Escala comportamental de suporte social familiar para adolescentes com diabetes
(DFBS)
O suporte social é um constructo importado para a psicologia, sendo o seu uso
inicial da sociologia, com Durkheim (Vaux, 1988) mas foi a partir da década de
70 do século passado que passou a ser objecto de estudo na psicologia social e
posteriormente integrado no modelo transaccional de stress/ aptidões de
confronto (através dos estudos de Cassel em 1974 , de Caplan em 1974 ou de Cobb
ou 1976 ' citados por Vaux, 1988) e integrado posteriormente nos estudos de
psicologia da saúde (Ribeiro, 1998). E como tal tem sido definido e avaliado de
forma diversa. Cada autor tende a focar os aspectos específicos de uma
definição omnibus (Secco & Moffatt, 1994). Este constructo tem sido
descrito como o grau em que as necessidades sociais básicas do indivíduo (de
afiliação, de afecto, de identidade, de pertença, de segurança ou de aprovação)
são satisfeitas através da interacção com os outros (Thoits, 1986) por meio de
apoio sócio-emocional ou de ajuda relacionada com exigências relativas ao
trabalho ou à família (podendo ser também de carácter económico) podendo
referir-se também à existência ou quantidade de relações sociais em geral ou,
em particular referir-se às relações conjugais, de amizade ou organizacionais
(Ornelas, 1994, p. 334). Esta informação pode provir do outro membro do casal,
dos amigos, colegas de trabalho ou outros personagens do mundo social do
sujeito.
Este suporte social pode tomar vários aspectos. Inicialmente, como referimos,
considerou-se apenas o número de contactos sociais de um indivíduo, mas
posteriormente passou-se a incluir também aspectos funcionais como o tipo de
relação, a satisfação com essa relação (Ogden, 1999; Taylor, 1995), ou o tipo
de apoio recebido (emocional, informativo ou tangível). Temos assim os modelos
genéricos (que procuram ligar o suporte social com componentes biológicas
gerais); modelos centrados no stress (em que a relação stress/biológico é
mediada pelo suporte social); e modelos de processo (descrevem o tipo de
mediação psicossocial entre o stress e a saúde especificando os efeitos
directos e indirectos ou protectores nessa relação).
Um avanço importante na clarificação processual do conceito de suporte social
foi apresentado por Schwarzer e Leppin (1991). Segundo estes autores, a
conceptualização do suporte social requer uma perspectiva funcional que foque
os aspectos positivos do conteúdo relacional (i.e. , a função e a qualidade das
relações sociais benéficas). Para os referidos autores estas podem ser
subdivididas em categorias agrupando o suporte emocional, o suporte
instrumental, o suporte tangível, a estima e a avaliação, entre outras. É esta
perspectiva que encontramos em alguns dos instrumentos actuais (Harter, 1985;
La Greca et al., 1995; La Greca & Thompson, 1998; McKelvey et al., 1993):
1) Suporte Emocional ' refere-se a comportamentos que promovem sentimentos de
bem-estar, envolve a expressão de empatia, cuidado e preocupação em relação à
pessoa, fornecendo uma sensação de segurança, conforto e pertença num período
de stress (como o do diagnóstico de uma doença crónica);
2) Suporte de Estima ' ocorre através da expressão de aceitação positiva, da
expressão de acordo ou encorajamento relativamente a ideias ou sentimentos.
Este tipo de suporte contribui para o estabelecimento de um sentimento de
competência, de dignidade e de valor pessoal;
3) Suporte Tangível ou Material ' agrupa acções que servem para resolver
problemas concretos ou tarefas quotidianas e envolve a assistência directa, tal
como o fornecer dinheiro, bens materiais ou auxílio na realização de tarefas;
4) Suporte Informativo ' processo de fornecimento de informações com o
objectivo de promover um melhor auto-conhecimento ou do mundo e inclui dar
conselhos, orientações, instruções ou feedback sobre a actuação da pessoa.
Pode, por vezes, ser confundido com o suporte emocional.
