Tipo de cirurgia, adaptação psicossocial e imagem corporal no cancro da mama
O cancro da mama é o tipo de cancro mais frequente na mulher, não só em
Portugal, como em todo o mundo. Os últimos dados da International Agency for
Research on Cancer, da Organização Mundial de Saúde (Ferlay et al., 2010),
relativos ao ano de 2008, mostram que a incidência da doença tem vindo a
aumentar. Especificamente, estima-se que tenham sido diagnosticados, em todo o
mundo, cerca de 1,38 milhões de novos casos (23% de todos os tipos de cancro,
na mulher). Em Portugal calcula-se que tenham surgido cerca de 5333 novos casos
(27,7% de todos os cancros).
As taxas de mortalidade são, contudo, bastante inferiores. Foram registadas
cerca de 458000 mortes em todo o mundo e 1537 em Portugal (Ferlay et al.,
2010). Nas últimas décadas verificou-se um desenvolvimento acentuado de
diversas técnicas terapêuticas, nomeadamente ao nível das intervenções
cirúrgicas e dos tratamentos adjuvantes, mas também no que se refere ao
diagnóstico precoce da doença. Este desenvolvimento permitiu um aumento
considerável das taxas de sobrevivência, tendo a doença oncológica, em geral, e
o cancro da mama, em particular, deixado de ser considerada uma doença
inevitavelmente fatal, passando a ser conceptualizada como uma doença crónica
(Pimentel, 2006). O prolongamento da vida e a conceptualização do cancro como
doença crónica, trazem consigo a questão da quantidade de vida sem qualidade
(Kornblith, 1998; Pais-Ribeiro, 2002), tornando-se, deste modo, fundamental o
estudo da qualidade de vida (QdV) da doente, ao longo de todo o percurso da
doença (Kornblith, 1998), bem como a sua correta avaliação e promoção.
A preocupação com a QdV e, de uma forma global, com a adaptação psicossocial do
doente oncológico, tem-se reflectido no elevado número de estudos sobre esta
temática, nomeadamente sobre os factores que podem promover ou deteriorar a QdV
e adaptação à doença. Em doentes com cancro da mama, o tipo de cirurgia
constitui um dos factores que, desde sempre, suscitou um grande interesse entre
clínicos e investigadores. Como tal, a investigação sobre o impacto dos dois
principais tipos de cirurgia ' mastectomia e cirurgia conservadora ' na
adaptação psicossocial da mulher com cancro da mama tem resultado numa intensa
produção científica ao longo dos últimos anos.
Da Mastectomia à Cirurgia Conservadora da Mama
A mastectomia foi, durante décadas, o procedimento cirúrgico dominante. Este
tipo de cirurgia foi desenvolvido e implementado por William Stewart Halsted,
em 1882, tendo-se tornado conhecido por mastectomia radicaloumastectomia
radical de Halsted. Consistia na remoção total da mama, bem como dos músculos
peitorais (grande e pequeno peitoral), da pele e dos gânglios linfáticos
axilares (Turkington & Krag, 2005). Halsted publicou os resultados dos seus
primeiros 50 casos no Johns Hopkins Hospital Reports, tendo relatado que a taxa
de sobrevivência cinco anos após a cirurgia era de 40%. Esta percentagem de
sucesso era considerada, nessa altura, bastante elevada, tendo em conta que
cerca de três quartos das doentes apresentavam os gânglios linfáticos
positivos, ou seja, os seus gânglios continham já células cancerígenas (Cotlar,
Dubose, & Rose, 2003). Contudo, apesar do seu sucesso terapêutico, a
mastectomia radical era uma cirurgia muito extensa, encontrando-se associada a
um risco elevado de linfedema e a inúmeros outros efeitos secundários, tais
como a deformação do peito e do ombro (Turkington & Krag, 2005). Deste
modo, ao longo do tempo, foi-se procurando desenvolver técnicas cirúrgicas que
permitissem uma maior preservação dos músculos peitorais, bem como dos gânglios
linfáticos axilares e da própria mama, sempre que tal fosse possível.
Assim, no início da década de 30, Patey, do Middlesex Hospital de Londres,
introduziu um tipo de mastectomia menos extensa, que ficou conhecida como
mastectomia radical modificadaoumastectomia de Patey(Cotlar et al., 2003). Este
tipo de procedimento diferia do anterior por não remover o músculo do grande
peitoral, embora consistisse, igualmente, na remoção total da mama, dos
gânglios linfáticos axilares, da pele e dos músculos do pequeno peitoral.
