Análise Fatorial do Inventário de Burnout de Maslach (MBI-HSS) em profissionais
portugueses
O Burnout tem sido definido como uma resposta prolongada a stressores
interpessoais crónicos no trabalho. Para a maioria dos autores, o Burnout
sobrevém da perceção por parte do sujeito de uma discrepância entre os esforços
realizados e os alcançados no seu trabalho (Montero-Marín, García, Campayo,
Mera, & Hoyo, 2009; Schaufeli, Bakker, Hoogduin, Schaap, & Kadler,
2001; Schaufeli & Buunk, 1996). Sucede com frequência nos profissionais que
trabalham diretamente com clientes necessitados ou problemáticos. Caracteriza-
se por três dimensões chave: exaustão emocional, despersonalização e redução da
realização pessoal (Maslach, 1981; Maslach, Schaufeli, & Leiter, 2001). Por
exaustão emocional entende-se um esgotamento dos recursos emocionais, morais e
psicológicos da pessoa. A despersonalização representa uma distanciação afetiva
ou indiferença emocional em relação aos outros, nomeadamente àqueles que são a
razão de ser atividade profissional (pacientes, clientes, etc). A realização
pessoal exprime uma diminuição dos sentimentos de competência e de prazer
associados ao desempenho de uma atividade profissional (Maroco & Tecedeiro,
2009).
A preocupação com o diagnóstico e avaliação da Síndrome de Burnout foi estando
presente desde os primórdios das investigações, que foram emergindo acerca do
constructo. Embora existam vários instrumentos para avaliar o Burnout, o que se
revelou mais promissor e mais difundido nas investigações empíricas, em cerca
de 90%, foi o Maslach Burnout Inventory (1981) (MBI). Este instrumento foi
desenvolvido por Christina Maslach e Susan Jackson, cujo objetivo visava
avaliar o Burnout em profissionais que trabalhavam em áreas dos serviços
humanos e de saúde (Halbesleben & Demerouti, 2005; Hallberg & Sverke,
2004; Kalliath, O'Driscoll, Gillespie, & Bluedorn, 2000; Kristensen,
Borritz, Villadsen, & Christensen, 2005; Maslach et al., 1981; Moreno-
Jimenez, 2007; Richardsen & Martinussen, 2004; Schaufeli et al., 1996;
Seisedos, 1997; Vanheule, Rossel, & Bogaerts, 2005; Vanheule, Rosseel,
& Vlerick, 2007). Foi construído com base em entrevistas junto de
profissionais que trabalhavam num contexto assistencial. Assim, as três
dimensões do MBI não foram deduzidas teoricamente, mas de itens exploratórios
inicialmente recolhidos para refletir a variedade de experiências associadas ao
fenómeno Burnout (Maslach et al, 1981; Moreno-Jimenez, 2007; Qiao &
Schaufeli, 2011; Schaufeli et al., 2001; Schutte, Toppinen, Kalimo, &
Schaufeli, 2000; Shirom, 2003). Face ao crescente interesse neste fenómeno foi
rapidamente expandido a outras profissões, que não se encontravam associadas
aos serviços humanos.
Deste modo, existem, atualmente, três versões distintas em função da área
profissional: a 1ª versão, Maslach Burnout Inventory ' Human Services Survey
(MBI-HSS), destinado a profissionais de saúde (22 itens); a segunda versão,
Maslach Burnout Inventory ' Educators Survey (MBI-ES), adaptado ao contexto
educacional (22 itens) e a terceira versão, Maslach Burnout Inventory ' General
Survey (MBI-GS), mais genérica, adaptada à população trabalhadora em geral, com
16 itens (Borritz, 2006; Carlotto & Câmara, 2007; Hallberg et al, 2004;
Kalliath et al, 2000; Kristensen et al, 2005; Maroco et al, 2009; Maroco,
Tecedeiro, Martins, & Meireles, 2008; Moreno-Jimez, 2007; Schutte et al,
2000; Semedo, 2009; Shirom & Melamed, 2006). Todas as versões anteriormente
citadas possuem uma estrutura tri-fatorial, obedecendo à conceptualização do
Burnout proposta por Christina Maslach.
