O impacto da interrupção da gravidez por mal formação congénita: a perspectiva
do pai
As interrupções de gravidez por malformação fetal têm aumentado
significativamente no nosso país, em consequência do desenvolvimento das
técnicas de diagnóstico pré-natal (DPN), à criação de novos centros de
diagnóstico, tornando-os mais disponíveis e acessíveis a toda a população, ao
aumento das gravidezes em idade tardia (Zagalo-Cardoso, 2001) e ao
enquadramento legal da interrupção voluntária da gravidez. Em 1984, a lei 6/84,
de 11 de Maio veio excluir a ilicitude da interrupção da gravidez nas
situações: em que haja seguros motivos para prever que o nasciturno venha a
sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação, e seja realizado
nas primeiras 16 semanas de gravidez. A lei 90/97, veio alargar o prazo para a
interrupção por malformação congénita não é punível a interrupção de
gravidez quando houver seguros motivos para prever que o nasciturno virá a
sofrer, de forma incurável de doença grave ou malformação congénita, e for
realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou
por outro meio mais adequado ( ) excepcionando-se as situações de fetos
inviáveis, casos em que a interrupção pode ser praticada a todo o tempo
O diagnóstico pré-natal tornou possível para os pais, aquilo que ainda há
poucos anos só era possível no momento do nascimento ' conhecer as condições de
saúde do feto durante a gravidez. A medicina fetal e o DPN deslocaram o momento
auge das angústias maternas, que antes se concentravam no nascimento, pois era
nesse momento que era possível tomar conhecimento de qualquer anomalia ou
deformação (Zagalo-Cardoso, 2001). Os diversos métodos de rastreio e
diagnóstico de que actualmente dispomos permitem um conhecimento acerca do feto
e das suas condições de desenvolvimento inútero e em alguns casos intervir
sobre elas. A realização do DPN significa alívio para a maioria dos casais que
recebem um diagnóstico negativo, mas representa uma situação de intensa
ansiedade, para aqueles que recebem um resultado positivo.
A notícia de ter um feto descrito como malformado torna-se angustiante e
destruturante (Sousa, 2001). A gravidez constituiu-se desde sempre um período
sensível à criação de fantasmas angustiantes relacionados com a integridade e
anomalias do feto, sendo notável o aumento da ansiedade que caracteriza o
período de espera entre um exame diagnóstico e o seu resultado (Brazelton &
Cramer, 1993; Soulé, 1992). A possibilidade de interromper a gravidez,
representa para os pais, uma alternativa desejada para as situações graves, em
que o tipo de malformação e a sua gravidade se assumem como factores
determinantes da decisão (Menahem & Grimawade, 2003; Zlotogora, 2002)
No entanto, esta é uma decisão complexa e de consequências imprevisíveis. O
impacto que este tipo de experiência tem na vida dos casais está longe de ser
compreendido na totalidade. Durante a gravidez vão-se desenvolvendo
precocemente laços com o feto (Brazelton & Cramer, 1993; Colman &
Colman, 1994; Camus, 2002), os pais vão construindo a imagem do seu bebé e
iniciam-se os preparativos para o nascimento (Colman & Colman, 1994). A
principal consequência desta experiência está relacionada com a perda do bebé
(real e imaginário), que já fazia parte da família e com o qual haviam já
estabelecido uma ligação afectiva.
Durante muitos séculos o homem foi afastado das vivências relacionadas com o
parto e gravidez. As modificações sociais relacionadas com a emancipação da
mulher vieram proporcionar um maior envolvimento do pai em todo o processo
(Caelli, Downie, & Letendre, 2002). A gravidez passou a ser um projecto de
vida e uma experiência partilhada pelo casal, em que a ligação prénatal se
inicia cada vez mais precocemente facilitada pela visualização precoce da
imagem do bebé através da ecografia. Para o homem, o nascimento de um filho
significa uma possibilidade de concretização de ideais e oportunidades
perdidas, de confirmação das suas capacidades reprodutoras (Camus, 2002)
assumindo um carácter de imortalidade por se poder perpetuar através dele. Por
isso, o bebé fantasiado tem de ser perfeito. É pois compreensível que a noticia
provocada pelo diagnóstico de uma malformação grave do feto, em qualquer fase
da evolução da gravidez, tenha um grande impacto na vida do casal, incluindo o
pai, podendo traduzir-se em alterações físicas, psicológicas e sociais.