No final dos anos 50, começou a evidenciar-se uma mudança na forma de
perspectivar o tratamento cirúrgico do cancro da mama, à medida que os
investigadores e clínicos começaram a comparar a mastectomia radical com
procedimentos mais conservadores (Cotlar et al., 2003). Deste modo, foram
surgindo estudos que procuravam avaliar a eficácia das diferentes modalidades
cirúrgicas e de tratamento. Um dos primeiros estudos foi desenvolvido por Payne
et al. (1970), com uma amostra de 12641 cirurgias da mama, realizadas entre
1910 e 1964. Do total de cirurgias, 90% eram mastectomias radicais e 10%
mastectomias radicais modificadas, sendo que apenas metade das mulheres tinha
recebido radioterapia. De uma forma global, este estudo retrospectivo mostrou
que a sobrevivência era largamente influenciada pela presença de gânglios
linfáticos positivos, não se verificando, no entanto, diferenças nas taxas de
sobrevivência aos cinco e dez anos quando os gânglios eram negativos. Este tipo
de investigações evidenciava, assim, a necessidade de se começarem a
desenvolver ensaios clínicos, prospectivos e aleatorizados, para que mais
corretamente se pudessem avaliar os resultados dos diferentes procedimentos
utilizados (no que diz respeito às taxas de sobrevivência, efeitos secundários,
etc.) e, assim, delinear estratégias terapêuticas adequadas a cada caso
particular. Por exemplo, o National Surgical and Adjuvant Breast Project ' 04
(NSABP-04), conduzido entre 1971 e 1974 e coordenado por Bernard Fisher (Fisher
et al., 1977), revelou que não existiam diferenças significativas nas taxas de
sobrevivência aos 5 e 10 anos entre a mastectomia radical, a mastectomia total
(remoção de toda a mama, da pele e do mamilo, com preservação dos músculos
peitorais) com radioterapia e a mastectomia total sem radioterapia mas com
esvaziamento axilar caso os gânglios fossem positivos. Estes resultados,
publicados em 1985, mostraram que a mastectomia radical ou de Halstead tinha
apenas um interesse histórico, não sendo já um procedimento cirúrgico adequado
(Fisher, Bauer, et al., 1985; Fisher, Redmond, et al., 1985).
A partir do início dos anos 80, a qualidade de vida do doente oncológico passou
a ser um tema central na Oncologia (Pimentel, 2006). Consequentemente, o
interesse pelo desenvolvimento de técnicas cirúrgicas mais conservadoras foi
aumentando, na medida em que se considerava que este tipo de procedimentos
poderia contribuir fortemente para a melhoria da QdV da mulher com cancro da
mama. A progressiva introdução da cirurgia conservadora (excisão do tumor e de
algum tecido saudável circundante) seguida de radioterapia, como alternativa à
mastectomia, afigurava-se como uma opção promissora no tratamento do cancro da
mama, embora fossem necessários estudos clínicos que comprovassem a sua
eficácia terapêutica.
Deste modo, no final da década de 80, foram desenvolvidos vários ensaios
clínicos, entre os quais se destacaram o Milan-World Health Organization
(Veronesi et al., 1989), o Institute Gustave-Roussy (IGR-Paris) (Sarrazin et
al., 1989), o National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project (NSABP) B-06
(Fisher et al., 1989), o European Organization for the Research and Treatment
of Cancer (EORTC) 10801 (van Dongen et al., 1992), o Danish trial (Blichert-
Toft et al., 1992) e o US National Cancer Institute trial (Lichter et al.,
1992). De uma forma geral, todos aferiram que a mastectomia e a cirurgia
conservadora seguida de radioterapia apresentavam taxas de sobrevivência
semelhantes, em doentes que se encontravam ainda nos estádios iniciais da
doença.
Para além dos ensaios clínicos referidos, um outro factor muito relevante para
que se passasse a adoptar a cirurgia conservadora com maior regularidade e
segurança consistiu na organização da Consensus Development Conference(NHI
Consensus Development Panel, 1991) e na divulgação generalizada dos seus
resultados. Esta conferência foi organizada, em 1990, pelo National Institutes
of Health (NIH) dos Estados Unidos da América (EUA) e reuniu diversos
profissionais de saúde (e.g. médicos oncologistas, cirurgiões, enfermeiros,
psicólogos) e público em geral, com o objetivo de determinar o tratamento local
ideal para mulheres com cancro da mama invasivo primário. O painel de peritos,
após revisão dos seis ensaios clínicos já mencionados, concluiu que a cirurgia
conservadora era um método apropriado de terapia primária para a maioria das
mulheres nos estádios I e II do cancro da mama, sendo preferível à mastectomia,
na medida em que promovia taxas de sobrevivência idênticas, preservando,
simultaneamente, a mama. As recomendações efetuadas neste encontro funcionaram,
incontestavelmente, como estímulo para a realização mais frequente da cirurgia
conservadora, sempre que clinicamente tal fosse possível (Du, Freeman, &
Syblik, 2000; Lazovich, Solomon, Thomas, Moe, & White, 1999).
Em suma, atualmente, os procedimentos cirúrgicos mais comuns consistem na
mastectomia total e na cirurgia conservadora da mama seguida de radioterapia.
Também em Portugal, e de acordo com as Recomendações Nacionais para o
Diagnóstico e Tratamento do Cancro da Mama (Coordenação Nacional para as Doença
Oncológicas [CNDO], 2009), a cirurgia conservadora é considerada uma técnica
cirúrgica alternativa à mastectomia na maioria das doentes com carcinomas
ductais in situ (CDIS) e com carcinomas invasores em estados iniciais. Uma vez
que as taxas de sobrevivência são idênticas entre cirurgias, a escolha do
tratamento adequado para doentes que se encontrem nos estádios I ou II da
doença deve ser individualizado e ponderado tendo em conta diversos factores.
Para além dos aspectos intrinsecamente ligados à situação clínica da doente
(e.g. tamanho do tumor), um factor muito importante na escolha da cirurgia
passa, evidentemente, pela preferência da própria doente. Se para algumas
mulheres é preferível conservar a sua mama e realizar radioterapia, para outras
a mastectomia afigura-se como uma melhor alternativa por variadas razões, tais
como o facto de não ser necessário efetuar radioterapia pós-operatória ou pelo
medo de uma recidiva associada a uma menor excisão de tecido mamário (e.g.
