conflitos.
Conhecimento sobre relacionamentos
No geral, no grupo de intervenção, o número de respostas corretas foi
significativamente superior no pré‑teste (M= 3.47, DP= .92) do que no pós‑teste
(M= 2.98, DP= .92, t(98) = 4.33, p < .025, r= .40). No grupo de controlo os
resultados seguiram a mesma tendência (pré‑teste: M= 3.27, DP = .92, pós‑teste:
M= 2.82, DP = 1.16), t (65) = 2.89, p<. 025, r = .34).
Atitudes em relação a violência no namoro
Os resultados do grupo de intervenção (Teste T amostras emparelhadas)
demonstraram a existência de diferenças estatisticamente significativas entre
os dados recolhidos no pré‑teste e no pós‑teste em quase todas as subescalas.
Após a intervenção, existiu um decréscimo significativo na legitimação de
atitudes de violência no namoro nas escalas de violência psicológica masculina,
(pré‑teste: M= 32.3, DP =8.4, pós‑teste: M= 29.2, DP =9.0, t(95) = 3.64, p <
.004, r = .35), violência sexual masculina (pré‑teste: M= 25.6, DP =6.8,
pós‑teste: M= 23.3, DP =5.8, t(96) = 3.92, p < .004, r = .37), violência
psicológica feminina (pré‑teste: M= 26.7, DP =7.0, pós‑teste: M= 23.2, DP =7.8,
t(96) = 4.75, p < .004, r = .44), violência física feminina(pré‑teste: M= 27.8,
DP =7.9, pós‑teste: M= 24.1, DP =8.2, t(95) = 4.2, p< .004, r = .35.40) e
violência sexual feminina (pré‑teste: M= 23.1, DP =6.2, pós‑teste: M= 20.7, DP
=6.9, t(96) = 4.40, p < .004, r= .40) ', sendo a única excepção a violência
física masculina. Apenas na subescala violência física masculina as diferenças
entre os dois momentos de avaliação são não significativas (pré‑teste: M= 24.1,
DP =7.9, pós‑teste: M= 22.9, DP =8.9, t(95) = 1.45, p>.004). No grupo de
controlo, não foram percebidas, nas diferentes subescalas, quaisquer diferenças
significativas entre o pré e o pós‑teste.
Estratégias de resolução de conflitos
No grupo de intervenção não se evidenciaram diferenças significativas entre o
pré (M= 30.4, DP =7.0) e o pós‑teste (M= 30.5, DP =8.4, t(46) = ‑.13, p>.0125)
em relação ao uso de comportamentos abusivos como forma de resolução de
conflitos nos relacionamentos de namoro (Teste T para amostras emparelhadas).
Contudo, foram encontradas diferenças significativas na adoção de estratégias
positivas ou não abusivas de resolução de conflitos, percebidas através de um
aumento das estratégias de resolução de conflitos positivas (pré‑teste: M=
20.8., DP =5.1, pós‑teste: M= 22.8, DP =5.4, t(46) = 2.98, p<.0125, r = .40) .
No grupo de controlo não se evidenciaram diferenças significativas entre o
pré‑teste e o pós‑teste em relação ao uso de comportamentos abusivos como forma
de resolução de conflitos em relações íntimas (pré‑teste: M= 30.2, DP =4.9,
pós‑teste: M= 33.2, DP =7.6, t(33) = ‑2.05, p>.0125) = t(33) = ‑2.05, p>
.0125), nem em relação à adoção de estratégias positivas ou não abusivas de
resolução de conflitos, (pré‑teste: M= 30.9, DP =5.2, pós‑teste: M= 34.1, DP
=9.3,: t(33) = ‑1.61, p> .0125).
Resultados por sexo
De seguida será apresentada uma comparação das diferenças de sexo antes e após
da intervenção (Teste T amostras independentes), com um exame mais específico
da evolução do grupo de intervenção durante as diferentes fases de avaliação,
de acordo com o sexo dos indivíduos (Teste T amostras emparelhadas).