Em Portugal a investigação sobre esta temática tem sido escassa e o ponto de
vista do pai tem sido pouco explorado. Estudos realizados noutros países
revelam que quando confrontados com a notícia de uma malformação do feto, os
homens apresentam reacções emocionais intensas. A tristeza (Withevan Mourik,
Connor, & Ferguson-Smith, 1992), depressão (Withevan Mourik, 1992), raiva,
culpabilização (Geerinck-Vercammen & Kanhai, 2004; Kenyon, Hacket, &
Campbell, 1988; Withevan Mourik et al., 1992); vergonha, sensação de falhanço
(Geerinck-Vercammen & Kanhai, 2004; Kenyon et al., 1988; Rousseau, 2001) e
raiva, esta última relacionada com a sensação de impotência de não ter sido
capaz de proteger a sua criança, foram os principais sentimentos
experienciados.
A duração das reacções à perda não encontra concordância entre os diferentes
autores. Withevan Mourik (1992), no seu estudo com 1200 casais, verificou que a
maioria dos casais recuperava o seu equilíbrio ao fim de dois anos. Em alguns
casos isso acontecia ao fim de seis meses, mas cerca de 20% mantinham
sentimentos de raiva, culpa, irritabilidade, sensação de falhanço e choro fácil
para além dos seis meses (Thomassen Brepols, 1987; Withevan Mourik, 1992).
Também Kenyon et al. (1988) e Geerinck-Vercammen e Kanhai, (2004) encontraram
no seu estudo sentimentos de dúvida, culpabilidade, vergonha raiva, ansiedade e
alívio durante a interrupção da gravidez e semanas seguintes, desaparecendo na
maioria dos casos ao fim de seis meses.
Uma revisão dos estudos realizados permite-nos concluir que homem e mulher
apresentam formas distintas de expressão do luto (Canavarro, 2001; Rousseau,
2001; Thomas, 1995). As reacções de luto dos homens são frequentemente inibidas
pelas normas sociais que em algumas culturas inibem a expressão da dor e
sofrimento masculinos. Eles podem sentir a mesma dor que a sua companheira mas
ter dificuldades em tomar determinadas decisões como é o caso da interrupção da
gravidez (Carmona, 1996; Geerinck & Kanhai, 2004; Rousseau, 2001; Thomassen
Brepols, 1987; Withevan Mourik, 1992). Por sua vez, os homens parecem aceitar a
perda mais rapidamente que as mulheres. Segundo os autores citados, as
responsabilidades que têm de assumir ao nível das questões administrativas, e o
cuidar dos outros filhos, se existirem, podem acelerar a resolução do luto.
Nalguns casos, contudo esses mesmos factores podem favorecer o seu
prolongamento, pela negação da sua existência (Rousseau, 2001).
A maioria dos homens não procura apoio para falar sobre as suas experiências,
até porque o homem é considerado o sexo forte e deve ultrapassar as situações
sem ajuda de ninguém. As suas responsabilidades familiares e profissionais
encobrem as suas preocupações com a perda e dificultam o reconhecimento das
suas próprias dificuldades (Black, 1991; Statham, 1992). Os homens procuram
proteger as suas companheiras de maior sofrimento e por vezes apresentam
expressões de raiva e de controlo exagerado da situação ou culpa, Estes
sentimentos podem conduzir ao seu isolamento (Roussseau, 2001; Wheeler, 1999).
McCreith (2004) considera que a perda de um bebé antes do nascimento tem
efeitos devastadores no homem, mas o meio envolvente tende a minimizar a perda
sendo as necessidades de apoio e de rituais culturais muitas vezes esquecidos.
A evolução patológica do luto pode manifestares, pelo excesso de trabalho,
infidelidade e comportamentos desviantes como o alcoolismo. Esta
dessincronização dos processos de luto no casal pode ter consequências na
estabilidade da relação, com isolamento e dificuldades de comunicação,
agressividade, conflitos e dificuldades sexuais que podem terminar em separação
do casal (Rousseau, 2001; Withevan Mourik, Connor, & Ferguson-Smith, 1992).
Segundo o estudo de Mcreith (2004), a percepção dos homens apenas como suporte
da esposa não se justifica, pois ignora as experiências reais e actuais de vida
do homem e os significados que estes atribuem à perda, o que pode traduzir-se
em consequências emocionais graves por falta de apoio. Por sua vez, o apoio
profissional, geralmente é centrado na mãe, ignorando as necessidades
emocionais do pai (Gotzmann et al., 2002).
O presente estudo pretendeu conhecer a experiencia da pai na interrupção da
gravidez ao nível do impacto da notícia, tomada de decisão, percepção dos
cuidados dos profissionais de saúde, consequências da interrupção na relação do
casal e perspectivas futuras na área da reprodução.