Curran et al., 1998; Schain, D'Angelo, Dunn, Lichter, & Pierce, 1994).
Tipo de Cirurgia e Adaptação Psicossocial da Mulher com Cancro da Mama
Durante largos anos, a mastectomia foi encarada, tanto pelas doentes como pelos
profissionais de saúde, como uma cirurgia particularmente difícil e traumática
(Du et al., 2000). Considerava-se que a remoção da mama seria um factor
explicativo suficiente da perturbação emocional sentida pelas doentes (Yurek,
Farrar, & Anderson, 2000), minimizando-se o papel de outras variáveis, como
o próprio impacto do diagnóstico de uma doença que ameaça a vida.
Os primeiros estudos publicados sobre a adaptação ao cancro da mama remontam
aos anos 50 e caracterizam-se por serem largamente interpretativos e refletirem
as reações das doentes submetidas apenas a este tipo de cirurgia (Schain et
al., 1994). Só quando, nos anos 80 e 90, começou a ser mais frequente a
realização da cirurgia conservadora, é que investigadores e clínicos puderam
analisar o contributo específico do tipo de cirurgia na adaptação a esta
doença.
Deste modo, a investigação sobre os eventuais benefícios de cada cirurgia no
funcionamento psicológico da doente foi crescendo, tornando-se num tópico de
investigação central na Psico-Oncologia (Fisher et al., 1989). Esperava-se que
a cirurgia conservadora, por ser um procedimento menos invasivo e mutilador,
resultasse numa melhoria significativa da QdV da mulher e, globalmente, numa
melhor adaptação, por comparação com a mastectomia (Moyer, 1997). De uma forma
geral, era esperado que a preservação da mama ajudasse a mulher a manter o seu
bem-estar psicológico, a retomar as suas atividades de rotina, a sentir-se
melhor com a sua imagem corporal e a preservar o seu funcionamento sexual
(Schover et al., 1995).
Tendo em conta a extensa produção científica de que este tema tem sido alvo,
bem como a sua relevância, tanto no plano teórico como clínico, o presente
estudo tem como objetivo rever e sintetizar os resultados de alguns dos
principais estudos desenvolvidos. Pretende-se assim apresentar criticamente
algumas investigações que se centraram sobre a comparação da mastectomia e da
cirurgia conservadora relativamente à imagem corporal e a variáveis
relacionadas com a adaptação psicossocial (e.g., QdV, ansiedade, depressão,
estados de humor, etc.) de doentes com cancro da mama.
MÉTODO
Estratégia de Pesquisa
Foi conduzida uma revisão sistemática e crítica da literatura, através do
recurso às bases de dados PubMed, Biblioteca do Conhecimento Online e Scielo
Portugal. Utilizaram-se palavras-chave relacionadas com a cirurgia
(mastectomia, cirurgia conservadora), em combinação com expressões ou palavras-
chave relacionadas com a adaptação e imagem corporal da doente (adaptação,
adaptação psicossocial, qualidade de vida, imagem corporal), em português ou
inglês, consoante a base de dados. As listas de referências bibliográficas dos
artigos selecionados foram também analisadas com o objetivo de se identificarem
outras publicações relevantes.
Critérios de inclusão/exclusão
Apenas foram incluídos estudos que analisassem especificamente a influência do
tipo de cirurgia na adaptação psicossocial e imagem corporal da mulher com
cancro da mama. Foram excluídos todos os estudos que: (1) analisassem outro
tipo de cancros; (2) analisassem o impacto de apenas um tipo de cirurgia
(mastectomia ou cirurgia conservadora); (3) procedessem à comparação entre
cirurgias relativamente a outras variáveis que não as selecionadas (e.g.
aspectos médicos relacionados com cada tipo de cirurgia, satisfação com a
cirurgia, etc.); (4) comparassem a realização de mastectomia ou cirurgia
conservadora com outro tipo de cirurgia (e.g. mastectomia profilática,
histerectomia, ooforectomia). A pesquisa foi ainda restringida a artigos
científicos (empíricos ou de revisão), publicados nas línguas inglesa e
portuguesa, tendo sido excluídos atas ou resumos de trabalhos apresentados em
reuniões científicas, bem como outro tipo de trabalhos publicados que não
fossem trabalhos científicos. Apenas foram revistos estudos publicados entre
1990 e 2011. Foram ainda incluídas três revisões da literatura que, não
obstante terem sido publicadas dentro do intervalo temporal considerado,
analisaram estudos conduzidos entre 1986 e 1991 (Kiebert, deHaes, & van de
Velde, 1991), entre 1981 e 1991 (Schover, 1991) e entre 1981 e 1995 (Moyer,
1997). A opção pela sua inclusão deveu-se à importância que os referidos
estudos desempenharam no estado da arte sobre esta matéria.
A pesquisa inicial deu origem a 1182 publicações. Através da análise do título,
foi possível excluir a grande maioria dos estudos, por não cumprirem os
critérios de inclusão/exclusão. Foram, assim, selecionados 50 artigos para uma
análise mais detalhada. Após a leitura dos mesmos, verificou-se novamente a sua
adequação aos critérios de inclusão/exclusão, tendo-se chegado à seleção final
de 23 publicações que cumpriam todos os critérios previamente estabelecidos.
RESULTADOS
No Quadro 1 são apresentadas as principais características metodológicas e os
resultados mais relevantes dos estudos selecionados.
