Escalas de avaliação da interação mãe-bebé: Versão portuguesa das interaction
rating scales
Escalas de avaliação da interação mãe-bebé: Versão portuguesa das interaction
rating scales
Assessment of mother - baby interaction: portuguese version of interaction
rating scales
A interação mãe-bebé tem recebido ampla atenção de diversos estudos e autores,
na medida em que se assume como um dos alicerces fundamentais no
desenvolvimento da criança. A sua avaliação tem-se mostrado necessária em
contexto clínico e de investigação.
As Escalas de Avaliação da Interação Mãe-Bebé aqui apresentadas constituem a
versão portuguesa das Interaction Rating Scales (IRS), propostas por Field
(1980). As IRS destinam-se a avaliar a interação mãe-bebé em duas situações:
face-a-face (Face-to-Face Interaction) e alimentar (Feeding Interaction), na
idade de 3 meses do bebé.
A versão original das IRS foi alvo de estudos psicométricos pela sua autora,
demonstrando um elevado coeficiente de acordo entre codificadores (entre 0,81 e
0,96), e uma elevada consistência interna (Alfa de Cronbach = 0,76) (Field,
1980).
Os estudos levados a cabo com as IRS têm demonstrado a sua validade,
nomeadamente com amostras de mães deprimidas (e.g., Field et al., 2010;
Figueiredo, 2007; Jones et. al., 1997; Martinez et al., 1996) e bebés
prematuros (e.g., Field, Widmayer, Stringer, & Ignatoff, 1980; Parker-
Loewen & Lytton, 1987).
Field (1984) verificou que os bebés de mães deprimidas apresentavam, mais
frequentemente, expressões faciais negativas, protestos, embora menos
vocalizações e expressões faciais positivas na interação com a mãe, do que os
bebés das mães não-deprimidas, mesmo quando estas mães agiam como deprimidas.
Num outro estudo com mães deprimidas utilizando as IRS, foi possível verificar
que os bebés apresentavam um comportamento interativo mais adequado quando as
suas mães apresentavam um estilo intrusivo em oposição a um estilo evitante
(Jones et. al., 1997).
Martinez et al. (1996) avaliaram mães adolescentes deprimidas na interação com
os seus próprios filhos e com filhos de mães não-deprimidas. Verificaram que,
quando em interação com as mães deprimidas, os bebés de mães não-deprimidas
apresentavam um resultado mais elevado do que os bebés de mães deprimidas;
concluindo que, quando deprimidas, as mães apresentavam uma interação menos
adequada. Num outro estudo, mães que se encontravam deprimidas aos 3 meses pós-
parto, apresentavam uma interação menos adequada com o seu bebé, quer nesse
momento, quer em momentos subsequentes, aos 6 e 12 meses de idade do bebé
(Figueiredo, 1997). Todavia, Field et al. (2010) não encontraram diferenças
entre mães deprimidas e não deprimidas na avaliação da interação mãe-bebé
durante a situação alimentar. Por sua vez, as mães que amamentavam ao peito os
seus bebés (deprimidas e não deprimidas) apresentavam resultados mais elevados
nas IRS.
As IRS também demonstraram a sua validade quando utilizadas em amostras de mães
que haviam apresentado problemas na gravidez, tais como dificuldades conjugais
e ambivalência face ao bebé (Field et al., 1985). Aos 3-5 meses após o parto,
estas mães apresentavam mais sintomas de ansiedade e depressão e, quando
avaliadas na interação com o bebé, os seus resultados eram mais baixos do que
os das mães que não haviam apresentado problemas no terceiro trimestre de
gestação.
Field et al. (1980) avaliaram os efeitos de um programa de intervenção parental
junto de mães adolescentes de bebés prematuros. Após o programa, os bebés
prematuros apresentavam um maior desenvolvimento e, quer os bebés, quer as
mães, apresentavam resultados mais elevados na interação mãe-bebé.
