Condições ambientais associadas ao humor depressivo na adolescência
Condições ambientais associadas ao humor depressivo na adolescência
Environmental conditions associated with depressed mood in adolescence
A designação de adolescência particulariza uma fase do desenvolvimento humano,
mais especificamente a transição da infância para a idade adulta (Gleitman,
1998; Wilson, Pritcherd & Revelee, 2005). Este período de transição é
caracterizado por inúmeras mudanças ao nível do desenvolvimento de diferentes
sistemas, como o biológico, o cognitivo e o social (Windle & Davies, 1999),
que requerem, por parte do jovem adolescente, uma permanente readaptação
(Gleitman, 1998).
Nesta fase é intensificada a vulnerabilidade às potenciais disfunções entre o
desenvolvimento cerebral e os sistemas comportamental e cognitivo (Steinberg,
2005), sendo descrita como uma fase de considerável stresse social (Wilson,
Pritcherd & Revelee, 2005), na qual existe uma grande divergência entre um
bom e um pobre funcionamento (Arnett, 2000). As novas experiências ao nível
relacional, afetivo e académico, também, podem ser novas fontes de stresse na
sua vida (Zimmer-Gembeck & Skinner, 2008).
Os estímulos provenientes do meio irão promover uma contínua maturação de
atitudes e comportamentos que, progressivamente, lhe irão permitir adquirir
competências pessoais e sociais que possibilitem desvincular-se da dependência
familiar, tornando-se autónomo e membro ativo da sociedade (Gleitman, 1998).
Neste sentido, vários autores afirmam não ser possível separar a importância
dos diferentes agentes de socialização no desenvolvimento dos jovens, na medida
em que a escola, a família e os amigos se complementam no processo educativo
(DiClemente et al., 2001; Marques, Vieira & Barroso, 2003).
Os problemas de comportamento dos jovens têm mais probabilidade de surgir
quando as famílias têm elevados níveis de conflito, baixo nível de envolvimento
e monitorização inadequada da relação dos jovens com os pares (Matos &
Sampaio, 2009) e do seu comportamento (Matos & Sampaio, 2009; Miller,
2002).
Assim, na génese dos comportamentos de risco durante a adolescência podem estar
fatores individuais, culturais, relacionais e académicos, especificamente as
lacunas na dinâmica familiar, a influência de pares desviantes ou ainda a falta
de ligação à escola ou o fraco rendimento escolar (Matos & Sampaio, 2009;
Lohman & Billings, 2008).
De uma forma semelhante, também a sintomatologia depressiva parece estar
associada a fatores como o estatuto socioeconómico, a constituição familiar e a
exposição dos indivíduos a stresse social (Barrett & Turner, 2005). A
existência de problemas no local de residência, potencia o desenvolvimento de
sintomatologias como a depressão e a ansiedade (Hill, Ross & Angel, 2005).
Também, são relatadas diferenças quanto ao género, sendo os rapazes aqueles que
referem sentirem-se mais sozinhos e as raparigas a apresentarem mais
sintomatologia depressiva (Saini & Singh, 2008).
Com base na literatura atrás exposta, a presente investigação teve como
objetivo estudar as diferenças de género, zona residencial, estatuto
socioeconómico e agregado familiar na sintomatologia psicopatógica e depressiva
dos adolescentes. Neste sentido, era esperado que as raparigas relatassem mais
sintomas depressivos comparativamente com os rapazes, tal como os adolescentes
que vivessem só com um progenitor, a habitação estivesse inserida em meios
problemáticos e com baixo estatuto socioeconómico, relatassem mais sintomas de
depressão.
