Políticas de igualdade de género na União Europeia e em Portugal: Influências e
incoerências
Introdução
As políticas da igualdade de género, tal como hoje são entendidas, tiveram,
salvo em casos avulsos e situações específicas1 (CIG, 2009; Monteiro, 2010b),
início em Portugal com a instauração da República, foram interrompidas no
período do Estado Novo e retomadas, numa perspetiva mais alargada, com o 25 de
Abril de 1974 (CIG, 2009; Rêgo, 2010). Para esta retoma foi decisiva a
inscrição do princípio da igualdade na Constituição de 1976 e os inerentes
desenvolvimentos legislativos, com particular relevo para a revisão do Código
Civil, em 1977, bem como, designadamente, a adesão de Portugal ao Conselho da
Europa em 1976, a participação ativa do nosso país nos trabalhos sobre a
matéria levados a cabo pelas organizações internacionais, em particular as
Nações Unidas, a criação de facto2, em 1975, da Comissão da Condição Feminina,
e a influência do direito então chamado comunitário, ou seja, produzido no
âmbito das Comunidades Europeias, concretamente a Comunidade Económica
Europeia.
De tal modo esta última influência foi significativa, que aquando da adesão de
Portugal às Comunidades Europeias, não foi necessário transpor para a ordem
interna qualquer das diretivas ao tempo aplicáveis no domínio da igualdade
entre mulheres e homens (CITE, 1988b)3.
A influência do direito comunitário na "Lei da Igualdade" – 1979
Em Portugal não existiu nem existe uma Lei da Igualdade, no sentido de diploma-
quadro regulador da matéria de modo integrado na sequência das disposições
aplicáveis da Constituição, do direito internacional e do direito da União
Europeia. Mas, ainda que impropriamente, foi assim designado o Decreto-Lei n.º
392/79, de 20 de setembro (CITE, 1988a), que visava "garantir às mulheres
a igualdade com os homens em oportunidades e tratamento no trabalho e no
emprego", aplicando-se "igualmente, com as necessárias adaptações,
a eventuais situações ou práticas discriminatórias contra os homens"4, e
que, para o efeito, entre outros instrumentos, criava a Comissão para a
Igualdade no Trabalho e no Emprego5. Este foi, basicamente, o normativo que,
segundo o seu próprio preâmbulo, representou não só "uma aproximação da
legislação laboral portuguesa a outras ordens jurídicas, designadamente às de
organizações internacionais a que Portugal está ou virá brevemente a estar
vinculado" – numa clara referência à prevista adesão às Comunidades
Europeias, que, no entanto, só viria a ocorrer cerca de 6 anos mais tarde – mas
também "o aproveitamento de ensinamentos colhidos de fecundas
experiências estrangeiras neste domínio" – no caso, "uma Comissão
que, de alguma forma se inspirava numa instituição ao tempo muito recente: o
Ombusdsman para a igualdade experimentado na Suécia", como recordava, no
Colóquio que comemorou os 20 anos da CITE, Manuela Aguiar (2000), a Secretária
de Estado do Trabalho, que deu o "impulso final" para a aprovação
do diploma (Monteiro, 2010a).
A influência da então CEE nas políticas públicas em Portugal em matéria de
igualdade entre mulheres e homens, traduzida na incorporação na "Lei da
Igualdade " – que igualmente integrava desenvolvimentos de normas
constitucionais6 e convencionais7 – do conteúdo fundamental das diretivas
comunitárias já mencionadas8, foi, assim, voluntária e não vinculada, porque
anterior à adesão de Portugal às Comunidades Europeias.
A influência da Estratégia Europeia para o Emprego nas políticas públicas
portuguesas sobre igualdade de género, a partir de 1998
Em finais de 1997, foi aprovada pelo Conselho Europeu Extraordinário do
Luxemburgo a Estratégia Europeia para o Emprego, que consistia num conjunto de
linhas de orientação agrupadas em 4 pilares estruturantes – empregabilidade,
espírito empresarial, adaptabilidade e igualdade de oportunidades – a
desenvolver por cada Estado membro através de um Plano Nacional de Emprego, por
cujo cumprimento seria sujeito a avaliação numa perspetiva comparada entre
pares e, se fosse caso disso, a recomendações por parte da Comissão Europeia.