Quanto à sua composição, o MBI-HSS compreende 22 afirmações que incidem sobre
sentimentos e atitudes relacionados com o trabalho e com os clientes, divididos
por três dimensões: Exaustão emocional (nove itens), Despersonalização (cinco
itens) e Realização Pessoal (oito itens). A resposta é dada sobre a frequência
com que cada sentimento ocorre numa escala ordinal que varia entre 0 Nunca a
6 Todos os dias. A escala não permite o cálculo de uma pontuação global de
Burnout. Assim, considera-se que um sujeito tem Burnout quando obtém resultados
elevados na dimensão exaustão emocional e despersonalização e baixa realização
pessoal (Carlotto et al, 2007; Hallberg et al, 2004; Kristensen et al, 2005;
Maroco et al, 2008; Maroco et al, 2009; Maslach et al, 1981; Moreno-Jimenez,
2007; Qiao et al, 2011; Richardsen et al, 2004; Schaufeli et al, 1996;
Schaufeli et al, 2001; Seisdedos, 1997; Semedo, 2009; Shirom, 2003; Vanheule et
al, 2007).
No que se refere às suas propriedades psicométricas, o Maslach Burnout
Inventory, nas suas três versões, têm sido alvo de diversos estudos. Estes têm
sido desenvolvidos nos mais variados contextos profissionais e em diferentes
países que não de origem anglo-saxónica. O MBI-HSS, na sua versão original,
apresenta uma boa consistência interna, dado que os valores de Alfa de Cronbach
obtidos foram: para a exaustão emocional (0,90); despersonalização (0,79) e
para a realização pessoal (0,71) (Carlotto et al, 2007; Lara, Moreno-Jimenez,
Muñoz, Benadero, & Viveros, 2008; Manso-Pinto, 2006; Maslach et al, 1981;
Seisdedos, 1997; Semedo, 2009; Rohland, Kruse, & Rohrer, 2004). Todavia, ao
analisarem-se os resultados alcançados por outras investigações, na sua maioria
realizadas fora dos EUA, observa-se que os fatores exaustão emocional e
realização pessoal apresentam valores de Alfa de Cronbach mais aceitáveis, que
oscilam entre 0,79 a 0,91 para a exaustão emocional e 0,69 a 0,87 para a escala
realização pessoal (Carlotto et al, 2007; García, Remuzgo, & Fuentes, 2007;
Manso-Pinto, 2006; Rohland et al, 2004; Wilke, Román, & Faúndez, 2012).
Porém, nalguns estudos as pontuações alcançadas na dimensão despersonalização
são substancialmente inferiores (a= 0,42 e a= 0,66). (Carlotto et al, 2007;
Córdoba et al, 2011; Faúndez & Gil-Monte, 2009; García et al, 2007; Gil-
Monte, 2005; Gil-Monte & Faúndez, 2011; Lara et al, 2008; Maslach,
Schaufeli, & Leiter, 2001; Richardsen et al, 2004; Semedo, 2009; Wilke et
al, 2012)
Em relação à estrutura fatorial do MBI-HSS, constata-se que, na sua maioria, os
estudos são de caracter exploratório recorrendo para o efeito a analises
fatoriais exploratórias (AFE), quer seja mediante rotação ortogonal ou rotação
oblíqua, com extração de fatores pelo método das componentes principais. Alguns
estudos favorecem uma solução de três fatores, no entanto outros há, que
obtiveram quatro fatores, cinco fatores e seis fatores. (Carlotto et al, 2007;
Faúndez et al, 2009; Garcia et al, 2007; Kalliath et al, 2000; Semedo, 2009;
Vanheule et al, 2007; Wilke et al, 2012) Esta variabilidade da dimensionalidade
fatorial pode ser contudo, não uma propriedade do instrumento, mas sim um
artefacto das análises (exploratórias) e/ou das amostras estudadas. Contudo, em
estudos recentes, onde o conceito tem sido analisado sobre uma perspetiva
teórica, são proferidas críticas e reflexões acerca da dimensionalidade do
Burnout, na medida em que estas reflexões sugerem a existência de dois fatores
apenas, em vez de três, dado que do ponto de vista empírico, a maioria dos
estudos referem que a realização pessoal apresenta uma fraca correlação com as
outras duas dimensões (Halbesleben et al, 2005; Hallberg et al, 2004; Maroco
& Campos, 2012; Qiao et al, 2011; Schaufeli & Taris, 2005; Shirom,
2003). Alguns autores sugerem inclusive que a baixa realização pessoal é uma
consequência e não uma faceta do Burnout (Demerouti et al. 2003; Kristensen et
al 2005; Maroco et al, 2012)
No entanto, na sequência de algumas limitações proferidas acerca das limitações
da AFE e ACC, um número considerável de estudos tem recorrido à análise
fatorial confirmatória (AFC), sendo recomendado, pelos autores do instrumento,
que se assuma uma estrutura de três fatores. Outros autores têm sugerido a
eliminação dos itens 12 e 16 quer a partir de resultados empíricos quer de
reflexões teóricas sobre a relevância destes itens para a definição do
construto (Córdoba et al, 2011; Hallberg et al, 2004; Kalliath et al, 2000;
Lara et al, 2008; Maroco et al, 2009; Maroco et al, 2008; Qiao et al, 2011;
Richardsen et al, 2004; Schaufeli et al, 2001; Schutte et al, 2000; Wilke et
al, 2012).