MÉTODO
Participantes
A amostra foi constituída pelos peritos experienciais, ou seja os pais que
pela vivência da sua experiência permite aprofundar o conhecimento sobre o
tópico de estudo (Rennie, Philiphs, & Quartaro, 1988). Os pais incluídos na
nossa amostra encontravam-se empregados, maioritariamente no sector secundário,
com uma situação socioeconómica estável, cinco tinham habilitações académicas
inferiores ao 9º ano de escolaridade e os restantes tinham habilitações entre o
9º ano e o ensino superior. Seis já eram pais de filhos saudáveis e dois deles
já tinham tido experiências de perdas precoces anteriores, num caso por
anomalia fetal, noutro por aborto espontâneo. As gravidezes tinham sido
desejadas e apenas em dois casos não tinham sido planeadas. As idades
gestacionais dos fetos no momento da interrupção estavam compreendidas entre as
14 e as 24 semanas. A síndrome de Down foi a malformação mais frequente.
A amostra foi recolhida no serviço de Obstetrícia do Hospital de S. Marcos em
Braga no período de Julho de 2002 a Março de 2004. A amostra foi voluntária. Os
pais foram contactados quando recorriam ao hospital para efectuarem a
interrupção da gravidez. A recolha de dados foi realizada através de entrevista
semi-estruturada, uma vez que a sua flexibilidade permite ajustamentos,
esclarecimentos e mesmo adaptações (Ludke & André, 1986; Ruquoy, 1995). As
entrevistas foram realizadas no domicílio dos inquiridos. As questões da
entrevista procuraram explorar os seguintes aspectos da experiência: reacções e
impacto da notícia de malformação fetal, o processo decisório, a experiência da
interrupção da gravidez, o apoio recebido ao longo do processo, as implicações
na relação conjugal e as perspectivas reprodutivas futuras.
As entrevistas decorreram, entre a primeira semana e um mês após a interrupção,
durante o período de tempo necessário para atingir a saturação teórica, isto é,
até ao momento em que os conceitos apresentados em cada entrevista se
enquadravam nas categorias já existentes, nada acrescentando de novo (Strauss
& Corbin, 1998)
Design
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo com recurso a uma metodologia
qualitativa. Esta opção justifica-se pelo objecto do estudo só poder ser
devidamente compreendido através da experiência vivida pelos intervenientes
(Ramalho, 2003; Ruquoy, 1995).
Análise de Dados
Os dados foram tratados usando a metodologia Grounded Analysis. Este método
tem como objectivo gerar teoria que é construída com base na recolha e análise
sistemática e rigorosa dos dados através de um processo indutivo de construção
do conhecimento.
A Grounded Theory,partindo de casos individuais ou experiências, vai
desenvolvendo categorias conceptuais mais abstractas, para sintetizar explicar
e compreender os dados ou identificar padrões de relação entre eles (Charmaz,
1995). Este método baseia-se num conjunto de procedimentos contínuos de análise
de dados, que ocorre em simultâneo com a sua recolha. Os dados vão-se
organizando de forma sistemática e rigorosa, numa sequência que tende para uma
maior complexidade e integração. Maroy (1997), denomina esta metodologia como
descrição analítica, isto é, a análise não é efectuada segundo uma grelha pré
existente, mas antes é elaborada e decorre dos materiais emergentes. O
investigador vai descobrindo categorias e estabelecendo relações entre elas. È
um processo indutivo e que exige criatividade por parte do investigador. As
categorias foram desenvolvidas a partir dos dados procurando que essas
categorias fossem relevantes para explicar o fenómeno em estudo.
RESULTADOS
A análise dos dados configurou-se num esquema de categorias interrelacionadas
que nos permitem conhecer e compreender a vivência da interrupção da gravidez
por malformação fetal, conforme as figuras 1, 2 e 3. Para facilitar a análise
dos resultados, a cada entrevistado foi atribuída a sigla E, seguida do número
de ordem da entrevista (1,2,3 .12). A análise descritiva dos discursos será
realizada por ordem cronológica das experiências vividas mantendo-se a
sequência das experiências referidas.
Figura 1
Notícia do Diagnóstico da Malformação
Figura 2
Apoio
Figura 3
Consequências da Decisão
Notícia do Diagnóstico da Malformação
Reacções à Notícia.No momento da confirmação do diagnóstico de malformação
fetal as reacções à notícia incluem: sentimentos de raiva, revolta e frustração
Senti uma angústia, um mal-estar interior, uma revolta pessoal, sem saber, sem
entender o porquê (E9) preocupação com as reacções da companheira, necessidade
de ser forte/desvalorização dos próprios sentimentos Eu acho que o termo é
aterrorizado(E2); Quando lá cheguei, ( ) ela já tinha recebido a notícia e
estava de rastos, estava inconformada. Tentei conformá-la, dar-lhe um pouco de
apoio, o que é que uma pessoa pode fazer nessa altura?! Tentei manter-me
calmo por ela. Tentei acalmá-la(E9).
