Relação terapêutica e adesão em doentes portadores da infecção pelo Vírus da
Imunodeficiência Humana(VIH)
O comportamento de adesão nos tratamentos anti-retrovíricos é um factor
decisivo para o controlo da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana
(VIH), sendo que uma toma de, pelo menos, 90 a 95% das doses é necessária para
se conseguir a supressão do VIH abaixo do limiar de detecção(Lecour, Sarmento,
& Castro, 2004).
A forma mais operacional de definir a adesão (do original em inglês,
adherence), nas palavras de Tsasis (2001), é considerá-la como o comportamento
do doente que cumpre o regime terapêutico prescrito ao nível da toma da
medicação, e assumindo as consequências associadas, tais como alterações do
estilo de vida e efeitos secundários. A adesão implica diversos factores, tais
como competências ou dificuldades do doente para cumprir os regimes
terapêuticos, tolerar a toxicidade dos mesmos e a percepção da validade do
tratamento (Miller & Hays, 2000). A adesão é um comportamento
mutifactorial, dinâmico e variável ao longo do tempo na medida em que está
dependente de características do tratamento farmacológico, das características
da doença, de factores psicossociais, da variabilidade individual, da relação
terapêutica, e dos cuidados de saúde.
Inicialmente, a relação terapêutica foi representada num plano unilateral,
considerando que o não cumprimento do doente era um sinónimo de comportamento
desviante. Segundo esta perspectiva, a responsabilidade era totalmente incutida
ao doente (Vincke & Bolton, 2002). Posteriormente, o conceito alterou-se,
no sentido de garantir ao próprio doente um papel colaborante no processo de
tratamento, passando a relação terapêutica a pressupor uma responsabilidade
partilhada entre médico e doente (ibidem). Vários estudos consideram a relação
terapêutica como uma das variáveis mais importantes no comportamento de adesão,
na medida em que as atribuições relativas à eficácia do tratamento e a
confiança na competência do médico são consideradas pelo doente como parte da
justificação para o seu comportamento (Bakken, Holzemer, Brow, Cope, Turner et
al., 2000; Roberts, 2003).
A relação terapêutica constitui-se como um modelo complexo, dependente de
múltiplas variáveis, incluindo variáveis sociodemográficas como o género e
idade. Neste último caso estão, por exemplo, as observações do aumento dos
índices de satisfação nos doentes mais velhos e do sexo feminino (Bakken et
al., 2000). Do mesmo modo, doentes com idades mais avançadas, com dificuldades
económicas e sem actividade laboral, são quem parece valorizar mais a relação
terapêutica, nomeadamente as dimensões relacionais, como a disponibilidade do
médico, a facilidade na compreensão do discurso clínico e o apoio emocional
(Bakken et al., 2000; Farber, Mirsalini,Williams, & McDaniel, 2003).
Num trabalho de Tsasis (2001) sobre a adesão à terapêutica anti-retrovírica, o
autor sublinhou que o processo de adesão implica uma relação terapêutica
ajustada, com processos de comunicação eficazes e integração do regime
terapêutico nas rotinas de vida diária do doente. Outra característica
considerada importante foi a clareza do discurso, isto porque permitia ao
doente perceber como deve tomar adequadamente a medicação e facilitava o ajuste
do sistema de crenças relacionadas com a saúde e o tratamento. O discurso
objectivo e simplificado, entre técnico e doente, tem, segundo o mesmo autor,
consequências bastante positivas para a adesão à terapêutica. Quando o doente
compreende o seu processo de tratamento é o próprio compromisso do doente no
processo de tratamento que é facilitado. Murphy e colaboradores (2000)
pretenderam avaliar as estratégias para melhorar a adesão, incluindo a
importância das barreiras que se colocam nesse processo. O objectivo do estudo
centrou-se na prevenção dos comportamentos de abandono da medicação. De acordo
com os autores, quando os doentes apresentam um sistema de crenças positivas
relativas à eficácia da medicação, tais como bem-estar e qualidade de vida
satisfatória, os níveis de adesão aumentam. Observaram, ainda, que os processos
de comunicação médico-doente deveriam centrar-se, fundamentalmente, na
importância da informação, na simplicidade do discurso e na natureza empática
da relação terapêutica. Este comportamento implicava uma disponibilidade do
médico para esclarecer as dúvidas, elucidar o doente sobre o porquê do início e
manutenção do tratamento e, por fim, explanar as vantagens e desvantagens da
prescrição medicamentosa e os ganhos terapêuticos do comportamento de adesão
(Murphy et al., 2000).