Todavia, a forma como se encontram redigidos os itens na escala, também têm
sido assinalados, nomeadamente por Demerouti et al (2001), como uma das
fragilidades do MBI-HSS. De acordo com os autores, os itens das três subescalas
não são redigidos no mesmo sentido. Observa-se que nas dimensões exaustão
emocional e despersonalização os itens se encontram formulados na negativa,
enquanto na realização pessoal, os itens são formulados na positiva. Ora, para
alguns autores, a formulação unidimensional dos itens dentro de cada subescala
poderia influenciar a validade das mesmas (Halbesleben et al, 2005; Kristensen
et al, 2005; Qiao et al, 2011; Schaufeli et al, 2005; Taris, Le Blanc,
Schaufeli, & Schreurs, 2005).
Por sua vez, Kristensen et al. (2005) tecem críticas quanto à forma como se
apura o escore de cada dimensão, dado que não é possível apurar uma pontuação
global, o que no entender dos investigadores poderá significar que estamos
perante um conceito de três variáveis moderadamente correlacionadas (Kristensen
et al, 2005; Schaufeli et al, 2005; Shirom, 2003; Shirom et al, 2006; Taris et
al, 2005). Adicionalmente, estes autores consideram que o que poderá contribuir
para a discrepância nos estudos de adaptação do MBI para outras línguas, poderá
dever-se mais ao género, cultura e contexto socioeconómico, do que propriamente
devido a questões técnicas da tradução, pois não será de descurar que foi
criado para a população americana. Outra crítica que emerge da literatura
prende-se com o fato de o MBI apenas concentrar-se em componentes afetivos da
exaustão emocional, em contraste com o que é proferido por outros autores que
sugerem que a dimensão exaustão deve incluir outros aspetos, nomeadamente
cognitivos e físicos, de modo a obter a natureza da exaustão que é
experimentada como resultado do stress ocupacional (Halbesleben et al, 2005;
Kristensen et al, 2005; Qiao et al, 2011; Schaufeli et al, 2005; Shirom, 2003).
A realidade portuguesa demonstra que a maioria dos estudos empíricos incide em
áreas associadas à saúde e toxicodependência, embora mais recentemente tenham
sido desenvolvidos estudos no âmbito da educação e forças de segurança (Maroco
et al., 2009; Pires, Mateus, & Câmara, 2004; Ribeiro, Gomes, & Silva,
2010; Roque & Soares, 2012; Semedo, 2009; Viegas & Patrão, 2012).
Todavia, observa-se a existência de poucos estudos acerca das qualidades
psicométricas do Inventário de Burnout de Maslach ' Human Services Survey (MBI-
HSS) (Maroco et al, 2009; Melo, Gomes, & Cruz, 1999; Semedo, 2009)
Em virtude de em Portugal não se disporem de muitos dados publicados acerca da
validade e fiabilidade do MBI-HSS, decidiu-se levar a cabo este estudo, tendo-
se definido como objetivo: avaliar a validade fatorial e a fiabilidade do MBI-
HSS, numa amostra de profissionais que trabalham no âmbito da intervenção
social.