Sexo e conhecimento
A análise das diferenças de sexo no número de respostas corretas antes e após a
intervenção revelaram não existirem diferenças significativas, nem antes
(raparigas:M= 3.38, DP= .89, rapazes: M= 3.55, DP= .92, t(111) = ‑.95, p>
.025), nem após a intervenção (raparigas: M= 3.10, DP= 1.05, rapazes: M= 2.90,
DP= .82, t(97) = 1.08, p > . 025).
A análise dos resultados por sexo (Teste T amostras emparelhadas) demonstrou
que a diminuição da média de respostas corretas encontrada no grupo de
intervenção foi afetada pelo sexo dos sujeitos, uma vez que foi significativa
nos rapazes (pré‑teste: M= 3.57, DP= .95, pós‑teste: M= 2.90, DP= .81, t(59) =
4.41, p< .025, r =.50), mas não nas raparigas (pré‑teste: M= 3.33, DP= .87,
pós‑teste: M= 3.10, DP= 1.05, t(38) = ‑1,33, p >.025).
Sexo e atitudes em relação à violência no namoro
O nível de concordância com atitudes legitimadoras da violência foi, nas
escalas em que se verificaram diferenças significativas, maior nos rapazes do
que nas raparigas (Teste T amostras Independentes): resultados do pré‑teste
evidenciam este facto para as subescalas violência sexual masculina(raparigas:
M= 22.8, DP= 4.6, rapazes: M= 27.2, DP= 7.1,t(109.33) = ‑4.02, p <.004, r= .36)
e violência sexual feminina (raparigas: M= 20.4, DP= 5.6, rapazes: M= 25.4, DP=
6.1, t(108) = ‑4.26, p<.004, r= .38).Estas diferenças foram significativas e
mantiveram‑se após a intervenção (violência sexual masculina 'raparigas: M=
21.2, DP= 4.6, rapazes: M= 24.7, DP= 6.1, t(92.78) = ‑3,24, p <.004, r =.32) e
violência sexual feminina 'raparigas: M= 17.5, DP= 4.7, rapazes: M= 22.7, DP=
7.3, t(97) = ‑4.31, p<.004, r= . 40).
No entanto, uma análise separada dos resultados por sexo (Teste T amostras
emparelhadas) permitiu‑nos confirmar que o decréscimo estatístico significativo
nestas escalas (violência sexual masculina e violência sexual feminina) após a
intervenção ocorria apenas no grupo dos rapazes: violência sexual masculina
(pré‑teste: M= 27.6, DP= 7.2, pós‑teste: M= 24.7, DP= 6.1,t(58)= 3.65, p<.004,
r = .43), violência sexual feminina (pré‑teste: M= 25.2, DP= 5.9, pós‑teste: M=
22.8, DP= 7.2,t(58)= 3.76, p<.004, r = .42).
Sexo e as Estratégias de Resolução de Conflitos
De acordo com a análise efetuada (Teste T amostras independentes), antes da
intervenção, o uso de estratégias abusivas de resolução de conflitos não foi
significativamente diferente entre rapazes e raparigas (raparigas: M = 31.2, DP
= 6.2, rapazes: M= 29.8, DP = 7.0, t(62.51) = .91, p> .0125). Este resultado
foi replicado no pós‑teste (raparigas: M = 29.2, DP = 4.0, rapazes: M= 34.2, DP
= 15.8, t(43.33) = ‑1.80, p> .0125). De facto, a análise do impacto da
intervenção de acordo com o sexo dos sujeitos (Teste T amostras emparelhadas)
demonstra que o processo interventivo não resultou em alterações significativas
na variável estratégias abusivas de resolução de conflitos, independentemente
do sexo (raparigas: t(15) = 1.60, p>.0125; rapazes: t(30) = ‑.54, p>.0125).
Por outro lado, relativamente à variável estratégias de resolução de conflitos
positivas, antes da intervenção, não existia qualquer diferença estatística
significativa entre rapazes e raparigas (raparigas: M= 21.4, DP = 4.5, rapazes:
M = 20.4, DP = 5.1, t(73) = .88, p >.0125) (Teste T amostras independentes).
