Mudanças laborais e relações de género: novos vectores de (des)igualdade
Casaca, Sara Falcão (Coordenação) (2012), Mudanças laborais e relações de
género: novos vectores de (des)igualdade, Almedina, Coimbra, 203 páginas.
Luísa Veloso
Investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto
Universitário de Lisboa (CIES, ISCTE/IUL), Portugal
O livro que aqui se apresenta resulta de uma investigação coordenada por Sara
Falcão Casaca sobre "Mudanças nas relações de emprego e nas relações de
género" que ocorreu entre 2007 e 2010 e condensa os contributos dos
vários membros da equipa. Trata-se de um estudo centrado na análise das
mudanças nas relações de emprego e nas relações de género, cruzando quatro
eixos: idade, género, classe e etnicidade.
Os textos compilados nesta obra evidenciam a complexidade e
multidimensionalidade destas realidades, assim como a urgência e pertinência
social da sua investigação. Cada um dos contributos dos autores propõe um olhar
distinto sobre as relações de emprego, com destaque para as diferenças entre
homens e mulheres e as respetivas desigualdades. Os vários capítulos
constitutivos do livro debruçam-se sobre eixos distintos do tema central, mas
partilham uma reflexão crítica sobre o emprego e a configuração dos mercados de
trabalho. Têm ainda em comum uma preocupação com a análise de informação
estatística que permite caracterizar e analisar cada um dos eixos em questão em
articulação com os objetivos políticos concebidos e que são comuns aos países
da União Europeia, onde se destaca a "Estratégia Europeia para o Emprego
2020". Relativamente às políticas europeias (bem como nacionais),
evidencia-se a descoincidência frequente entre os discursos políticos, as
medidas adotadas e a configuração dos mercados de trabalho. Assim, à promoção
do envelhecimento ativo, da inclusão social ou da redução do desemprego jovem,
contrapõe-se o aumento do desemprego, as desiguais condições de trabalho entre
homens e mulheres e a intensificação das várias formas de flexibilidade e de
precariedade.
Os textos partilham entre si (com alguma repetição, por força da sua autonomia)
a preocupação em apresentar o enquadramento das sociedades e das economias
contemporâneas, em particular dos países da União Europeia (UE), afirexmando o
contexto de globalização pautado pela intensificação da tendência neoliberal ou
tecno-liberal, pelo desenvolvimento do capitalismo financeiro, e em que
"a liberalização, a privatização e a desregulação são as principais
causas da deterioração do emprego, das condições de trabalho e dos
salários" (p. 57).
Antes de avançar para uma explanação das especificidades de cada um dos
capítulos, destaque-se a preocupação de todos os autores em discutir os
trabalhos que têm sido produzidos em cada um dos domínios de análise (nacionais
e internacionais) e os conceitos mobilizados.
Após a introdução, Sara Falcão Casaca, foca, no capítulo 1, a participação das
mulheres no mercado de trabalho, frisando as "desigualdades de género
associadas à flexibilidade e precariedade da relação de emprego" (p. 10).
Frisando a necessidade de atender à heterogeneidade das formas de precariedade
e flexibilidade, a autora apresenta uma análise estatística de vários
indicadores, tais como emprego, desemprego e regimes de trabalho, enfatizando
as diferenças de género. A informação analisada contempla o período entre 1999
e 2010 e aborda a informação para a UE-15. Saliente-se o aumento da presença
das mulheres no mercado de trabalho na UE e o facto de Portugal se aproximar,
ao nível das taxas de emprego feminino, dos países do Norte da Europa e
afastar-se dos países do Sul (como Espanha), ainda que com configurações
distintas, associadas, nomeadamente, à necessidade de obter um rendimento para
sustento próprio e da família.
No capítulo 2, de Ilona Kovács e Margarida Chagas Lopes, a ênfase recai no
desemprego juvenil. De entre as várias conclusões das autoras, num quadro de
desregulação do mercado de trabalho e de flexibilização nos países da UE,
saliente-se: as elevadas taxas de abandono precoce do sistema de ensino, com
destaque para países como Malta, Espanha e Portugal; o adiamento, por parte dos
jovens, da saída de casa da família de origem, associado à ausência de
condições que proporcionem uma independência económica; as consequentes
dificuldades de acesso aos mercados de trabalho por parte dos jovens, com a
tendencialmente crescente taxa de desemprego e a inserção em condições de
precariedade e em atividades de trabalho marcadas pela desqualificação.
As autoras discutem ainda a configuração do trabalho a tempo parcial dos
jovens, o qual, se pode ser encarado como uma via de facilitar, nomeadamente a
conciliação entre o trabalho e a prestação de cuidados familiares ou a
prossecução dos estudos, persiste a dúvida "sobre a natureza voluntária
ou imposta deste trabalho" (p. 76), até porque se trata de um instrumento
importante de redução dos custos diretos do trabalho.