MÉTODO
Participantes
Os participantes são 363 colaboradores de Instituições Particulares de
Solidariedade Social, que trabalham, direta ou indiretamente, com idosos e
doentes crónicos e que aceitaram participar voluntariamente neste estudo. As
respostas sociais consideradas foram lar (35%), serviço de apoio domiciliário
(28,7%), centro de dia (16,5%) e cuidados continuados (1,7%). A média de idade
dos participantes situa-se nos 43,2 anos (DP= 10,7). A maioria dos
participantes é do género feminino (92,3%) e apenas 7,7% são do género
masculino. No que se refere às habilitações literárias verifica-se que 32% tem
o 3º Ciclo (7º ao 9º ano), 18,2% têm a Secundária (10º ao 12º ano), seguido com
16,8% dos sujeitos com licenciatura. Com o 1º Ciclo (1ª à 4ª classe) surgem
15,7% dos participantes sendo 13,2% com o 2º Ciclo (5º e 6º ano). Em termos de
categoria profissional, a amostra é composta por ajudantes de ação direta
(51,5%), auxiliares de ação direta (13,8%), Assistentes Sociais (9,1%), Pessoal
Administrativo (3,9%), Psicólogos (2,5%) e Animadores Socioculturais (2,5%).
Material
As características sociodemográficas foram avaliadas por intermédio de um
questionário, construído para o efeito, com questões fechadas.
A avaliação do estado de Burnout foi efetuada com a escala MBI-HSS (Maslach
& Jackson, 1996), versão adaptada para a população portuguesa por Semedo
(2009). Na sua versão original, é composto por 22 itens acerca de sentimentos
relacionados com o trabalho, distribuídos por três escalas: Exaustão Emocional,
com nove itens; Despersonalização, com cinco itens e Realização Pessoal, com
oito itens. A resposta é dada sobre a frequência com que cada sentimento ocorre
numa escala ordinal de sete posições entre Nunca (0) e Todos os dias (6).
Procedimento
Em Novembro de 2010 procedeu-se ao contacto formal das direções das
Instituições Particulares de Solidariedade Social, tendo-se para o efeito
enviado por correio e contacto eletrónico (e-mail), os pedidos de colaboração
na referida investigação. A acompanhar a carta de apresentação do estudo,
seguia em anexo o pedido de autorização, no qual constavam os objetivos e
etapas com que se iria desenrolar o mesmo. Procedeu-se à recolha da amostra
entre Janeiro a Março de 2011.
Como forma de assegurar o anonimato e confidencialidade dos participantes,
foram entregues por participante um envelope no qual constava a carta
explicativa do objetivo do estudo; o consentimento informado, o questionário
sociodemográfico e o MBI-HSS. O anonimato das respostas foi assegurado a todos
os participantes e não houve qualquer remuneração ou incentivo à participação.
Foram seguidos todos os procedimentos requeridos pelas Comissões de Ética de
Investigação.
O presente estudo insere-se num projeto de investigação sobre a Compreensão
dos fenómenos Burnout nos prestadores de cuidados a idosos e doentes crónicos,
cujo objetivo visa compreender de que modo os processos de natureza relacional
e conflitual contribuem para o aparecimento da Síndrome de Burnout, entre os
profissionais que lidam diariamente com pacientes em situação de
vulnerabilidade física, mental e social (Vicente & Aragão Oliveira, 2011;
Vicente & Oliveira, 2012)
Para se proceder à análise dos dados recorreu-se aos seguintes procedimentos
estatísticos. A distribuição dos itens foi avaliada pela assimetria (Sk) e
achatamento (Ku) e pela sua frequência. Os itens com valores absolutos de
assimetria superiores a 3 e de achatamento superiores a 7 não foram
considerados. A validade do construto foi avaliada nas suas facetas de validade
fatorial, validade convergente e validade discriminante.
A estrutura fatorial proposta pelo MBI-HSS foi avaliada pela Análise Fatorial
Confirmatória (AFC) com a estimação de máxima verosimilhança. A qualidade do
ajustamento global do modelo fatorial foi efetuada de acordo com os índices e
respetivos valores de referência, nomeadamente: Razão da estatística do a² e
graus de liberdade (a²/df). Considerou-se como valor de referência para um bom
ajustamento valores que se situam entre 1 e 2. O Comparative Fit Index (CFI).
Valores de CFI superiores a 0,9 indicam um bom ajustamento. Outro índice
utilizado foi o Goodness of Fit Index (GFI). Considera-se que valores
superiores a 0,9 indiciam um bom ajustamento aos dados. E por último, o Indice
Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), em que se considera valores de
referência de RMSEA inferiores a 0,05, como indicadores de um bom ajustamento
do modelo (Maroco, 2010). A qualidade do ajustamento local foi avaliada pelos
pesos fatoriais e pela fiabilidade individual dos itens. O ajustamento do
modelo foi realizado a partir dos índices de modificação (superiores a 11;
p?0,001) produzidos pelo AMOS e com base em considerações teóricas.
