O impacto da malformação fetal: indicadores afetivos e estratégias de
enfrentamento das gestantes
A gestação é um fenômeno complexo que envolve fatores de diversas ordens. Desde
a fecundação até o nascimento de um recém-nascido, a gestante e o feto passam
por experiências psicológicas, fisiológicas e sociais únicas.
Ter um filho perfeito, que possa atender suas expectativas e sonhos, é desejo
da maioria dos casais, constituindo-se um evento socialmente esperado. Assim,
quando o bebê apresenta algum problema, ocorre a "destruição" de um
grande sonho e, quanto mais a criança real for diferente do sonho dos pais,
mais difícil é a adaptação destes ao seu nascimento (Pelchat, 1992).
Raphael-Leff (2000) afirma que o diagnóstico de anormalidade e a detecção de
sofrimento fetal e/ou de doença materna são fatos que vêm aumentar
significativamente as dificuldades de uma gravidez. Lutos precisam ser
elaborados diante de todas essas situações, mesmo aquelas em que o feto não
tenha tido uma morte concreta, mas o filho perfeito, idealizado, precisa,
agora, ser enterrado.
Segundo Sukop et al. (1999), o impacto da notícia da malformação se faz sentir
imediatamente no apego materno-fetal. O apego, definido por Bowlby (1982), como
o vínculo que se estabelece entre a criança e sua mãe e que se inicia ao
nascimento, é definido por Cranley (1981) como a intensidade com que as
mulheres se engajam em comportamentos que representam uma afiliação e uma
interação com sua criança nascitura (p.282).
Com o avanço tecnológico, o diagnóstico pré-natal tornou-se cada vez mais
preciso, possibilitando detectarem-se determinadas anomalias congênitas antes
do nascimento. Diante disso, o interesse da Medicina Fetal pelo estudo das
causas que colocam em risco a saúde do feto e da gestante teve um significativo
avanço.
Tarelho e Perosa (2001) referem que houve um aumento no interesse de pesquisar
o apego durante o período fetal, pois pouco se sabe sobre o que ocorre com o
vínculo mãe/feto durante o processo da gravidez, especialmente quando há
intercorrências. Da mesma forma que a notícia de uma deficiência em um filho
nascido acarreta transtornos emocionais, a notícia de uma malformação fetal
pode causar reações de depressão, rejeição e rompimento do apego, seja
transitório ou permanente.
As reações iniciais dos pais, bem como o grau de apego ao filho, dependem, em
parte, do tipo de malformação, se ela é visível, se pode ser corrigida, se
afeta o sistema nervoso central ou a genitália, se é familiar e se é letal,
visto que essas características definem a longo do tempo os problemas que eles
terão que enfrentar (Kennel & Klaus, 1993; Sloper & Turner, 1993 citado
por Perosa, Silveira, & Canavez, 2008).
De acordo com Drotar et al. (1975), uma malformação no recém-nascido
desencadeia um processo de adaptação gradual dos pais em relação aos cuidados e
à satisfação com seu filho. O estudo de Tarelho e Perosa (2001) aponta para o
fato de que mães cujo feto apresentava suspeita ou constatação de alguma
malformação, depois de algum tempo da notícia, refizeram o vínculo mesmo antes
do nascimento. As que não reiniciaram o apego foram, em sua maioria, as que
haviam recebido a informação de que a criança não sobreviveria.
O fato de apresentar uma condição de risco preexistente à gravidez pode levar a
gestante a considerar-se inferior às outras mulheres, afetando sua autoestima,
que, quando baixa, pode influenciar a qualidade da ligação afetiva com o bebê.
Apesar dos progenitores destes fetos serem habitualmente saudáveis, correm o
risco de serem considerados pela sociedade como defeituosos, imperfeitos ou
anormais, além do fato de terem a potencialidade de transmitir defeitos à
geração descendente. São diversos os transtornos e consequências que a notícia
da malformação fetal acarreta para a família, perturbam os mais profundos
desejos e expectativas parentais, ameaçando, em grande medida, toda a dinâmica
familiar (Cardoso, 2001, citado por Antunes & Patrocínio, 2007).
Por um período único, a gestação mostra-se como importante desencadeante de
ansiedade, levando as mães a vivenciarem de forma especial esta experiência.
Quando há quebra na idealização da maternidade e da criança que vai nascer, a
mãe traz consigo sentimentos como medo, raiva, tristeza e perdas com
implicações que vão além do próprio bem-estar físico (Rona et al., 1998 citado
por Gorayeb, 2008).
