Versão portuguesa do mother and baby scales (mabs)
A gravidez e a maternidade são períodos marcados por um grande número de
mudanças a nível biológico, psicológico e social. O parto, momento que marca
esta transição, é considerado um momento muito importante na vida da mulher e a
forma como esta o vivencia é determinante para o seu bem-estar psicológico, bem
como, para a futura relação com o bebé e outras figuras significativas (Costa,
Figueiredo, Pacheco, Marques & Pais, 2004).
O parto, por si só, não é um acontecimento neutro pois mobiliza grandes níveis
de ansiedade, medo, excitação e expectativa que põem à prova a competência
feminina de gerar, a competência materna de cuidar, a competência física de
suportar as dores, e, ainda, a alimentação do filho através da amamentação
(Lopes, Donelli, Lima & Piccinini, 2005).
Esta nova díade reveste-se de novos desafios que se prendem essencialmente com
a adopção de novos papéis e responsabilidades relativos ao cuidar do bebé.
Trata-se de uma relação exigente, muitas vezes frustrante e que pode
desencadear sentimentos de incapacidade na prestação de cuidados ao recém-
nascido.
O Mother and Baby Scales (MABS) surge neste sentido e pretende constituir um
importante elemento de detecção de situações de risco, podendo deste modo,
encaminhar as mães para técnicos especializados, de forma a promover o bem-
estar da mãe e consequentemente do recém-nascido. O MABS foi desenhado como
complemento da Escala de Avaliação Comportamental Neonatal (NBAS).
O NBAS foi desenvolvido em 1973 pelo Dr. T. Berry Brazelton e seus colegas. No
final dos anos 70, o NBAS começou a ser utilizado mais frequentemente na
demonstração das habilidades individuais neonatais (Widmayer & Field,
1980). É um guia que ajuda os pais, os prestadores de cuidados de saúde e
investigadores a compreender a linguagem do recém-nascido.
Esta escala (NBAS) considera uma ampla gama de comportamentos e é adequada para
analisar os recém-nascidos e lactentes até dois meses de idade. No final da
avaliação, o examinador tem um "retrato" do comportamento da criança,
descrevendo os pontos fortes do bebé, respostas de adaptação e possíveis
vulnerabilidades. Através desse retrato, permite desenvolver estratégias
adequadas de cuidados que visa reforçar a primeira relação entre bebés e pais.
No entanto, diversos factores constituiram-se como dificuldades na aplicação
desta escala, dando origem ao MABS, como expõe Wolke (1995):
(1) Demonstrar o NBAS aos pais ou ajudá-los a administrá-lo é pouco provável
que por si só tenha implicações a longo prazo nos cuidados e no desenvolvimento
do bebé;
(2) Pais e mães não são observadores cientificos do seu bebé; estão
emocionalmente envolvidos e têm preconceitos relativamente ao comportamento do
seu filho;
(3) A percepção dos pais acerca do seu bebé está contaminada pelo comportamento
objectivo do bebé, bem como pelas expectativas e características parentais.
A escala MABS foi especificamente desenvolvida por St. James-Roberts e Wolke em
1987 (Wolke, 1995) para avaliar a confiança da mãe na prestação de cuidados ao
bebé, nomeadamente, avalia a emocionalidade negativa dos recém-nascidos e os
seus comportamentos de alerta, assim como as percepções dos pais acerca da sua
própria confiança na prestação de cuidados ao bebé.
Neste artigo apresentamos a versão validada para a população portuguesa e os
resultados decorrentes de dois estudos realizados para esse efeito.
MÉTODO
A avaliação das propriedades psicométricas foi realizada numa amostra de 430
puérperas (Estudo 1), na qual o modelo de 8 fatores mostrou um ajuste pobre
para a matriz de variância-covariância dos itens da escala. Assim, para
melhorar a validade fatorial da estrutura de 8 fatores, itens com pesos
fatoriais menores que 0,4 e os índices de modificação sugerindo correlações
saturadas em fatores diferentes dos originais foram removidos.
O modelo melhorado com apenas 30 dos itens originais mostrou um bom ajuste para
a estrutura de 8 fatores. A estabilidade da nova escala reduzida foi
posteriormente testada numa amostra independente de 200 puérperas (Estudo 2).