SUPORTE SOCIAL E STRESS
Para se compreender o modo como o suporte social se articula com o stress temos
que recuar ao modelo das aptidões de confronto de Lazarus e Folkman (1984), que
diferenciava avaliação primária (percepção das exigências da situação
stressante) e avaliação secundária (apreciação dos recursos pessoais para
enfrentar uma situação ameaçadora). Se um indivíduo sente que controla uma
situação difícil recorrendo à ajuda disponível no seu ambiente social, do
processo de avaliação resultará um menor nível de stress. A percepção da
disponibilidade de um contexto social apoiante representa uma estratégia
alternativa para lidar com a situação de que pode resultar uma avaliação de
dano, perda, ameaça ou mudança menos danosa ou inexistente. Pelo contrário, a
percepção de isolamento social implica a perda de uma estratégia de confronto,
nomeadamente procurar ajuda, implicando que a pessoa se apoie unicamente em
opções não sociais. Enquanto este tipo de suporte social exerce uma influência
directa na avaliação de stress, a integração objectiva no contexto social é uma
variável antecedente que pode ter um efeito indirecto. O suporte social
cognitivo serve de mediador entre a integração social e a avaliação de stress
(Schwarzer & Leppin, 1991, p. 110), pelo que pode ser considerado um factor
de protecção contra o stress.
Thoits (1986) conceptualiza o suporte social comportamental como uma estratégia
de coping, argumentando que diversas situações de stress originam diferentes
necessidades, as quais requerem e ilicitam estratégias de enfrentamento
específicas. Nesta perspectiva, o suporte social deverá ser mais eficaz quando
os seus fornecedores sugerem ou participam nas estratégias mais eficazes para
lidar com a situação conducente à resolução do problema associado a um stressor
específico. Esta conceptualização do suporte social, como uma assistência a uma
estratégia de confronto, fez desenvolver a noção que um suporte social eficaz
depende do emparelhamento entre a necessidade do indivíduo e aquilo que recebe
do seu contexto social (matching hypothesis ' Modelo de Emparelhamento) (Cohen
& McKay, 1984). Esta hipótese sugere que apenas quando existe um
emparelhamento entre a necessidade desencadeada pelo acontecimento stressante e
o tipo de apoio recebido existirá um efeito amortecedor da experiência de
stress.
DIABETES E SUPORTE SOCIAL
A diabetes Tipo 1 é uma patologia crónica auto-imune, resultante da ausência de
secreção de insulina pelas células beta do pâncreas. Como consequência ocorre
um aumento da concentração de glicose no sangue e a incapacidade para utilizar
e armazenar os hidratos de carbono (WHO, 2008). Esta patologia, cuja etiologia
não está completamente esclarecida, atinge cerca de 6% da população portuguesa
em idade pediátrica ( Rodrigues et al., 1997). É uma das patologias crónicas
que tem um tratamento mais exigente e cuja não adesão coloca o paciente em
risco substancialmente acrescido de morbilidade e mortalidade. São frequentes
as complicações agudas, a curto prazo (hipoglicemias e hiperglicemias) devido,
na maior parte das situações, à não adesão terapêutica, originando sintomas
físicos como o cansaço, tremores, sudação abundante, palpitações e palidez.
Como a glicose é a principal fonte de energia do sistema nervoso central, pode
surgir falta de concentração, confusão, excitação ou ansiedade. As
consequências do não tratamento das crises agudas serão o coma e a morte, em
situação extrema (International Society of Pediatric and Adolescent Diabetes,
ISPAD, 1995; Sperling, 1996; 2000; World Health Organization, WHO, 2008).
As implicações a longo prazo (dificilmente observáveis no adolescente)
resultantes de mau controlo metabólico continuado e má adesão terapêutica,
manifestam-se através de, entre outras, perturbações do sistema cardiovascular,
renal e visual. Este tipo de morbilidade pode repercutir-se na qualidade de
vida do paciente e representa um problema de saúde pública importante
(International Society of Pediatric and Adolescent Diabetes, ISPAD, 1995, 2000;
Sperling, 1996; World Health Organization, WHO, 2008).
O tratamento exige a administração de insulina exógena (para correcção imediata
dos desequilíbrios metabólicos) através de múltiplas injecções diárias, a
implementação de uma dieta equilibrada de hidratos de carbono e a regulação
destes aspectos com a actividade física diária, em função dos resultados de
auto-monitorização glicémica realizada por múltiplas colheitas diárias de gota
sanguínea (ISPAD, 1995; ISPAD, 2000; WHO, 2008).
O apoio que o jovem diabético recebe da família é um dos aspectos mais
salientes para a sua adaptação à diabetes e também para o ajudar a lidar com as
exigências da doença e do tratamento, nos aspectos materiais e psicológicos.