MÉTODO
Participantes
A amostra foi constituída por 296 indivíduos, de ambos os géneros, com idades
compreendidas entre os 15 e os 22 anos. Os participantes foram recrutados
aleatoriamente de alguns estabelecimentos de ensino secundário público de uma
zona perto de Lisboa, tendo sido selecionadas, para o efeito, duas turmas
referente a cada ano. Tendo-se verificado que, da amostra total, 42 protocolos
não se encontravam devidamente preenchidos, pela omissão contínua de respostas
e pela adoção de respostas extremas, foi necessário excluí-los. Deste modo,
foram incluídos na amostra 254 indivíduos, 82 do género masculino e 172 do
género feminino, com uma média de idades de 16,86 anos (DP = 1,48). No que
respeita à caracterização da amostra ao nível da escolaridade dos indivíduos
inquiridos, 50.2% frequentava o 10º Ano, 21,7% frequentava o 11º Ano e 28,1%
frequentava o 12º Ano. Quanto ao país de origem, 84,2% dos jovens indicaram ser
de nacionalidade portuguesa, sendo os restantes 15,8% pertencentes a outros
países, como os PALOP ou os países de Leste. Dos indivíduos com nacionalidade
estrangeira, 54,3% indicaram residir em Portugal em média há 2,49 anos (DP =
0,61). Quando inquiridos quanto à língua adotada no seio familiar, ao nível da
amostra total, 92,5% revelam que é o Português. A maior parte destes
adolescentes referiu que vivia com a família nuclear (75,5%) (ver Quadro_1).
Em relação aos pais dos adolescentes, verificou-se que tanto o pai, como a mãe
tinham maioritariamente nacionalidade portuguesa, 74,2% e 75,1% respetivamente.
Na maior parte dos casos as habilitações literárias quer do pai, quer da mãe
situaram-se ao nível do 2º/3º ciclo e a sua profissão correspondeu
predominantemente à categoria dos operários especializados, para o pai com
52,9% e operários não especializados, para a mãe com 36,1%. Também quanto ao
estado laboral as frequências obtidas foram semelhantes, uma vez que ambos se
encontravam empregados (ver Quadro_2).
Material
Questionário demográfico
O questionário demográfico foi composto por questões relacionadas com os dados
relativos aos participantes, nomeadamente a idade, o género, o ano de
escolaridade, o país de origem, os anos de residência em Portugal, a língua
falada em casa e a freguesia de residência, assim como foram colocadas questões
acerca do agregado familiar e dos seus progenitores.
Children's Depression Inventory ' CDI (Kovacs, 1981)
Trata-se de uma medida de auto-avaliação, constituída por 27 itens com o
objetivo de avaliar a sintomatologia depressiva. Esta medida destina-se a
crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os sete e os 17 anos, e
surgiu da revisão de uma medida de auto-avaliação para adultos, o Beck
Depression Inventory (BDI). Os itens constituintes correspondem a sintomas ou
atitudes que são avaliados pelo indivíduo de acordo com a forma como se sente
no momento da avaliação, segundo uma intensidade que varia entre um e três, no
sentido de maior intensidade da depressão. O CDI é constituído por cinco
dimensões: humor negativo, problemas interpessoais, ineficácia, anedonia e
auto-estima negativa, no entanto pode ser utilizado como uma medida
unidimensional cujo resultado final varia entre 27 e 81, permitindo a
discriminação clínica entre jovens deprimidos e não deprimidos (Kovacs, 1992),
havendo várias aferições em língua portuguesa (p.e. Matos, et al. 2012).
Os valores obtidos no estudo da fidelidade do CDI revelaram um valor a de
Cronbach de 0,86 para o conjunto dos 27 itens, sugerindo uma boa consistência
interna. Os valores dos coeficiente de alpha de Cronbach para as diferentes
dimensões variaram entre 0,59 e 0,68 (Kovacs, 1992).
Brief Symptom Inventory ' BSI (Derogatis, 1982)
A sintomatologia psicopatológica foi avaliada pela BSI, uma medida de auto-
avaliação destinada a adultos e adolescentes com idade superior a 13 anos, com
o objetivo de avaliar diferentes dimensões da psicossintomatologia. É uma
medida constituída por 53 itens, as respostas deverão espelhar o grau em que
cada problema incomodou o indivíduo durante a última semana, com formato de
resposta tipo Likert de cinco pontos (0. Nunca; 1. Poucas vezes; 2. Algumas
vezes; 3. Muitas vezes; 4. Muitíssimas vezes). A BSI é composta por nove
dimensões: somatização, obsessão-compulsão, sensibilidade interpessoal,
depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica, ideação paranóide e
psicoticismo e por três índices globais: índice geral de sintomas, índice de
sintomas positivos e total de sintomas positivos (Canavarro, 1999).