A relação terapêutica é entendida como um problema comportamental que,
associada a um modelo de decisão sobre a saúde, pode facilitar os processos de
tomada de decisão, ou seja, pode facultar e coadjuvar o comportamento de
adesão. Esta reestruturação deve centrar-se na análise das consequências do
comportamento de não adesão, na avaliação dos ganhos e das desvantagens do
cumprimento da prescrição e no aumento das expectativas de auto-eficácia do
doente (Murphy et al., 2000; Vincke & Bolton, 2002).
Com o surgimento da terapêutica anti-retrovírica de alta eficácia (do original
em inglês, HighlyActive Antiretroviral Therapy- HAART) introduziram-se
importantes alterações na história natural da infecção, e assistiu-se a uma
diminuição gradual da mortalidade, aumento da esperança de vida, bem como da
qualidade de vida destes doentes. De acordo com Roberts (2003), the patient
satisfaction, communication, and consultation style are all factors in the
doctor-patient relationship that directly affectpatient adherence(p. 44). Este
aspecto coloca em perspectiva a comodidade deste tipo de regime terapêutico, já
que este tipo de regime se enquadra no âmbito dos tratamentos mais exigentes
para os doentes e são os tratamentos de maior complexidade para o doente que
também suscitam maior resistência ao seu cumprimento (Stone, Hogan, Schman,
Rompalo, Howard et al., 2001).
A relação terapêutica, entendida pelo doente como de disponibilidade, o estádio
da doença assintomático e o esquema terapêutico simplificado constituem
variáveis facilitadoras de adesão (Aspeling & vanWick, 2008; Tsasis,
2001).Assim, neste contexto, o objectivo do presente estudo é avaliar a
influência da relação terapêutica no processo de adesão, considerando como
hipótese a valorização e caracterização da relação terapêutica positiva como
agente facilitador desse processo (Chesney, 2003; Murphy et al., 2000; Roberts,
2000; Roberts, 2003; Vincke & Bolton, 2002).
MÉTODO
Participantes
A amostra total que sustenta o presente estudo empírico é constituída por 81
doentes (N= 81), 40 do sexo masculino e 41 do sexo feminino.Amédia de idade dos
participantes é de 38.7 anos (DP= 10.9 anos; amplitude: 23-72), e são
maioritariamente solteiros. A média de anos de escolaridade é de 8.7 anos (DP=
4.4 anos). A amostra total inclui 71 sujeitos (87.7%) caucasianos e 10 de raça
negra (12.3%). Relativamente à variável emprego, 33.3%dos doentes estão
desempregados, 30.9%trabalham em regime de full-timee 25.9% em part-time. Os
doentes reformados constituem 9.9% da amostra. Face aos objectivos do presente
estudo foram constituídos dois grupos: um grupo que caracterizou a relação
terapêutica como positiva (Apositiva) e um grupo que a caracterizou como
negativa (Anegativa). As características sociodemográficas dos dois grupos
encontram-se descritas no Quadro 1.
Quadro 1
Características sócio-demográficas da amostra
Material
Do protocolo de avaliação faziam parte uma ficha de dados sociodemográficos,
sócio-comunitários e uma grelha de informação clínica. Estas informações foram
obtidas mediante entrevistas estruturadas com os doentes, através de
informações prestadas pelos médicos assistentes e consulta dos processos
clínicos. As dimensões estudadas incluíram dados sociodemográficos, sócio-
comunitários, esquema farmacoterapêutico, relação terapêutica e dimensões
psicopatológicas.
Em relação às variáveis sociodemográficasforam recolhidas informações relativas
à idade, sexo, habilitações literárias, etnia, estado civil e situação
profissional.
Relativamente às variáveis sócio-comunitáriasforam avaliados os rendimentos
mensais, apoio comunitário e suporte no cumprimento da medicação. Para efeitos
comparativos, as variáveis apoio comunitário e suporte no cumprimento da
medicação foram dicotomizadas em beneficia de apoio versusnão beneficia de
apoio e tem suporte no cumprimento da medicação versusnão tem suporte no
cumprimento da medicação, respectivamente.
Os esquemas farmacoterapêuticosforam avaliados mediante o registo por parte do
doente, no decurso da entrevista, do tratamento farmacoterapêutico seguido e
pela contagem do número de comprimidos esquecidos na última semana.