Uma família que fornece calor, conselhos, apoio e estratégias efectivas de
resolução de problemas possibilitará ao jovem diabético melhores condições para
aderir ao tratamento (Ellerton, Stwart, Ritchie, & Hirth, 1996).
A presença de uma doença crónica (como a diabetes) é uma fonte de stress
particular. A família deve ser capaz de coordenar as transformações da
adolescência com as necessidades do paciente (e de se adaptar a estas) mas a
doença como fonte de stress vai interagir com as decorrentes do contacto com
sistemas extra familiares e com as resultantes dos processos de transição da
família ao longo da adolescência (Seiffge-Krenke, 1998). Quando a família não
consegue coordenar os seus recursos pode ser impedido o desenvolvimento de uma
aliança cooperativa entre os subsistemas (Altschuler, 1997; Kassiou &
Tsamasiros, 1999) e, para se acomodar às exigências da doença crónica, vários
aspectos do quotidiano da vida familiar tornam-se stressantes quer para o
adolescente, quer para a família no seu todo ' surgindo níveis de
conflitualidade por vezes elevados.
Danielson, Hamel-Bissell, e Winstead-Fry (1993), baseando-se na literatura
publicada, refere que a família tem a capacidade para desempenhar
potencialmente actividades em todos os domínios dos cuidados de saúde. Agindo
ao nível da prevenção primária, a família pode influenciar o envolvimento em
comportamentos protectores da acção de factores de risco ou na escolha de
estilos de vida (nomeadamente de comportamentos promotores da saúde, como a
alimentação) (Danielson et al., 1993). Na prevenção secundária, o significado
que a família atribui aos sintomas e à doença pode influenciar as decisões
relativamente à procura de cuidados de saúde e à adesão ao tratamento (Petrie
& Weinman, 1997). Neste caso a mãe exerce um papel fundamental na
articulação entre a família, e em especial a criança, e os serviços de saúde. A
prevenção terciária refere-se ao tratamento da doença com vista à reposição do
estado de saúde. Nesta situação, o papel da família é múltiplo: assegura a
prestação de cuidados de saúde, presta cuidados ao paciente (assegura a adesão
ao regime terapêutico estipulado) e fornece-lhe suporte social, bem como aos
restantes membros (Danielson et al., 1993)
SUPORTE SOCIAL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DIABETES
O suporte social aparece também como uma variável importante na prevenção da
doença, na promoção da saúde ou na adesão terapêutica ou recuperação de uma
doença (Schwarzer & Leppin, 1991). No caso da doença crónica (situação
stressante), o suporte social desempenha um papel importante, devendo ser
considerado, a par da integração social do sujeito, como uma variável
fundamental (Schwarzer & Leppin, 1991), tendo um papel importante no
comportamento relacionado com a adesão terapêutica, dado que as variáveis
psicológicas serão mais afectadas pelos processos próximos do que por processos
sociológicos mais distantes (Schwarzer & Leppin, 1991).
Combinada com a diminuição dos comportamentos relativos à saúde (ou de adesão
terapêutica), a génese e progressão da doença será facilitada pela ausência de
suporte social (Schwarzer & Leppin, 1991). Ellerton, Stwart, Ritchie, e
Hirth (1996) estudaram o suporte social recebido por crianças com doença
crónica (fibrose quística, espinha bífida e diabetes) e verificaram que, em
todos os grupos, os membros da família eram referidos como os maiores
fornecedores de suporte.
Durante a infância, os pais assumem a responsabilidade pela maior parte do
regime terapêutico da diabetes mas com a chegada da adolescência a
responsabilidade vai mudando para as mãos do adolescente, o qual poderá não ter
competências para realizar o tratamento com eficácia. Apesar de esta mudança
ser importante numa perspectiva desenvolvimental, a comunicação sobre a doença
pode ser escassa e a partilha das responsabilidades entre pais e adolescente
não ser claramente definida, com custos para a adesão terapêutica. As
exigências desenvolvimentais da adolescência e a necessidade de adesão ao
regime terapêutico da diabetes são muitas vezes conflituosas, levando a
adolescente a seguir uma e abdicar da outra componente. Para o adolescente com
diabetes, as exigências da adolescência podem, em determinados momentos,
parecer mais importantes (e pressionantes) que a adesão terapêutica (Burroughs,
Pontius, & Santiago, 1993; Cerreto & Travis, 1984).