Foi realizado um estudo de adaptação da medida à população portuguesa por
Canavarro (1999) com duas amostras, uma de população geral e outra de população
clínica de modo a validar e testar as propriedades psicométricas da BSI. Foram
encontrados coeficientes de consistência interna, alpha de Cronbach, adequados
cujos valores variaram entre 0,72 e 0,80, à exceção dos valores observados para
a escala de ansiedade fóbica e psicoticismo com valores de 0,62. Utilizou-se
esta medida sem adaptações considerando a idade média dos participantes em
análise (17 anos).
Procedimento
O protocolo de investigação foi aplicado a estudantes do 10º, 11º e 12º anos de
escolaridade. Numa primeira fase foi efetuado o pedido de consentimento aos
Conselhos Executivos das escolas secundárias do concelho de Loures para a
aplicação do protocolo em meio escolar. Depois, mediante a aprovação das
escolas, foi enviado para os encarregados de educação o pedido de consentimento
informado para que autorizassem os seus educandos a participar no estudo. Por
último, procedeu-se à aplicação dos questionários, organizados pela seguinte
ordem: folha de rosto com o pedido de consentimento informado ao próprio aluno,
questionário demográfico, CDI (Kovacs, 1981) e BSI (Canavarro, 1999).
A recolha dos dados foi realizada em três escolas públicas do ensino secundário
de uma zona perto de Lisboa, em 2009. Em cada escola foram sorteadas duas
turmas de cada ano letivo lecionado na mesma. Só participaram os alunos que
entregaram o consentimento informado dos pais ou encarregados de educação,
enviado pela escola. Foi garantido aos participantes o seu anonimato e
confidencialidade das suas respostas, assim como a possibilidade de se
retirarem no caso de não quererem continuar.
RESULTADOS
Os dados foram introduzidos e sujeitos a procedimentos estatísticos calculados
através do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) 18.0 para o
Windows.
Primeiramente foi realizada uma estatística descritiva em relação às medidas de
avaliação utilizadas no presente estudo (ver Quadro_3), com indicação dos seus
valores médios, desvio-padrão.
Em relação à consistência interna, tanto as diferentes subescalas da medida de
auto-avaliação da depressão (CDI), como o total desta medida (27 itens)
apresentaram uma boa consistência interna, com valores do coeficiente de alpha
de Cronbach que variaram entre 0,79 (total da medida) e 0,82 (subescalas
problemas interpessoais e ineficácia) (ver Quadro_4). O mesmo processo foi
aplicado à BSI, no qual foram obtidos valores de consistência interna
referentes às diferentes subescalas que variaram entre 0,79 (subescala
depressão) e 0,81 (subescala ansiedade fóbica), enquanto o total da medida
apresentou um coeficiente de alpha de Cronbach adequado, de 0,94 para os 53
itens (ver Quadro_4).
Foram realizadas análises fatoriais exploratórias ao CDI e BSI onde foram
retidos os fatores com pesos fatoriais iguais ou superiores a 0,40, segundo a
regra de Kraiser e a análise Screen Plot, resultando para o CDI uma solução
sete fatores, que explicou 58,34% da variância. e para o BSI, foi encontrada
uma solução com nove fatores, que explicou 64,81% da variância.
Tal como se esperava, dadas as características clínicas das escalas e outros
estudos anteriores (p.e. Matos et al, 2912) os fatores obtidos nas análises
fatoriais, tanto no CDI como no BSI não foram compreensíveis na presente
aplicação a esta população. Deste modo, e dadas as características das escalas
optou-se por utilizar as soluções originais dos autores, mantendo a validade
facial eles justificada.
O teste de análise de variância ANOVA foi utilizado para realizar comparações
entre variáveis independentes diferentes, nomeadamente de variáveis
demográficas, como o género, o estado laboral do pai e da mãe, a escolaridade e
a agradabilidade do local de residência; em relação aos níveis de depressão e
sintomatologia psicopatológica sentidos pelos adolescentes.
