Educação sexual em Portugal e em vários países da América Latina
Os riscos ligados à actividade sexual, designadamente o uso inconsistente de
contracepção e do preservativo (Beadnell et al., 2005; Brook, Morojele, Zhang,
& Brook, 2006), o elevado número de parceiros, a existência de parceiros
ocasionais e a associação entre o consumo de álcool e/ou drogas e o
comportamento sexual (Eaton et al., 2005), tornam os jovens um grupo
especialmente vulnerável em termos de saúde sexual e reprodutiva a nível
mundial (FNUAP, 2005; Matos e equipa do Projecto Aventura Social & Saúde,
2003).
As crenças relacionadas com o preservativo (e.g.,tira o prazer), as atitudes,
positivas ou negativas em relação a sexualidade, a ideia do apoio por parte das
pessoas significativas (família, pares, entre outros), as acções dos pais e as
competências comportamentais (relacionadas com a comunicação, assertividade,
negociação, auto-eficácia) e, ainda, a intenção de ter comportamentos sexuais
seguros/preventivos, são condicionantes extremamente importantes quando
procuramos explicar os diferentes tipos de comportamentos (Carvalho &
Baptista, 2006; Nodin, 2001).
Para se promover atitudes e comportamentos sexuais saudáveis é fundamental a
educação sexual, uma vez que tem como objectivos formar e desenvolver atitudes
e competências nos jovens, permitindo que estes se sintam informados e seguros
nas suas escolhas (GTES, 2005; 2007; 2007a).
O facto de os jovens terem actualmente muita facilidade em obter informação não
garante que as suas escolhas sejam as mais adequadas, por isso a educação
sexual poderá fornecer uma ajuda na triagem desta informação, contribuindo para
que seja utilizada da melhor forma (Piscalho, Serafim, & Leal, 2000).
A educação sexual não deve cingir-se às informações sobre os aspectos físicos
do acto sexual, sendo essencial a abordagem de outras dimensões, tais como a
social, a cultural, a emocional e a ética (Aquilino & Bragadottir, 2000) Se
considerarmos a educação sexual a única forma para se prevenir e /ou modificar
comportamentos, deve-se ter em conta a importância das normas sociais e dos
amigos (grupo de pares), a aquisição de competências cognitivas e
comportamentais necessárias à implementação e manutenção da mudança, e
contemplar a avaliação de vulnerabilidade ao risco, da motivação para a mudança
e, ainda, os factores situacionais que possam intervir com a implementação
dessa mudança.
Mas a educação sexual no âmbito da educação para a saúde implica também a
consciencialização dos imprescindíveis agentes educativos envolvidos, de forma
directa ou indirecta, no desenvolvimento dos jovens: famílias, escolas,
comunidades, instituições, organizações não-governamentais, autarquias,
institutos públicos e particulares, locais de lazer e diversão.
Portugal
Em Portugal, a implementação da educação sexual nas escolas tem originado, nos
últimos anos, um grande debate. Em 1978, 1981 e 1984 a questão da legalização
do aborto dividiu a população portuguesa. Apesar de não ter sido aceite nessa
altura, esta questão justificou a primeira legislação sobre educação sexual nas
escolas. Contudo, em 1985 a preocupação com a educação sexual voltou a sofrer
uma estagnação (Reis & Vilar, 2004). Na sociedade portuguesa detectaram-se
muitos problemas e necessidades não resolvidas relativamente aos direitos
sexuais e reprodutivos da população, tornando obrigatória a educação para a
sexualidade, em 1997.
Entre 1995 e 1998, o Programa de Promoção e Educação para a Saúde e a
Associação para o Planeamento da Família criaram o Projecto Educação Sexual e
Promoção da Saúde nas Escolas Um Projecto Experimental, a partir do qual se
pretendeu efectuar uma generalização gradual às escolas portuguesas, no sentido
da integração regular de projectos e actividades de Educação Sexual nos vários
níveis de ensino (Marques et al., 1999).
Em 2005 foi criado um Grupo de Trabalho para a Educação Sexual (GTES) /
Educação para a Saúde em Meio Escolar, que determinou que a educação sexual
será abordada no âmbito de um programa de promoção da saúde. De acordo com as
recomendações deste grupo de trabalho, no relatório final apresentado em 2007
(GTES, 2007a), os assuntos a abordar devem envolver, entre outros o
entendimento da sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da pessoa,
no contexto de um projecto de vida que englobe valores e uma dimensão ética, a
compreensão dos aspectos relacionados com as principais IST's (incluindo o VIH/
SIDA), a maternidade na adolescência e a interrupção voluntária da gravidez,
assim como os aspectos relacionados com o uso de métodos contraceptivos e de
preservativos.