Tomada de Decisão.A decisão de interromper foi partilhada pelo casal e
considerada a única possível face ao diagnóstico. Considerada a decisão mais
difícil das suas vidas, a interrupção justifica-se pela gravidade da
malformação diagnosticada “Nós o fizemos para que a dor não fosse maior, porque
uma vez que o bebé não tinha hipóteses de sobreviver, a gente não se queria
apegar muito à criança e foi por aí que tomamos a decisão” (E5), e pela
ausência de suporte social e dos consequentes encargos familiares. Existe a
percepção de que a sobrevivência e os cuidados destas crianças ficam quase
totalmente na dependência das famílias, aumentando consideravelmente os
encargos económicos e o desgaste psicológico, pelas constantes necessidades de
apoio e disponibilidade constituindo um grande sacrifício para toda a família “
(…) nós teríamos uma vida completamente dependente daquela criança. Mesmo assim
isso poderia não bastar e não ser o suficiente para a criança ter o mínimo de
conforto e depois havia uma fase, já muito posterior, pensar-se o que será da
criança quando já não tiver os pais” (E5). Os conhecimentos e experiências
prévias com crianças com anomalias parecem favorecer a tomada de decisão “Eu
conheço desde há muitos anos…, casais já de certa idade, tinham crianças com
síndrome de Down, mongolóides, como se dizia na altura. São pessoas infelizes,
são… são pessoas que não são livres” (E2). “A minha mulher tem um irmão
deficiente e a gente vê as dificuldades. Não…não queríamos uma vida assim”
(E12). Os pais com experiências anteriores de interrupção apresentam menos
incertezas no momento da decisão “…é sempre difícil, mas a primeira vez custou
mais a decidir. Agora é … o que tem de ser. Já estávamos de pé atrás” (E3). “Já
tínhamos tido problemas da primeira gravidez, mas foi diferente. Desta vez
…sinceramente não queríamos um bebé com problemas, apesar de que o médico disse
que se calhar não chegava ao fim(E12). Para seis dos entrevistados as crianças
com deficiência são infelizes e totalmente dependentes e a sua vida é um
contínuo sofrimento São pessoas infelizes, são são pessoas que não são
livres. Seria sempre um peso, além de para nós, seria sempre um peso para essa
pessoa. Ela própria seria um peso para si(E2). Prolongar a gravidez
significaria prolongar a dor e o sofrimento dos pais e posteriormente das
crianças (se sobrevivessem).
A informação recebida ao longo do processo de diagnóstico e no momento da
comunicação da notícia, foi um factor decisivo para a tomada de decisão. Os
resultados evidenciam alguns aspectos sobre os quais nos parece importante
reflectir. A gravidade de uma malformação nem sempre é possível de ser avaliada
na sua real dimensão Os médicos, obviamente falamos com os médicos e eles
disseram o grau de deficiência que existia e provavelmente haveria mais
problemas, mas eu para todos os efeitos fiquei quer dizer soube que era
trissomia 21, não sabia de mais problemas, não sabia com que grau é que
seria...(E5). Após a decisão, os pais podem interrogar-se sobre estes aspectos
e outros para os quais a medicina ainda não encontrou resposta aumentando os
sentimentos de responsabilização pela morte do seu filho. As entrevistas deixam
clara que informação transmitida pode influenciar o processo de decisão do
casal Bem com o primeiro ainda ficamos Mas depois ele prontos foi uma pessoa
mais aberta disse o que tinha de dizer. Tens de abortar agora porque isto não
vale a pena correr riscos, como ele dizia. Ficamos esclarecidos, ficamos mais
preparados logo aí. Não pensamos mais em nada(E8). Sim, os médicos disseram-
nos que era uma situação muito grave que não havia solução para o nosso caso
(E4).