Apesar disto, o impacto da intervenção foi significativo no grupo dos rapazes
que demonstraram um aumento no uso de estratégias positivas ou não abusivas na
resolução de conflitos (pré‑teste: M = 20.7, DP = 5.8, pós‑teste: M = 23.0, DP
= 6.2, t(30) = ‑2.79, p < .0125, r =.45) (Teste T amostras emparelhadas).
Discussão
A maioria dos programas realizados no domínio da prevenção da violência procura
avaliar o impacto da intervenção através de indicadores como o conhecimento
acerca dos tópicos abordados e as crenças ou atitudes dos sujeitos (Whitaker et
al., 2006). Nesta intervenção, à semelhança da implementação do programa
original, avaliamos estes dois domínios, mas acrescentamos um terceiro, as
estratégias de resolução de conflitos, de natureza mais comportamental, uma vez
que a contribuição dos dois indicadores antes enunciados na redução de
comportamentos abusivos ou nas alterações comportamentais não pode ser
extrapolada ou deduzida (ibidem). Contudo, mesmo quando a dimensão
comportamental é foco de análise, o principal desafio tem sido a determinação
do impacto da intervenção ao nível dos comportamentos, bem como a avaliação da
manutenção deste impacto a médio e longo prazo.
Os resultados divulgados por Wolfe e colaboradores (2009) relativamente à
avaliação da implementação deste programa revelam um aumento do conhecimento
dos jovens, uma diminuição de atitudes de tolerância face à violência e, dois
anos e meio após a sua aplicação, uma redução da violência física no namoro. Os
nossos dados permitem‑nos corroborar alguns destes resultados, designadamente,
ao nível das atitudes e ao nível dos comportamentos. Todavia, estamos
conscientes da necessidade de ampliar o período de avaliação de modo a
reconhecer mudanças a médio e a longo prazo.
No que diz respeito ao conhecimento sobre os relacionamentos, a maior parte dos
participantes respondeu corretamente a três de cinco questões apresentadas. A
literatura nesta área (cf. Wolfe et al., 2006), refere que os jovens pensam que
conhecem mais sobre os mais diversos tópicos do que realmente conhecem, devido
ao facto de as suas principais fontes de informação serem os seus pares que,
frequentemente, têm níveis semelhantes de conhecimento.
Nesta implementação o conhecimento dos participantes não foi afetado pela
intervenção. Todavia, é possível que este facto tenha sido agravado pelo
reduzido número de perguntas do questionário (cinco), limitando a ausência de
efeitos. De igual modo consideramos que existem aspetos abordados durante o
programa que não são refletidos nas questões de avaliação de conhecimento, como
os recursos das escolas e da comunidade para fornecer ajuda e apoio em casos de
violência. Deste modo, em futuras avaliações, o número de questões deverá ser
superior e questões sobre estratégias e recursos de apoio deverão ser
incluídas.
Em relação ao segundo tópico da nossa análise, as atitudes acerca da violência
no namoro exercida por rapazes e raparigas, os participantes revelaram níveis
relativamente baixos de legitimação de violência no namoro. Os rapazes
apresentaram níveis mais elevados de legitimação de violência no pré‑teste, em
algumas escalas, nomeadamente no que diz respeito à violência psicológica
masculina e violência sexual masculina e à violência sexual feminina. Esta
legitimação superior da violência por parte dos rapazes tem sido encontrada em
diferentes estudos e por diferentes autores (e.g. Cano, Avery‑Leaf, Cascardi,
& O´Leary, 1998; Katz, Kuffel, & Coblentz, 2002; Machado, Caridade,
& Martins, 2009; Matos, Machado, Caridade, & Silva, 2006). Tal tem sido
sobretudo explicado pelo facto de os rapazes serem socializados para adoptar
comportamentos mais agressivos nas suas relações interpessoais.
O impacto do programa ao nível das atitudes foi significativo em todas as
escalas exceto uma ' violência física masculina. Esta exceção poderá ser
explicada pelos baixos níveis de legitimação de violência física por parte dos
rapazes, previamente ao programa.