A relação terapêuticafoi estudada segundo a classificação, realizada pelo
paciente, da relação médico-doente. Esta classificação obedeceu ao
preenchimento de uma escala tipo Likert, de cinco pontos, oscilando entre nada
disponível (0) e extremamente disponível(4). Os resultados assim obtidos
permitiram dividir os doentes nos dois grupos anteriormente mencionados, de
acordo com o modo como classificaram a relação: grupo de pacientes que
definiram a relação terapêutica como positiva (Apositiva); grupo de pacientes
que definiram a relação terapêutica como negativa (Anegativa). A adesão
terapêutica foi avaliada através do auto relato e do registo, do doente,
relativamente ao esquema farmacoterapêutico. Deste modo, consideraram-se dois
grupos: adere versus não adere.
Por fim, para a avaliação das dimensões psicopatológicasfoi utilizada a versão
portuguesa de Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BriefSymptom Inventory'
BSI) (Canavarro, 1999). O BSI é um inventário de auto-resposta constituído por
53 itens, onde o indivíduo deverá classificar o grau em que cada problema o
afectou durante a última semana, numa escala de tipo Likert, com cinco
possibilidades de resposta, cotado desde Nunca (0) a Muitíssimas Vezes (4).
O BSI avalia sintomatologia psicopatológica em termos de nove dimensões básicas
de psicopatologia (Somatização; Obsessões-Compulsões; Sensibilidade
Interpessoal; Depressão; Ansiedade; Hostilidade; Ansiedade Fóbica; Ideação
Paranóide e Psicoticismo) e três índices globais: o Índice Geral de Sintomas
(IGS); o Total de Sintomas Positivos (TSP); e o Índice de Sintomas Positivos
(ISP). Este último índice é considerado por Canavarro (1999) como o melhor
discriminador entre indivíduos da população geral e aqueles que apresentam
perturbações emocionais.
Procedimentos
A recolha da amostra decorreu no Departamento de Doenças Infecciosas dos
Hospitais da Universidade de Coimbra. Para a recolha de dados foi feito
previamente um pedido de colaboração voluntária no estudo; explicada a natureza
e os objectivos do estudo; garantida a confidencialidade e anonimato dos
questionários; e assinada uma declaração de consentimento informado.
Foram consideradas como variáveis de inclusão no presente estudo: o diagnóstico
de infecção porVIH, estar emfase assintomática, seguir uma prescrição de HAART
há, pelo menos, 30 dias, estar em regime de tratamento ambulatório, ser de
nacionalidade portuguesa e ter um nível de literacia suficiente para responder
ao protocolo de avaliação. No que concerne às variáveis de exclusão foram
consideradas as seguintes: a existência de perturbação psiquiátrica em fase
activa, de demência ou outras perturbações de natureza cognitiva, consumo de
substâncias psicoactivas e o regime de detenção judicial.
Tratamento estatístico dos dados
No presente estudo foram realizadas estatísticas descritivas e inferenciais.
Numa primeira fase, para a caracterização sociodemográfica, sócio-comunitária e
clínica da amostra e dos diferentes grupos que a compõem recorremos sobretudo à
estatística descritiva: frequências, média (M), desvio-padrão (DP). Com o
objectivo de averiguar a existência de diferenças entre os dois grupos de
estudo, recorremos à estatística inferencial. Neste sentido, dado o
Ndiferencial nos dois grupos de estudo (amostras independentes) optámos por
testes não-paramétricos, nomeadamente o Teste de Mann-Whitney. Para comparação
dos dados categorias recorremos ao teste do Qui-Quadrado (÷2). Nesta análise, e
quando os dados diziam respeito a variáveis dicotómicas, recorreu-se ao Teste
Exacto de Fisher.
Para a análise estatística dos dados utilizámos a versão 15.0 do programa SPSS
(StatisticalPackage for the Social Sciences). Níveis de significação inferiores
a .05 (p< .05) foram considerados como indicando diferenças (resultados)
estatisticamente significativas.
RESULTADOS
Influência das variáveis sócio-comunitárias
Do ponto de vista das variáveis sócio-comunitárias, no grupoApositiva, destaca-
se que 32.8% dos doentes têm um rendimento igual ou superior ao salário mínimo
nacional, 39.3% rendimentos duas vezes igual ou superior ao salário mínimo
nacional, 23% rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional e 4.9% não têm
rendimentos. Em relação ao apoio comunitário, 75.4% dos doentes referem não
beneficiar de qualquer tipo de apoio. Dos restantes, cerca de 13.1% usufruem de
apoio ao nível da alimentação, 3.3% de apoio ao nível do vestuário e 8.2% estão
integrados em programas ocupacionais.