A dúvida e a confrontação com os seus próprios valores éticos e morais são as
principais dificuldades do processo decisório, tendo como consequências a
culpabilização. Não foi fácil. Nos meus ideais sempre pensei de forma
diferente. Sempre pensei na gravidez, nestas coisa da interrupção e aborto,
sempre pensei da seguinte forma: a partir do momento em que há fecundação há
vida e se há vida ninguém tem o direito de lhe pôr termo(E 9). Se tomei a
decisão certa não era uma decisão fácil e vou ficar sempre na dúvida: vai ficar
sempre aquele bocadinho de dúvida de ter sido injusto de ter tomado uma decisão
que se calhar não tinha todoo direito de fazer(E5). A gravidez havia sido
planeada integrando-se no projecto de vida do casal, a sua interrupção
significa o adiamento de sonhos e expectativas. Todos estes pais demonstraram
um grande investimento na gravidez, e uma forte ligação com o feto Disseram
que o homem se sente realmente pai após ter realizado a primeira ecografia eu
senti-me realmente não sei uma alegria imensa e comecei a viver cada minutinho
como se a criança já estivesse fora(E5), designando-o como seu filho e em
alguns casos pelo nome que já lhe haviam atribuído. A precocidade do
diagnóstico é considerada como factor facilitador da decisão. A existência de
filhos no casal, parece constituir para os pais um suporte importante,
facilitando o seu reinvestimento Termos um filho ajudou-nos a não pensar de
uma forma drástica nas coisas, mas de uma forma mais ponderada e a aceitar
melhor a situação(E9).
Apoio
Apoio emocional.Os pais desvalorizaram as suas necessidades de apoio e realçam
as da companheira, não negando contudo que também eles necessitam de partilhar
com alguém a sua dor e sofrimento. Alguns homens encontraram nos amigos suporte
significativo como confidentes e conselheiros. A família de origem,
particularmente os pais, é também destacada como elementos de apoio,
particularmente pela aceitação da decisão do casal Senti-me apoiado pela
família, aquelas pessoas mais próximas de nós, deram-nos o apoio e sei que se
mais fosse preciso mais dariam. (E5) Sim, apoiados pela família, bastante ...
A nossa decisão foi bem aceite, e tivemos apoio dum lado e do outro(E7).
Cuidados dos Profissionais de Saúde.Os pais apresentam uma percepção positiva
dos cuidados recebidos. A forma como é comunicada a notícia, a clareza e a
frontalidade são aspectos muito valorizados. Como aspectos negativos sobressaem
a falta de disponibilidade para esclarecer dúvidas e falar acerca do feto e as
atitudes de exclusão do pai, por parte dos profissionais. A experiência do
internamento é centrada na companheira, os homens desvalorizam os seus
sentimentos e as suas necessidades de apoio mas reconhecem e realçam
necessidade de um maior envolvimento da parte deles durante todo o internamento
hospitalar Senti-me de certa forma excluído. Eu gostava de ter participado
mais. Considero que deveria de haver uma abertura maior. Eu penso que na nossa
sociedade, quando se trata de situações destas, pensa-se que só a mãe é que
sofre. No meu entender e depois da experiência que passei, não é só a mãe que
sofre. O pai também sofre(E9).
A ausência de um acompanhamento dos profissionais de saúde, após a alta
hospitalar, é motivo de insatisfação Acho que a gente ao falar do problema, o
profissional sempre diz façam assim ou desta maneira ou daquela para a gente
tentar organizar outra vez a vida. Fazia falta para agente resolver melhor os
problemas(E 11).
Os pais reconhecem a necessidade de esclarecer dúvidas e receios que persistem
como forma de proporcionar a segurança e tranquilidade necessárias para novos
investimentos Teremos de recorrer à fazer exames, saber de onde vem o
problema e tentar corrigir se houver ou qualquer coisa do género(E7.)
Consequências da Decisão
Implicações na Relação do Casal.Os pais reconhecem dificuldades na comunicação
em consequência do evitamento em falar do assunto com a companheira. Apesar
disso consideram que a partilha da experiência e o apoio mútuo fortaleceram a
relação do casal Até agora as consequências foram para melhorar a relação.