Chile
O Chile foi um dos países pioneiros relativamente à educação sexual quando em
1960 criou o programaVida Familiar e Educação Sexual. No entanto, todos os
textos e materiais elaborados para os pais, professores e alunos foram
destruídos durante a ditadura militar que governou o Chile no período de 1973 a
1998. Durante este regime foi criada a lei Orgânica Constitucional de Educação
(LOCE), que estabeleceu a liberdade de ensinar, o direito à educação e atribuiu
a responsabilidade da educação aos pais e familiares, à escola e às políticas
educacionais. Como resultado desta lei, o Ministério da Educação tem, desde
então, apenas um papel regulador, orientando, mas as faculdades e as escolas
são livres para desenvolver programas educacionais que tenham sido aprovados
pela autoridade competente do estabelecimento.
Bloquear a educação sexual no sistema escolar tem sido uma verdadeira
dificuldade por parte dos chilenos conservadores, mas o sistema tem conseguido
defender-se.
Devido ao maior protesto que o Chile tem memória, o movimento secundário
estudantil organizou "o protesto dos Pinguins" e está actualmente a
realizar uma ampla reforma educacional.
Em 1993, foi decretada uma política de Educação sobre a Sexualidade para
alcançar alguns consensos. Mas apesar de ser dirigida ao problema da
sexualidade juvenil, tinha uma perspectiva centrada na experiência dos
adultos. Posteriormente, com o apoio do Fundo da População (UNFPA),
implementaram-se as designadas JOCAS (Jornadas de Conversas sobre a
Afectividade e a Sexualidade), um programa que tinha como principal objectivo
abrir um espaço para se conversar e tornar visíveis as necessidades dos alunos,
dos pais e dos professores. Apesar das alegações da hierarquia da Igreja
Católica e dos grupos conservadores, teve um forte impacto social e cultural
durante vários anos, mas foi perdendo gradualmente o seu poder e foi reduzido a
uma metodologia de trabalho para as escolas que o queiram implementar.
Desde 2000, a lei sobre a protecção da mãe adolescente ou grávida (Lei n º
19.688) proíbe a expulsão das alunas grávidas e mães da escola. A Reforma
Constitucional (2003) garante os 12 anos de escolaridade, estabelecendo o
ensino secundário obrigatório e gratuito, assegurando o Estado a
responsabilidade de garantir o acesso a este nível educacional a todos os
chilenos, até aos 21 anos de idade, sem qualquer discriminação.
Em 2005, o Ministério da Educação criou um Secretariado Técnico para a Educação
Sexual e pela primeira vez determinou um orçamento. O plano para a Educação da
Sexualidade e Afectividade (2005-2010) apresenta como objectivos fundamentais
transversais a questão da Afectividade e da Sexualidade. Ao nível da estrutura
curricular obrigatória (até ao ensino básico desde 1996, incluindo o secundário
desde 1998 e o pré-escolar desde 2002), o Ministério da Educação juntou uma
série de objectivos e conteúdos específicos para serem desenvolvidos,
designadamente os aspectos do crescimento pessoal, o desenvolvimento do
pensamento, a ética, a pessoa e o seu meio ambiente.
A incorporação dos objectivos explícitos e conteúdos nas disciplinas está a ser
feito de uma forma faseada ao longo de todo o ciclo escolar, considerando-se a
aprendizagem das crianças como um factor crucial para o desenvolvimento pleno
da saúde sexual e afectiva.
Argentina
Na Argentina, em 2006, foi implementado o Programa Nacional de Educação Sexual
Integral. Os objectivos deste programa são: a) incorporar a educação sexual
integral dentro das propostas educativas orientadas para a formação harmoniosa,
equilibrada e permanente das pessoas; b) assegurar a transmissão dos
conhecimentos pertinentes, precisos, confiáveis e actualizados sobre os
aspectos distintos envolvidos na educação sexual integral; c) promover atitudes
responsáveis antes da sexualidade; d) prevenir os problemas relacionados com a
saúde em geral e a saúde sexual e reprodutiva em particular; e) procurar
igualdade no tratamento e oportunidades para os homens e mulheres.
Brasil
No Brasil, este é um tema complexo e sujeito a múltiplas lógicas analíticas,
nem todas submetidas ao rigor da interpretação científica dos dados
estatísticos apresentados. As análises são tendenciosas, misturando
determinantes sociais com dados brutos da epidemiologia ou o fenómeno
antropológico com a sua dimensão clínica. A Comissão Económica para a América
Latina e Caribe (CEPAL) afirma que os jovens de todo o mundo estão começando a
vida sexual cada vez mais cedo mas a média de fertilidade de adolescentes
entre 15 e 19 anos (76,2:1000) é expressivamente maior que a média mundial
(52,6) e conclui que a falta de programas de educação sexual em escolas e de
políticas de saúde reprodutiva são as principais causas desse índice alarmante
(Comissão Económica para a América Latina e Caribe, 2008).
