Perfecionismo, perturbações emocionais e suas relações com o comportamento
alimentar perturbado: Um estudo com adolescentes Portugueses
As perturbações alimentares (PA) são caracterizadas por graves distúrbios do
comportamento alimentar (APA, 2002) que refletem a confluência entre psicologia
individual, determinantes biológicos e fatores socioculturais (e.g., Keery, van
den Berg, & Thompson, 2004). Ao nível individual, as PA têm sido
relacionadas, entre outros, com fatores predisponentes como o sexo feminino,
índice de massa corporal (IMC) elevado, perfecionismo (Bulik et al., 2003;
Forbush, Heatherton, & Keel, 2007), e ansiedade e/ou depressão (Vince &
Walker, 2008), sendo que a adolescência é apontada como a etapa de
desenvolvimento em que se iniciam estas perturbações (e.g., Dunker &
Philippi, 2003). No entanto, as relações entre perfecionismo, sintomatologia de
perturbação emocional e de perturbação alimentar não foram ainda
suficientemente escrutinadas em amostras de adolescentes de ambos os sexos
(especialmente em Portugal), em parte devido à escassez de estudos com rapazes,
associada à menor prevalência de PA no sexo masculino (Striegel-Moore &
Bulik, 2007). Pretende-se, assim, com este estudo aprofundar as relações entre
estes possíveis fatores de risco e o comportamento alimentar perturbado de
adolescentes portugueses de ambos os sexos.
Peso, dieta e PA
Um IMC elevado é considerado um fator de risco para o desenvolvimento de PA em
raparigas e rapazes (e.g., Babio, Canals, Pietrobelli, Peréz, & Arija,
2009), pelo que é apontado como preditor das mesmas em adolescentes (Ferreiro,
Seone, & Senra, 2011). Alguns estudos, no entanto, não verificam esta
relação de predição na população adolescente (e.g., Bento et al., 2010).
Quer se verifique devido ao excesso de peso, quer à perceção do mesmo, o
comportamento de dieta, ou seja, a restrição alimentar, apesar de frequente na
adolescência (Patton, 1988), é também apontado como fator de risco para o
desenvolvimento de PA em ambos os sexos (e.g., Ikeda, 2001). O risco, porém,
parece ser maior nas raparigas que efetuam dieta, mesmo quando apresentam peso
normal (e.g., Daee et al., 2002), talvez porque o corpo ocupa uma dimensão
central na autoavaliação das mulheres nas culturas ocidentais (Stice, Hayhard,
Cameron, Killen, & Taylor, 2000). É também na adolescência que surgem as
primeiras diferenças na ingestão e seleção de alimentos: os rapazes ingerem
mais calorias que as raparigas, talvez por elas experienciarem maior
insatisfação com o corpo que eles (Rolls, Fedoroff, & Guthrie, 1991), por
se aperceberem mais do excesso de peso (Vaughan & Halpern, 2010) ou por
procurarem ideais corporais diferentes, o que motiva as raparigas para a
magreza e os rapazes para a muscularidade (Davis, Karvinen, & McCreary,
2005). Assim sendo, no espetro do comportamento alimentar perturbado, as
raparigas apresentam mais comportamentos de dieta (Vaughan & Halpern, 2010)
e os rapazes mais excesso de exercício físico (Lewinsohn, Seeley, Moerck, &
Striegel-Moore, 2002). Não surpreendentemente, atentando aos dados apresentados
acima, a prevalência de PA é mais elevada nas raparigas (e.g., Hautala et al.,
2007; Smink, van Hoeken, Oldehinkel, & Hoek, 2014).
Perfecionismo e sua relação com PA
A revisão de literatura de Franco-Paredes, Mancilla-Díaz, Vázquez-Arévalo,
López-Aguilar e Álvarez-Rayón (2005) mostra a diversidade de estudos sobre
perfecionismo e PA, quer em termos de resultados acerca da relação entre os
mesmos, quer em termos dos instrumentos utilizados para avaliar o perfecionismo
associado às PA, incluindo os seus componentes. Em população não clínica tem
sido demonstrada consistentemente a associação entre perfecionismo e
comportamento alimentar perturbado (e.g., Minarik & Ahrens, 1996), bem como
níveis elevados de perfecionismo em indivíduos com anorexia e bulimia nervosas
(e.g., Bardone-Cone et al., 2007; Bulik et al., 2003). Neste sentido, o
perfecionismo tem sido apresentado como um fator de risco para o
desenvolvimento de PA (e.g., Shafran, Cooper, & Fairburn, 2003), apesar de
alguns estudos não encontrarem esta associação (e.g., Gustafsson, Edlund,
Kjellin, & Norring, 2009). Por exemplo, Francisco, Alarcão e Narciso (2011)
encontraram médias mais elevadas de perfecionismo num grupo de adolescentes com
indicação clínica de comportamentos alimentares perturbados, apesar de, na
população em geral, o perfecionismo apresentar correlações fracas com esses
indicadores.