Quadro_1.
Síntese das principais características metodológicas e resultados dos estudos
incluídos na revisão
Em todos os estudos foram apenas analisados e revistos detalhadamente os
resultados relativos aos indicadores de adaptação e de imagem corporal, mesmo
que o estudo em questão se centrasse também sobre outras variáveis. A adaptação
psicossocial foi considerada uma categoria global, avaliada através de
diferentes instrumentos que se centravam sobre constructos diversos e, por
vezes, sobreponíveis, como QdV, estados de humor, estado funcional,
sintomatologia psicopatológica, perturbação emocional, depressão, ansiedade,
medo de uma recorrência, funcionamento sexual, saúde mental, entre outros.
Também a imagem corporal foi avaliada através de diferentes instrumentos de
avaliação, variando a sua conceptualização e operacionalização consoante os
diferentes autores (e.g. satisfação com a aparência, preocupações com a
aparência, etc.).
Ao contrário dos resultados inicialmente antecipados pelos investigadores,
aquando da introdução da cirurgia conservadora da mama como alternativa à
mastectomia, a maioria dos estudos tem mostrado que a cirurgia conservadora não
se encontra consistentemente associada a melhores resultados de adaptação, tais
como melhor QdV, níveis inferiores de ansiedade e depressão, ou melhor
funcionamento conjugal, entre outros. Na revisão efetuada, 14 dos 18 estudos
que analisaram a adaptação psicossocial não encontraram diferenças
significativas entre grupos em nenhum ou na grande maioria dos indicadores de
adaptação (Cohen, Hack, de Moor, Katz, & Goss, 2000; Dorval, Maunsell,
Deschenes, & Brisson, 1998; Ganz, Schag, Lee, Polinsky, & Tan, 1992;
Hartl et al., 2003; Janz et al., 2005; Levy et al., 1992; Parker et al., 2007;
Poulsen, Graversen, Beckmann, & Blichert-Toft,1997; Rebelo, Rolim,
Carqueja, & Ferreira, 2007; Rowland et al., 2000; Schain et al., 1994;
Schover et al., 1995; Yilmazer, Aydiner, Ozkan, Aslay, & Bilge, 1994; Yurek
et al., 2000). Existem, contudo, outros estudos, particularmente os mais
recentes, que evidenciam que as mulheres que conservam a mama apresentam uma
melhor adaptação psicossocial, comparativamente com aquelas que efetuam
mastectomia. Especificamente, quatro dos 18 estudos analisados detectaram
diferenças significativas entre grupos cirúrgicos em algumas dimensões da
adaptação psicossocial da doente, nomeadamente na sua adaptação psicológica,
funcionamento sexual, adaptação social e adaptação global (Moyer, 1997),
autoestima, funcionamento sexual, ansiedade e depressão (Al-Ghazal,
Fallowfield, & Blamey, 2000), funcionamento físico, desempenho de papéis e
funcionamento sexual (Arndt, Stegmaier, Ziegler, & Brenner, 2008) ou na
maioria das dimensões avaliadas pelo instrumento European Organization for
Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30;
Engel, Kerr, Schlesinger-Raab, Sauer, & Holzel, 2004).
A Imagem Corporal
No Quadro_1 é possível observar que, independentemente do desenho do estudo ou
da forma de avaliação da imagem corporal, as únicas diferenças consistentemente
encontradas entre os diferentes procedimentos cirúrgicos reportam-se à imagem
corporal da mulher, observando-se, tal como esperado, que a realização de
mastectomia está associada a uma maior insatisfação com a aparência ou a
maiores dificuldades com a imagem corporal, comparativamente com realização de
cirurgia conservadora. Especificamente, dos 18 estudos que analisaram esta
variável, 15 mostraram que as doentes que realizam cirurgia conservadora
apresentam uma imagem corporal globalmente mais positiva (Al-Ghazal et al.,
2000; Arndt et al., 2008; Curran et al., 1898; Engel et al., 2004; Ganz et al.,
1992; Hartl et al., 2003; Hopwood, Haviland, Mills, Sumo, & Bliss, 2007;
Janz et al., 2005; Markopoulos et al., 2009; Moyer, 1997; Poulsen et al., 1997;
Rowland et al., 2000; Schain et al., 1994; Yilmazer et al., 1994; Yurek et al.,
2000). Em dois estudos não foi encontrada qualquer diferença entre grupos
cirúrgicos (Parker et al., 2007; Schover et al., 1995) e apenas num se
verificou que as doentes que tinham conservado a mama avaliavam a sua imagem
corporal mais negativamente (Rebelo et al., 2007).
DISCUSSÃO
Ao longo das últimas décadas assistiu-se a um debate e a uma mudança
consideráveis no campo da oncologia relativamente aos procedimentos cirúrgicos
adequados para o tratamento do cancro da mama. Subjacente a esta mudança esteve
não só a procura de uma maior eficácia clínica, mas também de uma melhor
qualidade de vida da doente. Assim, ao longo de várias décadas, passou-se da
mastectomia radical para a mastectomia radical modificada e total e para a
cirurgia de conservação da mama. Com a tendência para a implementação de
técnicas cirúrgicas mais conservadoras, surgiram vários ensaios clínicos que
vieram comprovar que a mastectomia e a cirurgia conservadora seguida de
radioterapia, em doentes em estádios iniciais do cancro da mama, apresentam
taxas de sobrevivência semelhantes. Embora nem todas as mulheres sejam
elegíveis para a conservação da mama (e.g. devido à localização ou tamanho do
tumor), quando é possível optar por este tipo de cirurgia, vários factores
devem ser ponderados no processo de decisão, tanto pela equipa médica, como
pela doente.