Para o género foram encontradas, de forma sistemática diferenças
estatisticamente significativas para as subescalas problemas interpessoais (F
(1,246) = 12,72; p = 0,0005) e humor negativo (F(1,224) = 8,10; p = 0,005) da
CDI. Na medida de sintomatologia psicopatológica foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas com valores de p entre 0,005 (subescala
ansiedade) e 0,02 (total da escala). Os adolescentes do género feminino
relataram valores médios mais elevados de humor negativo, de sintomatologia
psicopatológica geral, somatização, obsessão-compulsão, sensibilidade
interpessoal, depressão e ansiedade quando comparados com os adolescentes do
género masculino. Por outro lado, foram os rapazes que apresentaram maiores
índices de problemas interpessoais (M = 6,19; DP = 1,46) comparativamente com
as raparigas (M = 5,54; DP = 1,29) (ver Quadro_5).
A variável do estado laboral do pai apenas evidenciou diferenças
estatisticamente significativas na subescala anedonia (F(1,217) = 6,02; p =
0,01) da medida de depressão, cujas comparações Post Hoc, pelo método Scheffe
mostraram que os adolescentes cujos pais que se encontravam desempregados
apresentaram maior nível de anedonia (M = 13,79; DP = 2,05) relativamente aos
adolescentes com pais empregados (M = 12,32; DP = 2,17). Do mesmo modo, foi
feita a análise semelhante relativamente ao estado laboral da mãe. Na medida de
depressão apenas se encontraram diferenças estatisticamente significativas para
a subescala humor negativo (F(1,218) = 4,17; p = 0,04), sendo os adolescentes
com mães desempregadas os que apresentaram mais humor negativo (M = 8,34; DP =
1,50), quando comparados com os adolescentes cujas mães estavam empregadas (M =
8,15; DP = 2,07). Relativamente à medida BSI foram evidenciadas diferenças
estatisticamente significativas com valores de p que variaram entre 0,003
(subescala sensibilidade interpessoal) e 0,040 (subescala hostilidade). Os
adolescentes cujas mães se encontravam desempregadas apresentaram maiores
índices de sintomatologia psicopatológica.
A escolaridade foi definida de acordo com o ano de escolaridade que os
adolescentes frequentavam. Esta variável revelou diferenças estatisticamente
significativas para a escala total da depressão (F(2,208) = 3,03; p = 0,05), em
que os adolescentes que frequentavam o 12º ano apresentaram níveis médios mais
elevados de depressão (M = 39,50; DP = 10,14) em relação aos adolescentes que
frequentavam os restantes anos de escolaridade. Foram, igualmente, encontradas
diferenças estatisticamente significativas para o resultado das subescalas
obsessão-compulsão (F(2,246) = 3,84; p = 0,02) e ansiedade (F(2,243) = 3,33; p
= 0,03). Desta forma, foram mais uma vez os adolescentes que frequentavam o 12º
ano de escolaridade que apresentaram níveis mais elevados de obsessão-compulsão
(M = 7,58; DP = 5,01) e de ansiedade (M = 5,57; DP = 5,33) relativamente aos
restantes grupos. As comparações Post Hoc, pelo método Scheffe revelaram
diferenças estatisticamente significativas na subescala obsessão-compulsão (p =
0,04) entre os alunos do 12º ano e os do 11º ano (ver Quadro_6).
O ESE foi definido através das habilitações literárias quer das mães, quer dos
pais dos adolescentes de acordo com o estudo de Mota e Silva (1999). Deste
modo, pertencem a um grupo ESE baixo aqueles que possuem habilitações
inferiores a 9 anos de escolaridade. O grupo ESE médio contém aqueles que
possuem habilitações literárias superiores ao 9º ano e inferiores à
licenciatura, enquanto que, os que têm habilitações equivalentes ao ensino
superior fazem parte do grupo socioeconómico alto. Após análise realizada para
cada um dos progenitores em separado, na variável ESE do pai foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas nalgumas subescalas da CDI e da BSI
com valores de p que variaram entre 0,030 (subescala hostilidade) e 0,041
(subescala ineficácia), em que foram os adolescentes cujas mães pertenciam a um
baixo ESE que apresentaram mais sentimentos de ineficácia (M = 7,76; DP = 1,69)
do que os de ESE médio (M = 6,06; DP = 1,52) ou alto (M = 6,46; DP = 1,61),
assim como mais anedonia (M = 12,72; DP = 2,30), hostilidade (M = 5,29; DP =
4,27) e ideação paranóide (M = 5,95; DP = 3,87) relativamente aos restantes
grupos. As comparações Post Hoc, pelo método Scheffe revelaram diferenças
significativas para a subescala ineficácia da CDI entre os jovens cujos pais
possuem um ESE baixo e os jovens cujos pais possuem um ESE médio (p = 0,04)
(ver Quadro_7).
