Efeito de Inibição Colaborativa: Revisão de algumas variáveis de influência
Ao longo dos últimos 20 anos temos vindo a assistir ao interesse crescente na
investigação sobre a memória colaborativa. Com uma história ainda recente, a
própria designação de memória colaborativa não é consensual, tal como não o é a
sua definição. Neste artigo utilizaremos o termo e a definição de memória
colaborativa como a recordação que envolve grupos de duas ou mais pessoas
(Meade & Roediger, 2009). Partindo desta definição de memória colaborativa,
somos levados a crer que, quando um grupo recorda uma informação que
experienciou ou processou em grupo, o seu desempenho é superior ao de cada
membro do grupo, isto é, intuímos que "duas cabeças pensam melhor que
uma". Efetivamente, os estudos de memória colaborativa têm vindo a
corroborar este facto, pois a evocação de informação tem-se revelado
consistentemente superior nos grupos colaborativos (de duas ou mais pessoas)
quando comparada com a evocação de cada indivíduo isoladamente (e.g., Weldon
& Bellinger, 1997). Este facto é particularmente notado quando é utilizado
o método aditivo (ver Lorge & Solomon, 1955) para calcular a quantidade de
informação evocada pelo grupo colaborativo. Veja-se o exemplo de um grupo
colaborativo constituído pelo participante A e pelo participante B, em que o
participante A evoca os itens 1, 2 e 3 (total de itens evocados = 3) e o
participante B evoca os itens 1, 2, 5, 6 e 7 (total de itens evocados = 5). A
média da evocação individual, segundo o modelo aditivo, é de 4. No entanto, o
desempenho colaborativo corresponde a 6 itens evocados (1, 2, 3, 4, 5, e 6).
Como se pode verificar, o desempenho do grupo - 6 - é superior à média do
desempenho individual - 4 - para a mesma informação.
No entanto, nos estudos de memória colaborativa, o método mais comum de
comparação entre o desempenho de um grupo colaborativo e o desempenho
individual consiste na criação de um grupo nominal. O grupo nominal não
corresponde a qualquer grupo formalmente constituído, pois ele é composto pelos
desempenhos individuais de tantos indivíduos quantos os que constituem o grupo
colaborativo. De modo a clarificar o desempenho de um grupo nominal, tomemos em
consideração o exemplo de um grupo constituído por três elementos (A, B, C). Na
tarefa colaborativa este grupo evoca os itens 1, 2, 3, 4 e 5 (total de itens
evocados = 5). Na tarefa individual, o participante A evoca os itens 1, 2, 3, e
4 (total de itens evocados = 4), o participante B evoca os itens 2, 3, 5, e 6
(total de itens evocados = 4), e o participante C evoca os itens 5, 7, 9, e 10
(total de itens evocados = 4). Segundo o modelo aditivo, o desempenho médio
individual corresponderia a 4. No entanto, para formar o grupo nominal, são
somados todos os itens evocados individualmente pelos três participantes,
excluindo os que se repetem, o que neste caso corresponde então à evocação dos
itens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9 e 10 (total de itens evocados = 9). Os itens
repetidos são contabilizados uma única vez, visto que o objetivo do grupo
nominal é representar o potencial de evocação máximo desse conjunto de pessoas.
Calculada a quantidade de informação evocada pelo grupo nominal, ou seja, o
potencial de evocação dos três elementos do grupo colaborativo quando evocam
informação de modo individual, é possível constatar que o seu desempenho é,
habitualmente, superior ao desempenho dos três membros do grupo quando recordam
a mesma informação de modo colaborativo. Este é o resultado mais comum e
robusto nos estudos sobre memória colaborativa, sendo designado por inibição
colaborativa (Weldon & Bellinger, 1997). Os referidos autores definiram
inibição colaborativa como sendo um fenómeno em que, contraintuitivamente, um
grupo composto por duas ou mais pessoas recorda significativamente menos
informação quando comparado com a soma do potencial individual de recordação
dessas mesmas pessoas (grupo nominal).
Mas porque ocorre este fenómeno? É replicável com diferentes tipos de
estímulos? A sua magnitude varia com a dimensão do grupo? É possível eliminá-
lo? E inverter a sua tendência? O presente artigo baseia-se na revisão da
investigação feita nesta temática e tem como objetivo responder àquelas
questões, percorrendo algumas das teorias explicativas e explorando alguns dos
resultados mais consensuais.