Uruguai
No Uruguai, houve várias tentativas de integrar formalmente a educação sexual,
mas têm sido prejudicadas pela pressão dos sectores mais conservadores da
sociedade. O Ministério da Saúde tem participado activamente nestes esforços
desde a criação de um Grupo de Trabalho para implementar um projecto de
Educação Sexual no Ensino Público, coordenado pelo Ministério da Educação em
1990.
Os especialistas alegam que o sistema educacional do Uruguai deve abordar a
educação sexual como parte da formação dos seus alunos através de uma
intervenção curricular sistemática, uma vez que no que diz respeito ao direito
à educação sexual, o Uruguai tem sido até agora um dos países menos
desenvolvidos. A educação sexual deveria desempenhar um papel central,
proactiva, permitindo a criação de espaços nas escolas, que permitam o
pensamento crítico, de acordo com a idade, incentivando o desenvolvimento
pessoal, em estreita ligação com a vida afectiva, emocional e familiar.
Neste sentido, em 2005, foi criada a Comissão para a Educação Sexual, composta
por representantes do sistema educativo e do sistema de saúde, e em 2006 foi
apresentado o projecto: "A inclusão da educação sexual no sistema de
educação formal: uma proposta de trabalho, que assume a sexualidade como um
eixo de desenvolvimento na infância e na adolescência, o que significa que tem
um papel preponderante no processo de organização da sua identidade e é um
direito humano insubstituível. Foi confiada a esta Comissão a coordenação das
actividades necessárias para implementar um programa de educação sexual no
ensino público do Uruguai. Porém esta implementação tem sido adiada
continuamente, apesar das autoridades educativas afirmarem com convicção que no
ano de 2009 a Educação Sexual será incluída em todos os ramos do ensino no
Uruguai.
Perú
No Perú, e de acordo com Sebastiani e Segil (1999), a maioria das adolescentes
não recebe uma boa educação sexual, e recorrem maioritariamente aos seus pares,
que por sua vez também estão mal informados. Neste sentido, um estudo de
adolescentes em Lima (UPCH, 2005), mostra que a maioria das adolescentes
mencionou desejar conversar mais com os pais sobre a saúde sexual e
reprodutiva. A maioria dos adolescentes de ambos os sexos sabe que uma mulher
pode engravidar a partir da primeira menstruação, contudo apresenta algum
desconhecimento sobre as fases do ciclo menstrual, quando é que pode ocorrer a
fecundação e têm a ideia errada de que o homem não é fértil constantemente.
É urgente contrariar o mito de que quando se proporciona informação e serviços
sobre a sexualidade, a contracepção e a prevenção das IST's / SIDA, se está a
contribuir para a promiscuidade dos jovens. As investigações sugerem o
contrário, ou seja, mais informação origina mais responsabilidade no
comportamento dos jovens (Sebastiani & Segil, 1999). É por isso que o
Ministério da Saúde tem proposto, no âmbito do Modelo de Atenção Integral da
Saúde, estratégias para controlar este problema, visando promover o
comportamento sexual saudável e responsável para prevenir a violência, gravidez
indesejada, IST's e VIH / SIDA.
Por outro lado, criaram-se orientações Políticas sobre a Saúde dos Adolescentes
(2005). As orientações fornecidas por este documento político garantem aos
adolescentes o direito a um acesso universal e a uma atenção integral e
diferenciada pelos serviços públicos e privados de saúde; com especial ênfase
nas áreas da saúde mental, sexual e reprodutiva, incluindo a prevenção e
tratamento da violência (familiar, sexual, social e baseada no género). e
procurando desenvolver nos adolescentes capacidades para assegurarem o pleno
exercício dos seus direitos civis.
DISCUSSÃO
O presente trabalho tem como objectivos centrais analisar a importância da
educação sexual e o estado da mesma em Portugal e em alguns países da América
Latina.
A partilha de informação adequada sobre sexualidade pode contribuir para que os
adolescentes façam escolhas mais seguras em relação ao seu comportamento sexual
(Matos et al., 2003; Matos, 2008).
Tendo em conta os resultados obtidos no estudo HBSC 2006, os rapazes são
aqueles que dizem ter mais facilidade em falar sobre educação sexual com os
amigos, com os pais e com os professores. Por ordem de preferência, os
adolescentes escolhem em primeiro lugar os amigos, depois os colegas, os pais e
por último os professores.
Alguns estudos sugerem que muitos pais mencionam precisar de ajuda, quando se
trata de falar sobre sexualidade, pois não sabem o que dizer (Albert, 2007).