A possibilidade de uma melhor qualidade de vida associada à conservação da mama
era um dos principais factores que, aquando dos primeiros estudos sobre esta
temática, se julgava ser central na opção por esta cirurgia. Contudo, a
investigação não tem apoiado esta perspectiva. Os resultados encontrados, no
que se refere à influência do tipo de cirurgia na adaptação psicossocial da
doente, são mistos, ainda que a tendência evidenciada por grande parte da
investigação seja a semelhança, em termos dos principais indicadores de
adaptação, entre a cirurgia conservadora e a mastectomia. A única vantagem que
a conservação da mama parece conferir à doente relaciona-se com a manutenção de
uma imagem corporal mais positiva, comparativamente com as doentes que efetuam
mastectomia. Este resultado tem sido encontrado por diversos investigadores, ao
longo dos anos.
As discrepâncias nos resultados de adaptação podem dever-se a diversos factores
que importa salientar, nomeadamente a uma grande disparidade entre os estudos
nos instrumentos de avaliação utilizados, nas definições de constructos
centrais (e.g. qualidade de vida, perturbação psicológica) ou no desenho e
metodologia global do estudo (Kiebert et al., 1991; Moyer, 1997).
De uma forma geral, os diferentes estudos que constituem a presente revisão,
(bem como a grande maioria dos estudos sobre esta matéria) utilizaram
instrumentos distintos para avaliar a adaptação psicossocial da mulher com
cancro da mama, contabilizando-se cerca de 22 instrumentos que avaliam
variáveis como qualidade de vida, estado de humor ou sintomatologia
psicopatológica. Dentro da designação global de adaptação psicossocial, os
diferentes autores centram-se sobre constructos distintos, como qualidade de
vida (e.g. Cohen et al., 2000; Ganz et al., 1992; Hartl et al., 2003),
sintomatologia psicopatológica (e.g. Al-Ghazal et al., 2000; Hopwood et al.,
2007; Schain et al., 1995) ou estado de humor (Ganz et al., 1992; Levy et al.,
1992). Adicionalmente, mesmo quando o estudo se foca sobre uma mesma variável,
a forma de avaliação varia consoante os investigadores. Por exemplo, a
qualidade de vida é avaliada em diferentes estudos através do QLQ-C30 (Arndt et
al., 2008; Engel et al., 2004; Hartl et al., 2003; Hopwood et al., 2007; Janz
et al., 2005; Rebelo et al., 2007), enquanto noutros é avaliada através do SF-
36 Health Survey (SF-36; Rowland et al., 2000) e noutros ainda através do
Cancer Rehabilitation Evaluation System (CARES; Ganz et al., 1992).
Simultaneamente, foram analisados estudos que variam consideravelmente na
metodologia utilizada, não só no que diz respeito aos instrumentos de
avaliação, mas também no que se refere ao desenho do estudo. Dos 20 estudos
empíricos incluídos na presente revisão, sete são longitudinais e 13
transversais. Importa ainda salientar que o tempo decorrido desde o diagnóstico
ou cirurgia é muito diferente de estudo para estudo, bem como os diferentes
momentos de avaliação, quando se trata de uma investigação longitudinal.
Acresce ainda que a maioria dos estudos centra-se nos primeiros meses após o
tratamento inicial, com um período de follow-up habitualmente inferior a dois
anos (e.g. Al-Ghazal et al., 2000), sendo ainda escassos aqueles que incluem
sobreviventes de longo-termo (e.g. Dorval et al., 1998) ou estudos
longitudinais com um seguimento prolongado dos participantes (e.g. Arndt et
al., 2008; Engel et al., 2004).
As discrepâncias encontradas podem ainda dever-se à presença de potenciais
variáveis moderadoras, tais como o processo de aleatorização das doentes, a
realização de tratamento adjuvante ou a idade da doente (Moyer, 1997).
Relativamente ao processo de aleatorização, apenas em cinco estudos as
participantes foram distribuídas aleatoriamente pelos diferentes tipos de
cirurgia, não tendo tido a possibilidade de participar no processo de decisão
terapêutica. Nas restantes investigações, a informação sobre a possibilidade de
escolha da cirurgia é escassa, pelo que não podemos afirmar que nos estudos não
aleatorizadas as doentes tiverem a oportunidade de participar no processo de
decisão cirúrgica. Este factor é muito importante, podendo influenciar em
grande medida a adaptação das doentes à cirurgia e à doença em geral. A este
propósito, Kiebert et al. (1991) referiram, whether or not a choice has been
offered to the patient as well as the patients' attitude toward different
treatment modalities seem to be important factors that influence the final
impact of a treatment modality (p. 1066).
No que diz respeito à realização de tratamentos adjuvantes, tal como
enfatizaram alguns autores, nomeadamente Schover et al. (1995), os efeitos
secundários da quimioterapia podem ter um efeito muito adverso na adaptação da
mulher, nomeadamente no seu funcionamento sexual. Se os estudos que comparam os
diferentes procedimentos cirúrgicos não tiverem em conta esta variável, os
resultados não poderão ser fácil e corretamente entendidos. O mesmo se aplica a
outras variáveis, tal como a idade da doente. Globalmente, a investigação tem
mostrado que as doentes mais jovens apresentam maiores dificuldades de
adaptação, comparativamente a doentes de idade superior (habitualmente com mais
de 50 anos) (e.g. Cohen et al., 2000; Dorval et al., 1998; Levy et al., 1992).