À Procura de uma Explicação para o Efeito de Inibição Colaborativa
O fenómeno de inibição colaborativa parece assemelhar-se ao efeito de bloqueio
que por vezes surge associado a tarefas realizadas em grupo (para uma revisão
ver Paulus, 2000). De acordo com Diehl e Stroebe (1987), por vezes a quantidade
e a qualidade das ideias produzidas em grupo é inferior à soma das ideias
produzidas individualmente por cada membro do grupo. De acordo com os mesmos
autores, existem diversas explicações para a ocorrência do efeito de bloqueio,
como seja a inibição de produção, que ocorre quando um elemento do grupo está a
evocar/produzir informação ou ideias e impede que os outros membros do grupo
evoquem/produzam informação nesse mesmo momento. Esta inibição de produção pode
levar ao esquecimento da informação que se pretendia verbalizar ao grupo.
Estudos da inibição colaborativa revelam que o bloqueio na produção de ideias é
por si só uma explicação para o fenómeno (Weldon & Bellinger, 1997). Em
tarefas de evocação colaborativa pode ser utilizada a técnica de discussão
livre2, onde é pedido aos participantes que nomeiem um redator e, livremente e
sem regras definidas, evoquem o máximo de informação que recordam. Esta tarefa
de evocação normalmente não tem um tempo limite, terminando quando os
participantes não conseguem evocar mais informações. Uma vez que não existe uma
ordem ou instruções definidas para esta evocação, não existe nenhum fator que
impeça um indivíduo de evocar uma informação em qualquer momento, e com isso
não há oportunidade para o bloqueio na produção de ideias. Os resultados de
estudos que recorrem à técnica de discussão livre têm, no entanto, revelado a
existência de inibição colaborativa (e.g., Barber, Harris, & Rajaram, 2014;
Barber & Rajaram, 2011; Dahlström, Danielsson, Emilsson, & Andersson,
2011; Kelley, Pentz, & Reysen, 2014; Weldon & Bellinger, 1997), o que
retira força à hipótese de a inibição colaborativa ser explicada pelo bloqueio
na produção de ideias.
Outra explicação para a ocorrência da quebra de desempenho mnésico em grupo é a
inibição social. Esta proposta de Camacho e Paulus (1995) defende a existência
de ansiedade inerente a qualquer interação social. Neste caso, cada membro do
grupo poderia sentir-se avaliado pelos outros de cada vez que produz
informação, o que inibe a geração de ideias. Do mesmo modo, vários estudos
revelam que em grupo regista-se, por vezes, preguiça social3 (para uma revisão
ver Garrido, 2012). A preguiça social diz respeito ao facto de, em grupo, cada
indivíduo tender a reduzir o esforço que aplica na concretização de um objetivo
grupai. Esta preguiça vai então resultar num menor desempenho do grupo, em
comparação com a soma do desempenho individual de cada membro desse grupo (para
uma revisão ver Latané, Williams, & Harkins, 1979). No entanto, este
argumento falha novamente na explicação da ocorrência da inibição colaborativa.
No estudo de Weldon, Blair e Huebsch (2000) os autores pretenderam perceber se
os fatores motivacionais/sociais eram responsáveis pela inibição colaborativa.
Desta forma, os autores optaram por aumentar os níveis de motivação dos
participantes através de incentivos monetários, forçando a evocação, aumentando
a responsabilidade pessoal de cada membro do grupo e a coesão do grupo. No
entanto, a inibição colaborativa fez-se notar, revelando assim que os fatores
motivacionais/sociais não chegam para justificar este fenómeno.
Para além das semelhanças da inibição colaborativa com o efeito de bloqueio de
desempenho em grupo, esta é, para alguns autores (e.g., Basden & Basden,
1995; Basden, Basden, Biyner, & Thomas III, 1997), igual ao efeito de parte
da lista como pista4. Segundo Slamecka (1986), o efeito de parte da lista como
pista ocorre quando o indivíduo estuda uma lista de palavras e no momento da
evocação tem acesso a algumas das palavras dessa lista como pista para a
recordação das restantes. Os resultados deste efeito revelam de forma
consistente que a evocação dos participantes sujeitos à apresentação de parte
da lista é inferior à dos participantes que não têm acesso a essas palavras. É
também inferior ao desempenho de participantes que apenas têm acesso a um
exemplar da lista de palavras como pista (Slamecka,1986). Para Basden e Basden
(1995), o pior desempenho individual na presença de pistas (quando estas são
parte da informação que foi codificada e deve ser evocada) ocorre porque os
indivíduos são obrigados a abandonar as suas próprias estratégias de
organização e evocação da informação por estas deixarem de ser compatíveis e
eficazes.