No que diz respeito ao impacto do sexo, esta variável assumiu um papel pouco
significativo nos resultados da avaliação das atitudes. As diferenças
evidenciadas por rapazes e raparigas antes e após a intervenção não foram tão
relevantes como antecipáramos quando consideramos a inclusão desta variável.
Contudo, no geral, os resultados deste estudo demonstram uma alteração positiva
nas atitudes dos sujeitos. Estes resultados poderão ter sido coadjuvados pelo
facto de ao longo da intervenção terem sido abordados tópicos como por exemplo
as diferenças entre uma relação saudável e não saudável, os direitos e as
responsabilidades numa relação, a identificação de comportamentos abusivos e a
identificação de fatores que conduzem a relacionamentos sexuais saudáveis.
Acreditamos que esta abordagem terá facilitado o reconhecimento de abuso
físico, psicológico e sexual, bem como o confronto de ideias prevalecentes de
que o controlo e os ciúmes são demonstrações de amor (O´Keefe, 2005), e que o
estatuto da relação (e.g., nível de compromisso) é uma desculpa para utilizar e
tolerar violência (Katz, Kuffel, & Coblentz, 2002). Um ambiente de
não‑julgamento e conteúdos apropriados do ponto de vista desenvolvimental
permite que os adolescentes discutam as suas escolhas, responsabilidades e as
consequências dos seus comportamentos (Wolfe, 2006).
Esta diminuição de atitudes conducentes à violência no namoro é um resultado
importante, uma vez que as atitudes acerca da violência no namoro são um fator
de risco frequentemente identificado na literatura como tendo um impacto
significativo na utilização de comportamentos violentos (cf. Stith, Smith,
Penn, Ward, & Tritt, 2004), o que justifica a usual inserção deste tópico
como um dos componentes básicos de programas de prevenção (Foshee, Linder,
MacDougall, & Bangdiwala, 2001; Jackson, 1999; Whitaker et al, 2006).
No terceiro tópico da análise, as estratégias de resolução de conflitos, não
foi detetada qualquer alteração significativa na redução de comportamentos
abusivos no namoro. Três razões podem, no entanto, justificar o impacto
limitado do programa na redução de estratégias abusivas para lidar com
conflitos: as limitações do instrumento de avaliação comportamental utilizado;
a ausência dos recursos pedagógicos que poderiam promover a aprendizagem de
novas competências e levar a consequentes alterações no campo comportamental; o
curto intervalo de tempo decorrido entre a implementação e a avaliação que
torna expectáveis as limitações ao nível das mudanças comportamentais.
Apesar deste resultado, houve, contudo, após a intervenção, um aumento
significativo na utilização de estratégias positivas e não abusivas de
resolução de conflitos na amostra total, devido, essencialmente, a alterações
no grupo dos rapazes. Considerando que os critérios para programas de prevenção
bem‑sucedidos no domínio do interpessoal dependem não só da redução de
comportamentos abusivos, mas também em alterações que possam aumentar a
utilização de estratégias positivas para lidar com conflitos (Wekerle &
Wolfe, 1999), este é um resultado encorajador.
O facto de o impacto ter sido notado maioritariamente em rapazes pode ser
analisado com base na informação anterior que aponta para diferentes fatores de
risco e diferentes variáveis associadas à violência entre géneros (cf. Foshee
et al., 2001). Por exemplo, de acordo com Foshee e colaboradores (2001), o
envolvimento de amigos em episódios de violência é um fator que prevê mais
fortemente violência no namoro nas raparigas, enquanto a aceitação por parte
dos pares da violência no namoro parece prever a ocorrência de violência no
namoro nos rapazes. O Programa 4d direcionou a sua atuação para a influência
negativa do comportamento de pares e incluiu atividades pensadas para ajudar os
adolescentes a resistir à pressão dos pares. Assim, estes resultados poderão
ser compreendidos se tivermos em conta que maior saliência poderá ter sido dada
à confrontação de atitudes de pares que legitimam o exercício da violência no
namoro, resultando num maior impacto da intervenção nos rapazes, mais
influenciados por esta dimensão (Ibidem).