A validade convergente de cada fator foi avaliada pela Variancia Extraida Média
(VEM). Como proposto por Fornel e Larcker (1981) assumiu-se que existia
validade convergente quando a VEM foi superior a 0,5 (Maroco, 2010).
A validade discriminante dos fatores foi avaliada comparando o AVE por cada
fator com a correlação de Pearson ao quadrado. Como proposto por Fornell e
Larcker (1981), a evidência da validade discriminante foi obtida quando a
correlação ao quadrado entre os fatores foi maior do que o AVE, para cada
fator.
A fiabilidade foi avaliada com o a de Cronbach estandardizada para cada um dos
três fatores (Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Pessoal) e com
o a de Cronbach estratificado para o total da escala. Considerou-se que a
consistência é adequada para trabalhos experimentais quando o a foi superior a
0,7 (Maroco & Garcia-Marques, 2006).
RESULTADOS
Propriedades psicométricas
A análise estatística descritiva dos itens do MBI-HSS revelou itens muito
enviesados com pontuações médias próximas de 0 e assimetria e kurtose muito
elevadas (item 5 e item 22). Os restantes itens não apresentaram valores
absolutos de assimetria superiores a 3 e de achatamento superiores a 7, que
recomendassem contra o seu uso na análise fatorial confirmatória (ver e.g.
Maroco, 2010).
Validade do Constructo
Validade Fatorial
O modelo tri-factorial do MBI-HSS original, ajustado a uma amostra de
profissional da área de intervenção social revelou uma qualidade de ajustamento
sofrível, na medida em que se obtiveram valores de ?²/df = 2,30; CFI = 0,86;
GFI = 0,89; TLI=0,84; RMSEA = 0,06 p [rmsea = 0,05] = 0,01, n=363 (ver Figura
1)
Uma vez que a validade fatorial do MBI-HSS apresenta valores de qualidade de
ajustamento sofríveis, procedeu-se ao refinamento do modelo original de acordo
com os índices de modificação obtidos com o AMOS.
Numa primeira fase, eliminou-se o item 6 da dimensão exaustão emocional, os
itens 5 e 22 da despersonalização e o item 7 da realização pessoal, uma vez que
os seus índices de modificação sugeriam a correlação dos respetivos erros de
medida inter e intra-dimensões. Por outro lado, a análise de conteúdo dos itens
revelou que, de facto a leitura dos itens e sua interpretação justificava a
possibilidade de saturação cruzada em mais do que um fator. Por outro lado, a
remoção destes itens, que limitavam a validade discriminante das subescalas,
não altera a interpretação conceptual destas escalas. A escala final modificada
apresenta assim as três dimensões (ver Figura_2).
Comparativamente com a escala MBI-HSS original, a nova estrutura proposta
apresenta um ajustamento significativamente melhor: ?²/df = 1,87; CFI = 0,92;
GFI = 0,92; TLI=0,91; RMSEA = 0,04 P [rmsea = 0,05] = 0,54, n=363.
Validade Convergente
Os valores de VEM foram respetivamente 0,45 para a Exaustão, 0,19 para a
Descrença e 0,25 para a Realização. Estes valores não permitem concluir pela
validade convergente dos fatores na amostra sob estudo.
Validade discriminante
No que concerne à validade discriminante, os fatores exaustão emocional e
despersonalização apresentam-se positivamente correlacionados (r2=0,16;
p?0,001). Pelo contrário, a realização pessoal está correlacionada
negativamente com a exaustão emocional (r2=0,12; p?0,001) e com a
despersonalização (r2=0,09; p?0,001). Sendo a VEM de cada fator superior ao
quadrado da correlação entre os fatores, fica demonstrada a validade
discriminante dos fatores. É contudo de referir que a VEM foi inferior ao
desejável especialmente para os fatores Despersonalização e Realização.