A ansiedade gerada durante a gestação e todo o processo de elaboração materno
da malformação fetal é um importante eliciador de estados depressivos. Estes
são marcados por variações de humor que tornam difícil, para a mulher, lidar
com todas as questões gestacionais (Quayley, 1997). Os estudos de Rocha (1999)
e Adourd et al. (2005 citado por Gorayeb, 2008), apontam que índices elevados
de desinformação sobre o processo gestacional, de saúde do feto, bem como
dificuldades efetivas maternas de elaborar as mudanças inerentes ao período
gestacional e à malformação infantil e lidar com elas, favorecem estados de
estresse, ansiedade e depressão.
O impacto de um feto malformado ou deficiente torna-se então angustiante e
desestruturante, de tal forma que poderá provocar um desinvestimento rápido e o
pedido de interrupção da gravidez surge como uma das reações frequentes, no
sentido de repor o equilíbrio psíquico dos pais (Sousa, 2003). Assim, de acordo
com Setúbal et al. (2004) dá-se início a um período de luto pela perda do bebê
saudável, enquanto novas expectativas são incorporadas à vida do casal.
A notícia de um feto com malformação é, portanto, um fato que desencadeia um
período de grande stress físico e emocional, onde uma turbulência de
sentimentos se faz presente. Para que possam enfrentar, superar e adaptar-se
a essa nova situação, os pais utilizam diferentes estratégias de enfrentamento,
denominadas na literatura coping (Lazarus & Launier, 1978).
Por essa razão, é de extrema importância avaliar o apego materno-fetal e
conhecer as formas de enfrentamento utilizadas pelas gestantes, para que elas
possam ser ajudadas a elaborar mais adequadamente suas emoções, desmistificar
suas fantasias, criar o vínculo, caso este seja abalado pelo temor materno. É
necessário serem bem acolhidas e preparadas logo após o diagnóstico de
malformação fetal.
A partir destas considerações, este estudo teve como objetivo avaliar como se
estabelece o apego materno-fetal, os modos de enfrentamento e os indicadores
clínicos, a ansiedade e a depressão, na fase pré-natal, de gestantes que
receberam a notícia de malformação do feto em Serviços de Ginecologia e
Obstetrícia de duas cidades do interior do estado de São Paulo, Br.
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo todas as gestantes que realizaram exames
ultrassonográficos no período de fevereiro a setembro de 2008 e que foram
informadas de que teria um filho que era portador de alguma malformação fetal
ou anomalia, totalizando 22 participantes com idade mínima de 17 (18,2%) e
máxima de 32 (13,7%) anos, sendo 14 (63,6%) delas legalmente casadas, cinco
(22,7%) com união estável e três (13,7%) solteiras. Em relação ao histórico
gestacional, para dez (45,4%) gestantes esta é a 1ª gravidez, para nove (40,9%)
delas é a segunda gravidez e o segundo filho, para uma (4,5%) gestante é a 4ª
gravidez e o quarto filho; para outras duas (9,0%) gestantes, respectivamente,
é a 4ª gravidez e o terceiro filho e a 3ª gravidez e o segundo filho. Das 22
gestantes, oito (36,3%) informaram que a gravidez foi planejada.
O tempo gestacional em que se encontravam as gestantes, quando foi realizada a
pesquisa, variou de 16 a 38 semanas. Quanto ao diagnóstico da malformação
fetal, seis (27,2%) fetos apresentaram diagnóstico de malformação incompatível
com a vida; oito (36,4%) seriam submetidos a procedimento cirúrgico quando
nascessem; e oito (36,4%) precisariam ser avaliados após o nascimento.
Tabela 1
Caracterização das Participantes
Instrumentos
Foi utilizada a escala de Apego Materno-Fetal elaborada por Mecca S. Cranley
(1981), traduzida e validada para a população brasileira por Feijó (1999), para
avaliar a relação mãe/feto após diagnóstico de malformação fetal. O coeficiente
de fidedignidade para a escala total, obtido através do alfadeCronbach,foi de
0,85 e, para as subescalas, variou de 0,52 e 0,73. Esta escala é um instrumento
do tipo Likert, que contém 24 itens divididos em cinco subescalas, com cinco
possibilidades de respostas: Quase nunca, frequentemente, às vezes, raramente e
nunca, cuja pontuação varia de 5 a 1, respectivamente. O escore total da escala
é obtido com a soma da pontuação de cada item. Verificou-se a distribuição das
gestantes de acordo com escores, indicativo para apego conforme a classificação
recomendada: apego mínimo corresponde aos escores de 0 a 47 pontos; apego
médio, escores de 48 a 71 pontos; e apego máximo, escores de 72 a 120.