De modo semelhante, os resultados das mães também evidenciaram diferenças
estatisticamente significativas em algumas subescalas da CDI e da BSI. Na CDI
apenas evidenciou diferenças estatisticamente significativas para a subescala
dos problemas interpessoais (F(2;240) = 3,81; p = 0,023), tendo sido os
adolescentes cujas mães possuíam um baixo ESE que revelaram mais problemas
interpessoais (M = 5,93; DP = 1,45) do que os de médio (M = 5,36; DP = 1,24) e
os de alto ESE (M = 5,63; DP = 1,22). Relativamente às subescalas somatização,
obsessão-compulsão, depressão, ansiedade fóbica e psicoticismo foram os
adolescentes cujas mães pertenciam a um baixo ESE que revelaram mais
sintomatologia psicopatológica no geral. As comparações Post Hoc, pelo método
Scheffe revelaram diferenças significativas para a subescala problemas
interpessoais (p = 0,02), entre os jovens cujas mães possuem um ESE baixo e os
jovens cujas mães possuem um ESE médio, somatização (p = 0,01) e depressão (p =
0,02), entre os jovens cujas mães possuem um ESE baixo e os jovens cujas mães
possuem um ESE alto (ver Quadro_8).
A variável relacionada com o agregado familiar foi recodificada de forma a
obtermos três grupos distintos: os adolescentes que vivem com ambos os
progenitores, os adolescentes que apenas vivem com um dos progenitores e os
adolescentes que residem com outras pessoas que não os progenitores. Da análise
das diferenças estatisticamente significativas surgem diferenças entre o
agregado familiar e as subescalas de problemas interpessoais (F(2,239) = 4,45;
p = 0,01), ineficácia (F(2,236) = 3,96; p = 0,02), anedonia (F(2,233) = 3,68; p
= 0,02) e o total da escala de depressão (F(2,204) = 3.72; p = 0,02), sendo os
adolescentes que vivem com apenas um dos progenitores os que apresentam mais
problemas interpessoais (M = 6,24; DP = 1,28) e maior sentimento de ineficácia
(M = 7,16; DP = 1,85), enquanto que os adolescentes que vivem com outras
pessoas que não sejam os seus progenitores apresentam mais anedonia (M = 13,18;
DP = 1,65) e maior índice depressivo (M = 41,11; DP = 6,27) relativamente aos
outros grupos. Na medida BSI apenas foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas para a subescala depressão (F(2,239) = 4,17; DP
= 0,01), tendo sido o grupo que vivia com outras pessoas que não os
progenitores o que apresentou níveis mais elevados de depressão (M = 7,90; DP =
5,12). As comparações Post Hoc, pelo método Scheffe revelaram diferenças
significativas nas subescalas problemas interpessoais (p = 0,02), ineficácia (p
= 0,05), entre os jovens que residem apenas com um dos progenitores e os que
residem com ambos, e para a escala depressão, entre os jovens que residem com
outras pessoas e os que residem com ambos os progenitores (p = 0,01) (ver
Quadro_9).
A zona residencial foi dividida em três zonas, de acordo com os quartis: zona
desagradável quando os valores se encontravam abaixo do quartil 25, zona
agradável quando os valores obtidos se encontravam acima do quartil 75 e os
restantes valores definiram os indivíduos que não sabiam qualificar a
agradabilidade da zona de residência. Esta variável revelou diferenças
estatisticamente significativas para o resultado da BSI Total (F(2,111) = 5,62;
p = 0,005) e para todas as subescalas, com exceção da ansiedade fóbica, com
valores de p que variaram entre 0,002 (subescala de somatização) e 0,046
(subescala de hostilidade). As comparações Post Hoc, pelo método Scheffe
revelaram diferenças estatisticamente significativas para o BSI Total (p =
0,005) entre os jovens que residem em zonas qualificadas como desagradáveis e
os jovens que residem em zonas que qualificaram como agradáveis. Desta forma,
os adolescentes que residem numa zona desagradável apresentaram valores médios
de sintomatologia psicopatológica mais elevados do que os adolescentes que
vivem numa zona agradável (ver Quadro_10).