Considero que a existência do IV Pilar relativo à "Igualdade de
Oportunidades ", embora abrangesse uma área de intervenção mais vasta do
que a igualdade entre homens e mulheres, constituiu uma oportunidade de relevo
para o avanço das políticas públicas em Portugal no domínio da igualdade de
género. Desde logo, porque a metodologia participativa para a elaboração do
plano e para o seu acompanhamento implicou que a Comissão para a Igualdade no
Trabalho e no Emprego (CITE) fosse regularmente consultada, o que também foi
facilitado quer pelo facto de a Comissão estar integrada no Ministério do
Trabalho e da Solidariedade, quer pelo facto de a responsabilidade pela
elaboração do plano pertencer ao mesmo ministério.
Não fossem as obrigações da Estratégia Europeia para o Emprego concretizadas no
Plano Nacional de Emprego de 1998 e, muito dificilmente teria tido lugar a
adoção do conjunto de medidas que integraram as diretrizes pertinentes do IV
pilar do plano no domínio da igualdade de género9, que foram semente de muitas
realizações. Ainda que a execução tenha, em algumas situações, ficado longe de
ser atingida, o tema viu reforçada a sua credibilidade e mereceu visibilidade e
consistência ao ser tratado, pelo menos formalmente, de modo idêntico a
qualquer outro relevante para o emprego: enquadramento, elencagem de
prioridades, de objetivos/metas, de principais instrumentos disponíveis, de
novos instrumentos, de indicadores de resultados e de desenvolvimento, de
calendário. No âmbito dos então "novos instrumentos", salienta-se:
– Formação na área da igualdade de oportunidades, a partir da
construção de módulos, de metodologias e de materiais inovadores,
dirigidos a grupos estratégicos;
– Inclusão de um módulo sobre igualdade de oportunidades em toda a
formação pública desenvolvida pelo IEFP;
– Entrada em funcionamento de um observatório para seguimento da
temática da igualdade de oportunidades nos instrumentos de
regulamentação colectiva de trabalho;
– Atribuição de prémios às empresas com políticas exemplares na área
da igualdade de oportunidades. (Diretriz 16).
– Transposição da diretiva relativa ao acordo quadro sobre licença
parental, garantindo a igualdade de direitos e oportunidades dos
cônjuges com atividade profissional;
– Promoção da elaboração de códigos de boas práticas em áreas como a
proteção da maternidade e da paternidade e as ações positivas em
matéria de conciliação da vida profissional e familiar;
– Generalização, na formação inicial e contínua dispensada a ambos os
sexos, do domínio de competências para o exercício de atividades de
apoio à vida familiar;
– Expansão da rede do ensino pré-escolar. (Diretriz 17).
– Atribuição de apoios específicos às empresas que promovam a
igualdade de oportunidades na reinserção de trabalhadoras e
trabalhadores na vida ativa;
– Ajustamento e reforço de medidas de ação positiva. (Diretriz 18).
Este plano concretizou também uma boa prática de transversalização
(mainstreaming) da igualdade de género nas políticas públicas, não só porque
estabeleceu uma ligação com o Plano Global para a Igualdade de Oportunidades,
de 199710, o primeiro sobre a matéria, mas também porque:
Para atingir o objetivo geral de promover, numa perspetiva horizontal
e integrada, a igualdade entre homens e mulheres no conjunto das
medidas e das ações, a nível do trabalho, do emprego e da formação
profissional, a transversalidade das questões implica que medidas de
ação positiva, designadamente de reforço ou aprofundamento das
atualmente existentes ou previstas, devam considerar-se implícitas
nos três primeiros pilares do presente Plano, e suscetíveis de
aplicação nas situações em que o acompanhamento e a avaliação venham
a aconselhá-las (Pilar IV – Reforçar as políticas de Igualdade de
Oportunidades).