A Escala de Modos de Enfrentamento do Problema ' EMEP - é um instrumento
adaptado (Gimenez & Queiroz, 1997) e validado para a população brasileira
(Seidl et al., 2001). A análise fatorial exploratória e da consistência interna
dos fatores mostrou que a estrutura fatorial da EMEP foi replicada nesta
amostra específica, com alphas de Cronbachvariando entre 0,83 e 0,65. Este
instrumento é autoaplicável e foi utilizado neste estudo para conhecer e
avaliar os tipos de estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes. É
composto de 45 itens, distribuídos em 4 fatores: 1) enfrentamento focalizado no
problema (18 itens, α=0,84); 2) enfrentamento focalizado na emoção (15 itens,
α=0,81); 3) busca de suporte social (5 itens, α=0,70; e 4) busca de práticas
religiosas (7 itens, α=0,74). As respostas foram dadas em escala Likert de
cinco pontos, contendo os seguintes intervalos: 1-Eu nunca faço isso; 2-Eu faço
isso um pouco; 3-Eu faço isso às vezes; 4-Eu faço isso muito; 5-Eu faço isso
sempre. Deste modo, o escore total é obtido pela média aritmética e, quanto
mais alto o escore, maior a frequência de utilização da estratégia de
enfrentamento.
Dentre as Escalas de Beck, utilizamos o Inventário de Ansiedade Beck (BAI) e o
Inventario de Depressão Beck (BDI). O BAI foi utilizado por ter tradução e
adaptação brasileiras, sendo que a consistência interna do BAI foi de 0,87 e a
correlação entre teste e reteste foi de 0,06 e 0,11 (Cunha, 2001). É uma escala
de autorrelato que mede a intensidade de sintomas de ansiedade. Esse
instrumento é composto por 21 itens e devem ser avaliados pelo sujeito com
referência a si mesmo, numa escala Likert de quatro pontos, variando de 0 a 3.
O escore total é o resultado da soma dos escores dos itens individuais. A soma
dos escores individuais representa o escore total, que pode variar entre 0 e
63. O escore total permite a classificação em níveis de intensidade da
ansiedade. Utilizou como indicativo de sintomas de ansiedade a classificação
recomendada para pacientes não psiquiátricos, sendo nível mínimo para escores
de 0 a 7; leve, para escores de 8 a 15; moderado, de 16 a 25; e grave, para
escores de 26 a 63 (Cunha, 2001).
A aplicação do Inventário de Depressão Beck - BDI, com tradução e adaptação
brasileiras de Cunha, mostrou que a consistência interna do BDI foi de 0,84 e a
correlação entre teste e reteste foi de 0,95 (p<0,001) (Cunha, 2001). Este
teste é utilizado para medir possíveis indicadores de depressão nas gestantes.
O BDI é uma escala de autoavaliação de manifestações comportamentais de
depressão, porém sem finalidade diagnóstica. Este instrumento é composto por 21
categorias de sintomas e atitudes, com quatro ou cinco afirmações, cada uma
refletindo um grau crescente de gravidade de depressão (de 0 a 3) (Gorenstein
& Andrade, 2000). Foram utilizados os critérios sugeridos para pacientes
não diagnosticados com transtornos psiquiátricos, ou seja, disforia>15 e
depressão>20 (Kendall et al., 1987).
Procedimentos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
De 15 a 30 dias após terem recebido a notícia de malformação fetal, informação
esta feita pelo obstreta, as gestantes retornaram ao serviço de
ultrassonografia e foram convidadas a participarem da pesquisa. Firmado o Termo
de Consentimento, primeiramente foi aplicada a Escala de Apego Materno-fetal, a
Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas e, em seguida as Escalas de
Ansiedade e Depressão.