Após a análise das diferenças, realizámos uma análise de correlação bivariada
através do coeficiente de correlação de Pearson, para a amostra total. Devido
ao facto de existirem correlações significativas entre as subescalas de cada
medida e o seu total, nesta análise foram apenas utilizados os valores totais
da CDI e da BSI. Deste modo, a sintomatologia psicopatológica relacionou-se de
forma positiva e estatisticamente significativa com a depressão (r = 0,77; p =
0,001).
DISCUSSÃO
O presente trabalho teve como objetivo estudar a influência exercida pelo meio
no desenvolvimento de sintomatologia psicopatológica, mais especificamente de
depressão, em adolescentes com idades compreendidas entre os 15 e os 22 anos de
idade, de acordo com o género, a escolaridade, o agregado familiar, estatuto
socioeconómico dos pais e a agradabilidade da zona de residência. Era esperado
que fossem as raparigas, os adolescentes que vivessem apenas com um dos
progenitores e os adolescentes que habitassem em bairros problemáticos e/ou com
baixo estatuto socioeconómico que relatassem mais sintomatologia
psicopatológica, nomeadamente depressão.
O estudo da fidelidade para os totais das medidas de avaliação obteve
resultados acima de 0,70, valor mínimo aceitável para demonstrar a consistência
interna de um conjunto de itens para avaliar determinado constructo (Nunnaly,
1978), demonstrando, deste modo, a fidelidade das medidas. A análise fatorial
efetuada para as duas medidas presentes no estudo não foi elucidativa, dado não
ter sido possível confirmar a solução dos autores, nem encontrar soluções
alternativas viáveis. Neste sentido, utilizaram-se as soluções já propostas
pelos autores para os valores totais e respectivas subescalas, pois todas
apresentaram valores aceitáveis (Nunnaly, 1978).
No estudo das diferenças entre o género, as raparigas diferenciaram-se dos
rapazes demonstrando valores mais elevados relativamente ao humor negativo, à
sintomatologia psicopatológica geral, à somatização, à obsessão-compulsão, à
sensibilidade interpessoal, à depressão e à ansiedade, resultados consistentes
com vários estudos realizados acerca das diferenças de género na saúde mental,
mais especificamente na sintomatologia depressiva e ansiosa (Baptista, Baptista
& Oliveira, 1999; Gilman, Kawachi, Fitzmaurice & Buka, 2002; Hankin et
al., 1998; Hankin & Abramson, 2001; Matos et al., 2003; Petersen, Sarigiani
& Kennedy, 1991; Saini & Singh, 2008). Para Baptista, Baptista e
Oliveira (1999) o desenvolvimento, a manutenção e a remissão da sintomatologia
depressiva sofre influência direta de fatores biológicos, psicológicos e
sociais, e estes podem explicar as diferenças encontradas ao nível do género,
tornando-se mais evidentes a partir dos 13 anos de idade (Hankin et al., 1998;
Hankin & Abramson, 2001). Tem sido descrito que as mulheres possuem uma
maior vulnerabilidade cognitiva (Hankin & Abramson, 2001) e que estão
expostas, durante a adolescência, a um maior número de transformações e a novos
desafios (Petersen, Sarigiani & Kennedy, 1991) e é nesta fase que a imagem
corporal assume uma importância extrema para a sua auto-estima (Allgood-Merten,
Lewinsohn & Hops, 1990; Petersen, Sarigiani & Kennedy, 1991), pois o
processo de maturação ocorre, habitualmente, mais cedo nas raparigas (Petersen,
Sarigiani & Kennedy, 1991; Steinberg, 2005) podendo, nalguns casos, fazê-
las sentirem-se desconfortáveis (Steinberg, 2005). Por outro lado, os rapazes
evidenciaram maiores índices de problemas interpessoais, o que pode ser
explicado pelo facto de os síndromes durante a adolescência terem um
comportamento heterogéneo, de acordo com o estádio de desenvolvimento, da
altura em que surgiu, bem como da comorbilidade existente (Harrington, Rutter
& Fombonne, 1996).