Fiabilidade
O primeiro fator, exaustão emocional apresentou bom índice de consistência
interna (a=0,84). O segundo fator a realização pessoal apresenta um nível de
consistência interna razoável (a=0,70) enquanto o fator 3 - despersonalização '
obteve um coeficiente considerado abaixo do aceitável (0,59), sendo inferior ao
encontrado pelas autoras do instrumento original (Maslach & Jackson, 1981)
e semelhantes aos apresentados no estudo de adaptação para a população
portuguesa realizado por Semedo (2009) (Ver Quadro_1). Deste modo, verifica-se
que os níveis de consistência interna das escalas foram satisfatórios, à
exceção da dimensão despersonalização, que apresenta valores abaixo do que
seria aceitável para aplicações experimentais do instrumento.
DISCUSSÃO
As qualidades psicométricas do Maslach Burnout Inventory, Human Services (MBI-
HSS) têm sido avaliadas por diferentes investigadores, em diversos contextos e
países. O propósito deste estudo foi o de avaliar as propriedades psicométricas
do MBI-HSS, numa amostra de profissionais portugueses que trabalham na área de
intervenção social.
Na sua versão original, o MBI-HSS apresenta uma elevada consistência interna
nas suas três dimensões. Porém ao analisarem-se investigações realizadas, na
sua maioria fora dos EUA, observa-se que o MBI-HSS na sua generalidade
apresenta uma consistência interna satisfatória, particularmente nas dimensões
exaustão emocional e realização pessoal. Vários estudos sugerem que a
fiabilidade do MBI-HSS é variável, consoante as amostras em estudo, na medida
em que os valores oscilam entre 0,79 a 0,91 para a exaustão emocional e 0,69 a
0,87 para a escala realização pessoal (Carlotto et al, 2007; Córdoba et al,
2011; Faúndez et al, 2009; García et al, 2007; Gil-Monte et al, 2011; Lara et
al, 2008; Manso-Pinto, 2006; Rohland et al, 2004; Seisdedos, 1997; Semedo,
2009; Wilke et al, 2012). Todavia, das três dimensões a que revela maiores
fragilidades, quando utilizado em amostras não anglo-saxónicas, ao nível da
fiabilidade é a despersonalização, em virtude, de os resultados serem
substancialmente inferiores aos apresentados pela versão original (EUA: 0,79;
Outros estudos: 0,42 a 0,66).
Na amostra em estudo, os resultados vão ao encontro dos enunciados pela
literatura, na medida em que se obteve resultados mais satisfatórios nas
dimensões exaustão emocional (a=0,84) e realização pessoal (a=0,70). O que nos
leva a considerar, em concordância com autores como Carlotto e Câmara (2007),
que a dimensão exaustão emocional é menos vulnerável a questões culturais, dado
que o sentimento de desgaste profissional pelo trabalho e as questões que o
abordam têm um caracter mais universal, pela franca relação dessa dimensão com
o constructo do item.
Relativamente à dimensão despersonalização os nossos resultados encontram-se em
consonância com os obtidos por Lara et al (2008) Semedo (2009) e Córdoba et al,
(2011), uma vez que se revelou a dimensão com menor consistência interna
(0,59). Um dos fatores que parece justificar a menor fiabilidade desta dimensão
poderá relacionar-se com o reduzido número de itens que a compõem como adverte
Gil-Monte (2005). Por outro lado, será de considerar a existência de um certo
efeito de desejabilidade social sobre as respostas dadas pelos sujeitos nesta
dimensão. Como realça Carlotto e Câmara (2007), a tendência para apresentar um
certo nível de despersonalização pode representar uma ameaça psicológica para o
indivíduo, particularmente, nos profissionais cujo objetivo central da sua
profissão se centra no cuidar do outro, pois interfere ainda que de forma
latente, nos seus níveis de autoestima e autoeficácia percebida. Contudo, não
será de descurar que existe uma certa cobrança social destes profissionais
que se aproxima da ideia de vocação, não sendo expectável que o profissional
apresente sentimentos de distanciamento face aos seus utentes.
Em relação à estrutura fatorial do Maslach Burnout Inventory, Human Services
(MBI-HSS), tem sido consensual do ponto de vista empírico, a adoção de uma
estrutura de três fatores, concordante com a sua versão original. Contudo,
alguns autores recomendam uma solução de apenas dois fatores, pelo facto de
considerarem que a dimensão realização pessoal apresenta uma fraca correlação
com as restantes dimensões (Halbesleben et al, 2005; Maroco et al, 2012; Qiao
et al, 2011; Schaufeli et al, 2005)
Com o propósito de avaliar a qualidade de ajustamento do modelo, um número
considerável de estudos têm recorrido à análise fatorial confirmatória (AFC).