As formulações teóricas iniciais acerca do perfecionismo são psicodinâmicas e
equacionam-no como uma componente neurótica da personalidade. A visão
multidimensional deste construto irrompe com a sua operacionalização em duas
escalas com o mesmo nome ' Multidimentional Perfectionism Scale (MPS) ' a MPS-
F, de Frost, Marten, Lahart e Rosenblate (1990), e a MPS-H de Hewitt e Flett
(1991a), fortemente relacionadas (Frost, Heimberg, Holt, Mattia, &
Neubauer, 1993). O perfecionismo é definido como o desejo de alcançar padrões
elevados de desempenho, acompanhado por avaliações pessoais críticas,
excessivas e severas em relação ao mesmo (Frost et al., 1990), e reflete tanto
componentes de índole pessoal quanto social. A MPS-H compõe-se de três
dimensões: perfecionismo auto-orientado' (PAO), relacionado com as crenças e
expetativas sobre o próprio; perfecionismo orientado para os outros' (POO),
que remete para as crenças e as expetativas acerca das competências dos outros;
e perfecionismo socialmente prescrito' (PSP), que pressupõe a perceção da
necessidade de lograr padrões irrealistas prescritos por outros significativos
que avaliam rigorosamente o indivíduo e que exercem pressão para que seja
perfeito. O PSP é mais elevado nas mulheres (Hewitt & Flett, 1991a) e
normalmente associado a psicopatologia mais severa (Frost et al., 1993; Hewitt
& Flett, 1991a), embora alguns autores associem o aumento do risco de
psicopatologia à componente autoimposta (e.g., Shafran et al., 2003). Estes
opõem-se àqueles que consideram esta componente positiva por si só (e.g., Frost
et al., 1993; Stoeber & Otto, 2006). Quanto à sua origem, o perfecionismo é
relacionado por alguns autores com a natureza das relações parentais e
consequentes interações (Oliveira, Carmo, Cruz, & Brás, 2012).
Bento et al. (2010), num estudo com adolescentes portugueses, concluem que
níveis elevados de perfecionismo estão associados ao comportamento alimentar
perturbado, sendo que a pontuação total da CAPS (Child-Adolescent Perfectionism
Scale;Flett, Hewitt, Boucher, Davidson & Munro, 1992), PAO e PSP surgiram
positiva e significativamente associados à pontuação total do EAT (Eating
Atitudes Test; Garner, Olmstead, Bohr & Garfinkel, 1982) em ambos os sexos.
Também Macedo et al. (2006), num estudo longitudinal com amostra de estudantes
universitários portugueses, encontraram, em ambos os sexos, associação entre a
pontuação total do MPS-H, do EAT e de todas as dimensões deste. Em raparigas,
PAO e PSP foram associados à pontuação total do EAT e em rapazes apenas PSP se
revelou preditor da pontuação total do EAT. Considerando ainda as diferenças de
género, no estudo de Bento et al. (2010), apenas na dimensão do PAO as
raparigas apresentaram resultados médios mais elevados que os rapazes.
Perfecionismo, Ansiedade e Depressão
A ansiedade e depressão, apontadas como fatores de risco para o desenvolvimento
de PA (O'Brien & Vincent, 2003), são igualmente relacionadas com o
perfecionismo. Este último encontra-se associado quer ao aumento de stress
(DiBartolo et al., 2007) e à ansiedade em amostras de estudantes e de pacientes
psiquiátricos (Hewitt & Flett, 1991b), como pode consistir um fator
predisponente e de manutenção da depressão (e.g., Hewitt & Flett, 1991b;
Kawamura, Hunt, Frost, & DiBartolo, 2001). Também as diferentes dimensões
do perfecionismo se relacionam distintamente com a ansiedade (e.g., Hewitt
& Flett, 1991b) e com a depressão (e.g., Frost et al. 1990, 1993; Sherry,
Hewitt, Flett, & Harvey, 2004), sendo que o PSP parece apresentar
frequentemente uma relação mais direta (e.g., Hewitt & Flett, 1991b),
apesar de existirem alguns dados que apontam para PAO quando em interação com
acontecimentos de vida stressantes (e.g., Hewitt & Flett, 1993). Apesar de
serem frequentemente encontradas e pesquisadas em conjunto (e.g., González,
Cueto, & Fernández, 2007), alguns autores afirmam que o perfecionismo se
associa mais fortemente à sintomatologia depressiva do que à ansiosa, enquanto
outros consideram que PAO se associa mais à depressão e PSP mais à ansiedade
(Hankin, Roberts, & Gotlib, 1997). Num estudo de Egan et al. (2013) a
ansiedade mediou parcialmente a relação entre PAO e PA numa amostra clínica.