A influência das políticas públicas portuguesas sobre paternidade no direito da
União Europeia
Quando teve início a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia em
janeiro de 2000, o País tinha acabado de introduzir na sua ordem interna – no
âmbito da transposição da diretiva comunitária sobre licença parental11, mas
muito para além dos mínimos obrigatórios, respondendo também ao previsto no
Plano Nacional de Emprego – uma mudança de paradigma na divisão sexual do
trabalho. Com efeito, a Lei n.º 142/99, de 31 de agosto, que alterara a Lei de
Proteção da Maternidade e da Paternidade12 e a respetiva regulamentação13
(CITE, 2001), evidenciaram que, para a atividade económica, as crianças tinham
pai, a quem também cabiam as responsabilidades da vida familiar. Tinha acabado,
por via de lei explícita, o reconhecimento de que o trabalho de cuidado com
descendentes era um exclusivo das mulheres. Tinha sido reconhecido aos homens o
direito ao tempo e à inerente ausência sem prejuízos do local de trabalho, para
o exercício da sua paternidade. Tinha sido aberto o caminho para a igualdade de
facto entre mulheres e homens no trabalho pago e não pago. Como sublinha Karin
Wall (Wall, 2010: 83-84), "esta nova legislação de 1999 representa um
marco relevante na evolução dos direitos da paternidade em Portugal, sendo a
partir desta data que se torna mais evidente a relação entre a política de
licenças e a política de igualdade de género."
Com efeito, os homens trabalhadores quando são pais passaram a ter:
a. um direito próprio, autónomo e intransmissível a uma licença por
paternidade de 5 dias úteis, paga a 100% pela segurança social ou pelo
Estado, no caso de funcionários públicos14;
b. um direito, por decisão conjunta com a mãe e no caso de não haver lugar à
amamentação, à dispensa em cada dia de trabalho por dois períodos de
duração
máxima de uma hora para aleitação, até o filho perfazer um ano15;
c. um direito exclusivo a 15 dias por licença parental paga a 100% pela
segurança social ou pelo Estado, no caso de funcionários públicos, se
esses dias fossem gozados imediatamente após a licença por maternidade ou
por paternidade16.
Daí que Portugal tenha pretendido marcar a sua presidência, não apenas com a
adoção da Agenda de Lisboa, mas também com a introdução no direito da UE de um
instrumento que, ainda que simbolicamente, dissociasse as mulheres da
exclusividade do trabalho de reprodução. O que conseguiu com a Resolução 2000/
C218/02 do Conselho e dos Ministros do Emprego e da Política Social, reunidos
no seio do Conselho, de 29-06-2000, relativa à participação equilibrada das
mulheres e dos homens na atividade profissional e na vida familiar (União
Europeia, 2000). Para Dominique Méda (2001: 157),
Esta resolução parece, com efeito, um concentrado das posições mais
modernas em matéria de igualdade de oportunidades e de promoção de um
novo modelo de sociedade, onde, por um lado, os tempos consagrados às
diferentes atividades seriam melhor equilibrados, e, por outro, estas
diferentes atividades melhor repartidas entre homens e mulheres do
que são atualmente (Méda, 2001: 157).17
Transcrevo algumas disposições particularmente inovadoras da Resolução, pelo
que significam de consenso político num texto jurídico, ainda que não
vinculativo, da União Europeia:
(2) O princípio da igualdade entre homens e mulheres implica a
indispensabilidade de compensar a desvantagem das mulheres no que se
refere às condições de acesso e participação no mercado de trabalho e
a desvantagem dos homens no que se refere às condições de
participação na vida familiar, decorrentes de práticas sociais que
ainda pressupõem o trabalho não remunerado emergente dos cuidados à
família como uma responsabilidade principal das mulheres, e o
trabalho remunerado inerente à vida económica como uma
responsabilidade principal dos homens.