Análise dos dados
Os instrumentos de avaliação (Escala de Apego Materno-Fetal, Escala de Modos de
Enfrentamento de Problemas, Inventário de Ansiedade e Depressão Beck) foram
analisados quantitativamente, conforme as respectivas normas dos testes. Após a
obtenção dos escores dos instrumentos, os resultados foram colocados em
tabelas, onde foram analisados utilizando estatística descritiva. Para
verificação de possíveis relações entre o grau de apego materno fetal e os
modos de enfrentamento e os indicadores emocionais e o prognóstico, foram
realizadas comparações entre os resultados obtidos nas avaliações.
RESULTADOS
Apego Materno-Fetal
A análise da avaliação do apego das gestantes obtido na escala de apego
materno-fetal, em função do diagnóstico da malformação fetal, está apresentada
na tabela 2. Para diferenciar o prognóstico dos fetos foram atribuídas letras,
sendo L referente à malformação incompatível com a vida; C, à malformação fetal
de fetos que precisariam de procedimento cirúrgico e A para a malformação fetal
de fetos que seriam avaliados após o nascimento. De acordo com os dados da
tabela 2, a maioria das gestantes, 21(95,4%), teve o vínculo materno-fetal
acima do valor determinado pelo instrumento e apenas uma (4,6%) manteve o apego
na média, depois do diagnóstico de malformação.
Tabela 2
Grau de Apego materno-fetal: frequência
e porcentagem
Os dados da tabela 3 mostraram que, das gestantes que demonstraram um apego
máximo com os fetos, cinco (83,3%) delas haviam recebido informação de que a
malformação fetal era incompatível com a sobrevivência dos fetos após o
nascimento; todas as oito (100%) gestantes que haviam recebido a informação de
que seus fetos apresentavam uma malformação e que passariam por cirurgia assim
que nascessem e todas as outras oito (100%) que foram informadas da malformação
fetal e do risco que seus fetos estavam correndo, e que era necessário que os
bebês nascessem para serem melhor avaliados. A única gestante (16,7%) que
apresentou o apego na média, sabia que a malformação fetal era incompatível com
a vida e aguardava a liberação judicial para a interrupção da gestação.
Tabela 3
Grau de Apego materno-fetal em função
do Prognóstico Fetal: frequência e
porcentagem*
Estratégias de Modo de Enfrentamento ' EME
Quanto ao modo de enfrentamento, os dados serão apresentados na tabela 4. A
Estratégia de Enfrentamento mais utilizada pelas gestantes, 12 (54,5%), foi a
Estratégia Focalizada na Busca de Práticas Religiosas/Pensamentos Fantasiosos,
independente da religião que praticavam, sendo que destas, cinco (83,3%) sabiam
que a malformação do feto era incompatível com a vida; três (37,5%), que o feto
passaria por intervenção cirúrgica após o nascimento e quatro (50%), foram
informadas de que após o nascimento o feto seria avaliado para a determinação
de conduta e prognóstico. A segunda estratégia de enfrentamento mais utilizada
foi a Estratégia Focalizada no Problema, por seis (27,2%) gestantes, das quais,
quatro (50%) sabiam que o feto passaria por cirurgia ao nascer e outras duas
(25%) cujo bebê seria avaliado após o nascimento. Das gestantes cujo feto
apresentava malformação fetal incompatível com vida, nenhuma utilizou esta
estratégia.
Tabela 4
Estratégias de enfrentamento utilizadas pelas
gestantes, frente ao prognóstico de malformação
fetal: frequência e porcentagem*
Independente da religião que praticavam, a estratégia de enfrentamento menos
utilizada pelas gestantes deste estudo, apenas quatro (18,3%) delas, foi Busca
de Apoio Social, ou seja, a procura de suporte social, emocional ou de
informação. Destas uma (16,7%) tinha o feto apresentando malformação fetal
incompatível com a vida, em outra (12,5%) o feto necessitaria de cirurgia ao
nascer e em duas outras gestantes, (25%), o feto seria avaliado após o
nascimento, para se determinar a gravidade e conduta.
Apego Materno-Fetal e Estratégias de Enfrentamento
A relação entre o grau de apego materno fetal e as estratégias de enfrentamento
esta apresentada na tabela 5.
Tabela 5
Estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes em
função do grau de Apego materno-fetal: frequência e
porcentagem*
A tabela 5 mostra que, 21 gestantes participantes do estudo, a maioria (95,4%),
mantiveram o apego acima do esperado, independente do diagnóstico e prognóstico
de seus fetos, sendo que 11 (52,4%) delas utilizaram como estratégia de
enfrentamento as práticas religiosas/pensamentos fantasiosos, independente da
sua crença religiosa; seis (28,5%) utilizaram enfrentamento focalizado no
problema e outras quatro (19,0%) gestantes utilizaram a estratégia focalizada
na Busca de Apoio Social. A única gestante que teve o apego na média utilizou
como estratégia de enfrentamento as práticas religiosas/pensamentos
fantasiosos.