Na adolescência, e não na infância, segundo Nolen-Hoeksema e Girgus (1994), é
tido que as raparigas apresentam mais sintomas depressivos e ansiosos (e.g.,
Derdikman-Eiron et al., 2011), apesar de nem sempre se referirem diferenças em
relação à ansiedade (Hankin, 2009; Hankin, Roberts, & Gotlib. 1997). Visto
que a ansiedade é um preditor da depressão mais robusto nas raparigas que nos
rapazes (Chaplin, Gillham, & Seligman, 2009) e que a puberdade desperta
mais ansiedade nas raparigas do que nos rapazes (Blumenthal et al., 2011),
justifica-se que estas apresentem mais sintomas depressivos. Tal deve-se à
experiência de mais desafios desenvolvimentais (Petersen, Sarigani, &
Kennedy, 1991), relacionados com a autoestima, a imagem corporal negativa
(Algood-Merten, Lewinsohn, & Hops, 1990), a insatisfação com o peso, o
desenvolvimento de um corpo maduro e a identificação com o papel feminino
(Wichstrom, 1999).
PA, Ansiedade e Depressão
No que diz respeito ao contributo das perturbações emocionais para as PA,
diversos estudos com populações clínicas têm apresentado a existência de
comorbilidade entre perturbações da ansiedade e/ou depressão e as PA (e.g.,
O'Brien & Vincent, 2003) e tal relação é igualmente verificada em
adolescentes de ambos os sexos (Eliot & Baker, 2001) e em amostras não
clínicas. Canals, Josepa, Carbajo e Gentzane (1996) apontam o aumento dos
níveis de ansiedade como um preditor importante da sintomatologia de PA,
sobretudo para as raparigas, indicando que as perturbações de ansiedade podem
constituir, assim, um fator de risco para o desenvolvimento destas perturbações
(e.g., Kaye et al., 2004). Pode referir-se ainda que o IMC foi identificado
como preditor da depressão (Ferreiro et al., 2011) e associado à ansiedade
(Crocker et al., 2003) e a sintomas depressivos e ansiosos nas raparigas (Babio
et al., 2009). De forma idêntica, os comportamentos de dieta foram relacionados
com níveis elevados de depressão e ansiedade (e.g., Pocinho, 2000), sendo mesmo
salientado que os adolescentes que realizam dieta devido a depressão se
encontram em grande risco de desenvolver PA (Isomaa et al., 2010).
O presente estudo
O estudo presente pretende comparar adolescentes de ambos os sexos quanto aos
níveis de sintomatologia de comportamento alimentar perturbado, sintomatologia
emocional e perfecionismo; comparar adolescentes a efetuar dieta com aqueles
que não o fazem; e investigar as relações entre o perfecionismo, a
sintomatologia emocional e o comportamento alimentar perturbado em adolescentes
portugueses de ambos os sexos.
Considerando a revisão de literatura anteriormente apresentada, estabeleceram-
se as seguintes hipóteses: H1) existência, nas raparigas, de níveis superiores
de perturbação emocional, sintomatologia depressiva, ansiosa e de perturbação
alimentar, bem como maior frequência de comportamento de dieta,
comparativamente com os rapazes; H2) ausência de diferenças entre sexos
relativamente ao perfecionismo global e suas dimensões auto-orientada e
socialmente prescrita; H3) os adolescentes de ambos os sexos que apresentam
comportamento de dieta apresentam valores significativamente mais elevados de
IMC, perfecionismo e respetivas dimensões, perturbação emocional,
sintomatologia depressiva, sintomatologia ansiosa e de PA, comparativamente com
os adolescentes que não apresentam comportamentos de dieta; H4) o IMC, o
perfecionismo (e as suas dimensões auto-orientada e socialmente prescrita), bem
como a perturbação emocional, sintomatologia depressiva e ansiosa, são
possíveis preditores da sintomatologia de PA, em ambos os sexos.