Relativamente às figuras de suporte descritas no apoio ao cumprimento do regime
medicamentoso cerca de 14.8% indicam o companheiro(a), 31.1% a família e 4.9%
refere os amigos. Sem qualquer suporte são referenciados 49.2% dos doentes.
Entre os 20 doentes que integram o grupo Anegativa verificou-se que 35% refere
ter rendimentos iguais ou superiores ao salário mínimo nacional e
10%rendimentos duas vezes superiores, ou mais, ao salário mínimo nacional. Com
uma percentagem mais significativa, 45% dos doentes referem ter rendimentos
inferiores ao salário mínimo nacional e 10% não ter qualquer tipo de rendimento
regular. Relativamente à variável apoio comunitário, 40% refere ter apoio na
alimentação, 5% no vestuário, 15% beneficiam de programas ocupacionais e 40%não
têm qualquer tipo de apoio. Na sua maioria, estes doentes referem não ter
qualquer tipo de ajuda no cumprimento do regime farmacológico (80%). Dos
restantes 20%, 10% referem o companheiro(a), 5% os amigos e 5% a família.
A análise comparativa entre os dois grupos de estudo revelou a existência de
diferenças estatisticamente significativas nas variáveis apoio comunitário [÷2
(1, N= 81) = 6.868, p= .020] e suporte no cumprimento da medicação [÷2 (3, N=
81) = 5.830, p= .020]. A excepção registou-se na variável rendimentos mensais
[÷2 (3, N= 81) = 7.272, p= .064].
Influência das variáveis clínicas
Sobre a informação descritiva das variáveis clínicas registamos que dos 61
doentes, que caracterizam a relação terapêutica como sendo positiva
(Apositiva), a média de anos de infecção foi de 3.31 anos (DP= 2.07).Amaioria
dos sujeitos deste grupo segue um esquema terapêutico não simplificado (51.7%),
em comparação com os 46.7%de doentes que seguem um esquema terapêutico
simplificado. Quanto à via de infecção observamos que a categoria sexual foi a
mais expressiva, com 64.4% de doentes infectados, comparativamente com a outra
via de infecção, sanguínea, com cerca de 35.6% de sujeitos.
Já entre o grupo que avaliou a relação terapêutica como negativa, a do tempo de
infecção foi de 2.45 anos (DP= 1.46 anos); o tratamento farmacológico anti-
retrovírico é simplificado em 44.4%dos doentes e não simplificado em 55.6%. O
modo de contágio por via sexual verificou-se em 70% dos sujeitos e por via
sanguínea em 30% dos doentes deste grupo.
Como se verificou anteriormente, a média de anos de infecção foi superior no
grupo A positiva comparativamente ao grupo Anegativa. Esta diferença não foi,
porém, estatisticamente significativa, embora o valor se encontrasse no limiar
da significação (Mann-Whitney U = 44456.5000; p= .080). Em termos descritivos
os valores evidenciam uma melhor percepção da relação terapêutica entre os
pacientes com maior tempo de infecção.
Considerando o esquema terapêutico (simplificado versus não simplificado), a
análise comparativa entre os grupos Apositiva e Anegativa evidenciou a
inexistência de diferenças estatisticamente significativas [÷2 (1, N= 77) =
0.50, p= .823]. O mesmo aconteceu quando se considerou o tipo de transmissão
(sexual versus sanguínea) nos dois grupos [÷2 (1, N= 79) = 2.08, p= .649].
Relação terapêutica e adesão terapêutica
De acordo com os objectivos do presente estudo, procurámos verificar a
associação entre a avaliação pelos doentes da relação terapêutica e a adesão à
medicação. As frequências e percentagens encontram-se descritas no Quadro 2.
Pela leitura deste quadro é possível constatar que a maior proporção de
doentes que não adere à medicação classificam a relação terapêutica como
negativa (entre os 20 doentes que não aderem esta percentagem é de 85%).
Quadro 2
Relação terapêutica e adesão terapêutica
Comparação das dimensões psicopatológicas nos grupos de estudo
Em relação à sintomatologia psicopatológica, globalmente, não se verificaram
diferenças estatisticamente significativas entre os gruposApositiva eAnegativa
(cf. Quadro 3). A única excepção verificou-se na dimensão do BSI Hostilidade
[Mann-Whitney U = 417.500, p= .035]. Neste caso, observou-se que o grupo de
doentes que percepciona a relação terapêutica como negativa apresenta índices
mais elevados nesta dimensão, em comparação com o grupo que caracteriza a
relação terapêutica como positiva.