(3) O princípio da igualdade entre homens e mulheres em matéria de
emprego e de trabalho implica igual partilha entre pais e mães
trabalhadoras no que toca nomeadamente à necessidade de ausência do
local de trabalho para prestação de cuidados a filhos ou outros
dependentes.
(4) A participação equilibrada das mulheres e dos homens tanto na
atividade profissional como na vida familiar, que é do interesse
tanto dos homens como das mulheres, constitui um aspeto essencial do
desenvolvimento da sociedade, sendo a maternidade, a paternidade e os
direitos das crianças valores sociais eminentes que deverão ser
protegidos pela sociedade, pelos Estados-Membros e pela Comunidade
Europeia.
(5) Tanto os homens como as mulheres, sem discriminação em função do
sexo, gozam do direito à conciliação entre a vida profissional e a
vida familiar.
(10) Face ao n.º 3 do artigo 141.º do Tratado que institui a
Comunidade Europeia, importa proteger os trabalhadores de ambos os
sexos que exercem direitos inerentes à paternidade, à maternidade ou
à conciliação da vida profissional e familiar18.
a) O objetivo da participação equilibrada dos homens e das mulheres
na atividade profissional e na vida familiar, em paralelo com o
objetivo da participação equilibrada dos homens e das mulheres no
processo de decisão, constituem dois pressupostos particularmente
relevantes para a igualdade entre mulheres e homens;
b) É necessária uma abordagem global e integrada do tema da
articulação da vida profissional e da vida familiar, enquanto direito
dos homens e das mulheres, fator de realização pessoal na vida
pública, social, familiar e privada, valor social eminente e
responsabilidade da sociedade, dos Estados-Membros e da Comunidade
Europeia;
c) É necessário promover todos os esforços e medidas concretas, bem
como os respetivos acompanhamento e avaliação, designadamente através
de indicadores apropriados, para imprimir às estruturas e às atitudes
as mudanças que são essenciais para estabelecer uma participação
equilibrada de homens e mulheres quer na esfera laboral quer na
esfera familiar19;
Encorajamento aos Estados-membros para:
i) Avaliarem a possibilidade de as respetivas ordens jurídicas
reconhecerem aos trabalhadores do sexo masculino um direito
individual e não transferível à licença de paternidade, após o
nascimento ou a adoção de um filho, sem perda dos seus direitos
relativamente ao emprego, a gozar em simultâneo com a licença de
maternidade, independentemente da duração dos prazos da licença de
paternidade e da licença de maternidade;
ii) Avaliarem a possibilidade de as respetivas ordens jurídicas
reconhecerem aos homens direitos suscetíveis de lhes permitir maior
apoio à vida familiar com vista à concretização da igualdade20;
Apelo à Comissão:
c) Para que, face aos novos requisitos previstos nos artigos 2.º,
3.º, no n.º 1 do artigo 137.º e no n.º 3 do artigo 141.º do Tratado
que instituiu a Comunidade Europeia, e tendo em conta o (...) quinto
programa de ação, proponha novas formas de participação equilibrada
das mulheres e dos homens, tanto na vida profissional como na
atividade familiar21;
Compromisso dos Estados-membros:
6. COMPROMETEM-SE a promover periodicamente debates sobre as matérias
objeto da presente resolução num enquadramento paralelo ao tema da
participação equilibrada dos homens e das mulheres no processo de
decisão.
Aquele apelo à Comissão já pressupunha o encorajamento a que a mesma
apresentasse uma proposta de instrumento comunitário vinculativo que
reconhecesse o direito à licença por paternidade nos termos em que se
preconizava para os Estados membros. Entretanto, diversos Estados membros
introduziram a licença por paternidade, ainda que sob formatos variados
(European Union Expert Group on Gender, Social Inclusion and Employment, 2005),
e uma proposta de inclusão de licença por paternidade nos moldes preconizados
pela Resolução de 2000 foi apresentada no Relatório do Parlamento Europeu sobre
a proposta de alteração da diretiva de 1992 relativa à proteção na maternidade
apresentada pela Comissão22 pela eurodeputada Edite Estrela (Estrela, 2010),
num processo que continua pendente23. Dez anos depois do apelo que atrás
refiro, a Comissão incluiu a licença por paternidade, como uma hipótese a
considerar nas ações-chave da sua Estratégia para a Igualdade entre Mulheres e
Homens – 2010-2015 (Comissão Europeia, 2010a: 14).