No presente estudo tivemos como objectivo traduzir e adaptar para a população
portuguesa uma escala de suporte social para crianças e adolescentes com
diabetes (Diabetes Family Behavior Scale, DFBS), analisando a sua consistência
interna e relação com critérios externos (adesão ao tratamento da diabetes,
controlo metabólico e stress face à diabetes).
MÉTODO
Participantes
Com este objectivo recorremos a uma amostra de conveniência, constituída por
utentes da Consulta de Diabetologia Pediátrica do Departamento de Pediatria do
Hospital de S. João ' Porto. Os critérios de Inclusão foram os seguintes:
Crianças e adolescentes com idades entre 10 e 18 anos, inclusive; Utentes da
Consulta de Diabetologia Pediátrica do Hospital de S. João; Preencham os
critérios da ISPAD (International Society for Pediatric and Adolescent
Diabetes) e da IDF (International Diabetes Federation ' Europe) (ISPAD, 1995,
2000) para o diagnóstico de Diabetes Tipo 1; Diagnosticadas pelo menos há 1
ano; Estarem em Regime de Ambulatório (não internados); Ausência de gravidez;
Ausência de doença aguda; Desenvolvimento intelectual normal.
A amostra é constituída por 256 adolescentes, sendo 130 (50,8%) do sexo
masculino e 126 (49,2%) do sexo feminino. As idades estão compreendidas entre
os 10 anos e 18 anos, estando os sujeitos distribuídos de forma homogénea ao
longo do intervalo estabelecido, sendo a média das idades de 14,7 anos (DP
=28,3 meses). A duração da diabetes é, em média de 79,9 meses (DP =48,3 meses).
O diagnóstico da diabetes foi realizado em média aos 8.3 anos (DP = 3.5 anos),
existindo uma grande proximidade na idade de diagnóstico da diabetes para os
sujeitos do sexo masculino (idade média do diagnóstico de 8.1 anos; desvio
padrão de 3.8 anos) e do sexo feminino (idade de diagnóstico média 8.5 anos;
desvio padrão de 3.3 anos). A duração média da doença é de 6.7 anos (DP= 3.9
anos), havendo, tal como para a idade de diagnóstico, uma grande proximidade
entre sexo feminino (média 6.4 anos; desvio padrão de 3.7 anos) e masculino
(média 6.4 anos; desvio padrão de 4.0 anos).
Procedimentos
No dia da Consulta de Diabetologia Pediátrica, os doentes (e família, uma vez
que são menores) foram contactados pelo autor, sendo-lhes explicados os
objectivos e a metodologia do trabalho de investigação, a sua utilidade, e
pedido consentimento informado para participar no estudo. Os questionários
foram distribuídos de forma individual aos adolescentes, tendo estes sido
encaminhados para um local onde pudessem responder com privacidade, durante o
período que mediava entre a colheita de sangue para análise e a Consulta de
Endocrinologia Pediátrica. Foi ainda realizada uma colheita de sangue para
determinação da Hemoglobina glicosilada (parâmetro de avaliação bioquímica do
controlo metabólico da diabetes).
O processo de tradução e adaptação teve como base a orientação proposta por
Bradley (1996) e decorreu de acordo com o seguinte procedimento:
a) Tradução pelo investigador e simultaneamente por tradutor independente;
b) Confronto das versões para elaboração da primeira versão em português;
c) Retroversão por tradutor independente, não conhecedor da versão inicial em
língua inglesa;
d) Confronto de versões (original e retrovertida), com o objectivo de avaliar a
identidade do conteúdo dos itens;
e) Adaptação e correcção dos termos técnicos por pediatra;
f) Pré-teste com 12 doentes para avaliar a adequação e compreensão dos itens da
versão experimental;
g) Elaboração das versões a utilizar no estudo.
INSTRUMENTOS
Escala comportamental de suporte social familiar para adolescentes com diabetes
(Diabetes Family Behavior Scale, McKelvey, Waller, North, & Marks, 1993)
A Diabetes Family Behavior Scale (DFBS) é composta por 47 itens que avaliam os
comportamentos específicos da família relativos à diabetes, considerados como
relevantes para ajudar a criança ou adolescente a lidar com as exigências da
doença e do tratamento. Os estudos realizados com esta escala têm sido
conduzidos no contexto das investigações enquadradas no modelo de stress /
aptidões de confronto / suporte social, com adolescentes com Diabetes Tipo 1,
num leque de idades sobreponível ao da nossa população de estudo.