Apoiamo-nos um ao outro e isso foi bom para a nossa relação.(E2); Demos
apoio um ao outro e isso uniu-nos mais(E4). De acordo com os entrevistados nos
primeiros dias após a notícia a comunicação entre o casal aumentou. A
necessidade de tomarem uma decisão em conjunto e as necessidades de se apoiarem
mutuamente nesta experiência difícil poderá justificar uma maior proximidade no
momento inicial. Falamos sobre o assunto, tentei acalma-la, dizer-lhe que não
foi nossa culpa, aconteceu, que o mundo não tinha acabado, que tínhamos que
continuar em frente, para a animar um bocado e penso que tudo isso ajudasse a
nos unirmos mais um bocado(E9). No entanto com o passar dos dias evita-se
falar sobre o assunto para não provocar sofrimento na companheira e ajuda-la a
esquecer. Agora, ás vezes se calhar não falo tanto, porque acho que ela tem
maior dificuldade em enfrentar o assunto.(E5) É uma coisa que nunca vai
esquecer, não é, mas falamos o menos possível sobre o assunto. No início
conversei com ela, para tentar esquecer, mas acho que ao falar ia lembrar
(E11). Planeamento de Nova Gravidez:O planeamento de nova gravidez, está
incluída nos projectos a curto ou médio prazo de 11 dos pais. Ansiosos, com
receio de que a situação se repita, realçam a necessidade de realizar exames e
informar-se melhor sobre os riscos, mas demonstram optimismo sobre a
possibilidade de viverem de novo esta experiência Medo há sempre. Aconteceu a
primeira vez, agora há sempre aquele medo de acontecer a segunda. Mas vamos
tentar e esperar que corra tudo pelo melhor(E4).
Alguns casais já haviam consultado o médico e, realizado alguns exames. As
respostas tranquilizadoras suportam o desejo de tentar nova gravidez a curto
prazo, o que em alguns casais, parece assumir carácter substitutivo e de alívio
do sofrimento que sentem pela sua perda A vida continua, pensamos ter outro e
quanto mais rápido melhor (E7) Para outros, investir na gravidez é recuperar a
esperança e a capacidade de investir no grande projecto das suas vidas ' serem
pais.
DISCUSSÃO
O ponto de vista do pai na experiência da interrupção da gravidez tem merecido
escassa atenção por parte dos investigadores. Os resultados do nosso estudo
revelam que a notícia da malformação no pai é acompanhada de emoções intensas
(choque, frustração, tristeza) e de um profundo sofrimento, tal como referem os
estudos de Withevan Mourik, Connor, e Ferguson-Smith (1992), Geerinck-Vercammen
e Kanhai (2004), Kenyon et al.(1988) e Rousseau (2001). Simultaneamente,
evidenciam uma preocupação significativa pelos sentimentos e reacções da
companheira, procurando protegê-la e evitando-lhe sofrimentos tal como referem
Roussseau (2001) e Wheeler (1999),o que os leva a desvalorizar os seus próprios
sentimentos já que consideram ser seu dever dar-lhe apoio e consolo. Ao
contrário de McCreith (2004), que refere que os homens nesta situação se
recusam a expressar os seus sentimentos, no nosso estudo os homens reconhecem
os seus sentimentos e partilham-nos se lhes for dada oportunidade, como
aconteceu ao longo desta entrevista. Alguns chegam mesmo a referir que os
profissionais deveriam estar mais sensíveis às suas necessidades e aos seus
sentimentos.
A decisão de interromper a gravidez foi tomada por comum acordo entre o casal.
O aconselhamento médico e todas as informações recebidas dos profissionais de
saúde foram fundamentais para a compreensão do diagnóstico e prognóstico da
situação. Consideram que receberam informações claras e objectivas, que os
ajudaram na sua decisão. As entrevistas deixam claro que a opinião médica pode
exercer influência no processo de decisão. Num momento de grande
vulnerabilidade do casal, o modo como o médico transmite as suas explicações
pode ser determinante. O casal pode procurar sustentar a sua decisão na opinião
emitida pelos profissionais de saúde, o que em alguns casos contribui para
diminuir os sentimentos de culpa pela sua decisão. O facto de o médico
considerar a decisão de interromper como a mais adequada é muito valorizada
pelos intervenientes no nosso estudo, de onde sobressai o poder que directa ou
indirectamente os profissionais podem exercer na tomada de decisão. Ao longo
dos seus discursos, a maior parte dos nossos entrevistados, deixou claro que
apenas uma alternativa foi verdadeiramente equacionada e que esse facto se
deveu em grande parte às informações recebidas. Apesar disso, todos os
participantes realçaram que a decisão de interromper foi livre e informada.
Segundo os resultados de um estudo de Sagi, Shiloh, e Cohen (2001), sobre
interrupção da gravidez por aneuplodias, 56% da sua amostra considerou ter
recebido um aconselhamento directivo que influenciou a sua decisão.