Quadro 3
Comparação da sintomatologia psicopatológica entre o grupo Apositivae Anegativa
De assinalar que nos dois grupos o valor do ISPultrapassou o valor 1.7
(MApositiva = 2.10; MAnegativa = 2.11), que constitui o ponto de corte do BSI
(cf. Canavarro, 1999), e acima do qual existe uma maior possibilidade de
encontrar pessoas perturbadas emocionalmente.
DISCUSSÃO
Um dos aspectos focados neste estudo foi a relação entre comportamento de
adesão e relação médico-paciente, grupos Apositiva e Anegativa. Neste caso,
verifica-se a existência de uma associação entre estes dois tipos de variáveis:
os doentes seropositivos que classificam a relação terapêutica como positiva
tendem a manifestar um maior comportamento de adesão, ao contrário daquilo que
acontece com os pacientes que classificam a relação terapêutica como negativa.
Estes dados vêm ao encontro daquilo que tem sido verificado noutros estudos
empíricos (Chesney, 2003; Murphy et al., 2000; Roberts, 2000; Roberts, 2003;
Vincke & Bolton, 2002.
A adesãoe a relação terapêuticasão variáveis marcadas por um conjunto de
elementos comuns, nomeadamente no que diz respeito às expectativas em relação à
eficácia do tratamento e à percepção da competência do médico (onde se inclui o
discurso claro e objectivo), entre outras. Estes parâmetros são, portanto,
fulcrais, uma vez que contribuem para a implicação do doente no processo de
tratamento (Murphy et al., 2000; Vincke & Bolton, 2002).
Os pressupostos relacionais, entre médico e doente, enquanto dimensões
comportamentais, facilitam os processos de tomada de decisão, incluindo o
cumprimento da prescrição medicamentosa. O doente, ao considerar-se como parte
integrante do seu próprio tratamento, consegue manter e maximizar
comportamentos ajustados, aumentar expectativas de auto-eficácia e desenvolver
respostas mais adaptadas às vivências emocionais causadas pela situação de
doença (Murphy et al., 2000; Vincke & Bolton, 2002).
De acordo com a literatura, a não adesão ao tratamento está correlacionada com
a má relação terapêutica, o abuso de álcool, a toxicodependência, a doença
mental e o nível sociocultural baixo (Murphy et al., 2000; Roberts, 2000;
Sarmento e Castro, 2004; Wagner et al., 2003). Em contrapartida, o
comportamento de adesão está associado a uma rede de suporte pessoal e social
ajustado, nível de escolaridade elevado, idade mais avançada, melhor
funcionamento socio-ocupacional, relação terapêutica positiva (marcada,
fundamentalmente, pela percepção do doente de que o médico é alguém
disponível), e maior tempo de doença (Boyle, 2000; Elliot et al., 2002; Miller
& Hays, 2000; Penedo et al., 2003; Spire et al., 2002; Tsasis 2001; Vincke
& Bolton, 2002). Assim, tendo em conta a noção de complexidade que
estrutura a terapêutica anti-retrovírica e que vários factores podem influir
negativamente na adesão à terapêutica, torna-se central que também estes
factores devam ser avaliados antes de se iniciar a terapêutica anti-retrovírica
e monitorizados durante o tratamento.
No presente estudo empírico os doentes que caracterizam a relação terapêutica
como disponível e positiva são aqueles que apresentam um maior tempo de
infecção. Estes doentes apresentam, também, um conjunto de respostas
adaptativas baseadas em experiências prévias, factores situacionais, ambientais
e pessoais. Quanto maior o tempo de infecção, maiores e melhores são as
capacidades dos doentes em lidar, de forma adaptativa, com a doença. Estes
doentes demonstram uma maior percepção de autocontrolo sobre a ideia de doença,
capacidades inter-relacionais adequadas, menos sintomas depressivos e ansiosos,
estilos de vida saudáveis e capacidades ocupacionais (Kenneth & Judith,
1998).Aadaptação à doença parece, portanto, não depender apenas da percepção,
real ou enviesada, da infecção por VIH, mas sim de um somatório de recursos que
contribuem para reagir e lidar com a doença.
De acordo com alguns autores os doentes que têm uma maior percepção de
autocontrolo sobre a infecção VIH, são os que apresentam maior longevidade e
consequente menor progressão da doença (Zaleski, 2000). Inclusivamente, a
percepção de auto-controlo, no sentido de um optimismo, parece ser
psicologicamente adaptativo, contribuindo para a manutenção e/ou aumento da
adesão à terapêutica, adaptação de hábitos de vida saudáveis e funcionamento
global ajustado.