Outros pais admitem não ter muitos conhecimentos teóricos sobre este tipo de
assunto (Eisenberg, Bearinger, Sieving, Swain, & Resnick, 2004).
A influência dos pares determina as escolhas dos adolescentes no que diz
respeito ao comportamento sexual, à contracepção e ao uso do preservativo
(Kirby, 2001). A percepção da idade de início das relações sexuais dos pares
pode ser um factor importante a ter em conta, dada a importância da influência
do comportamento dos outros.
Analisando os resultados de Portugal e os da América Latina verificamos que
existem múltiplos factores de risco e protecção que determinam os
comportamentos sexuais de risco dos adolescentes. São vários os estudos que
referem a necessidade de se realizar a prevenção dos comportamentos sexuais de
risco o mais cedo possível, uma vez que o envolvimento em comportamentos de
risco aumenta com a idade (Beadnell et al., 2005; Brook, Morojele, Zhang, &
Brook, 2006); Matos, 2008; Matos et al., 2000, 2003, 2005, 2006).
Deve-se salientar ainda que qualquer trabalho preventivo, de acção directa
sobre o indivíduo, deve abordar os seus contextos de vida e envolver os
respectivos intervenientes, no sentido de se obter uma diminuição do risco e
uma activação dos recursos de apoio.
Outros aspectos fundamentais a ter em conta no campo da prevenção do
comportamento sexual de risco é a criação de alternativas saudáveis e
atractivas para o preenchimento de tempos livres, bem como a organização de
espaços de orientação e de apoio aos adolescentes.
A implementação de acções que visem a promoção de competências pessoais e
sociais e, simultaneamente, a passagem de informação sobre os comportamentos de
risco e suas consequências (quer devido à falta de conhecimento de alguns
jovens, quer devido à existência de concepções incorrectas) parece um aspecto
importante neste campo.
Envolver os pais, os professores e os pares poderá ser um factor de protecção
determinante nos comportamentos sexuais de risco, considerando que constituem
elementos fundamentais na vida dos adolescentes. Sendo assim, é indispensável
que sejam criadas condições para uma maior implicação das famílias na educação
e relação com a escola, que os professores aumentem o seu campo de competências
e intervenção, e que os amigos tenham um papel mais activo em contexto
educativo (GTES, 2005, 2007, 2007a; Ramiro, & Matos, 2008; Reis, 2003), em
especial nas quatro áreas da saúde consideradas prioritárias, e que incluem a
prevenção dos comportamentos sexuais de risco, IST's, VIH e SIDA.
Neste trabalho e preparando a discussão, foram inseridos alguns dados de cinco
países da América Latina: Chile, Argentina, Brasil, Uruguai e Perú.
As preocupações, no que diz respeito à Educação Sexual, são as mesmas. Os
problemas da sua introdução com carácter obrigatório no Sistema de Ensino
Público são também os mesmos.
Realça-se no entanto, na América Latina, uma conjuntura perturbante e mais
quotidiana do que em Portugal: a gravidez (e multigravidez) na adolescência,
sobretudo a associada a situações de pobreza e fraca escolarização (servindo
para as agravar e perpetuar) e ocasionando frequentemente situações de
monoparentalidade, violência de género, (que suscita mesmo programas de
prevenção a nível do namoro), e abuso sexual de adolescentes, muitas vezes por
parte de pessoas do seu agregado familiar, confere contornos complexos à
intervenção profissional na área da saúde sexual e reprodutiva.
Nesta súmula, um último comentário. A análise biológica do fenómeno Gravidez
na Adolescência, de impacto muito mais discreto do que o habitualmente
difundido, de modo e maneira nenhuma desqualifica esta discussão. No contexto
do desenvolvimento humano, no alvorecer do século XXI, é inadmissível persistir
um padrão primitivo da fecundidade humana: muitos filhos e muitas perdas...
Sabe-se que estas adolescentes-mães (a maioria consciente e ciente da
maternidade), pela maternagem imperiosa, abandonam a escola em número maior,
têm empregabilidade diminuída, têm o segundo filho em tempo curto, não poucas
vezes já com um outro companheiro, e, por fim, todo o desenvolvimento pessoal
fica constrangido pela presença dos filhos; isso sem falar dos adolescentes-
pais: os ausentes e inconscientes! Mais ainda porque, de acordo com as
condições sócio-económicas iniciais, as suas possibilidades já estavam
limitadas. A falta de estrutura e de suporte, não só para essas adolescentes
mas para todos, características da organização social utilitária e predatória,
é o componente maior ' negativo ' desse fenómeno biológico constituinte e
natural de toda a história da vida no mundo: manutenção das espécies, pela
reprodução!