Formação docente em gênero e sexualidade: Entrelaçando teorias, políticas e
práticas
Rabelo, Amanda, Pereira, Graziela, Reis, Maria Amelia (Org.) (2013),Formação
docente em gênero e sexualidade: Entrelaçando teorias, políticas e práticas,
Petrópolis, Editora De Petrus et Alii, 256 páginas.
Rui Marques Vieira
Universidade de Aveiro, Departamento de Educação
Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores
Este livro apresenta 12 capítulos, incluindo a apresentação e a introdução, de
mais 11 autores e autoras diferentes. Considera-se que, no âmbito das questões
de gênero e sexualidade predomina a temática da Formação, com destaque para a
do/as docentes, mas incluindo também outros profissionais, como os da área da
medicina. Depois destacam-se os estereótipos, as discriminações e as
representações ou concepções.
Muito há a dizer sobre esta obra, pois além de preencher um espaço editorial
relevante nos países de língua Portuguesa será, se for devidamente divulgada,
uma obra de referência, particularmente para quem faz investigação nestes
domínios do saber. Isto porque apresenta vários estudos recentes e outros em
desenvolvimento, os quais devem ser tidos em conta especialmente para quem faz
formação nesta área. Mas, também pelas recomendações e sugestões para, por
exemplo, a continuação da investigação neste domínio.
Logo no início desta obra destaca-se um pouco da história da educação sexual,
nomeadamente no Brasil e em Portugal, a qual tem quase 100 anos (por exemplo, o
Nóbel Egas Moniz escreveu, quase há um século atrás, a sua tese de medicina
sobre "Vida Sexual, Fisiologia e Patologia"). A este nível, por
marcarem muito da forma como se passou a perspetivar e ainda se vê a
sexualidade humana, destacam-se os relatórios Hite que começaram a ser
publicados nos finais dos anos 70 do século XX.
Esta é também uma obra plural na escrita e estilos usados, quadros de
referência e profundidade de alguns dos assuntos. Estando ligado à investigação
sobre a formação de professores não se pode deixar de questionar alguns dos
princípios usados, quer na formação inicial, quer na formação continuada e pós-
-graduada. É o caso da articulação entre a teoria e a prática nesta formação,
como foi destacado na avaliação de formações descritas em diferentes capítulos,
por alguns dos formandos. A este nível urge também alargar e articular os
impactes da formação nas concepções e práticas dos formadores (esta segunda das
práticas em clara desvantagem em relação à primeira das conceções). Como é
frisado em alguns dos estudos: "... a educação sexual ainda é pouco
abordada nas escolas" (Rabelo e Ferreira, p. 64).
As questões sobre a formação em b-learning ou mesmo a distância (que não pode
ser distante!) também não são isentas de controvérsias. Esta área precisa de
ser aprofundada e sustentada para se poder avançar (ou não) nesta modalidade de
modo suportado, dadas as questões afetivas e emocionais que estão envolvidas
também na educação sexual! Um bom contributo pode ser dado pelo estudo que
Pereira (pp. 195-210) está a desenvolver com o programa de formação a distância
para professores de vários países. Nesta e em todas as modalidades de formação
importa questionar, tal como tem sido discutido sobre os valores, "se se
ensina educação sexual" (esta foi uma das motivações dos professores para
a formação, dado que têm: "Dúvidas sobre o que e como ensinar na área de
educação sexual")?
Além do referido, deste livro destacam-setrês aspetos globais:
* O mesmo resulta de investigação fundamentada e desenvolvida e da
qual emanaram recomendações práticas úteis. Evidencia também que o
trabalho colaborativo entre investigadores e com os professores e
escolas é possível. Deseja-se que este livro seja ainda aproveitado
largamente por estes docentes. Mas também pelos pais que ainda não
têm conseguido, e tal também não lhes tem sido viabilizado, uma
estreita colaboração com toda a restante comunidade educativa.
* Pela diversidade de referenciais e quadros teóricos atuais
internacionais nesta obra procura-se fazer um ponto de situação da
investigação e formação, acompanhando as tendências de mudança,
nomeadamente no que toca ao papel das TIC e de comunidades online
de prática e de aprendizagem. As abordagens que se apresentam são
elucidativas e procuram ilustrar a relevância desta área de
investigação para a formação de cidadãos participativos,
informados, emancipados (talvez a caraterística mais referida em
diferentes artigos) e que tomam decisões racionais em prol do bem-
estar individual e coletivo. Têm que se evitar, como escrevem Yared
e Melo, "Práticas que fortalecem a perpetuação desse modelo
de sexualidade dito normal', visto que muitas das práticas fora da
heteronormatividade, por exemplo, ainda são consideradas como
patológicas" (p. 157).
* Os desafios que esta área enfrenta podem parecer acessíveis e de
fácil implementação. Todavia exigem: uma formação que vá além das
abordagens anatómico-fisiológica e biológica. Obriga a ter em
consideração outras áreas como a Didática e a Supervisão e
avaliação de Professores e demais formadores. Só desta forma se
poderão ter condições para que a formação possa atingir as metas e
os parâmetros desejáveis e os estipulados curricularmente nos
diferentes países. E a educação sexual humana precisa também da
disseminação de boas práticas. Importa também aqui avançar com o
"conhecimento do outro" e nas "autobiografias
profissionais " partilhadas.
Pese embora do ponto de vista legal terem existido avanços substanciais, ainda
há um caminho longo a percorrer para vencer barreiras e obstáculos culturais
que a Sexualidade Humana tem suscitado, quer na investigação, quer na formação,
como as ligadas aos comportamentos de risco e aos abusos sexuais. Além disso,
importa reforçar uma "perspetiva crítico-reflexiva" (Rabelo e
Ferreira, p. 66) e "de ética e de responsabilidade social" (Yared e
Melo, p. 147). Também os recursos educativos de qualidade e inovadores precisam
de ser divulgados como é o caso dos "Guiões de Educação sobre Género e
Cidadania", coordenados por Teresa Alvarez Nunes e Teresa Pinto, os quais
estão disponíveis gratuitamente no site do governo Português.
Termina-se citando Reis:
"Se a educação é prática que se constrói no interior das
relações sociais, portanto com muito pouca autonomia em relação aos
condicionantes sócio-econômicos-culturais em que se inscreve, podemos
concebê-la como instrumento de reforço das concepções de senso comum
e situá-la em terreno semovente em que se movimentam mecanismos que
visam manter e reproduzir as desigualdades, não sem
resistências" (p. 215).