Os aperfeiçoamentos do Tratado de Lisboa sobre igualdade de género em contraste
com instrumentos recentes da UE
Embora desde o Tratado de Amsterdão, de 1997, por um lado, a Comunidade
Europeia já tivesse como missão promover a igualdade entre mulheres e homens24,
já estivesse vinculada a procurar eliminar as desigualdades e promover a
igualdade de homens e mulheres em todas as suas atividades25 e a combater a
discriminação baseada no sexo26, já devesse apoiar e completar a ação dos
Estados-Membros no domínio da igualdade entre homens e mulheres quanto às
oportunidades no mercado de trabalho e ao tratamento no trabalho27, e, por
outro lado, cada Estado membro fosse obrigado a assegurar o cumprimento da
igualdade salarial entre trabalhadoras e trabalhadores28, sendo-lhe também
permitido manter e adotar medidas de ação positiva em benefício do sexo sub-
representado para lhe facilitar uma atividade profissional ou para prevenir ou
compensar desvantagens na carreira profissional29, o Tratado de Lisboa30,
assinado em dezembro de 2007, no final da última presidência portuguesa, e
entrado em vigor em dezembro de 2009, mantendo quanto sobre a matéria já vinha
de Amesterdão31, trouxe melhorias no domínio da igualdade de homens e mulheres.
Assim, esta:
a. pode ser considerada um dos valores fundamentais da União Europeia32;
b. deve ser promovida pela União33; e
c. é garantida em todos os domínios, podendo ser adotadas, também em todos os
domínios, ações positivas a favor do sexo sub-representado34.
Por outro lado,
Na definição e execução das suas políticas e ações, a União tem por
objetivo combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem
étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação
sexual.35
Estes aperfeiçoamentos poderiam permitir uma ação legislativa mais robusta por
parte da União, não só a fim de concretizar a igualdade, de facto, de mulheres
e homens no território de todos os seus Estados membros, mas a fim de
transversalizar este objetivo em todas as dimensões da sua política externa.
Só que, independentemente do controlo institucional da aplicação do direito da
União Europeia e de incontestáveis aspetos positivos, alguns instrumentos
recentes não concretizam aqueles aperfeiçoamentos, antes revelando alguma
incoerência, lentidão no cumprimento dos objetivos, visão estratégica limitada
e mesmo risco de retrocesso. Tomemos 3 desses instrumentos: a "A Carta
das Mulheres" de 2010 (CE, 2010b), a Estratégia para a Igualdade de
Homens e Mulheres – 2010-2015 (CE, 2010a) e o Pacto Europeu para a Igualdade de
Género – 2011-2020 (CE, 2011).
A Carta das Mulheres – 2010, embora visasse comemorar o 8 de março, os 30 anos
da CEDAW (UN, 1979) e os 15 da Plataforma de Pequim (UN, 1995), e embora
utilize a expressão "Igualdade entre Mulheres e Homens", só pela
denominação, torna as mulheres únicas destinatárias das políticas que
preconiza, apenas dá visibilidade a objetivos em áreas de prejuízo para as
mulheres (independência económica, remuneração, tomada de decisão, violência
baseada no género, direitos das mulheres) e não tem em conta os efeitos
prejudiciais dos estereótipos na situação dos homens e em alguns resultados
assimétricos que lhes respeitam nos indicadores do desenvolvimento humano.