O efeito desta variável foi claramente identificado no estudo de Dorval et al.
(1998), no qual se verificou que a idade na altura do diagnóstico modificava a
relação entre o tipo de cirurgia e a adaptação psicossocial. Especificamente, a
cirurgia conservadora associava-se a uma menor perturbação emocional em doentes
com menos de 50 anos, mas a uma pior adaptação em doentes com idades
superiores.
Em suma, ainda que os factores apontados possam influenciar os resultados e,
deste modo, condicionar e dificultar a sua interpretação, a grande maioria dos
estudos tem apontado para a semelhança adaptativa entre cirurgias,
particularmente nos primeiros meses que se seguem à cirurgia. Algumas hipóteses
explicativas destes resultados têm sido sugeridas pelos diferentes autores.
Em primeiro lugar, é importante sublinhar que vários estudos sugerem que o
potencial impacto positivo da cirurgia conservadora na adaptação da doente pode
apenas ser evidente alguns meses ou anos após o diagnóstico e tratamento
iniciais. Por exemplo, Moyer (1997), através da meta-análise que efetuou,
concluiu que o efeito positivo da cirurgia conservadora na adaptação da doente,
embora associado a um efeito estatístico de magnitude muito reduzida, era
particularmente evidente nas avaliações realizadas 12 meses ou mais após a
cirurgia. O efeito do tempo na adaptação foi também observado em outros
estudos, como no de Arndt et al. (2008), no qual se verificou que as diferenças
na QdV global e no funcionamento social entre os dois grupos cirúrgicos
aumentavam gradualmente ao longo do tempo, tornando-se estatisticamente
significativas somente cinco anos após o diagnóstico. Mais concretamente, o
funcionamento social piorava para as doentes submetidas a mastectomia e
melhorava para as que realizaram cirurgia conservadora. Já a QdV global
decrescia para ambos os grupos, embora de forma significativamente mais
acentuada nas doentes que efetuaram mastectomia. Também Cohen et al. (2000)
observaram que o efeito dos diferentes tratamentos cirúrgicos na perturbação
psicológica e QdV tornavam-se apenas evidentes alguns anos depois da cirurgia.
Concretamente, as doentes que conservavam a mama apresentavam maior perturbação
psicológica a partir dos 40 meses após a cirurgia, facto que, segundo os
autores, poderá estar associado à realização de radioterapia e a um maior medo
de recorrência apresentado por estas doentes.
Neste sentido, alguns autores têm sugerido que a semelhança adaptativa entre
cirurgias pode ser parcialmente explicada pela sobrecarga física e psicológica
associada à radioterapia. Este tratamento é invariavelmente realizado durante
os meses que se seguem à cirurgia conservadora, podendo, deste modo, impedir
que os eventuais benefícios psicológicos deste tipo de cirurgia surjam durante
este período inicial (e.g. Margolis, Goodman, & Rubin, 1990; Yilmazer et
al., 1994). Associados à radioterapia estão efeitos secundários como, por
exemplo, o cansaço generalizado ou diversas reações cutâneas (vermelhidão,
secura, sensibilidade aumentada e dor) que podem influenciar negativamente a
QdV da mulher (Lewis, 2005).
Parece haver, assim, a necessidade de se conduzirem investigações longitudinais
com um seguimento prolongado das doentes, ou mesmo estudos transversais com
sobreviventes de longo-termo, uma vez que é possível que apenas as avaliações
efetuadas alguns anos mais tarde sejam sensíveis às potenciais vantagens
adaptativas associadas à conservação da mama (Moyer, 1997). Contudo, importa
referir que os poucos estudos realizados com sobreviventes de longo-termo
tendem também a não observar diferenças significativas entre os grupos. Por
exemplo, Dorval et al. (1998), utilizando uma amostra de 124 sobreviventes,
avaliadas cerca de 8 anos após a cirurgia, não encontraram diferenças de
adaptação entre as doentes que tinham realizado mastectomia e aquelas que
tinham sido submetidas a cirurgia conservadora.
Paralelamente, alguns autores sugerem que a inexistência de benefícios
psicológicos decorrentes da conservação da mama pode ser explicada não só pela
sobrecarga adicional associada à radioterapia e por uma recuperação mais
prolongada, mas também pela falta de apoio por parte dos profissionais de
saúde, familiares ou outros membros da rede social da doente que,
frequentemente, minimizam a importância deste tipo de cirurgia (Dorval et al.,
1998; Veach, Nicholas, & Barton, 2007).
É ainda importante notar que Dorval et al. (1998), não tendo igualmente
encontrado diferenças entre grupos cirúrgicos, sublinharam que a interpretação
dos resultados deverá ter em consideração o facto de as doentes que integraram
a sua amostra terem efetuado a cirurgia antes da Consensus Development
Conference,altura em que a cirurgia conservadora era ainda considerada por
muitos doentes e clínicos um procedimento meramente experimental. Este facto
poderá ter influenciado a adaptação das mulheres que conservaram a mama que, ao
julgarem este tratamento mais arriscado poderiam ter-se sentido mais
perturbadas. O mesmo poderá eventualmente explicar os resultados observados em
estudos conduzidos anteriormente, como os de Ganz et al. (1992) ou de Levy et
al. (1992), entre outros.