As principais razões para a interrupção foram a percepção acerca da gravidade
da malformação, as preocupações com o bem estar da criança, a sua qualidade de
vida futura e as insuficientes estruturas de apoio familiar e social. Estes
resultados são semelhantes aos encontrados por outros autores (Menahem &
Grimawade, 2003; Zlotogora, 2002). As experiências e os conhecimentos
adquiridos, pela convivência directa ou indirecta com crianças deficientes
parecem facilitar a decisão. Para os pais do nosso estudo a opção pela
interrupção voluntária da gravidez, pondo fim deliberadamente à vida do feto,
pretende evitar o seu sofrimento ou as consequências de uma anomalia grave
incompatível com uma vida normal. Para os pais existe a percepção de que a
sobrevivência e os cuidados destas crianças ficam quase totalmente na
dependência das famílias, aumentando consideravelmente os encargos económicos e
o desgaste psicológico pelas constantes necessidades de apoio e disponibilidade
constituindo um grande sacrifício para toda a família. Estes resultados são
semelhantes aos encontrados por Martinez (2001). A tomada de decisão é complexa
e acompanha-se de grandes dilemas. As principais dificuldades no processo
decisório estão relacionadas com o facto de as gravidezes serem desejadas e
planeadas para a maioria dos casais. Os discursos dos pais evidenciam em
diversos momentos a ligação precoce e intensa ao feto em desenvolvimento. O
nosso estudo, á semelhança doutros (Brazelton & Cramer, 1993; Camus, 2002;
Colman & Colman, 1994) mostrou que os pais estabelecem uma relação precoce
com o bebé. O envolvimento do pai com a gravidez fica comprovado pela sua
participação na vigilância da gravidez demonstrando as suas preocupações com a
saúde da mãe e da criança. O acompanhamento da mulher na realização da
ecografia permitiu que também eles pudessem estabelecer um contacto visual com
o bebé intensificando os seus sentimentos de paternidade. A decisão de
interromper a gravidez acompanha-se por vezes de conflitos de valores morais e
mesmo religiosos. Os valores contraditórios que suportam esta decisão aumentam
a dúvida quanto ao direito de interromper a vida do filho que já sentiam como
seu e desejavam. Os pais consideram-se os responsáveis pela morte do seu
bebé,mesmo nos casos em que a anomalia era incompatível com a vida.
No nosso estudo parece não existir relação entre a idade gestacional e a
intensidade das reacções á perda, verificando-se contudo que o aumento do tempo
de gravidez tornou mais difícil a tomada de decisão. A existência de filhos
constitui, para os pais do nosso estudo, um apoio importante para ajudar a
ultrapassar e a aceitar a perda do bebé pelo que podemos considerá-los
agentesprotectorestal como refere Ramalho (2003).
A experiência dos cuidados hospitalares apresenta algumas particularidades. Na
realidade, o pai apenas acompanha ou visita a sua companheira durante o
internamento hospitalar pelo que parece justificável que a sua apreciação se
focalize no apoio prestado à companheira considerando-o como factor essencial
dos cuidados prestados. A maioria dos pais percepciona positivamente os
cuidados prestados pelos profissionais de saúde à sua companheira No entanto, e
indo de encontro a outros estudos (Khan, Drudy, Harrison, & Geary, 2004),
referem também que se sentiram excluídos do processo já que, na maioria dos
casos, não tiveram a oportunidade de acompanhar a sua companheira e nem sempre
viram reconhecidas as suas necessidades emocionais. Os pais reclamam uma maior
abertura dos profissionais no acompanhamento da mulher, maior envolvimento e o
reconhecimento dos seus sentimentos. De acordo com Defey (2001) e Rosseau
(2001), a forma como é comunicada a malformação, a clareza e a frontalidade na
abordagem do problema, a valorização dos sentimentos dos pais, o respeito pelas
decisões tomadas podem contribuir de forma decisiva para a integração da
experiência e sua reorganização positiva. Neste estudo, ficou claro que
subsistiram dúvidas ao longo do processo que nem sempre encontraram
receptividade e disponibilidade da parte dos profissionais de saúde para o seu
esclarecimento, tal como referem Rosseau (2001), Kenyon (2001) e Khan et al.
(2004).
Os resultados revelam também que é generalizada a insatisfação com os cuidados
de saúde após a alta hospitalar. Muitas dúvidas e receios persistiram, pelo
que, uma consulta programada com um profissional, algumas semanas após o
internamento, proporcionaria, na sua opinião, a possibilidade de esclarecer
dúvidas relativas ao presente e ás possibilidades futuras, transmitindo a
segurança e tranquilidade necessárias para novos investimentos, facilitando a
integração da experiência diminuindo as suas sequelas traumáticas. Na
realidade, o significado da consulta de follow-up é reconhecido em vários
estudos (Mourick, 1992; Statham, 1992).