É no seguimento dos estudos do efeito de parte da lista como pista que surge a
explicação mais comum para a presença de inibição colaborativa em tarefas de
memória colaborativa - hipótese da interrupção das estratégias individuais de
evocação (Basden et al., 1997). Segundo esta hipótese, cada indivíduo
desenvolve estratégias idiossincráticas de organização da informação durante a
fase de codificação. Assim, no momento da recuperação em grupo, a evocação de
informação por parte de cada membro do grupo funciona como pista para os
outros. Por si só isto pode alterar a organização da estratégia de evocação da
informação codificada por cada um dos elementos do grupo. Neste sentido, a
evocação em grupo fará com que as estratégias individuais de recuperação sejam
interrompidas traduzindo-se numa quebra de desempenho. Como é constatável,
parte da lista como pista e disrupção da estratégia de recuperação podem ser
vistos como efeitos semelhantes, que ocorrem, respetivamente, quando um
indivíduo ou os elementos de um grupo tentam recuperar informação previamente
aprendida. Ao fazê-lo através de uma estratégia de recuperação organizada, esta
pode falhar. Seja pela apresentação de outros itens de uma lista (parte da
lista como pista), seja pela evocação dos outros elementos do grupo (disrupção
das estratégias de recuperação). Como consequência destas falhas, ocorre um
decréscimo no desempenho mnésico (Garcia-Marques & Garrido, 2015; para uma
revisão ver Garrido, Garcia-Marques, & Hamilton, 2012).
Esta tornou-se a explicação mais frequente para a inibição colaborativa porque,
ao contrário das explicações anteriormente referidas, tem sido suportada pelos
resultados de vários estudos. Entre eles, está o facto de a inibição
colaborativa ter um caráter não permanente. Ou seja, se a um participante que
anteriormente fez parte de um grupo colaborativo for pedido para evocar
individualmente a mesma informação, não raras vezes é recordada informação que
durante a tarefa colaborativa tinha sido inibida (e.g., Basden et al., 1997;
Basden, Basden, & Hemy, 2000; Blumen & Rajaram, 2008; Rajaram &
Pereira-Pasarin, 2007). Outra fonte de suporte para esta hipótese explicativa
para o efeito de inibição colaborativa é o facto de este efeito ser atenuado
quando todos os membros do grupo utilizam estratégias de evocação similares,
como iremos explorar posteriormente neste artigo.
Na secção seguinte deste artigo pretendemos discutir os resultados de alguns
estudos, focando a replicação e/ou atenuação do efeito de inibição
colaborativa, com base em diferentes métodos e procedimento usados.
Fatores que Conduzem à Replicação do Efeito de Inibição Colaborativa
Diversos estudos têm revelado que o efeito de inibição colaborativa ocorre com
uma grande diversidade de estímulos, tarefas e tipos ou métodos de evocação,
revelando-se um fenómeno replicável e com resultados robustos. Entre eles
encontram-se listas de palavras frequentes e concretas (e.g.. Saraiva,
Albuquerque, & Arantes, 2014c), listas de exemplares de categorias (Basden
et al., 1997), listas de palavras não relacionadas (Andersson, Hitch, &
Meudell, 2006; Finlay, Hitch, & Meudell, 2000), listas de palavras
associadas (Saraiva, Albuquerque, & Arantes 2014b; Thorley & Dewhurst,
2007; Weigold, Russell, & Natera, 2014), histórias (Takahashi & Saito,
2004), imagens (Finlay, et al., 2000), eventos com intensidade emocional
(Yaron-Antar & Nachson, 2006) e vídeos (Andersson & Rõnnberg, 1995). A
multiplicidade de estímulos utilizados no estudo da memória colaborativa
permite perceber que, mesmo com diferenças procedimentais e metodológicas entre
os diferentes estudos, o efeito de inibição colaborativa é robusto.
Alguns estudos têm tentado compreender se o efeito de inibição colaborativa é
transversal a todas as idades, ou se, pelo contrário, existe uma idade crítica
a partir da qual este efeito se torna mais presente. Neste sentido, destacamos
os estudos de Andersson (2001) e de Ross, Spencer, Blatz e Restorick, (2008),
por terem estudado este fenómeno em faixas etárias diferentes.