Adicionalmente, alguns autores têm apontado um maior medo de recorrência da
doença nas doentes que conservam a mama como um potencial factor explicativo da
inexistência de diferenças de adaptação entre cirurgias (Dorval et al., 1998).
Inicialmente, aquando da realização dos primeiros estudos sobre esta temática,
os investigadores pensavam que o facto de a cirurgia conservadora não se
mostrar promotora de uma melhor adaptação à doença, poderia dever-se a um maior
medo de recidiva do cancro da mama, na medida em que uma menor porção de tecido
mamário era retirado. Alguns estudos apoiaram esta hipótese (Meyerowitz, 1990)
e mostraram que muitas doentes e mesmo médicos duvidavam da eficácia deste tipo
de cirurgia (Fallowfield et al., citados por Moyer, 1997). A evidência clínica
da comparabilidade dos dois tipos de procedimentos, no que se refere às taxas
de sobrevivência, permitiu uma mudança progressiva de perspectiva e uma maior
confiança, por parte dos profissionais de saúde e das doentes, na eficácia da
cirurgia conservadora.
Assim, atualmente, e ainda que os estudos sejam relativamente contraditórios,
muitos têm mostrado não existirem diferenças entre os grupos cirúrgicos no que
se refere ao medo de uma recorrência (e.g. Curran et al., 1998; Schain et al.,
1994). Na revisão da literatura efetuada por Kiebert et al. (1991), seis dos
oito estudos que analisaram este factor demonstraram a inexistência de
diferenças entre cirurgias, sendo que nos restantes dois estudos, um maior
receio era relatado pelas doentes que tinham efetuado mastectomia. Já na
revisão de Schover (1991), os seis estudos referentes a este tema apresentaram
resultados mais contraditórios, na medida em que dois não apontaram qualquer
diferença, um mostrou que a cirurgia conservadora se associava a um maior medo
de recorrência e três evidenciaram o contrário. Por fim, na revisão de Moyer
(1997), observou-se um efeito significativo, ainda que de pequena magnitude,
indicativo de um maior medo de recorrência nas doentes submetidas a
mastectomia.
Deste modo, se por um lado a excisão de uma menor porção de tecido mamário pode
conduzir a um maior receio de que nem todas as células cancerígenas tenham sido
eliminadas e de que, posteriormente, ocorra uma recidiva da doença, por outro
lado, e de acordo com alguns autores, como Aaronson, Bartelink, van Dongen e
van Dam (1988), a mutilação física associada à mastectomia pode funcionar como
uma recordação constante da ameaça da doença, aumentando o receio referido.
Relativamente à imagem corporal da mulher com cancro da mama, os resultados
encontrados são robustos, na medida em que diferentes estudos têm mostrado que
a preservação da mama proporciona uma imagem corporal mais positiva,
independentemente da forma como cada investigador define, operacionaliza e
avalia este constructo. Efetivamente, não existe ainda uma definição consensual
de imagem corporal na Psico-Oncologia (White, 2000), o que tem originado uma
grande disparidade na forma como cada autor operacionaliza este conceito nos
seus estudos. Paralelamente, a grande maioria dos investigadores tem avaliado a
imagem corporal através de diferentes instrumentos de avaliação da QdV ou, mais
raramente, de instrumentos específicos de imagem corporal, não existindo,
consequentemente, uma uniformidade entre as diferentes investigações. As
limitações apontadas são visíveis nos estudos que integram a presente revisão.
Por exemplo, Arndt et al. (2008) avaliaram a imagem corporal através do módulo
BR23 do instrumento QLQ-C30; Hopwood et al. (2007) utilizaram a Body Image
Scale (BIS); já Schover et al. (1995) recorreram à Body Esteem Scale (BES),
apenas para citar alguns exemplos.
A propósito da robustez deste resultado, Moyer (1997) refere the largest and
most robust effect size, showing benefits for breast conserving surgery for
body/self-image, is already a firmly established finding (p. 290).
Adicionalmente, esta autora considera que este é um resultado de extrema
importância, tendo em conta a influência que a própria imagem corporal tem
noutras áreas de adaptação, nomeadamente no funcionamento psicológico,
conjugal, social e mesmo físico da mulher.
Apesar da estabilidade dos resultados evidenciados, tal não significa que todas
as mulheres que efetuam cirurgia conservadora se sintam satisfeitas com o seu
corpo e/ou com a aparência da sua mama. Por exemplo, no estudo de Schain et al.
(1994), 10% das mulheres que conservaram a mama relataram sentir-se perturbadas
com a aparência do seu corpo, facto que se mantinha ao longo dos 24 meses em
que foram avaliadas. Vários factores, nomeadamente determinadas características
individuais, podem contribuir para a explicação da insatisfação observada
nestes casos. O investimento na aparência, ou seja, a importância atribuída à
aparência física (Cash, 2002; Nazaré, Moreira & Canavarro, 2010), pode
constituir-se, neste contexto, como um factor explicativo relevante, na medida
em que uma maior valorização da imagem corporal tem vindo a mostrar-se
associada a uma maior insatisfação com a mesma (Carver et al., 1998; Moreira
& Canavarro, 2010), mesmo quando as alterações na aparência são reduzidas,
como acontece na maioria das cirurgias conservadoras da mama. Embora não
assumindo a designação mais atual de investimento, Schain et al. (1994), no
estudo referido, apontaram também este factor, referindo que para as mulheres
para quem a aparência física constitui um contributo determinante para o seu
autovalor e autoestima, a conservação da mama pode ser um factor crítico na
manutenção do bem-estar psicológico. No mesmo sentido, também Hopwood et al.