Método
Participantes
Participaram no estudo 531 adolescentes (49% do sexo masculino), estudantes do
3º ciclo do ensino básico e secundário de cinco escolas da zona da Grande
Lisboa, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos (rapazes M = 14.79,
DP = 1.69; raparigas M =14.91, DP =1.76). Destes adolescentes, 69% são
provenientes de famílias nucleares intactas, 16% de família monoparental, 7% de
família reconstruída, 6% de família transgeracional e 2% de outras tipologias
familiares. Quanto ao nível socioeconómico das mesmas, 48% usufruem de um nível
socioeconómico médio-alto, 32% de um nível médio e 17% de um nível baixo. As
participantes do sexo feminino apresentam um IMC médio de 20.99 (DP = 3.13) e
os participantes do sexo masculino um IMC médio de 21.38 (DP = 3.67).
Instrumentos
Questionário de Dados Pessoais e Sociodemográficos
O questionário é composto por um conjunto de itens que se reportam à informação
sociodemográfica, como sexo, idade, ano de escolaridade, e a outras variáveis
em estudo, nomeadamente peso, altura e comportamentos específicos face à
alimentação (medidos através das questões Faz dieta para emagrecer? e, em
caso de resposta positiva, Se sim, em que consiste?).
Subescala de perfecionismo do Eating Disorder Inventory 2 (EDI2)
O EDI2 (Garner, 1991) é um instrumento amplo que pretende avaliar atitudes e/ou
comportamentos relacionados com a alimentação e que agrega diversas subescalas,
entre elas a de perfeccionismo usada neste estudo, constituída por 6 itens de
perfecionismo' (EDI-P), medida global do traço. Foi utilizada a versão
portuguesa do EDI2 de Pocinho (2000; a = .63), sendo o valor de consistência
interna no estudo presente mais elevado (a = .69). De acordo com Enns e Cox
(2002), o EDI-P pode ser utilizado como medida breve de perfecionismo no
contexto de avaliação das PA, uma vez que raramente foi utilizado fora deste. A
revisão de literatura indica, no entanto, a pertinência da distinção entre as
componentes intra e interpessoal do mesmo, pelo que considerando a análise de
conteúdo dos itens e a experiência de investigações anteriores (Joiner &
Schmidt, 1995; Sherry et al., 2004) considerámos os itens 1, 2 e 4 como
relativos à dimensão PSP e os itens 3, 5 e 6 a PAO. Joiner e Schmidt (1995)
testaram este procedimento e obtiveram níveis de consistência interna
aceitáveis (a = .74 para PAO e a = .76 para PSP), e consideraram o modelo a
dois fatores mais adequado e estatisticamente superior ao de um fator.
Adicionalmente, através de um modelo de equações estruturais, foi demonstrado
que, para ambos os sexos, PSP e PAO da EDI-P estão independentemente
relacionados com sintomatologia de PA (ver Sherry et al., 2004), o que é
favorável à opção pelas duas subdimensões. No presente estudo, os indicadores
de consistência interna obtidos, foram mais baixos do que os encontrados por
Joiner e Schmidt (1995), mas ainda assim aceitáveis para fins de investigação
(a = .55 para PSP e a = .64 para PAO).
Eating Attitudes Test-26 (EAT-26)
O EAT-26 (Garner et al., 1982) identifica três fatores associados ao
comportamento alimentar perturbado (dieta, bulimia e preocupação com comida, e
controlo oral), a partir das respostas obtidas de população clínica. No
presente estudo, apenas foi utilizado o índice global (obtido a partir do
somatório do conjunto de 26 itens), à semelhança da maioria dos estudos com
população sem referenciação clínica no âmbito das PA (e.g., Dunker &
Philippi, 2003). Este estudo corresponde à versão portuguesa (Francisco,
Oliveira, Santos & Novo, 2011) desta escala, cujo índice global de
sintomatologia de PA (comportamento alimentar perturbado) revelou um elevado
nível de consistência interna (a = .91).
Cuestionario Educativo-Clínico: Ansiedad y Depresión (CECAD)
O CECAD (González et al., 2007) avalia a existência de perturbações do tipo
ansioso-depressivo, integrando cinco dimensões a que correspondem cinco
escalas. A escala de depressão, desenhada para identificar sintomatologia em
crianças, adolescentes e jovens adultos, relaciona-se com o humor depressivo ou
irritável, insónia ou hipersónia, inutilidade, perda de energia, diminuição da
capacidade de pensar, perda de apetite e pensamento suicida. A escala de
ansiedade avalia a presença de sintomas psicofisiológicos que lhe estão
associados como a tensão muscular e controlo da respiração, medos, preocupações
e pensamentos desagradáveis. O instrumento integra ainda outras escalas
(inutilidade, irritabilidade e problemas de pensamento), não utilizadas nesta
investigação. As medidas consideradas são relativas às primeiras duas escalas e
à medida global do teste, que constitui um indicador de perturbação emocional.