O estudo de Andersson (2001) comparou o desempenho de crianças de 7 e 15 anos
de idade numa tarefa de memória colaborativa. Os resultados revelaram que com
pares de crianças de 7 anos, de 15 anos e pares mistos (um elemento de 7 anos e
outro de 15 anos), o efeito de inibição colaborativa é observado, o que mostra
que desde idades muito precoces a colaboração em tarefas de memória produz
algum prejuízo no desempenho mnésico.
Por seu lado, o estudo de Ross e colaboradores (2008), comparou adultos e
idosos quanto à recordação de informação estando sozinhos (grupo nominal) ou
com as/os suas/seus cônjuges (grupo colaborativo). Os resultados revelaram um
claro efeito de inibição colaborativa, sendo ainda de notar que os idosos
apresentam um desempenho inferior aos adultos, tanto no grupo nominal como no
grupo colaborativo. No seu conjunto, os resultados destes dois estudos mostram
que a inibição colaborativa é um efeito que ocorre independentemente da idade
dos participantes.
Em tarefas de memória colaborativa, são utilizados dois métodos principais de
evocação: vez-à-vez5 ou discussão livre (já descrito anteriormente). No método
vez- à- vez é pedido aos participantes do grupo colaborativo que evoquem cada
estímulo/informação à vez, passando de seguida a evocação a outro membro do
grupo e assim sucessivamente. Isto é, neste método, cada participante do grupo
colaborativo dispõe de 10 segundos (tempo máximo) para evocar uma informação,
sendo que, de seguida é dada a vez de evocação ao outro membro do grupo. Sempre
que um participante necessita de menos de 10 segundos para evocar cada
informação, a vez passa imediatamente ao outro participante. A tarefa de
evocação é dada por terminada após três tentativas de evocação falhadas. Alguns
estudos têm tentado compreender se a utilização destes métodos de evocação
influenciam a quantidade de informação evocada pelo grupo, e consequentemente o
efeito de inibição colaborativa. Neste sentido, destacamos o estudo de Thorley
e Dewhurst (2007) onde os resultados revelaram que o método de evocação, vez-à-
vez ou discussão livre, não parece ter qualquer efeito na quantidade de
informação corretamente evocada. No entanto, no teste de evocação individual
posterior à evocação colaborativa, os resultados revelam que participantes que
na fase de colaboração utilizaram o método vez-à-vez, evocam mais informação
correta do que os participantes que estiveram sujeitos ao método discussão
livre na fase de evocação colaborativa. Este resultado revela que o método vez-
à-vez favorece a quantidade de informação evocada individualmente após uma
tarefa de evocação colaborativa quando comparada com o método discussão livre.
Relativamente ao tamanho do grupo e a sua influência no efeito de inibição
colaborativa, destacamos o estudo de Thorley e Dewhurst (2007) porque, apesar
do seu objetivo principal ser o estudo da produção de memórias falsas em
tarefas de memória colaborativa, utiliza grupos de tamanho variável
(individuais, pares, trios e quartetos), comparando os seus desempenhos na
evocação correta de informação. Neste sentido, foram utilizadas listas de
palavras associadas que os participantes ouviam e, de seguida, evocavam o
máximo de palavras que recordavam. Esta tarefa era realizada individualmente,
em pares, trios ou quartetos. De salientar que metade dos participantes, na
recordação em pares, trios ou quartetos, evoca informação segundo o método vez-
à-vez e, outra metade, com o método discussão livre. Os resultados revelaram
que independentemente do número de participantes que compõem cada grupo, o
grupo nominal evocou uma quantidade superior de informação quando comparado com
o grupo colaborativo. No que diz respeito ao tamanho do grupo, os resultados do
referido estudo revelam que à medida que o tamanho do grupo aumenta, aumenta a
quantidade de informação evocada, no entanto, o desempenho do grupo nominal
supera sempre o desempenho do grupo colaborativo, denotando um claro efeito de
inibição colaborativa.
Fatores que atenuam ou eliminam o efeito de inibição colaborativa
Estudo repetido
É sabido, da investigação sobre a memória individual, que o estudo repetido da
informação aumenta a sua recordação (e.g., Braun & Rubin, 1998). Neste
sentido, Basden, Basden e Henry (2000) quiseram compreender o papel do estudo
repetido na quantidade de informação evocada em grupos colaborativos, bem como
o seu efeito na inibição colaborativa. Desta forma, a grupos de dois ou quatro
elementos, eram apresentadas listas de exemplares de categorias, às quais se
seguia uma tarefa de evocação colaborativa, sendo esta tarefa repetida três
vezes. No final da evocação colaborativa repetida os participantes foram
sujeitos a uma tarefa de evocação individual. Os resultados revelaram que a
exposição repetida às listas de palavras e respetiva evocação repetida eliminou
o efeito de inibição colaborativa. A análise dos resultados mostrou ainda que a
eliminação do efeito de inibição colaborativa se ficou a dever ao aumento da
quantidade de palavras evocadas pelo grupo colaborativo.