(2007) referem que a importância da aparência para o indivíduo e a preferência
por determinado tipo de cirurgia podem ser factores determinantes na adaptação
às alterações na imagem corporal do doente, devendo, por isso, ser
cuidadosamente analisadas.
Adicionalmente, outros factores, como o tempo decorrido desde o diagnóstico ou
determinadas características sociodemográficas (e.g. idade, estado civil) e
clínicas (e.g. realização de quimioterapia ou de cirurgia reconstrutiva), podem
também desempenhar um papel importante na explicação das diferenças individuais
na (in)satisfação com a aparência, independentemente do tipo de cirurgia
(Parker et al., 2007). Contudo, a maioria dos estudos não tem considerado estas
variáveis ao analisar o papel da cirurgia, o que pode limitar a interpretação
dos resultados (Parker et al., 2007; Schover et al., 1995). Por exemplo, é
fundamental analisar se as doentes que apresentam uma imagem corporal mais
negativa efetuaram quimioterapia ou outro tratamento adjuvante com repercussões
na sua aparência física; se são mulheres jovens e pré-menopáusicas; se
efetuaram ou iniciaram o processo de reconstrução mamária, entre outros
aspectos. Só assim se poderá compreender inteiramente o papel da cirurgia na
imagem corporal e, de uma forma geral, na adaptação ao cancro da mama. Alguns
estudos tiveram já em linha de conta a influência destas variáveis (e.g. Arndt
et al., 2008; Engel et al., 2004; Parker et al., 2007).
Em suma, se, por um lado, a mastectomia apresenta como desvantagem a amputação
da mama e consequente alteração da imagem corporal da doente, por outro lado, a
cirurgia conservadora, por estar associada à radioterapia, encontra-se
associada a um percurso de tratamentos mais prolongado, a um conjunto de
efeitos secundários decorrentes da radioterapia, e a um possível maior medo de
recorrência da doença. Os efeitos adversos de uma e outra cirurgia podem,
assim, compensar-se mutuamente, conduzindo a resultados adaptativos muito
semelhantes. Deste modo, consideramos que, não obstante a extensão da
investigação realizada nesta área particular, são muitas as questões que
continuam por responder, sendo que muitas outras poderiam ainda ser levantadas.
A implementação de estudos longitudinais, que contemplem o seguimento das
doentes em intervalos regulares de tempo durante um período de alguns anos após
a cirurgia, e que, simultaneamente, considerem a influência das potenciais
variáveis moderadoras assinaladas, é ainda necessária para a clarificação dos
resultados encontrados nesta área.
Assim, os resultados dos vários estudos apresentados não permitem determinar
qual o tipo de cirurgia mais adequado, ou seja, aquele que poderá promover uma
melhor adaptação psicossocial da doente, ainda que nos possibilitem afirmar que
a conservação da mama promove, efetivamente, uma imagem corporal mais positiva.
Deste modo, na linha do defendido por Moyer (1997), julgamos que mais do que
defender rigidamente um tipo de cirurgia em detrimento de outro, importa
incluir a doente no processo de tomada de decisão terapêutica.
Tendo em conta que a mastectomia e a cirurgia conservadora apresentam taxas de
sobrevivência semelhantes em cancros da mama diagnosticados em estádios
iniciais, o envolvimento da doente no processo de tomada de decisão adquire
neste contexto um papel extremamente relevante. Por exemplo, para as doentes
que apresentam um maior investimento na sua aparência, fará provavelmente mais
sentido efetuar uma cirurgia conservadora ou de reconstrução, se clinicamente
for possível. No entanto, outras doentes que, por exemplo, apresentem um receio
intenso de uma recorrência da doença, poderão preferir a realização de
mastectomia. Este tipo de cirurgia poderá também ser preferencialmente
escolhido por doentes que não desejem realizar radioterapia, evitando deste
modo um percurso de tratamentos mais prolongado, bem como os possíveis efeitos
secundários que poderão advir deste tratamento.
De uma forma geral, a investigação tem mostrado que, embora nem todas as
doentes pretendam envolver-se no processo de decisão, a maioria expressa o
desejo de colaborar com a equipa médica no mesmo (Degner te al., 1997; Keating,
Guadagnoli, Landrum, Borbas, & Weeks, 2002). Outros estudos mostram ainda
que as doentes que têm oportunidade de participar neste processo apresentam
geralmente melhores resultados psicológicos, nomeadamente níveis inferiores de
ansiedade e depressão, uma atitude mais otimista em relação ao futuro e um
melhor funcionamento físico e psicológico (Moyer & Salovey, 1996).
Assim, sempre que possível, a doente deve ser chamada a participar no processo
de tomada de decisão, devendo ser informada de todos os aspectos associados a
um e outro tipo de cirurgia para que a sua decisão possa ser informada e
ponderada. Mesmo quando a doente prefere adoptar um papel mais passivo neste
processo, é fundamental que a equipa médica forneça à doente informação
suficiente e adequada sobre as diferentes possibilidades cirúrgicas adequadas
ao seu caso.