Os índices de consistência interna da versão portuguesa (depressão α = .90,
ansiedade α = .85; perturbação emocional α = .94) de Novo et al. (2006) são
semelhantes aos obtidos neste estudo: depressão α = .93, ansiedade α = .90 e
perturbação emocional α = .96.
Procedimento
A recolha de dados foi efetuada nas escolas do 3º ciclo do ensino básico e
secundário após aprovação do projeto pelo Ministério da Educação, autorização
das escolas e dos pais dos adolescentes. Os participantes assinaram um
consentimento informado, tendo-lhes sido assegurado o anonimato e
confidencialidade dos dados. O conjunto de instrumentos foi aplicado, num
protocolo único, em regime de autoadministração e o tempo de resposta
aproximou-se, em média, dos 40 minutos. A aplicação ocorreu em contexto de sala
de aula com a presença de um dos investigadores e do professor.
Procedimento de análise de dados
O cálculo do IMC foi efetuado com base nos dados acerca do peso e altura
reportados pelos participantes. Recorreu-se ao Software PASW Statistics(v.
18.0; SPSS Inc., Chicago, IL) para o tratamento estatístico de dados. Foi
assumida a distribuição normal para as variáveis em estudo por se tratar de uma
amostra de dimensão razoável, como previsto por Maroco (2010), tendo-se
recorrido ao teste de t-student para a análise das diferenças de médias em
amostras independentes nas principais variáveis em estudo. A variável dieta
(dicotómica) foi avaliada com o teste do Qui-quadrado de independência. Foram
consideradas estatisticamente significativas as diferenças entre médias cujo p-
value do teste foi inferior a .05. Por fim, a Regressão Múltipla Hierárquica
com seleção de variáveis enter em cada passo foi utilizada para obter um modelo
parcimonioso que permitisse predizer a sintomatologia de PA. Utilizou-se o
fator de inflação da variância (VIF) para despistar multicolinearidade, pelo
que se excluíram as variáveis PSP, PAO, depressão e ansiedade no sexo masculino
e perfecionismo global, PSP, sintomatologia de perturbação emocional,no sexo
feminino. Considerou-se para todas as análises uma probabilidade de erro tipo I
(α) de .05.
Resultados
Hipóteses 1 e 2
A H1 postula a existência, nas raparigas, de níveis superiores de perturbação
emocional, sintomatologia depressiva, ansiosa e de PA, bem como maior
frequência de comportamento de dieta, comparativamente com os rapazes. A H2
postula a ausência de diferenças entre sexos relativamente ao perfecionismo
global e suas dimensões auto-orientada e socialmente prescrita.
No Quadro_1 , apresenta-se a estatística descritiva para as variáveis em
estudo, bem como os resultados do teste de diferenças de médias. Estes indicam
que as participantes do sexo feminino apresentaram valores médios deperturbação
emocional, sintomatologia depressiva, sintomatologia ansiosa e sintomatologia
de PA significativamente superiores aos do sexo masculino. Foi ainda reportado
um maior número de casos de dieta em indivíduos do sexo feminino (n = 61;
22.84%) comparativamente aos do sexo masculino (n = 28; 10.77%) e, de acordo
com o teste do Qui-quadrado, as diferenças observadas são estatisticamente
significativas (χ 2(527) = 13.7, p <.001). Estes resultados confirmam a
hipótese 1. As diferenças de médias para perfecionismo global, PSP e PAO não se
mostraram estatisticamente significativas entre os dois sexos, confirmando a
hipótese 2.
Hipótese 3
H3 sugere que os adolescentes de ambos os sexos que apresentam comportamento de
dieta apresentam valores significativamente mais elevados de IMC, perfecionismo
e respetivas dimensões, perturbação emocional, sintomatologia depressiva,
ansiosa e de PA, comparativamente com os adolescentes que não apresentam
comportamentos de dieta.
Na amostra em estudo, 22.6% das raparigas (n = 61) e 10.7% dos rapazes (n = 28)
relatam estar a fazer dieta atualmente. No sexo masculino, quer o IMC quer a
sintomatologia de PA são significativamente mais elevados nos adolescentes que
fazem dieta (U = 5,031.000, p < .001 e U = 3,901.500, p< .01 respetivamente).
