Linguagem. Gênero. Sexualidade.: Clássicos traduzidos
Ostermann, Ana Cristina; Fontana, Beatriz (Orgs.) (2010), Linguagem. Gênero.
Sexualidade. Clássicos traduzidos, São Paulo, Parábola.
Tatiane Rosa Carvalho
Universidade do Vale do Rio dos Sinos ' UNISINOS tatianecarv@gmail.com
Linguagem. Gênero. Sexualidade. Clássicos Traduzidos foi lançado na segunda
edição do Congresso Internacional Linguagem e Interação na Universidade do Vale
do Rio dos Sinos, em junho de 2010. A publicação foi organizada pelas
pesquisadoras Ana Cristina Ostermann e Beatriz Fontana, e representa um
importante avanço para os estudos acerca de gênero e interação social no
Brasil. Graças à iniciativa das autoras, as leitoras e leitores brasileiros têm
finalmente à sua disposição a tradução de estudos clássicos, fundamentais para
que se possa compreender melhor as discussões acerca das relações entre
linguagem, gênero e sexualidade. O objetivo da obra é tornar acessível a
diversidade de perspectivas historicamente desenvolvidas, a fim de demonstrar a
compreensão de como mulheres e homens interagem. Linguagem. Gênero.
Sexualidade. Clássicos Traduzidos promove um panorama dos estudos mais
representativos da área de gênero e interação social.
A obra está organizada em artigos de pesquisadoras e pesquisadores consagrados,
representando a evolução desde os estudos que apontavam para a dicotomia
clássica de estilos de fala de mulheres e homens, passando pelas noções de
déficit, dominância e diferença, até os desdobramentos mais recentes, que
buscam problematizar as noções essencialistas de «feminino» e «masculino» no
uso da linguagem.
O trabalho de Robin Lakoff (1975), Linguagem e lugar da mulher, do qual um
extrato encontra-se traduzido na obra de Ostermann e Fontana, inaugura os
estudos acerca de linguagem e gênero social. Esse artigo representa a
perspectiva de déficit sobre linguagem e gênero na presente coletânea. Lakoff
(1975) apresenta as diferenças existentes entre os estilos de fala de mulheres
e homens que, de acordo com ela, representam a discrepância existente na
posição social desigual ocupada por pelos sexos na sociedade estadunidense.
A perspectiva de dominância está representada nas obras de Fishman (1983) e de
Candance West e Don Zimmerman (1987). No artigo denominado O trabalho que as
mulheres realizam nas interações, Fishman (1983) examina a relação hierárquica
entre homens e mulheres, através do modo como essas relações de poder se
manifestam na conversa. A autora analisou a fala de três casais em suas
residências, a fim de observar as possíveis relações de poder existentes entre
homens e mulheres. A partir da análise do trabalho interacional realizado pelas
mulheres nessas conversas e pelo exercício de poder exercido pelos homens ao se
recusarem a ser o que ela chama de «um parceiro completo» (p. 44), Fishman
(1983) demonstra que a atividade conversacional desses casais na esfera privada
é representativa das relações hierárquicas socialmente estruturadas existentes
entre homens e mulheres.
West e Zimmerman (1987), no artigo denominado Pequenos insultos: estudo sobre
interrupções em conversas entre pessoas desconhecidas e de diferentes sexos,
analisam a ocorrência de interrupções como uma reflexão acerca de fatores de
gerenciamento da alocação dos turnos de fala, entre eles o sexo dos/as
falantes. A pesquisa é baseada em interações entre estudantes universitários de
diferentes sexos e os resultados demonstraram que os homens iniciaram um número
de interrupções três vezes maior do que aquelas iniciadas pelas mulheres. A
autora e o autor argumentam que a assimetria na iniciação das interrupções
constitui um diferencial de poder, bem como um meio de «fazer» poder e gênero
em interações face a face.
A abordagem da diferença, por sua vez, defende que as formas diferenciadas de
falar são resultado do fato de que homens e mulheres são socializados de
maneiras diferentes desde sua primeira infância. O trabalho de Deborah Tannen
(1990) representa essa perspectiva, através do artigo intitulado Quem está
interrompendo? Questões de dominação e controle, que corresponde ao quinto
capítulo de Linguagem. Gênero. Sexualidade. Clássicos Traduzidos. Tannen (1990)
problematiza as interpretações de estudos anteriores acerca de interrupções,
discutindo a necessidade de uma análise meticulosa do que constitui a
interrupção nas conversas estudadas. A autora argumenta que para determinar se
algum direito de fala está sendo violado, faz-se necessário conhecer bem os/as
falantes envolvidos/as na conversa, bem como a situação, a fim de que se possa
reconhecer o que o/a falante que interrompe está tentando fazer.
Estudos posteriores a 1990 passam a contestar o essencialismo até então
atribuído às relações entre linguagem e gênero social. A partir de então surge
um maior interesse em investigar as complexidades envolvidas em fazer gênero
por meio da linguagem. O estudo de Penelope Eckert e Sally McConnell-Ginet
(1992), traduzido no capítulo seis da coletânea de Ostermann e Fontana é um
exemplo dessa nova abordagem. No artigo denominado Comunidades de práticas:
lugar onde co-habitam linguagem, gênero e poder, as autoras sustentam que
gênero também pode ser negociado e aprendido dentro de comunidades de prática.
O capítulo sete, denominado «É uma menina!»: a volta da performatividade à
linguística, de Anna Livia e Kira Hall (1997), explora as relações entre
linguagem e gênero a partir da teoria dos atos de fala (Austin, 1962; Searle,
1969). De acordo com as autoras, através da teoria de performatividade de
gênero, «afastamo-nos da construção social da sexualidade para nos
direcionarmos à construção discursiva de gênero» (p. 121, grifo meu).
Ainda dentro dos estudos que abordam a diversidade, o texto de Deborah Cameron
(1998), Desempenhando identidade de gênero: conversa entre rapazes e construção
da masculinidade heterossexual, que corresponde ao capítulo final da obra de
Ostermann e Fontana, vem ao encontro do conceito de performatividade de gênero.
A autora analisou conversas informais entre cinco homens e demonstrou que o uso
de oposições convencionais relativas aos estilos masculino e feminino de fala é
problemático. Cameron (1998) defende que «é inútil continuarmos a usar modelos
de fala generificada que considere implicitamente a masculinidade e a
feminilidade como construtos monolíticos» (p. 147).
Os artigos que compõem o livro são de extrema relevância tanto para estudantes
e profissionais iniciantes no assunto quanto para profissionais e estudantes
com larga experiência de pesquisa. Os textos selecionados por Ostermann e
Fontana em Linguagem. Gênero. Sexualidade. Clássicos Traduzidos são os mais
representativos dos desdobramentos das pesquisas focalizadas nas relações entre
interação social, gênero e sexualidade no mundo. Dado o caráter
interdisciplinar do tema, o livro não se destina apenas à interlocução com o
público acadêmico de Linguística e Letras, como também de outras áreas do
conhecimento que se afiliam a questões de linguagem, gênero e sexualidade.
Afinal, como bem observa Marcos Marcionilo (2010), «em matéria de linguagem,
gênero e sexualidade, esta-mos todos implicados e refletir sobre esses temas é
certamente produzir maior igualdade sem deixar de valorizar as diferenças» (p.
7).