Adaptação portuguesa da escala breve de coping resiliente
A resiliência refere-se a "um processo dinâmico que abrange a adaptação
positiva num contexto de adversidade significativa" (Luthar, Cicchetti,
& Becker, 2000, p.543). Implícitos a esta noção há duas condições críticas
continuam estes autores: a exposição a uma ameaça ou adversidade grave, e;
conseguir umaadaptação positiva apesar de ataques major ao processo de
desenvolvimento. Richardson (2002), explica que o conceito de resiliência se
desenvolveu a partir de uma abordagem reducionista orientada para problemas,
para uma abordagem de desenvolvimento de recursos pessoais úteis para enfrentar
a adversidade. Considera este autor que se podem identificar três vagas no
estudo desta variável. A primeira propunha-se identificar as características
das pessoas que se desenvolvem mesmo perante factores de risco ou adversidade,
por comparação com as pessoas que sucumbem perante as mesmas condições; a
segunda visa identificar o processo pelo qual se obtêm as qualidades
resilientes; a terceira aborda o conceito como força motivacional, como
energia, que leva à reintegração ou reorganização do indivíduo após eventos que
surgem no decorrer da vida.
O conceito de "resiliência" tem sido utilizado com dois grandes
sentidos, como traço e como processo dinâmico. Deve-se utilizar o termo
Resiliente(resiliency) para designar o traço e "Resiliência"
(resilience) para designar o processo (Luthar, et al, 2000). Tal diferenciação
tem implicações na avaliação desta variável. Na perspectiva da segunda vaga
proposta por Richardson (2002), a resiliência tem sido definida como um
processo de coping com a adversidade, com a mudança, ou como a oportunidade
para fortalecer qualidades resilientes ou factores de protecção. A resiliência
é um processo complexo que se refere à capacidade para se ajustar positivamente
a stressores importantes, ou a capacidade para recuperar de situações adversas,
explicam Sinclair e Walltson (2004) no âmbito do estudo desta escala. Três
dimensões são necessárias para que exista resiliência: «capacidade para
enfrentar», «capacidade de continuar a desenvolver-se» e ainda «aumentar as
competências».
Compreender a resiliência implica adoptar uma perspectiva multissectorial uma
vez que se trata de um conceito do domínio da psicologia, da psicopatologia, da
psicanálise, da sociologia, da psiquiatria, da pediatria, entre outros.
Diferentes disciplinas contribuíram para o desenvolvimento do conceito.
O desenvolvimento do conceito tem mostrado a necessidade de identificar o
coping resiliente que seja susceptível de conduzir a resultados positivos
(Sinclair & Waltson, 2004). Estes autores, enquanto definição geral,
consideram o coping como esforços cognitivos e comportamentais para enfrentar
exigência internas e externas avaliadas como excessivas para os recursos
pessoais, tal como Lazarus e Folkman definiram em 1984, a que acrescentam uma
característica diferenciadora de coping resiliente, como a capacidade para
promover uma adaptação positiva perante existência de stress elevado.
Com o modelo de Lazarus nos anos setenta o coping passou a ser considerado como
resultado de um processo que depende de uma situação concreta, mais a avaliação
que o sujeito faz dela em vez de como traço geral. O coping com uma situação
stressante caracteriza-se pela mudança explicam Folkman e Lazarus (1985):
Interessar-se pela mudança é interessar-se pelo processo em oposição ao
interesse pela estrutura, continuam estes autores. A estrutura refere-se a
factores estáveis, tais como os factores de personalidade ou a características
estáveis do meio (traços). Abordagens estruturais não fornecem informação sobre
se, e como, o indivíduo enfrenta a situação. Ser orientada para o processo tem
dois significados: primeiro as pessoas e o meio estão em relação dinâmica, ou
seja, mudando constantemente e, segundo, esta relação é bidireccional com as
pessoas e meio actuando uma sobre a outra (Folkman, 1984).
O conceito de copingé fundamental para se compreender a capacidade de
resiliência do indivíduo. Apesar de o copingservir para descrever uma
determinada abordagem do processo de resiliência, estes dois conceitos não são
sinónimos já que a resiliência implica modalidades de resistência ao stress e a
capacidade de enfrentar (coping), mas também se refere à capacidade de
prosseguir o desenvolvimento e aumentar as suas capacidades numa situação
adversa. O copingocorre num momento determinado enquanto a resiliência percorre
no tempo. A principal característica que distingue copingresiliência e o coping
propriamente dito é a capacidade para promover uma adaptação positiva apesar do
elevado índice de stress (Sinclair & Wallston, 2004).