Outra possível explicação para os efeitos do sexo nesta variável pode ser a
forma como os conteúdos foram abordados no programa de prevenção, uma vez que
não nos podemos esquecer que diferenças de género são um assunto sensível e
crítico na violência no namoro (Wekerle, & Wolfe, 1999, p. 437 tradução do
autor), e que durante a adolescência poderá não existir uma fronteira concreta
entre vítima e perpetrador, com ambos os parceiros a apresentarem
comportamentos mútuos de perpetrador/vítima (Avery‑Leaf, Cascardi, O´Leary,
& Cano, 1997; Magdol, Moffitt, Caspi, Newman, Fagan, & Silva, 1997). O
facto de especial atenção ter sido dada em não retratar os rapazes como
perpetradores de violência e o reconhecimento de que frequentemente são, de
facto, vítimas de violência no namoro por parte de raparigas, poderá ter tido
um maior efeito na motivação dos rapazes em participar no programa e nas suas
atividades, resultando nas alterações mais positivas neste grupo.
Numa análise global, podemos concluir que este programa parece ser eficaz a
vários níveis, nomeadamente no que diz respeito à alteração de atitudes de
legitimação da violência e à promoção de comportamentos pro‑sociais. Futuras
aplicações devem, no entanto, integrar alterações de forma a facilitar a
mudança no conhecimento acerca dos relacionamentos, promover o decréscimo de
comportamentos abusivos e o aumento de comportamentos pro‑sociais, tanto em
rapazes como em raparigas.
Finalmente, deve ser salientado que esta implementação‑piloto foi executada sem
a totalidade dos materiais necessários, incluindo os vídeos "Competências
para relacionamentos saudáveis"2 e "Exemplos de role‑play e
estratégias para dinamização,"3. Apesar de a tradução destes materiais e
de a sua execução por actores portugueses ter levado algum tempo, e termos por
isso decidido avançar para a implementação do programa sem eles, tais materiais
estão agora prontos para utilizar em futuras implementações do programa.
Estamos seguros que a participação em atividades de resolução de conflito,
complementadas com estes materiais, facilitará a aquisição de competências e
que esta dimensão do programa será, deste modo, melhor sucedida no futuro.
Implicações
Dados relativos a um estudo conduzido em Portugal sobre os custos económicos e
sociais da violência contra mulheres em relações íntimas apontaram para um
custo médio de cerca de 140 por ano para cobrir despesas de saúde das vítimas
femininas (Lisboa et al., 2006). Além deste impacto económico, os custos da
violência íntima incluem despesas relacionadas com o impacto psicológico na
saúde das vítimas e das suas famílias e dinheiro perdido devido a várias baixas
médicas de trabalho (ibidem). No lado oposto ' prevenção primária ' o custo de
implementação do The Fourth R é de cerca de 13 por estudante (Wolfe et al.,
2009), e estes gastos resultam num investimento sustentável de longo prazo.
Deste modo, a necessidade de investir em esforços preventivos é reforçada por
vários argumentos, um dos quais, se os outros não fossem suficientes,
relacionado com os custos económicos da violência e os gastos relativamente
baixos associados à prevenção primária. Outro argumento que é importante
considerar é que, quando se previne a violência perpetrada por jovens, não se
está apenas a prevenir os danos físicos e psicológicos imediatos que a
violência causa; mais importante ainda, deve ser reconhecido que estes
comportamentos são tipicamente replicados no futuro, o que multiplicará, a
longo‑prazo, os seus custos (Henton, Cate, Koval, Lloyd, & Christopher,
1983).
Tendo estas considerações em mente, a implementação‑piloto procurou avaliar o
impacto de um programa de prevenção de violência no namoro e riscos
comportamentais associados, num contexto diferente para o qual tinha sido
desenhado, de forma a avaliar a sua eficácia. Procurou também avaliar a sua
sensibilidade e ajustamento cultural. Tais esforços resultaram na validação da
eficácia deste modelo interventivo em termos da redução de atitudes
legitimadoras de violência no namoro e no aumento de competências positivas ou
não‑abusivas na resolução de conflitos, apesar de este impacto comportamental
se dever sobretudo a alterações no grupo dos rapazes.