Ansiedade e Depressão
Procurou-se avaliar o nível de ansiedade e depressão manifestadas pelas
gestantes, após a confirmação do diagnóstico e prognóstico de malformação fetal
nas tabelas 6 e 7.
Tabela 6
Estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes,
frente ao prognóstico de malformação fetal: frequência e
porcentagem*
Tabela 7
Incidências de indicadores clínicos de ansiedade, depressão
em função do prognóstico fetal: frequência e porcentagem
Os dados da tabela 6 mostram que das 22 gestantes, três (13,7%) manifestaram
ansiedade mínima; oito (36,4%) delas, ansiedade leve, sendo que duas (66,7%)
destas apresentaram também indicadores para depressão; outras oito (36,4%),
ansiedade moderada, entre as quais uma (33,3%) delas apresenta também indicador
para depressão, e três (13,6%) gestantes ansiedade grave.
Em relação ao prognóstico, verificou-se na tabela 07 como as gestantes
manifestaram suas ansiedades e depressões, após a confirmação do prognóstico da
malformação fetal.
De acordo com a tabela 7, das seis (27,2%) gestantes que tinham recebido o
prognóstico letal do feto, apenas uma (4,5%) apresentou indicadores para
ansiedade grave com disforia.
Das oito (36,2%) gestantes com prognóstico fetal cirúrgico, duas(9,0%)
gestantes apresentaram indicadores para depressão, porém uma(50%) delas com
ansiedade leve e a outra(50%) gestante com ansiedade moderada. Já as oito
(36,2%) gestantes com o prognóstico fetal não cirúrgico, seis(27,2%) não
manifestaram indicadores para depressão, sendo que três(50%) apresentaram
ansiedade leve, uma(16,6%) gestante, ansiedade moderada, e outras duas(33,4%)
delas, ansiedade grave. Apenas uma(4,5%) gestante apresentou indicadores de
disforia com ansiedade moderada e uma outra(4,5%), indicadores para depressão
com ansiedade leve.
DISCUSSÃO
Neste estudo pode-se constatar que, como afirmam Cranley (1981), Klaus e
Kennell (1993) e Rogiers (1996), o apego da mãe com seu filho inicia-se muito
antes do nascimento, já no período gestacional. Constatou-se neste estudo que,
apesar do impacto da notícia de malformação fetal, as gestantes mantiveram o
apego, sendo que, em algumas delas, o grau de apego foi superior à média
preconizada pelo instrumento. Estes achados confirmam os resultados encontrados
no estudo de Gomes (2007), que relatou aumento do vínculo mãe-feto em gestações
onde há diagnóstico de malformação fetal. Paradoxalmente, Sukop e cols (1999)
verificaram um nível menor de apego mãe-feto em gestantes em situação de
malformação fetal do que naquelas que se encontravam em um contexto de
normalidade, ou seja, as gestantes, depois da confirmação da malformação fetal,
acabavam rejeitando o feto e evitando ter contato com ele, para evitar de um
sofrimento ainda maior. Este sentimento se deve tanto aos processos de
enfrentamento e aceitação da realidade da malformação apresentada pelos bebês
quanto às informações obtidas sobre o diagnóstico e o prognóstico. É provável
que os resultados sobre vínculo materno-fetal encontrados neste estudo,
mostrando que as gestantes estabeleceram vínculo com seus fetos, apesar do
diagnóstico de malformação, sejam devidas ao fato das gestantes terem
visualizado seus fetos durante a ultrassonografia. De acordo com Veny (1986),
Villeneuve e cols (1988, citado por Gomes, 2003), a realização da
ultrassonografia pode ser um fator importante na avaliação do apego, pois as
gestantes passam a vincular-se mais com o feto e, por seguinte, a emitir com
mais frequência comportamentos de apego em relação a ele. Esta reação pode
provir principalmente da visualização do feto, concretizando assim a gravidez .