Este conjunto de resultados apoia parcialmente a hipótese 3, já que
relativamente às restantes variáveis em estudo não foram encontradas diferenças
significativas. No sexo feminino, o IMC, o perfecionismo global, PAO e
sintomatologia de PA são significativamente mais elevados nos adolescentes que
fazem dieta (respetivamente: U = 8,818.500, p < .001; U = 7,138.000, p < .05; U
= 7,707.500, p < .01; e U = 8,911.500, p < .001). Em relação às restantes
variáveis em estudo, não foram encontradas diferenças significativas, apoiando
apenas parcialmente a hipótese 3.
Hipótese 4
H4 aponta que o IMC, o perfecionismo (e as suas dimensões auto-orientada e
socialmente prescrita), bem como a perturbação emocional, sintomatologia
depressiva e ansiosa, são possíveis preditores da sintomatologia de PA, em
ambos os sexos.
Dadas as diferenças encontradas na análise da variância entre adolescentes do
sexo feminino e masculino, os testes de regressão múltipla hierárquica foram
realizados separadamente para cada grupo. De acordo com as hipóteses em estudo
e com os dados da literatura, no primeiro passo foram introduzidas as variáveis
IMC e dieta. A seleção dos preditores introduzidos no segundo passo teve em
conta os valores dos coeficientes de correlação entre a sintomatologia de PA e
as três variáveis relacionadas com o perfecionismo (perfecionismo global, PSP e
PAO), bem como com as três variáveis relacionadas com a perturbação emocional
(perturbação emocional, depressão e ansiedade), encontrados para cada um dos
sexos, de forma a evitar situações de multicolinearidade. Assim, para o sexo
masculino, relativamente ao perfecionismo selecionou-se o perfecionismo global
e, relativamente à perturbação emocional, selecionou-se o indicador geral da
mesma, por apresentarem as correlações mais altas, apesar de muito fracas, com
a sintomatologia de PA. Para o sexo feminino, relativamente ao perfecionismo,
selecionou-se o PAO,e relativamente à perturbação emocional a depressão.
Os resultados da regressão múltipla hierárquica para os indivíduos do sexo
masculino indicam que o IMC ea dieta não serelacionam significativamente com a
sintomatologia de PA em qualquer dos modelos estudados (Quadro_2). Apenas com a
introdução das variáveis perfecionismo e perturbação emocional no terceiro
modelo é possível explicar parte da variância de sintomatologia de PA entre os
indivíduos do sexo masculino. O modelo final permitiu pois explicar 9% da
variância de sintomatologia de PAentre adolescentes do sexo masculino, para a
qual contribuem significativamente apenas as variáveis perfecionismo (ß = .18,
p < .01) e perturbação emocional (ß= .19, p < .01).
Os resultados da regressão múltipla hierárquica para os participantes do sexo
feminino indicam que o IMC e a dieta são possíveis preditores de sintomatologia
de PA (Quadro_3). No entanto, ao serem introduzidos o PAO e a depressão (Modelo
2), o IMC perde a sua capacidade preditiva, sendo estes em conjunto com a dieta
que explicam maior quantidade de variância da variável dependente. O modelo
final permitiu explicar 38% da variância de sintomatologia de PAentre as
raparigas, com a qual se relacionam sobretudo as variáveis dieta(ß = .38, p <
.001), PAO (ß = .17, p < .001) e depressão (ß = .33, p < .001). Os resultados
apoiam a H4, mas com diferenças entre sexos, uma vez que a sintomatologia de PA
surge associada a subdimensões de perfecionismo e de perturbação emocional
diferentes em cada grupo.
Discussão
O presente estudo pretendeu comparar adolescentes de ambos os sexos quanto aos
níveis de comportamento alimentar perturbado, sintomatologia emocional e
perfecionismo; comparar adolescentes a efetuar dieta com aqueles que não o
fazem; e investigar as relações entre IMC, comportamento de dieta,
perfecionismo, sintomatologia emocional e comportamento alimentar perturbado em
adolescentes portugueses de ambos os sexos.