Intervalo de retenção
Com o intuito de compreender o papel do tempo decorrido entre a fase de estudo
e a fase de evocação da informação, Takahashi e Saito (2004) recorreram a um
intervalo de retenção de uma semana. Assim, na fase de estudo os participantes
foram expostos a uma história e, passada uma semana, evocavam o máximo de
informação que recordavam da história. Esta evocação ocorria tanto em pares
como individualmente. Os resultados revelaram que o intervalo de uma semana
eliminou o efeito de inibição colaborativa. De salientar que numa outra
experiência (Exp.1, Takahashi e Saito, 2004), os autores replicaram o efeito de
inibição colaborativa como o mesmo material (história) e um intervalo de
retenção mais curto. Estes resultados permitem concluir que a eliminação do
efeito de inibição colaborativa se deve mesmo ao tempo decorrido entre as duas
fases.
Tipo de tarefa de memória
Um fator que se tem revelado determinante na eliminação do efeito de inibição
colaborativa é o tipo de tarefa de memória. Neste sentido, destacamos aqui os
estudos que recorreram a tarefas de reconhecimento e a tarefas de evocação
serial, uma vez que em tarefas de evocação livre o efeito em causa é muitas
vezes replicado (e.g., Clark, Hori, Putman, & Martin, 2000; Ross, Spencer,
Linardatos, Lam, & Perunovic, 2004; Saraiva, Albuquerque, & Arantes,
2014c).
O estudo de Clark et al., (2000) teve como objetivo principal estudar o
desempenho dos grupos colaborativos (pares e trios) em tarefas de
reconhecimento. Na Experiência 1 os participantes viam quatro listas de
palavras e após a apresentação de cada lista de palavras seguia-se uma tarefa
de reconhecimento. Nesta tarefa, cada participante assinalava individualmente
numa folha de papel se a palavra tinha sido apresentada anteriormente
("velha") ou não ("nova"). De seguida, em grupo de dois ou
três elementos, os participantes procuravam chegar a um consenso acerca do
reconhecimento da palavra, isto é, em grupo deviam definir se uma palavra que
já tinham identificado anteriormente como "nova" ou "velha"
se deveria manter com esse estatuto. Esta decisão deveria ser consensual e
seguia o método de discussão livre. Os resultados revelaram que em colaboração
a média de acertos (reconhecimento correto) é superior quando comparada com a
média de acertos dos dois ou dos três elementos do grupo antes da colaboração.
Este resultado revela não apenas a possibilidade de eliminação do efeito de
inibição colaborativa, como ainda a existência de facilitação colaborativa,
isto é, o desempenho colaborativo supera o desempenho nominal neste tipo de
tarefas. Segundo Clark e colaboradores (2000), a diferença de resultados entre
tarefas de evocação e tarefas de reconhecimento relativamente ao efeito e
inibição colaborativa é justificada pela hipótese da interrupção das
estratégias individuais. Isto é, durante as tarefas de evocação, as palavras
evocadas pelos outros membros do grupo funcionam como pistas para a evocação, o
que interfere negativamente com a evocação, causando uma diminuição no
desempenho do grupo colaborativo quando comparado com o desempenho do grupo
nominal. No entanto, em tarefas de reconhecimento isto não acontece pois a
estratégia não se baseia em pistas que permitam, ou não, a evocação correta de
informação. A capacidade de reconhecimento parece estar dependente de um
consenso entre elementos do grupo, ou seja, os membros do grupo precisam apenas
de convencer o restante grupo de que viu ou não viu (reconhece ou não
reconhece) aquele estímulo.
Relativamente a tarefas que envolvem uma evocação serial, isto é, que consistem
na evocação da informação pela ordem em que esta foi anteriormente apresentada,
destacamos o estudo de Saraiva et al., (2014c). Neste estudo, os autores
tiveram como objetivo perceber se dotando os participantes da mesma estratégia
de evocação de informação (Mnemónica dos Lugares), e recorrendo a uma tarefa de
evocação serial, o efeito de inibição colaborativa era atenuado. Os resultados
revelaram que o recurso a uma tarefa de evocação serial elimina o efeito de
inibição colaborativa. Segundo os autores, a tarefa de evocação serial permite
aos elementos do grupo codificar a informação de modo similar, o que, à
semelhança da proposta de Finlay, Hitch e Meudell (2000), conduz a uma
estratégia de evocação semelhante, não permitindo a interrupção das estratégias
individuais de evocação e consequente eliminação do efeito de inibição
colaborativa.