A perspectiva de variável dinâmica que depende do indivíduo, do momento, da
situação, tem consequências no estudo psicométrico da avaliação no sentido em
que: há ênfase nos determinantes situacionais do comportamento; há ênfase em
variáveis de baixo nível de inferência; há ênfase no comportamento individual
em vez de no comportamento dos grupos (Haynes & Wai'Alae, 1994). Em termos
psicométricos esta perspectiva salienta a análise funcional que implica a
identificação de relações causais de determinado sujeito aplicadas a um
conjunto específico da relação comportamentos objectivo. Neste modelo a
validade de conteúdo assume um papel central, enquanto outras propriedades
psicométricas inerentes às variáveis latentes perdem importância.
Das mais variadas estratégias do copingos sujeitos resilientes tendem a
utilizar mais estratégias de confronto directo dos problemas (gerir o problema
que se encontra na origem da perturbação do sujeito) e a utilizar menos
estratégias de evitamento (através de estratégias passivas que reduzem a tensão
emocional) (Pesce, Assiss, Santos, & Oliveira, 2004).
O objectivo deste estudo é explorar as propriedades de medida da versão
portuguesa da Escala Breve de Coping Resiliente e comparálas com a versão
original.
MÉTODO
Participantes
Os participantes do estudo constituem uma amostra de conveniência com 501
jovens do ensino secundário, entre os 15 e os 25 anos de idade, (M= 17,90) da
zona centro de Portugal, 53,5% do sexo feminino.
Material
Os autores, Sinclair e Wallston (2003) desenvolveram a Brief Resilient Coping
Scale (BRCS) que designamos em Português como Escala Breve de Coping Resiliente
(EBCR), com base em populações com doenças crónicas. Inicialmente a escala
incluía nove itens, dos quais foram seleccionados os quatro que, segundo os
autores, operacionalizam o construto de coping resiliente. Deste instrumento
emergem temáticas tais como, o optimismo, a perseverança, a criatividade e o
crescimento positivo face às adversidades. Os itens descrevem um padrão activo
de resolução de problemas que reflecte o padrão de coping resiliente.
É uma escala de auto-resposta, unidimensional, constituída por quatro itens que
visam perceber a capacidade para lidar com o stress de uma forma adaptativa. A
resposta aos itens é dada numa escala ordinal, em formato de Likert, de cinco
posições: 5Quase sempre, 4Com muita frequência, 3Muitas vezes, 2Ocasionalmente,
1Quase nunca. A nota de capacidade para lidar com o stress de uma forma
adaptativa varia entre 4 e 20. Não existem itens com cotação invertida. Segundo
os autores da escala original consideram-se com baixa resiliência os sujeitos
com uma pontuação inferior a 13 e os com resiliência forte, cuja pontuação
seria superior a 17.
A versão Portuguesa da escala.No desenvolvimento da versão Portuguesa seguiram-
se os seguintes passos para a validação:
-Tradução para Português dos quatro itens originais;
-Discussão com especialistas, no sentido de escolher uma versão em língua
Portuguesa que expressasse a informação contida nos itens em Inglês; Inspecção
da análise de conteúdo de cada item (algumas modificações pontuais foram
necessárias);
-CognitiveDebriefing, para identificar se a população alvo do inventário
interpreta e compreende as perguntas e o modo de responder de acordo com o
pretendido pelo investigador: foram utilizados 20 jovens com características
semelhantes à população a que se ia aplicar a escala;
-Aplicação à população de estudo.
Com base neste primeiro passo resultaram os seguintes itens:
1. Procuro formas criativas de superar situações difíceis;
2. Independentemente do que me possa acontecer, acredito que posso controlar as
minhas reacções;
3. Acredito que posso crescer positivamente lidando com situações difíceis;
4. Procuro activamente formas de substituir as perdas que encontro na vida.
Procedimentos
O processo teve início com o pedido de autorização aos autores para utilização
do instrumento supracitado. Procedeu-se à tradução da escala BRCS e à sua
aplicação aos participantes a fim de validar a escala à população portuguesa.