Material
O Mother and Baby Scales (MABS) encontra-se dividido em duas grandes áreas: O
seu bebé e os seus sentimentos e A alimentação do meu bebé (ao longo dos
últimos dias). As respostas aos itens são do tipo Likert e variam entre 0 (de
maneira nenhuma) e 5 (muito/ muitas vezes). As sub-escalas relativas ao recém-
nascido foram desenvolvidas para reflectir os comportamentos que ocorrem
naturalmente no bebé: 1- Instabilidade/Irregularidade (15 itens), designada na
escala original por UI; 2- Irritável durante a alimentação (8 itens) designada
de IDF na escala original; 3- Estado de alerta/Reactividade (8 itens),
designada de A na escala original; 4- Estado de alerta durante a alimentação (5
itens), designada na escala original por ADF e 5- Facilidade (3 itens),
designada por E na escala original. Quanto à confiança materna, existem três
sub-escalas: 6- Falta de confiança nos cuidados a prestar ao bebé (13 itens que
avaliam os sentimentos maternos de auto-eficácia em situações não alimentares),
designada por LCC na escala original; 7- Falta de confiança para alimentar o
bebé (8 itens que avaliam a confiança materna para alimentar eficientemente o
bebé), designada na escala original por LCF; 8- Confiança global (3 itens que
avaliam as impressões da mãe sobre a sua confiança global), designada por GC na
escala original.
As subescalas 1, 2, 3, 4, 6 e 7 são cotadas totalizando os itens individuais
por cada subescala separadamente. As pontuações que necessitam de ser
invertidas (i.e., 0 é cotado como 5, 1 como 4, 2 como 3, 3 como 2, 4 como 1, 5
como 0) são indicadas na própria escala (R na coluna da esquerda). As
subescalas 5 e 8 têm pontuações de -3 a +3, necessitando de ser convertidas da
seguinte forma: -3 = 1, -2 = 2, -1 = 3, +1 = 4, +2 = 5, +3 = 6. As pontuações
convertidas são totalizadas separadamente para CG (GC na MABS original) e F (E
na MABS original), respectivamente.
Foi também utilizado um questionário demográfico com o objectivo de
caracterizar os participantes, recolhendo informações como a idade, etnia,
escolaridade e estado civil.
Procedimentos
Primeiramente, foi efectuado um pedido de tradução e validação da referida
escala ao Professor Dieter Wolke, o qual nos foi autorizado.
A realização desta investigação cumpriu os procedimentos exigidos pela Comissão
de Ética para a Saúde da Maternidade Dr. Alfredo da Costa no sentido de obter a
necessária autorização para a recolha da amostra.
A recolha para o estudo 1 decorreu entre Outubro de 2009 e Julho de 2010 e para
o estudo 2, entre Janeiro e Abril 2012. A recolha da amostra foi feita nas
enfermarias de puérperas e a mulheres a partir do segundo dia de puerpério.
Após a apresentação da investigação e dos seus objectivos bem como na
distribuição da folha de informação e assinatura do consentimento informado
pelas interessadas, foram entregues os questionários de auto-preenchimento.
Foram critério de exclusão o analfabetismo e/ou desconhecimento da língua
Portuguesa. As instruções dadas referiam-se à necessidade da leitura atenta das
questões, à não existência de respostas certas ou erradas e à necessidade de
que a resposta dada correspondesse o mais possível ao caso pessoal.
Procedimentos estatísticos
As qualidades psicométricas da MABS foram avaliadas nas suas facetas da
Sensibilidade, Validade e Fiabilidade. A sensibilidade de cada item foi
avaliada pela medias de forma Assimetria (Sk) e Curtose(Ku). Valores absolutos
destas estatísticas inferiores a 3 e 7, respectivamente, são indicadores de
sensibilidade psicométrica e ajustamento próximo à distribuição normal (v.
Maroco, 2010). A validade fatorial foi avaliada por intermédio de uma Análise
Fatorial Confirmatória realizada com o software AMOS.