Observou-se entre os adolescentes participantes, como hipotetizado em H1, que
as raparigas apresentam pontuações mais elevadas do que os rapazes nas escalas
de perturbação emocional, depressão e ansiedade, resultado este que reforça as
evidências empíricas (e.g., Derdikman-Eiron et al., 2011). Salientamos que as
raparigas experienciam a puberdade como mais ansiogénica que os rapazes
(Blumenthal et al., 2011) e que sentem mais desafios no desenvolvimento
(Petersen et al., 1991) relacionados com a autoestima e imagem corporal
negativa (Algood-Merten et al., 1990; Francisco, Narciso, & Alarcão, 2012),
identificação com o papel feminino e com a insatisfação com o peso (Wichstrom,
1999). Também no que toca à sintomatologia de PA, as raparigas exibiram
resultados mais elevados que os rapazes, como aliás é relatado diversamente na
literatura (e.g., Francisco, Alarcão et al., 2011; Hautala et al., 2007). A
confirmação da hipótese não é encarada com surpresa, uma vez que as raparigas
apresentaram, da mesma forma, comportamentos de dieta mais frequentes e níveis
mais elevados de sinais de depressão e ansiedade, caraterísticas associadas ao
desenvolvimento de PA. Verificou-se ainda que o comportamento de dieta era
comum, como apontado na literatura (e.g., Patton, 1988), apesar de ter sido
mais vezes reportado pelas raparigas do que pelos rapazes, acompanhando o
sentido dos dados de outros estudos (e.g., Vaughan & Halpern, 2010) e indo
ao encontro das hipóteses colocadas. Tal pode explicar-se, por exemplo, por uma
maior insatisfação com o corpo (Francisco et al., 2012; Rolls et al., 1991),
maior tendência para a perceção de excesso de peso (Vaughan & Halpern,
2010) ou pela tentativa de atingir o ideal corporal de magreza (Davis et al.,
2005) que se encontram mais presentes nas raparigas por comparação com os
rapazes. Estes, por oposição, tendem a procurar atingir um ideal corporal de
muscularidade (Davis et al., 2005), o que pode motivá-los ao exercício físico
excessivo (Lewinsohn et al., 2002), aqui não analisado, mais do que aos
comportamentos de dieta, justificando, pelo menos parcialmente, as diferenças
encontradas.
Em relação às medidas de perfecionismo não foram encontradas diferenças entre
os dois sexos, coincidindo com alguns dados da literatura (e.g., Hewitt &
Flett, 1991b) e com a H2, apesar de existirem referências à elevação dos níveis
de PSP das mulheres face aos homens (Hewitt & Flett, 1991a), diferentemente
do que havia sido encontrado por Bento et al. (2010), que apontavam para níveis
mais elevados de PAO, também nas raparigas. Relativamente ao comportamento de
dieta, verificámos que os rapazes e as raparigas com estes comportamentos têm
valores médios de IMC superiores. Isto sugere que a dieta estará sobretudo
relacionada com a necessidade/desejo de perda de peso por parte destes jovens.
Entre os mesmos apuraram-se, de igual modo, valores médios de sintomatologia de
PA mais altos, uma relação já descrita em alguns estudos (e.g., Ikeda, 2001) e
que vai ao encontro da H3. Não foram, porém, encontradas diferenças no
perfecionismo entre rapazes que faziam ou não faziam dieta, infirmando a
hipótese elaborada. Esta relação foi, todavia, verificada nas raparigas,
confirmando, neste grupo, a hipótese correspondente. Este resultado pode
implicar que, apesar de raparigas e rapazes possuírem níveis semelhantes de
perfecionismo-traço, este apenas parece ter relevância para o comportamento
alimentar perturbado nas raparigas. É possível que tal decorra do facto de as
raparigas possuírem um domínio de avaliação perfecionista orientado para o
corpo, menos observado nos rapazes, resultante da importância do corpo na
autoavaliação das mulheres ocidentais (Stice et al., 2000). Relativamente à
sintomatologia depressiva e/ou ansiosa, nem os rapazes nem as raparigas que se
encontravam em regime de dieta apresentaram diferenças face àqueles que não se
encontravam em dieta, ao contrário do identificado na literatura (Ikeda, 2001)
e estipulado na H3. Este resultado pode apontar para a dieta como um
comportamento normalizado na população adolescente, com objetivos bem
definidos de controlo da imagem corporal, por exemplo, sem estar
necessariamente associado a sintomatologia depressiva ou ansiosa, ao contrário
do que acontecerá quando o comportamento de dieta é excessivo e se aproxima do
extremo associado às PA.
Somente o perfecionismo global e a perturbação emocional (e não idade, IMC ou
dieta) permitiram explicar 9% da variância de sintomatologia de PA nos rapazes,
confirmando apenas parcialmente a H4. Este resultado diverge dos apresentados
em revisão, em que as subdimensões do perfecionismo apresentam maior capacidade
preditiva (e.g., Macedo et al., 2006). Seria importante analisar o modelo de
regressão nos rapazes que efetuam dieta mas devido à dimensão reduzida da
amostra, tal não foi possível.