De acordo com as recomendações das autoras do instrumento, para se obter uma
melhoria substancial do modelo subjacente ao MBI, deveria proceder-se à
supressão dos itens 12 (RP) e 16 (EE). Porém, existem evidências de
dificuldades ao nível de outros itens que não saturam no fator esperado, como é
o caso dos itens: 1, 2, 7, 11, 13, 15, 18 e 20 (García, Remuzgo, & Fuentes,
2007; Gil-Monte, 2005; Lara et al, 2008; Maslach et al, 1996; Wilke et al,
2012). Num estudo recente, Córdoba et al (2011), propuseram a eliminação do
item 6 da dimensão exaustão emocional, por considerarem que parece fazer parte
da dimensão despersonalização e dos itens 15 e 21 devido à sua fraca capacidade
discriminatória com a escala total, sendo itens que devido à sua complexidade,
se tornam de difícil interpretação.
No nosso estudo, o insucesso para confirmar a hipótese de um modelo de 22 itens
é consistente com os resultados dos estudos anteriormente citados. Ao testarmos
a validade fatorial do MBI-HSS, na sua versão original, verificou-se que o
modelo apresentava uma qualidade de ajustamento sofrível, por isso na tentativa
de melhorar o instrumento foi testado um segundo modelo, no qual se procedeu à
eliminação do item 6, da exaustão emocional, os itens 5 e 22, da
despersonalização e o item 7, da realização pessoal, o que veio a revelar um
ajustamento significativamente melhor da estrutura tri-fatorial proposta
originalmente pelos autores do MBI-HSS.
De acordo com Kristensen et al, (2005), a discrepância encontrada nos estudos
de adaptação do MBI para outras línguas, poderá dever-se mais aos fatores
associados ao género, cultura e contexto socioeconómico, do que propriamente
devido a questões técnicas e fiáveis da tradução, atendendo a que o instrumento
foi criado para a população americana. Por sua vez, Wilke et al (2012),
argumentam que o que parece explicar as debilidades relacionadas com as cargas
fatoriais de alguns dos itens do MBI-HSS poderá dever-se às características da
amostra, e não tanto pelo desenho do instrumento ou pelos fatores culturais.
Na nossa investigação, fomos confrontados com a existência de itens que
apresentaram cargas fatoriais mais baixas do que seria expectável, sendo de
considerar que as mesmas possam ser explicadas pelas características da
amostra, na medida em que na sua maioria era composta por mulheres e com um
nível de escolaridade baixo. Por outro lado, consideramos à semelhança de
Demerouti et al (2001), que a direção conceptual na formulação dos itens,
particularmente a formulação na negativa das afirmações que compõem a subescala
exaustão emocional e despersonalização, também poderá ter contribuído para
influenciar a fraca validade convergente destas subescalas. Desta forma,
revela-se de todo pertinente, replicar este estudo numa amostra de maior
dimensão, tendo em consideração a necessidade de a composição da mesma ser mais
homogénea no que se refere à variável género, como forma de apurar a influência
ou não desta variável na validade do instrumento. Por outro lado, é necessário
desenvolver outros estudos em Portugal, que incidam nas qualidades
psicométricas do Maslach Burnout Inventory - Human Services (MBI-HSS) não só no
contexto da intervenção social mas também na área da saúde.
Em conclusão, o MBI-HSS continua a ser um dos instrumentos mais utilizados, nas
investigações empíricas, por ser dos questionários que avaliam o Burnout, com
maior difusão a nível internacional, tendo sido traduzido para outras línguas
que não as de origem anglo-saxónica.
Por outro lado, é dos inventários que mais tem sido estudado relativamente às
suas qualidades psicométricas, tendo na generalidade apresentado uma
consistência interna satisfatória, em particular nas dimensões exaustão
emocional e realização pessoal. Embora os valores na dimensão despersonalização
sejam mais controversos.
No presente estudo o MBI-HSS revela ser uma medida com validade fatorial e
discriminante e com fiabilidade aceitável para avaliar o Burnout na amostra em
estudo, apesar de apresentar algumas fragilidades ao nível da validade
convergente e fiabilidade, particularmente na dimensão despersonalização em que
se obtiveram resultados francamente abaixo do esperado.