Os procedimentos utilizados na validação seguiram passos idênticos aos
utilizados na versão original.
RESULTADOS
O estudo original foi realizado com doentes com artrite reumatóide, que se
dividiram em dois grupos, um deles serviu de grupo de intervenção e o outro foi
avaliado só uma vez. Este último foi utilizado por nós para comparação com os
valores do nosso estudo: os 140 participantes desse estudo tinham uma idade
média de 57,8 anos e 73% eram do sexo feminino. O quadro 1 mostra os valores no
nosso estudo e os da versão original.
Quadro 1
Médias, desvio padrão, correlação item total da escala e alfa de Cronbach se o
item for retirado. Entre parêntesis apresentam-se os valores do estudo original
A comparação com a população do estudo original mostra valores semelhantes para
a média e desvio padrão de cada item. As correlações corrigidas item total da
escala, são mais reduzidas no presente estudo. A escala original apresentava
uma consistência interna de 0,68 e no presente estudo apresenta um Alphade
Cronbachde 0,53. Os valores da versão Portuguesa são substancialmente mais
baixos do que os da versão original para todos os parâmetros psicométricos. A
média da nossa amostra foi de M= 14,26 (DP= 2,57): por comparação o valor
apresentado no estudo original para a média dos dois grupos juntos (único valor
apresentado), foi de M=14,81 (DP= 2,95), valores muito semelhantes aos do
presente estudo.
No quadro 2 são apresentadas as correlações inter-itens do presente estudo.
Quadro 2
A correlação interitens da EBCR no estudo Português
Os valores da correlação inter-itens são aceitáveis, se se considerar, como
Epstein (1983) sugere, que para não haver redundância entre os itens eles devem
exibir correlações inter-itens entre 0,20 e 0,30. Procedeu-se à análise em
componentes principais (ACP) dos quatro itens, seguindo o procedimento
utilizado no estudo original. Tal como na escala original da ACP, regra Kaiser,
emerge um componente que, no presente estudo, explica 41,77%, da variância. Os
resultados da ACP são apresentados no quadro 3.
Quadro 3
Análise em Componentes Principais da EBCR
A ACP, evidencia um componente, com todos os itens com carga factorial elevada
no componente.
DISCUSSÃO
Enquanto a versão original da escala foi aplicada a uma amostra de população
idosa com doença crónica, este estudo utilizou população jovem sem doença. Os
resultados da EBCR mostram um AlphadeCronbachde 0,53, valor que é baixo segundo
os padrões psicométricos tradicionais que consideram valores abaixo de 0,70
como inadequados. Outro indicador que deve ser considerado é a correlação
corrigida para sobreposição de cada item com a escala total. Também aqui os
valores são mais baixos do que na versão original mas dentro de valores
recomendados por Epstein (1983). A EBCR inclui somente quatro itens, e a
consistência interna de uma escala aumenta quando aumenta o número de itens,
pelo que o valor baixo segundo as regras psicométricas tradicionais que foram
concebidas para cerca de 20 de itens, que é o número de itens que deve possuir
uma dimensão, segundo Reckase (1990). Nenhum dos itens, se retirados,
melhoraria a consistência interna. A análise exploratória em componentes
principais mostra valores elevados de carga factorial de cada item no factor,
com cargas semelhantes às apresentadas no estudo original embora neste os
autores não apresentem os valores da versão de quatro itens.
A versão original partiu de nove itens dos quais escolheu os quatro que
permaneceram na versão breve. Uma limitação do presente estudo foi adaptar os
quatro itens da versão original, assumindo que seriam esses que permaneceriam
dos nove iniciais, se tivéssemos reproduzido os procedimentos originais. Ora,
razões linguísticas, gramaticais, culturais, entre outras, poderiam fazer
recair a escolha noutro conjunto de quatro itens, e assim melhorar as
propriedades psicométricas.
Outra questão que permanece desta análise tem a ver com a natureza da escala.