Finalmente, saliente-se a precariedade e desemprego de jovens com uma
escolaridade ao nível do ensino superior, o que contraria as aceções assentes
na crença segundo a qual o investimento em educação se traduziria no acesso a
posições nos mercados de trabalho qualificadas, bem remuneradas e estáveis.
O capítulo 3, da autoria de Sara Falcão Casaca e Sally Bould, por contraposição
e complementaridade com o capítulo anterior, foca as relações de emprego de
pessoas de idade mais avançada, isto é, com idades compreendidas entre os 55 e
os 64 anos, e as diferenças de género.
Como já foi referido a propósito de todos os textos, em geral, subjaz a
preocupação também neste capítulo com o enquadramento deste enfoque analítico
nas políticas públicas, desta feita nas medidas de envelhecimento ativo. Esta
reflexão deixa antever um conjunto de questões sobre as quais importa refletir,
tais como: que significado tem o envelhecimento ativo? Como se concretiza? Como
distar a sua pertinência e aplicabilidade do seu pendor normativo-ideológico?
Acresce a estas questões a importante nota das autoras relativamente ao facto
de que género e idade são "categorias sociais que têm incrustadas
representações simbólicas " e não apenas "variáveis de
caracterização sociodemográfica" (p. 91).
À semelhança do referido no capítulo, 1, também aqui se destaca a aproximação
de Portugal aos países do Norte da Europa no que se refere às taxas de emprego
das mulheres com idades entre os 55 e os 64 anos em 2010. Portugal dispõe, em
particular, de políticas destacadas de igualdade de género e de conciliação
entre a esfera profissional e a vida familiar, mas fortes debilidades na sua
concretização, acumulando as mulheres, frequentemente, o trabalho a tempo
inteiro (por força da necessidade de obter um rendimento que permita satisfazer
as necessidades) com as tarefas domésticas e os cuidados com a família.
O livro prossegue com dois capítulos que abordam temáticas mais raras na
análise das relações de emprego por parte das Ciências Sociais, acompanhando
tendências mais recentes de transformação das sociedades contemporâneas.
O capítulo da autoria de Manuel Abrantes e João Peixoto é centrado, em
particular, na análise das mulheres imigrantes, em particular na prestação de
"serviços domésticos". Os autores começam por apresentar um
panorama da imigração de origem estrangeira em Portugal, destacando o seu
aumento significativo desde 1980 (ver, por exemplo, figura 4.1, p. 135,
população estrangeira com residência legalizada em Portugal, por sexo, entre
1980 e 2010) e referem, nomeadamente, o facto de as taxas de desemprego da
população imigrada ser superior às da população nacional. Avançam ainda com a
conclusão de esta taxa ser ainda superior no caso das mulheres comparativamente
aos homens, ambos imigrantes a residir em Portugal. Assim, verifica-se uma
dupla discriminação: ser mulher e ser imigrante.
O capítulo prossegue com uma análise centrado no emprego feminino nos serviços
domésticos, que tem vindo a aumentar nas últimas décadas na Europa. É
interessante a discussão proporcionada pelos autores em torno, não apenas das
características do emprego neste domínio, mas também das categorias
consideradas para efeitos estatísticos, bem como dos empregadores de pessoal
doméstico, o que permite, neste último caso, associar a dinâmica do emprego com
as relações de emprego de outros grupos ou classes sociais e profissionais,
abrindo o campo para as "condições de receção" deste setor dos
serviços.
A obra termina com um texto de Elísio Estanque e Hermes Augusto Costa sobre o
que os autores designam de movimentos "sociolaborais" (p. 166),
numa proposta de pensar de forma articulada relações de trabalho e movimentos e
redes sociais.
Após uma caracterização de algumas transformações do trabalho assalariado e de
um conjunto de indicadores do mercado de trabalho, os autores avançam na
discussão da relação entre precariedade e ação coletiva, salientam a falta de
confiança na "classe política" (p. 180) que tem vindo a evidenciar-
se e a emergência dos apelidados "novos movimentos sociais".
Destaque-se os que se foram constituindo como reação ao agravamento da crise
económica, das condições de emprego e ao aumento do desemprego, como é o caso
dos "Indignados" ou dos "Precários Inflexíveis".
O livro "Mudanças laborais e relações de género" condensa um
conjunto rico de análises e reflexões, assente num olhar rigoroso e crítico
sobre a configuração das relações de emprego.
Uma palavra final para destacar a completa e rica bibliografia contida em cada
um dos capítulos, "Para saber mais ".