Vários autores (Barrett & Turner, 2005; Bifulco et al., 1998; Elgar, Arlett
& Groves, 2003; Gilman et al., 2002; Miller, 2002) consideram que o
contexto socioeconómico influencia o funcionamento do adolescente. De acordo
com esta perspectiva, verificou-se que os jovens cujo pai possui um ESE baixo
evidenciaram maiores níveis de ineficácia, anedonia, hostilidade e ideação
paranóide. O sintoma de anedonia foi também evidente para os jovens que
relataram que o progenitor se encontrava desempregado. Relativamente ao ESE da
mãe, os jovens filhos de mães com ESE baixo relataram mais problemas
interpessoais, somatização, obsessão-compulsão, depressão e ansiedade fóbica,
quando comparados com jovens filhos de mães com ESE médio e alto. Os
adolescentes que referiram que a mãe se encontrava desempregada apresentaram
mais humor negativo e maiores índices de sintomatologia psicopatológica geral,
sensibilidade interpessoal, depressão, hostilidade e ideação paranóide. Estes
resultados apresentam-se congruentes com os resultados relatados por Barrett e
Turner (2005).
A composição do agregado familiar deste grupo de adolescentes, de acordo com
vários estudos de outros autores (exs. Barrett & Turner, 2005; Hammen et
al., 2000), evidenciou possuir uma relação direta com o estado emocional dos
jovens, tendo sido o grupo que reside com outras pessoas que não os
progenitores e o grupo que reside apenas com um dos progenitores a evidenciar
maiores níveis de sintomatologia depressiva e psicopatológica, quando
comparados com o grupo de jovens que reside com ambos os progenitores. Assim,
os jovens que residem com outras pessoas que não os progenitores revelaram
índices mais elevados de sintomatologia depressiva e anedonia e os jovens que
residem apenas com um dos progenitores evidenciaram maiores níveis de problemas
interpessoais e sentimentos de ineficácia.
Tal como o descrito por Hill, Ross e Angel (2005), os adolescentes que residem
numa zona desagradável ou hostil revelaram índices mais elevados de
sintomatologia psicopatológica geral, somatização, obsessão-compulsão,
sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade, hostilidade, ideação
paranóide e psicoticismo. Ross (2000), refere que viver em zonas desfavorecidas
afeta a saúde mental dos habitantes, nomeadamente aumentando a sintomatologia
depressiva, quando estes locais representam perigo para a integridade física
dos habitantes por se encontrarem associados a desordens ou transtornos sociais
e criminais.
Os adolescentes que frequentavam o 12º ano apresentaram níveis médios mais
elevados de depressão, obsessão-compulsão e ansiedade, resultados que poderão
ser explicados, tendo em consideração que com o decorrer do período da
adolescência ocorre um aumento dos sintomas depressivos (McGee, Feehan,
Williams & Anderson, 1992) e ansiosos (Matos et al., 2003).
Atualmente, é amplamente aceite a comorbilidade da depressão com a ansiedade
(Kovacs & Devlin, 1998; Matos et al., 2003), relação também encontrada no
presente estudo.
Considerando que a sintomatologia psicopatológica pode comprometer o adequado
desenvolvimento emocional e relacional dos adolescentes, considera-se
importante a continuação do desenvolvimento de estudos nesta área, para um
melhor conhecimento das varáveis preditoras desta sintomatologia, pois a sua
identificação precoce e o seu tratamento são fundamentais para diminuir o risco
de disfunções a longo prazo.
Este estudo sublinha de um modo muito especial não só a atenção a ser dada às
diferenças de género como a importância das condições socioeconómicas e
sociogeográficas que parecem desempenhar um papel determinante no estado
emocional das crianças e jovens.
É, também aqui, evidenciada a necessidade de uma intervenção de carácter
universal que permita acompanhar as crianças e adolescentes de modo a
facilitar, por um lado o desenvolvimento de competências pessoais para lidar
com as adversidades e, por outro lado facilite o desenvolvimento de ações
comunitárias e redes sociais de apoio formais e informais de modo a minimizar o
impacto negativo de piores condições socioeconómicas e sociogeográficas no bem-
estar físico e mental das crianças e jovens (Matos & Sampaio, 2009).