Carver, Scheier, e Weintraub (1989) discutem esta questão, chamando a atenção
para a necessidade da clarificação conceptual sobre se as escalas para avaliar
o coping são desenvolvidas empiricamente ou teoricamente, e assim saber se os
itens representam categorias teóricas interessantes, ou se foi a análise
factorial que identificou dimensões de agregação dos itens. Eles defendem que é
melhor começar pela teoria e deixar a teoria guiar o conteúdo da escala. Claro
que este modo de construção das escalas pode ter como consequência que a
fidelidade não satisfaça os critérios definidos pela psicometria clássica, no
seguimento da versão mais dura de Nunnaly, para os testes de personalidade.
Conceptualmente estamos a tratar esta escala dentro da perspectiva psicométrica
tradicional. Ora esta era uma das perspectivas da avaliação psicológica mas não
a única, nomeadamente para as técnicas de inspiração behaviorista que enfocam a
situação onde o comportamento ocorre (como é o caso do coping) e que designam
por análise funcional como já referimos antes.
A psicometria tradicional recomenda que um bom instrumento deve ser fiel. No
entanto quando estamos a medir construtos que são dinâmicos (como o presente)
melhorar a fidelidade pode significar a perda de informação importante, dizem
Schwartz e Daltroy (1999). Portanto valorizar a estabilidade deve ser
encorajado quando medimos qualidades que provavelmente não mudam, como sejam os
traços de personalidade, mas desencorajado quando pretendemos descrever
processos dinâmicos como o coping, explicam estes autores. Haynes e Wai'Alae
(1994) relativizam a importância da consistência interna em medidas do tipo da
EBCR. Noutra perspectiva Bollen e Lenox (1991) explicam que valid measures of
a unidimensional construct must be internally consistent is true for effect
indicators but not for causal indicators(p.311), e é sempre questionável, se
para medidas que não são traços, que dependem do contexto e do momento, que têm
origem em modelos que valorizam a relação estímulo-resposta, ou cujos itens são
indicadores de sintomas, devem ser exigidos valores de alfa elevados. Mas os
autores da versão original da EBCR fizeram isso no seu estudo.
A propósito da consistência interna um special adress de Julian Rotter
publicado num jornal de psicologia clássico, a propósito de uma variável da
família do coping, o locus de control, explica que because we were dealing
with a broad construct intended to study behavior in a variety of situations,
we wanted to sample many different situations ( ) we did not try for a high
alpha (that is, the accepted measure of internal consistency) because we
assumed that the correlations among different behavioral referents for the
concept were positive but low. One can get very high alphas by asking the same
question over and over again, but the predictive limitations of such a test are
obvious. Not all, indeed, not any, socalled stable characteristics are totally
crosssituational and a test with an alpha in the high .90s is suspect in that
it may well be measuring response style more than providing a representative
sample of the behaviors and situations one wishes to predict or it may merely
consist of redundant items.(1990, p.491)
Epstein (1983) discutia este assunto defendendo que para que os itens de uma
escala não sejam redundantes devem exibir correlações inter itens entre 0,20 e
0,30 e que se este valor for superior então há redundância. Afirma que an
ideal item in a test that measures a broad trait is one that has a relatively
high correlation with the sum of all items in the test (minus itself) and a
relatively low average correlation with the other items (p. 366).
Em resumo, a versão Portuguesa do questionário que aqui é estudada mostra
propriedades psicométricas fracas. Em parte esta é uma questão que se discute
há muito no seio da psicologia (Epstein, 1983), por outro lado a assunção de
que os instrumentos devem possuir essas propriedades é facilmente aceite no
seio da psicologia e de outras disciplinas que utilizam este tipo de
instrumentação. Ora não é verdade que um instrumento de avaliação psicológica,
para ser útil, deve ter valores psicométricos elevados, sem ter que recorrer ao
sarcasmo de Rotter.
O coping, como referimos na introdução, é uma variável em constante mudança em
vez de estável; portanto, aspectos como valores de consistência interna elevada
devem ser relativizados. No entanto os autores da versão original que
replicamos não discutem os aspectos teóricos subjacentes à avaliação
psicológica, pelo que fica em aberto a limitação da versão portuguesa.
Dada a lacuna de técnicas para medir níveis de adaptação psicossocial positiva
frente a eventos de vida importantes, como seja a resiliência, parecenos útil
apresentar este estudo e, nomeadamente o questionamento ao modo como os
instrumentos são indiscriminadamente estudados e apresentados sem ligação a uma
origem teórica.