A DFBS pretende avaliar duas áreas do apoio familiar: 1)Controlo-Aconselhamento
(guidance-control) ' 15 itens; e Afecto (warmth-caring) ' 15 items; os
restantes 17 itens não integram qualquer subescala. Pode ainda ser calculado um
Resultado Global do suporte social, que resulta da soma das respostas a todos
os itens da escala ' não referindo os autores a razão da inclusão dos restantes
17 itens na escala (McKelvey, Waller, North, & Marks, 1993) . O sujeito
(criança ou adolescente) deverá seleccionar a resposta que melhor descreve o
que acontece na sua família, numa escala tipo Lickert de 5 pontos (1-Sempre a
5- Nunca). Na cotação (em que alguns dos itens são notados em sentido inverso)
o resultado obtém-se pela adição dos itens assinalados. Os valores mais
elevados indicam menor suporte social. O estudo das características
psicométricas foi efectuado utilizando o coeficiente alfa de Cronbach,
encontrando os autores os seguintes resultados para a escala original: Escala
total:.86; Aconselhamento:.81; Afecto:.79 (McKelvey, Waller, North, &
Marks, 1993). Ao nível da validade da escala, utilizando um critério externo,
os autores encontraram resultados, apesar de baixos, no sentido desejado. De
facto, referem que a correlação entre o valor da hemoglobina glicosilada
(HbA1c), (ideal é que seja um valor baixo) e o resultado total da escala é de
-.12 (p<.03) com a subescala Controlo-Aconselhamento (r=-.17, p<.002) e para o
Afecto (r=-.06, p<.29).
Adesão ao Tratamento (Almeida & Pereira, 2003a)
O questionário de Adesão ao tratamento avalia o grau em que o paciente cumpre
as prescrições fundamentais para o controlo da diabetes (adesão à dieta
prescrita quer no tipo de alimentos quer na regularidade da ingestão,
administração de insulina, prática de exercício físico ou auto-monitorização da
glicemia). As respostas indicadoras da frequência de realização do
comportamento prescrito (adesão terapêutica) são notadas numa escala tipo
Likert, variando entre 1- Sim/sempre e 4- Não/nunca, sendo também questionada a
autonomia do adolescente para realizar as pesquisas de glicemia e para a auto-
administração de insulina. A análise dos resultados revelou uma organização dos
5 itens em dois componentes que explicam 59,53% da variância total dos
resultados. O componente 1, designado de Adesão ao Tratamento Médico , explica
32.7% da variância. O componente 2 foi nomeado de Adesão Comportamental ao
Tratamento , sendo responsável por 25% da variância dos resultados. Os valores
mais baixos indicam um nível superior de adesão às recomendações terapêuticas.
Stress Face a Diabetes (Herschbach, Duran, Waadt, Zetler, Amm, & Marten-
Mittag, 1997); versão de investigação de Almeida & Pereira 2003b)
O Questionário de Stress face à diabetes (QSD'R) é composto por 45 itens que
avaliam a presença de stress relacionado com a presença da diabetes ou as suas
exigências terapêuticas e que podem perturbar (pelo excesso da sua presença ou
da sua intensidade) o equilíbrio do adolescente devido à ausência de mecanismos
de resposta adequada. A resposta é assinalada ao longo de uma escala tipo
Lickert com 6 alternativas (de 0 ' Não acontece comigo ou não me preocupa; 1-
Preocupa pouco; a 5 ' Preocupa muito), sendo os valores mais elevados
indicadores de níveis de stress mais altos. A versão portuguesa, para
adolescentes, apresenta uma organização dos itens em 6 componentes, tendo sido
reduzida a 40 itens. Estes organizam-se nos componentes de forma diversa da
proposta que serviu da base, o que é compreensível pois foram eliminados os
itens de uma subescala (relação conjugal), acrescentados novos itens e
reformulados outros, com o objectivo de revelar as preocupações do adolescente
com a diabetes.
O componente 1agrupa 7 itens que se referem a Queixas somáticas. O componente
2, inclui itens que reflectem situações de Stress Social e Escolar. O
componente 3, manifesta expressões de Ansiedade/Depressão. O componente 4,
refere especificamente o Stress face à Hipoglicemia . O componente 5, revela
manifestações de Stress face ao médico. Por fim, o componente 6, agrupa
aspectos que se referem à Stress face ao Tratamento.