A Estratégia para a igualdade entre homens e mulheres 2010-2015:
a. Retoma os objetivos da Carta das Mulheres, embora evidencie
menor pendor para fazer delas as únicas "clientes"
da Igualdade entre Mulheres e Homens;
b. Reforça a argumentação sobre a "utilidade social"
das mulheres – a sua participação no mercado de trabalho
contrabalança a diminuição da população em idade ativa,
reduzindo a pressão sobre as finanças públicas e a segurança
social, alarga a base do capital humano, aumenta a
competitividade, tem impactos positivos na fertilidade;
c. Dá visibilidade às mulheres empresárias, migrantes, pobres;
d. Acrescenta nas questões horizontais os estereótipos de género,
mas com os homens a aparecer como necessários para
"ajudar" na concretização da igualdade, e apenas
aludindo às desigualdades que afetam os rapazes e os homens – na
literacia, no abandono escolar precoce e na saúde no trabalho –
sem as quantificar, como faz em situações equivalentes relativas
a mulheres, quando já existem dados disponíveis para os dois
sexos;
e. Incentiva apenas as mulheres para o exercício de profissões não
tradicionais ao respetivo sexo;
f. Enumera iniciativas para mais expressiva participação das
mulheres no processo de decisão, mas não para mais expressiva
participação dos homens nas responsabilidades da vida familiar;
g. Refere a abordagem do "papel" dos homens em
perspetivas específicas e sem transversalização global.
Quanto a ações a desenvolver pela Comissão, e como atrás mencionei a propósito
do apelo que lhe era dirigido na Resolução do Conselho sobre conciliação da
atividade profissional e da vida familiar, depois de todo o diagnóstico que se
tem vindo a fazer sobre a assimetria entre homens e mulheres na divisão do
trabalho não pago de apoio à vida familiar, aquela ainda irá avaliar as
lacunas, designadamente em termos de licença por paternidade, e examinar as
opções possíveis para as colmatar, após consulta aos parceiros sociais.
No Pacto Europeu para a Igualdade de Género para 2011-2020, o
Conselho:
a. Constata, por sucessivos relatórios da Comissão, que o progresso
da Igualdade entre Homens e Mulheres é lento e que a igualdade
de facto ainda não foi atingida;
b. Considera que o problema são as barreiras que as mulheres
enfrentam no mercado de trabalho;
c. Reafirma o seu compromisso em cumprir a ambição da União
Europeia no domínio da igualdade entre mulheres e homens tal
como mencionado no Tratado, designadamente através de
mainstreaming;
d. Autonomiza:
i. a redução das assimetrias no emprego e na proteção social,
como contributo para o potencial de crescimento da força de
trabalho europeia;
ii. a promoção de um melhor equilíbrio entre o trabalho pago e
o de apoio à vida familiar;
iii. o combate à violência contra as mulheres, para que gozem os
seus direitos humanos e alcancem a igualdade de género;
e. Preconiza:
i. a promoção do emprego, do empoderamento das mulheres;
ii. a eliminação dos estereótipos de género e a promoção da
igualdade de género a todos os níveis;
iii. melhores respostas para o cuidado de crianças até à idade
da entrada obrigatória no sistema de ensino;
iv. flexibilidade na organização do trabalho;
v. diversos tipos de licenças para homens e mulheres;
vi. o reforço da prevenção da violência contra as mulheres e a
proteção das vítimas;
vii. O reforço do papel e da responsabilidade dos homens e dos
rapazes no processo de erradicação da violência contra as
mulheres;
f. Terá em conta o papel crítico dos homens e dos rapazes na
promoção da igualdade de género;
g. Assegura que os efeitos da igualdade de género sejam tidos em
conta na avaliação do impacto das novas políticas da União
Europeia.
Em suma, não só a coerência destes documentos é muito relativa, como o grau de
exigência de concretização do que há muito se vem dizendo é muito reduzido,
como ainda, muitas vezes, eles próprios reforçam os estereótipos de género,
enviando à sociedade mensagens do tipo:
– Estas políticas são para mulheres, logo a igualdade entre homens e
mulheres não é uma questão que interesse a toda a sociedade;
– Os homens têm "um papel" e "uma
responsabilidade" na concretização da igualdade de género,
devem "ajudar" a que a igualdade se concretize, que o
mesmo é dizer que as mulheres possam ser iguais a eles, enquanto sexo
"padrão" da humanidade.