Perícia
Por fim, a perícia dos participantes em tarefas colaborativas revela-se uma
variável capaz de eliminar o efeito de inibição colaborativa. Meade, Nokes e
Morrow (2009) realizaram um estudo onde tiveram por objetivo compreender de que
modo a perícia em partilhar informação afetava o efeito de inibição
colaborativa. Neste sentido, na sua experiência, compararam o desempenho de
pilotos experientes (instrutores de voo), pilotos pouco experientes (alunos de
uma escola de aviação) e não pilotos (estudantes universitários sem ligação à
aviação) numa tarefa de evocação colaborativa. Aos participantes eram
apresentados cenários de avarias/problemas aéreos, sendo que, de seguida era
pedido que evocassem o máximo de informação que recordavam do cenário,
individual ou colaborativamente (pares de participantes). Os resultados revelam
a replicação do efeito de inibição colaborativa tanto para os pilotos sem
experiência como para os não pilotos. No entanto, o resultado mais importante
diz respeito ao grupo dos pilotos experientes. Neste grupo, não só o efeito de
inibição colaborativa é eliminado como ainda se verifica o efeito de
facilitação colaborativa. Ou seja, neste grupo, quando a evocação de informação
é feita de modo colaborativo, o desempenho é superior ao desempenho obtido na
tarefa individual. Segundo os autores, este resultado pode ser explicado devido
ao facto de, durante a sua formação, os pilotos serem dotados de estratégias
eficazes de comunicação e partilha de informação. Assim, segundo os autores
deste estudo, o facto de os pilotos experientes terem estratégias de partilha
de informação semelhantes, faz com que não exista interrupção das estratégias
individuais de evocação durante a evocação colaborativa, ao contrário do que
ocorre com os outros dois grupos de participantes, que não partilham
estratégias colaborativas. No mesmo sentido destaca-se o estudo de Garcia-
Marques e colaboradores (2012). Estes autores, num estudo acerca da formação de
impressões numa tarefa de memória colaborativa, concluíram que, quando os
membros de um grupo colaborativo organizam a informação pela mesma ordem em que
foi apresentada, o efeito de inibição colaborativa é atenuado. De igual modo.
Saraiva, Albuquerque e Arantes (2015) verificaram que quando um grupo
colaborativo é sujeito a uma tarefa de evocação serial, onde no momento da
recuperação a informação segue a mesma organização da codificação, o efeito de
inibição colaborativa é eliminado.
CONCLUSÃO
O efeito de inibição colaborativa, presente em tarefas de memória colaborativa,
tem sido amplamente replicado. Os grupos colaborativos apresentam
frequentemente um desempenho inferior ao desempenho dos grupos nominais em
tarefas de evocação. Este efeito tem-se revelando robusto pois, como foi
possível perceber ao longo deste artigo, ele é replicável recorrendo a
diferentes tipos de estímulos, tamanhos de grupos colaborativos diversos ou
idades dos participantes. No entanto, verifica-se também que este efeito é
passível de ser atenuado ou até mesmo eliminado, manipulando, por exemplo,
algumas variáveis procedimentais como o tipo de tarefa de memória.
Neste sentido, têm sido apontadas algumas explicações para a ocorrência deste
efeito. A que mais se destaca, por recolher mais suporte empírico, é a hipótese
proposta por Basden e colaboradores (1997), da interrupção das estratégias
individuais de recuperação. Tendo em conta esta explicação do efeito de
inibição colaborativa, sugerimos que estudos futuros analisem especificamente o
papel das estratégias individuais de recuperação na quantidade de informação
evocada em grupo, dotando, por exemplo, os participantes com estratégias de
evocação semelhantes. Por outro lado, deve ser tido em conta que o processo de
codificação, nomeadamente o que diz respeito à organização da informação,
assume um papel fundamental no desempenho do grupo colaborativo (e.g., Garcia-
Marques et al., 2012, 2015; Meade & Roediger, 2009; Saraiva et al., 2015),
pelo que estudos futuros devem explorar aquele processo.