RESULTADOS
Estudo da Fidelidade
As características psicométricas na versão portuguesa foram determinadas por
uma avaliação da fidelidade, seguindo uma metodologia semelhante à original.
Iniciamos o nosso estudo partindo da versão integral do DFBS, estudando as suas
características na amostra de 256 indivíduos. Começamos por avaliar a
consistência interna do DFBS, realizando uma avaliação do grau de homogeneidade
das respostas dos indivíduos aos itens. Para tal calculamos o coeficiente alfa
de Cronbach, conforme se apresenta no Quadro 1.
Quadro 1
Alfa de Cronbach da Escala comportamental de suporte social familiar para
adolescentes com diabetes (DFBS)
Dado que os itens 6, 8, 18, 39 e 44 se correlacionam negativamente com a escala
e os itens 19 e 24 têm correlação nula, foram eliminados no passo seguinte.
Estudo de Validade
Para investigar a validade do constructo procedemos a uma análise de
componentes principais com rotação varimax, e com definição prévia de 2
componentes, à semelhança da escala original. Os resultados obtidos confirmam a
distribuição dos itens em dois componentes. Constatamos que alguns dos itens
não saturavam em qualquer factor pelo que procedemos a uma análise com 3 e 4
componentes o que não forneceu resultados satisfatórios dado que nem era
integrado um maior número de itens na solução, nem a variância explicada era
superior nem o arranjo dos itens era consistente com qualquer referencial
teórico. A organização dos itens em dois componentes engloba 33 itens que
explicam 33.3% da variabilidade dos resultados (quadro 2).
Quadro 2
Estrutura da Escala comportamental de suporte social familiar para
adolescentes com diabetes (DFBS)
O componente 1, responsável por 23.1% da variância dos resultados, engloba 23
itens. É compos to pela maioria dos itens da sub-escala original afecto (11
itens), por um item que originalmente estava na escala controlo/
aconselhamento ( os meus pais encorajam-me a fazer exercício físico todos os
dias ) sendo que os restantes 11 itens não integravam nenhuma sub-escala da
versão original.
Esta sub-escala apresenta uma consistência interna (alfa de ,81) superior à
encontrada pelos autores para a versão original (Alfa de .79), com uma grande
homogeneidade entre os itens (quadro 3).
Quadro 3
Alfa de Cronbach da Escala comportamental de suporte social familiar para
adolescentes com diabetes (DFBS)
O componente 2, que integra 10 itens, explica 10.2% da variância dos
resultados, é composto por 9 itens pertencentes à sub-escala Controlo-
Aconselhamento (1, 3, 13, 16, 21, 28, 29, 31 e 40), saturando também o item 9,
que não estava inserido em nenhuma sub-escala da versão original. Optamos por
eliminar o item 10 (reduzindo esta subescala para 10 itens) por possibilitar um
incremento significativo da consistência da escala, o que se traduz numa
elevação do valor de alfa para .76, o que o aproxima do obtido pelos autores da
escala original (.81). O conteúdo destes itens é quase exclusivamente
constituído por itens da sub-escala original controlo / aconselhamento; a
única excepção é o item 7 ( os meus pais lêem coisas sobre diabetes ) que
não se afastará de uma atitude de procura de informação por parte dos pais com
vista a um controlo da diabetes do filho ou do seu aconselhamento (quadro 4).
Quadro 4
Alfa de Cronbach da Escala comportamental de suporte social familiar para
adolescentes com diabetes (DFBS)
O resultado final da análise de validade do DFBS aponta para uma composição da
escala com 33 itens, organizados em 2 componentes : (1) Controlo-Aconselhamento
- a média desta sub-escala é 45.9 e o desvio padrão obtido de 16.5; e (2)
Afecto, o que é quase totalmente sobreponível com a versão original. Esta sub-
escala apresenta média de 32.1 (desvio padrão de 8.4).
A consistência interna da escala total (Alfa de .91) é ligeiramente mais
elevada que a apresentada pelos autores para a escala original (Alfa de .86) '
a média dos resultados da versão adaptada do DFBS é 78.0 com desvio padrão de
20.9. Dada a coerência deste arranjo dos itens com o constructo teórico
subjacente, mantivemos esta organização dos itens na versão de estudo. O quadro
5 apresenta a versão final.