É interessante verificar que o IMC não se revelou estar associado à
sintomatologia de PA, quer no modelo de regressão dos rapazes quer das
raparigas. Este resultado remete para a importância de outro tipo de variáveis
envolvidas no desenvolvimento dos comportamentos alimentares perturbados,
especificamente a interiorização do ideal de beleza transmitido pela sociedade
ocidental. Neste sentido, será certamente relevante, como referem Francisco et
al. (2015) no seu estudo transcultural com adolescentes de Portugal e de
Espanha, considerar a interiorização do ideal sociocultural como mediadora da
influência do IMC no comportamento alimentar perturbado. Todavia, este papel
mediador não foi encontrado para os rapazes de nenhum dos países estudados,
reforçando a importância de se considerarem modelos distintos de fatores de
risco para o desenvolvimento de PA consoante o sexo dos adolescentes.
Nas raparigas são a dieta, o PAO e a depressão que permitem explicar 38% da
variância de sintomatologia de PA, confirmando parcialmente a hipótese e
contrariando estudos anteriores realizados com populações não clínicas. No
estudo de Macedo et al. (2006), quer o PAO, quer o PSP se associaram à
sintomatologia de PA. Noutros estudos o PAO não se revelou preditor do
comportamento alimentar perturbado (Bento et al., 2010) ou apenas o foi quando
moderado por outras variáveis, como o PSP (Sherry et al., 2004). Já no estudo
de García-Villamisar, Dattilo e Pozo (2012) foi o PSP, e não o PAO, que surgiu
como mediador da relação entre afeto depressivo e sintomatologia de PA em
estudantes universitárias do sexo feminino.
Os resultados salientam ainda a pertinência da separação das dimensões de
perfecionismo, à semelhança do defendido por outros autores, como Joiner e
Schmidt (1995), que consideraram o modelo a dois fatores mais adequado e
estatisticamente superior ao de um fator, e por Sherry et al. (2004), que
alegam que não distinguir os dois tipos de perfecionismo no EDI pode distorcer
ou suprimir informação única. O papel exato do perfecionismo, como sabemos da
revisão literatura, ainda não se encontra plenamente definido, sendo pertinente
continuar a estudá-lo, de modo a identificar dimensões específicas relevantes,
nomeadamente para a compreensão das PA, tal como defendido por Franco-Paredes
et al. (2005).
Algumas limitações ao presente estudo podem ser apontadas, nomeadamente a
natureza transversal do estudo, uma vez que não facilita a identificação de
relações causais entre as variáveis. Também a opção de agrupar os itens da
subescala de Perfecionismo do EDI2 em perfecionismo autoimposto e socialmente
prescrito, um método que não foi equacionado pelo autor (Garner, 1991), pode
ser indicado como limitação, uma vez que se afasta dos objetivos iniciais da
escala e assenta em duas subescalas pouco robustas. Neste sentido, sugere-se
que em estudos futuros se utilize um maior número de itens para avaliar as
subdimensões do perfecionismo, que parecem estar relacionadas de diferentes
formas com os comportamentos alimentares perturbados dos adolescentes.
Todavia, os resultados do presente estudo pretendem ser um contributo para o
estudo de características associadas às perturbações alimentares, consideradas
na literatura como fatores de risco, confirmando que o fenómeno nos rapazes é
ainda pouco conhecido, aludindo indiretamente ao princípio do equifinalidade.
Os fatores de risco tradicionalmente apontados para as perturbações alimentares
podem ser sobretudo específicos para as raparigas, e não tanto para os rapazes.
Tendo em conta os correlatos analisados, futuros estudos longitudinais poderão
indicar que o mesmo fim, no caso a sintomatologia de perturbações alimentares,
pode ser alcançado através de diferentes caminhos e que estes parecem
distanciar-se entre raparigas e rapazes portugueses, aliás, como parece
acontecer noutras populações (e.g., Francisco et al., 2015). Seria interessante
em estudos futuros aprofundar os diferentes motivos para os adolescentes
fazerem dieta e a sua relação com o desenvolvimento posterior de perturbações
alimentares. Parece ainda ser necessário conhecer o papel específico do
perfecionismo para as perturbações alimentares uma vez que, apesar de não se
encontrarem diferenças significativas entre os dois sexos, este relaciona-se de
modo diferente com as perturbações alimentares consoante o sexo. De igual modo,
talvez o papel específico de perfecionismo auto-orientado nas perturbações
alimentares deva ser revisto, pois os dados do presente estudo indicam que este
constitui uma vertente mais psicopatológica do que o perfecionismo socialmente
prescrito, contrariando investigações diversas, fazendo-o sobressair como
possível preditor de sintomatologia de perturbação alimentar.