No que se refere ao suporte emocional recebido ao longo de todo o processo, os
pais consideram ter recebido o apoio necessário. O apoio mútuo do casal é
considerado essencial para a vivência conjunta da experiência. A maioria dos
homens encontrou o seu apoio na família e amigos mais próximos. Para eles é
importante o apoio, o carinho e a compreensão da família, sobretudo no que
respeita á decisão tomada e à partilha de sentimentos. Os amigos são
reconhecidos pela sua capacidade de escuta, compreensão e mesmo aconselhamento.
Estudos como os de Mourick (1992) referem que estes pais precisam de sentir que
aqueles que os rodeiam estão sensíveis à sua dor e partilham os seus
sentimentos de perda. No entanto em algumas situações as pessoas próximas podem
não compreender o sofrimento dos pais, perante a perda de alguém que para eles
não chegou a existir (Keathing & Seabra, 1994).
Outro aspecto relevante deste estudo relacionou-se com as implicações na
relação conjugal. Os estudos existentes não se revelam conclusivos acerca das
implicações (positivas ou negativas) na relação do casal. Segundo Canavarro
(2000), Mourick (1992) e Thomas (1995) os casais com dificuldades relacionais,
elas tendem a aumentar, por dificuldades na comunicação ou desajustamentos na
vivência do processo de luto. Contrariamente, os pais deste estudo consideram
que a vivência partilhada desta difícil experiência contribuiu para uma maior
aproximação do casal que se apoiou mutuamente, partilhando decisões e
sentimentos. Estes resultados vão de encontro aos de Geerinck-Vercammen e
Kanhai (2004). Segundo Thomas (1995) a comunicação entre o casal acerca dos
seus sentimentos e dificuldades pode facilitar a resolução da perda. Neste
estudo, os homens referem, com o passar dos dias, algumas dificuldade em falar
do assunto com a companheira com receio de aumentarem a sua dor e sofrimento.
Tal como nos estudos de Rosseau (2001) e Statham e Green (1994) uma nova
gravidez pode surgir como uma necessidade de substituição da anterior. O seu
planeamento pode surgir da necessidade de diminuir a dor e o sofrimento
causados pela interrupção na busca do seu bebé perfeito. Tal facto pode
traduzir-se em dificuldades na integração da perda sofrida. No nosso estudo
também os pais referiram que uma nova gravidez já se encontrava incluída nos
seus projectos futuros a curto ou médio prazo, apesar da ansiedade e do receio
de que a situação se pudesse repetir. Segundo alguns estudos (Evers-Kiebooms,
Denayer, Cassiman, & Van den Berghe, 1988; Mourick, 1992) a introdução do
diagnóstico pré-natal veio dar aos casais a oportunidade de concretizarem os
seus projectos e investirem com mais segurança em novas gravidezes. Os nossos
pais realçam a necessidade de realizar exames e informar-se melhor acerca dos
riscos mostrando-se optimista sobre o sucesso da nova experiência.
Os resultados mostram que conhecer os significados atribuídos pelo pai à
experiência de interrupção da gravidez é essencial para a definição de
estratégias que previnam as consequências traumáticas deste acontecimento. Os
comportamentos e atitudes dos profissionais de saúde são determinantes na
promoção da saúde mental dos pais que vivem esta experiência. É tarefa dos
profissionais de saúde, em particular dos enfermeiros ajudar os pais no
processo de elaboração da perda e capacitá-los para investirem em novos
projectos e encontrarem novos significados para as suas vidas. Os enfermeiros
mantêm um contacto directo com os casais que vivem esta experiência desde o
momento de diagnóstico. O seu contributo na promoção da saúde mental destes
pais é fundamental. O profissional de enfermagem deve fornecer cuidados
personalizados e individualizados, apoio, informação adequada, orientação e
esclarecimentos oportunos que facilitem a tomada de decisão. O respeito e a
valorização dos comportamentos, atitudes e sentimentos de todos os
intervenientes, tendo em conta que cada um viverá a experiencia de modo
distinto, evitando tratamentos estereotipados. Ajudar os pais a viver a sua
perda, criando ambientes onde possam exprimir os seus sentimentos e emoções, e
se sintam apoiados nas suas decisões. Os resultados deste estudo apontam para a
necessidade de um maior envolvimento do pai no processo de interrupção, a
valorização da sua dor e sentimentos e a oportunidade de se expressarem. Quando
identificada sintomatologia traumática deve o profissional de enfermagem
providenciar o encaminhamento adequado. Fica clara a necessidade de os
profissionais de saúde envolvidos reflectirem sobre a sua prática profissional
no sentido de proporcionar aos homens, em particular, algum tipo de apoio que
favoreça o luto da experiência.