A validade externa do modelo refinado foi efectuada numa segunda amostra com
200 participantes de características sócio-demográficas da amostra de teste
(n=430). A invariância configuracional do modelo factorial foi avaliada pela
qualidade do ajustamento do modelo refinado às duas amostras (de teste com
n=430 e de validação externa com n=200). A invariância de medida fraca foi
avaliada com uma análise multigrupos usando o teste de diferença de 〈2 entre os
modelos com pesos fatoriais fixos e pesos fatoriais livres nas duas amostras. A
invariância de medida forte foi avaliada também com o teste de diferenças de 〈2
entre modelos com pesos fatoriais as covariâncias entre os fatores livres vs.
restritos nas duas amostras.
Estudo 1 ' Avaliação das qualidades factoriais da MABS original
Participantes
Esta amostra é constituída por 430 puérperas utentes da Maternidade Dr. Alfredo
da Costa em Lisboa. Os sujeitos da amostra têm idades compreendidas entre 15 e
44 anos, com uma média de 29,80 anos .(DP=5,75)
Na sua maior parte, as participantes são caucasianas (84,9%) e de religião
católica (70,5%). Apenas 4,6% não tem a escolaridade mínima obrigatória, 27,3%
tem o ensino básico, 32,1 % o ensino secundário, e a maioria o ensino superior
(36%).
Para a avaliação do estatuto social e económico, foi utilizada a categorização
de Simões (1994). De acordo com os critérios definidos nesta classificação, as
puérperas do estudo pertencem na sua maioria a um nível sócio-económico Médio
(45,6%), seguindo-se o nível Baixo (21,8%) e o nível mais Elevado (17%). As
restantes são estudantes (4,2%) ou estão desempregadas (11,6%).
A maioria das puérperas é casada ou vive em regime de coabitação (68,9%), um
reduzida percentagem é divorciada ou separada (3,5%) e as solteiras registam
uma percentagem de 27,6%. Mais de metade da amostra está perante um primeiro
parto (60%) e as restantes já tiveram filhos anteriormente (40%). Quanto ao
tipo de parto, a amostra pode dividir-se em parto eutócico (52,7%) ou parto
distócico (47,3%).
As características gerais da amostra encontram-se sumariadas no Quadro 1.
Quadro 1
Características gerais da amostra
RESULTADOS
A qualidade do modelo fatorial foi avaliada com os índices X2/gl, CFI, GFI, TLI
e RMSEA usando como valores de referência indicadores de um bom ajustamento os
descritos em Maroco (2010) a saber: X2/gl próximo de 2; CFI, GFI e TLI
superiores a 0,9 e RMSEA inferior a 0,05.
Sensibilidade
De acordo com Kline (1998), nenhum dos itens apresenta valores absolutos de
curtose superiores a 3 ou de achatamento superiores a 7 que comprometam a
sensibilidade dos itens do MABS como avaliado nesta amostra.
Validade Factorial
Os indicadores de qualidade de ajustamento indicam que esta estrutura factorial
se ajustou mal à amostra do estudo (X2/gl=2,6, CFI=0,68, GFI=0,71, TLI=0,66,
RMSEA=0,06). A análise dos pesos factoriais e da fiabilidade individual revela
a existência de vários itens que são manifestações pobres dos respectivos
factores (pesos factoriais inferiores a 0,45; fiabilidade individual inferior a
0,20)
Assim, tendo em conta também a análise dos índices de modificação, que
identificou vários itens que se apresentavam saturados em fatores diferentes
dos originais, e para os quais não se encontrou fundamentação teórica,
procedeu-se ao refinamento do modelo eliminando esses itens.
Estudo 2 ' Estudo de validação da MABS reduzida
Participantes
Esta amostra de re-teste é constituída por 200 puérperas utentes da Maternidade
Dr. Alfredo da Costa em Lisboa. Os sujeitos da amostra têm idades compreendidas
entre 15 e 45 anos, com uma média de 30,71 anos (DP=5,81).
A grande maioria das participantes são caucasianas (91,4%) e de religião
católica (71,7%).
Apenas 0,5% não tem a escolaridade mínima obrigatória, 28,1% tem o ensino
básico, 29,7 % o ensino secundário, e a maioria o ensino superior (40,6%).