Quadro 5
Alfa de Cronbach da Escala comportamental de suporte social familiar para
adolescentes com diabetes (DFBS)
A análise da validade externa (ou convergente) do constructo foi efectuada do
modo proposto pelos autores, inserida no modelo stress/suporte social avaliado
através da correlação com a adesão comportamental ao tratamento, com o valor de
hemoglobina glicosilada e também com o nível de stress face à diabetes através
das respostas ao QSD-R, podendo-se constatar que os valores obtidos no DFBS
Total se correlacionam de forma significativa com o comportamento de adesão ao
tratamento (r=-.229; p=.004), significando que quanto mais elevado o suporte
social familiar maior a adesão ao tratamento; a subescala Afecto
correlaciona-se também com a Adesão (r=-.178; p=.02) e o mesmo acontece com a
subescala Controlo (r=-.270; p=.001). Estes valores significam que, tal como
hipotetisado, a um aumento do suporte social familiar corresponde uma maior
adesão ao tratamento da diabetes.
O DFBS Total correlaciona-se no mesmo sentido com o controlo metabólico,
indicado pelo valor de Hemoglobina glicosilada (r=-.192; p=.003); as subescalas
Afecto (r=-.192; p=.003) e Controlo (r=-.125; p=.04) apresentam também
correlações com a referida variável bioquímica indicadora do controlo
metabólico. O significado destes valores é, tal como para a adesão ao
tratamento, que o maior suporte familiar está associado ao melhor equilíbrio da
diabetes.
No presente estudo de validade externa procuramos ir para além dos valores
anunciados pelos autores e, como previsto no modelo de stress/suporte social,
fomos investigar se ao aumento do suporte social familiar corresponderia uma
diminuição do stress face à diabetes. Constatamos que o DFBS Total se
correlaciona com o Stress face à diabetes (resultado total ao QSD-R r=-.135;
p=.04), sendo que a um suporte social familiar mais elevado corresponde menor
stress face à diabetes; a dimensão Afecto do Suporte Social Familiar está
igualmente correlacionada com o resultado total do QSD-R (r=-.196; p=.003) mas
a dimensão Controlo não se correlaciona com o resultado global do QSD-R. Estes
resultados vão de encontro aos princípios defendidos pelos autores e pelo
modelo teórico em que se enquadra o suporte social/stress.
Validade discriminante
Numa fase seguinte procuramos realizar estudos complementares com esta escala
avaliando a sua capacidade para discriminar (sensibilidade da escala)
diferenças na percepção do suporte social entre adolescentes de diferentes
sexos.
Efectuando um teste t de Student, para amostras independentes, verificamos que
a nota global do DFBQ é semelhante (e estatisticamente não significativa :
(f=.657; t=142; p=.887) , entre adolescentes do sexo feminino (M=95.3, dp=17.5)
e do sexo masculino (M=93.9; dp=19.5). A análise destes resultados permite
referir que a DFBQ não revelou diferenças na percepção de suporte social
familiar entre adolescentes quanto ao sexo.
DISCUSSÃO
A versão portuguesa do DFBS apresenta-se com um número total de itens mais
reduzido que a versão total original, tendo passado de 47 para 33
itensagrupados em 2 factores que avaliam , por um lado, o suporte emocional da
família para lidar com o stress relacionado com a diabetes (23 itens) e, por
outro lado o suporte directo/indirecto e informativo (10 itens) relacionado com
as exigências de controlo do tratamento/doença, por outro lado. A escala revela
uma consistência interna satisfatória, com valores de alfa de Cronbach que se
aproximam dos valores apresentados pelos autores para a versão original.
Por fim, apresenta validade convergente, correlacionando-se de forma
significativa com um questionário de stress face à diabetes significando que a
um aumento do suporte social familiar corresponde uma diminuição do stress ' o
que vai de encontro ao pressuposto pelo modelo stress/suporte social. A versão
adaptada do DFBS correlaciona-se igualmente com o comportamento de adesão ao
tratamento da diabetes e com o controlo metabólico sendo que maior suporte
familiar está associado a uma maior adesão ao tratamento e melhor controlo
metabólico da diabetes. Os níveis de correlação entre o valor da hemoglobina
glicosilada e o resultado total e das sub-escalas da DFBS obtidos para a
amostra do nosso estudo são mais elevados que os registados pelos autores na
versão original.
Assim a adaptação da DFBS reúne as condições necessárias para a sua aplicação
em adolescentes portugueses com diabetes.