No presente estudo, os dados foram coletados após quinze dias da realização do
exame ultrassonográfico e, como praxe dos serviços, todas as gestantes
acompanham o exame pela tela do aparelho e levam fotos dos fetos. É provável
que este procedimento tenha influenciado para que as gestantes deste estudo
estabelecessem maior vínculo e demonstrassem mais comportamentos de afeto e
interação, como conversar com a barriga, escolher o nome, imaginar o rostinho,
imaginar-se cuidando do bebê. Além disso, observa-se que o diagnóstico e
prognóstico da malformação fetal não influenciou no apego materno e que suas
reações, bem como as futuras dificuldades de apego dependem, em parte, de como
será a aparência externa do concepto malformado, quais os prejuízos que pode
causar para o desenvolvimento da criança a médio e longo prazo, a
reversibilidade, cura ou não, entre outros.
Os recursos pessoais de enfrentamento são constituídos por variáveis físicas e
psicológicas, que incluem saúde física, moral, crenças ideológicas,
experiências prévias de enfrentamento, inteligência e outras características
pessoais. Os recursos socioecológicos, encontrados no ambiente do indivíduo ou
em seu contexto social, incluem relacionamento conjugal, características
familiares, redes sociais, recursos funcionais ou práticos e circunstâncias
econômicas (Antoniazzi, Dell'Aglio, & Bandeira, 1998).
Segundo Gimenez (1997), a utilização de estratégias focalizadas no problema
implica na busca de informações relevantes para solucionar o problema, lidar
com a situação estressora. Os resultados encontrados neste estudo mostraram que
as gestantes, através das suas experiências, estavam conseguindo lidar com a
descoberta da malformação fetal e vislumbrar uma possibilidade de resolução do
problema voltada para a realidade do problema concreto.
A Estratégia de Enfrentamento Focalizada na Busca por Apoio Social que as
gestantes utilizaram pode funcionar como redutor do estresse e indicar uma
tendência a utilizar enfrentamento externo para lidar com as dificuldades. É
possível que a necessidade de consultas e a alta chance de rejeição levem a
gestante a procurar ajuda de pessoas próximas. RodriguesMarin e cols (1992)
observaram que o suporte social tem aparecido com frequência na mensuração do
enfrentamento. Ela refere que esse fator, busca de suporte social, representa
itens que têm como significado a busca de suporte emocional, familiar ou de
informação sobre a situação causadora do estresse.. No presente estudo
constatou-se que o apoio de pessoas significativas representou um papel
importante depois da confirmação da malformação fetal.
Quando se fala em enfrentamento focalizado na busca de práticas religiosas/
pensamentos fantasiosos, que, segundo Gimenez (1997), indica a presença de
comportamentos e pensamentos permeados por sentimentos de esperança e fé como
forma de lidar com uma situação estressante, o presente estudo mostrou que a
maioria das gestantes utilizou este tipo de estratégia. Deve-se ressaltar que,
no nosso estudo, a interferência dos fatores religiosos na dinâmica psíquica
dessas gestantes, uma vez que a crença adotada por elas rege seu comportamento
psicológico, pode estar associada a um mecanismo de proteção e de
racionalização. A religião passa a ser um recurso de elaboração psicoafetiva,
que permite lidar melhor com todo sofrimento que a malformação fetal traz para
a gestante, mas também pode ser um fator de risco, impedindo-a de ver a
realidade e levando-a a tomar decisões que nem sempre condizem com a gravidade
ou não do diagnóstico.
O enfrentamento focalizado na emoção, que, de acordo com Gimenez (1997), inclui
reações emocionais negativas, como raiva ou tensão, pensamentos fantasiosos e
irrealistas voltados para a solução mágica do problema, respostas de esquiva e
reações de culpabilização de outra pessoa ou de si próprio, neste estudo não
foi utilizado pelas gestantes.
As gestantes participantes deste estudo apresentaram escores elevados para
ansiedade, sendo que, para depressão, a maioria delas não apresentou
indicadores clínicos. Estes dados se contrapõem aos de Rocha (1999) e Adouardes
(2005), que afirmam que a ansiedade gerada pelo processo de enfrentamento e
elaboração psicoafetivo da situação da malformação infantil é um importante
eliciador de estados depressivos.
Os resultados obtidos permitem-nos alertar para a importância na compreensão da
relação mãe-feto malformado e as estratégias de enfrentamento que envolvem essa
relação, visando estabelecer programas de acompanhamento psicológico,
propiciando apoio a estas gestantes, minimizando seu sofrimento e assim,
auxiliando-as a tomar as decisões que se fazem necessárias.