Para a avaliação do estatuto social e económico, foi utilizada a categorização
de Simões (1994). De acordo com os critérios definidos nesta classificação, as
puérperas do estudo pertencem na sua maioria a um nível sócio-económico Médio
(34,7%), seguindo-se o nível mais Elevado (32,1%) e nível Baixo (14,6%). As
restantes são estudantes (6,5%) ou estão desempregadas (11,6%).
Quanto ao estado civil, temos na mesma percentagem puérperas casadas/coabitação
e puérperas solteiras (47,2%) e uma reduzida percentagem é divorciada ou
separada (5%).
Mais de metade da amostra está perante um primeiro parto (59,3%) e as restantes
já tiveram filhos anteriormente (40,7%). Quanto ao tipo de parto, a amostra
pode dividir-se em parto eutócico (54,3%) ou parto distócico (45,7%).
As características gerais da amostra encontram-se sumariadas no Quadro 2.
Quadro 2
Características gerais da amostra de re-teste
RESULTADOS
Com o objetivo de avaliar a validade externa da MABS reduzida, avaliou-se, por
intermédio de uma análise multigrupos, a estabilidade fatorial e a invariância
de medida numa amostra independente da primeira (N=200). O modelo ajustado às
duas amostras apresentou um ajustamento aceitável, dois dos índices GFI e CFI
estão no limite do aceitável e dois índices X2/gl e RMSEA indicam um bom
ajustaento (X2/df=1,87; CFI=0,88; GFI=0,87; RMSEA=0,04; P(RMSEA〈0,05)=1)
demonstrando a invariância configuracional do modelo nas duas amostras. O teste
de diferenças de 〈2 demonstrou também a invariância de medida fraca (〈X2
(22)=39,40; p=0,13). Contudo, a invariância de medida forte não foi observada
(〈X2(36)=66,41; p=0.002).
Fiabilidade
A fiabilidade dos 8 factores da Escala MABS reduzida foi estimada pelo a de
Cronbach (Quadro 3).
Quadro 3
alfa de Cronbach dos 8 factores da escala original e da versão reduzida
Na versão reduzida apresentada, e de acordo com a descrição de Maroco e Garcia-
Marques (2006), a consistência interna dos factores I (Instabilidade), II
(Irritável durante a alimentação), III (Estado de alerta/Reatividade), VI
(Falta de confiança nos cuidados a prestar ao bebé), VII (Falta de confiança
para alimentar o bebé) e VIII (Confiança global) é elevada, sendo baixa nos
fatores IV (Estado de alerta durante a alimentação) e V (Facilidade).
DISCUSSÃO
A análise fatorial confirmatória revela que a validade do MABS na presente
amostra não é adequada: existem vários itens com pesos fatoriais inferiores a
0.4 comprometendo a qualidade do ajustamento da estrutura fatorial original na
presente amostra. Adicionalmente, 4 dos 8 fatores propostos apresentavam
fiabilidade reduzida. Estes dados sugerem que alguns dos itens da MABS
necessitam ser reformulados ou mesmo eliminados atendendo ao seu impacto
penalizador nas qualidades psicométricas dos dados recolhidos com este
instrumento. Assim, procedeu-se à remoção de alguns itens que se revelaram
problemáticos na amostra de teste sob estudo. A versão reduzida da MABS é
constituída por 30 itens que definem 8 factores de acordo com a proposta
inicial de Wolke (1995). Esta versão apresenta adequada validade fatorial,
invariância configuracional e invariância de medida fraca num amostra
independente da amostra de teste suportando a validade externa da versão
reduzida da MABS. A Fiabilidade revela-se elevada na maioria das dimensões:
Instabilidade, Irritável durante a alimentação, Estado de alerta/Reatividade,
Falta de confiança nos cuidados a prestar ao bebé, Falta de confiança para
alimentar o bebé e Confiança global, e baixa apenas em duas dimensões: Estado
de alerta durante a alimentação e Facilidade.
Nota-se porém, o que já acontecia com a versão original, que alguns fatores
apresentam poucos itens, comprometendo assim a estimação da fiabilidade pelo
alfa de Cronbach que é função direta do número de itens do fator.