Por outro lado, as políticas preconizadas incidem em áreas específicas e não
transversalizam a dimensão da igualdade entre homens e mulheres
(mainstreaming), em todas as áreas de intervenção da UE como os Tratados
determinam, verificando-se um claro desajustamento entre a situação que
reiteradamente se reconhece e a intervenção que se preconiza, o que, ao tornar
as mesmas políticas insuficientes face ao determinado pelos Tratados, frustra
as expetativas das pessoas.
Tais limitações ficaram, aliás, patentes no último relatório da Comissão
Europeia sobre a evolução da igualdade de homens e mulheres, que conclui no
sentido de que "apesar de uma tendência geral para mais igualdade na
sociedade e no mercado de trabalho, os progressos na eliminação das
desigualdades entre as mulheres e os homens continuam lentos."36 (EC,
2011: 17).
Em conclusão
No jogo de influências recíprocas nas políticas públicas em matéria de
igualdade de género, há que manter uma atenção constante às limitações e
incoerências que se verificam, com maior ou menor intensidade, tanto na União
Europeia como nos seus Estados membros, incluindo Portugal, e ter
permanentemente em conta a lição da experiência: trabalhar principalmente sobre
os efeitos dos problemas pouco altera as suas causas.
A igualdade entre mulheres e homens exige o mesmo reconhecimento social de umas
e outros. Verificando-se assimetrias estruturais decorrentes dos papéis de
género que educam para a desigualdade, só haverá condições para a igualdade com
intervenções corretoras das políticas, dirigidas nuns casos a homens, noutros a
mulheres.
Atualmente, face aos diagnósticos e à avaliação dos resultados de quase 40 anos
de políticas para a igualdade entre homens e mulheres que anunciam visões
holísticas mas que são predominantemente setoriais e focadas em ações
destinadas a mulheres, na sua "condição de metade desfavorecida da
humanidade", é tempo de dar visibilidade, consistência e respostas
apropriadas ao peso com que os estereótipos de género se abatem sobre os ombros
dos homens e, também a eles, condicionam a vida.
Nesta época de crise da natalidade, em que as crianças são um bem raro e
precioso, é particularmente importante para a concretização da igualdade de
género não nos deixarmos distrair ou até ludibriar com medidas "de apoio
às mulheres". Estas medidas só poderão reforçar o seu "papel
social" tradicional, com as consequências conhecidas em termos de
secundarização social com o consequente desequilíbrio estrutural nos
indicadores do desenvolvimento humano. Há que ter presentes as
"contradições, nomeadamente no seio da família, onde a participação dos
homens não cresceu da mesma forma que o envolvimento das mulheres no trabalho e
na atividade profissional, nem a carreira, no caso das mulheres, ganhou a mesma
importância social que é atribuída à carreira dos homens" (Amâncio, 2004:
21).
Se houver vontade para se atingir, de facto, a igualdade de género, são agora
necessárias políticas públicas dirigidas aos homens, que atuem sobre os
elementos que constroem e mantêm as assimetrias, designadamente de poder
produzidas pelo género:
a. medidas de ação positiva valorizadoras da paternidade, também na
atividade económica, entre os pares e na sociedade;
b. medidas que lhes atribuam um papel indispensável no cuidado de
filhos e filhas, que os liguem simbolicamente, obrigatoriamente
e de facto à reprodução social;
c. medidas que os compensem, face às mulheres, do poder natural da
maternidade certa, que as tem mantido tuteladas, ciosas de um
destino que lhes ensinaram ser inevitável, e aparentemente
conformadas com o preço a pagar, apesar de mais ou menos
visivelmente insatisfeitas;
d. medidas que lhes deem segurança e tranquilidade, e,
consequentemente, os dispensem do fardo de violência, de
apropriação, de proteção e de representação da espécie em que
foram educados, construíram o mundo e se têm compensado para
garantir a imortalidade.