Parker-Loewen e Lytton (1987) avaliaram, igualmente, os efeitos de um programa
de intervenção acerca dos padrões de interação junto de mães e bebés
prematuros. Os autores recorreram às IRS de modo a analisar o comportamento
interativo das díades após o programa de intervenção. Contudo, não foram
encontradas diferenças significativas entre o grupo que beneficiou do programa
de intervenção e o grupo de controlo, excetuando no que se refere ao
conhecimento do desenvolvimento do bebé, onde o grupo experimental apresentou
resultados superiores.
Este estudo teve como objetivo validar a Versão Portuguesa das IRS, para
avaliação da interação na díade mãe-bebé em situação de interação face-a-face e
em situação de interação alimentar, aos 3 meses de idade do bebé.
Método
Participantes
A amostra selecionada neste estudo incluiu 51 díades mãe-bebé recrutadas no
norte do país. Os critérios utilizados para a seleção da amostra compreenderam,
para o bebé: gestação simples; trabalho de parto não superior a 24 horas; parto
eutócico; idade gestacional à nascença entre as 38 e as 42 semanas
inclusivamente; peso à nascença entre o percentil 10 e 90 inclusivamente;
índice apgar de 10 aos 5 minutos e exame pediátrico normal à nascença; período
de separação da mãe à nascença não superior a 12 horas; ausência de problemas
de saúde que envolvessem o internamento durante os 3 primeiros meses de vida.
Para a mãe, idade entre os 18 e os 35 anos, inclusivamente; estado civil casada
ou em coabitação com o pai do bebé há pelo menos um ano; nacionalidade
portuguesa ou residente em Portugal há pelo menos 10 anos; etnia caucasiana;
primípara e com 4 ou mais anos de escolaridade.
A amostra foi selecionada com base nos registos de nascimentos de uma
Conservatória do Registo Civil da Cidade do Porto. Foram enviadas cartas às
mães a explicar os objetivos e procedimentos do estudo. Foi, solicitado às mães
primíparas que respondessem à carta em conjunto com um questionário de
identificação. Das 1008 cartas enviadas, foram recebidas 348 respostas (índice
de resposta de 35%), das quais 120 foram excluídas por não preencherem os
critérios de inclusão. O presente estudo foi conduzido após amostragem
aleatória e consideradas as respostas recebidas.
O quadro_1 apresenta as principais características sociodemográficas das mães e
bebés da amostra.
Material
Escalas de Avaliação da Interação Mãe-Bebé: Cada uma das escalas IRS compreende
uma avaliação do comportamento do bebé e uma avaliação do comportamento da mãe.
No que se refere ao bebé, são consideradas diversas dimensões, tais como: o seu
estado durante a interação (de sonolento a alerta), a atividade física
apresentada, a orientação da cabeça face à mãe, o contato ocular, as expressões
faciais, a rabugice, as vocalizações positivas e a persistência na alimentação.
Relativamente à mãe, é considerado o estado durante a interação (que pode ser
cotado entre ansiosa/deprimida e atenta/alerta), a atividade física, a
orientação da cabeça face ao bebé, o contato ocular, o silêncio durante a
aversão do olhar do bebé, as expressões faciais, as vocalizações apresentadas,
os comportamentos infantilizados, as respostas contingentes face ao
comportamento do bebé, o comportamento de jogo, a remoção do biberon/mamilo, o
ato de colocar o bebé a arrotar e a persistência no aleitar (ver escalas em
anexo).
As escalas são preenchidas no final do visionamento de um registo vídeo de cada
uma das situações de interação, sendo o período de registo de aproximadamente 5
a 8 minutos para cada escala, e pode ser realizado em casa ou no laboratório. A
cotação é efetuada por dois ou mais observadores, sendo calculada,
posteriormente, a percentagem de acordo entre eles. Sugere-se considerar o
valor de média entre as cotações dos diversos observadores e ponderar a
recotação de um item, caso seja avaliado com mais de um ponto de diferença por
parte de pelo menos um observador.
A escala para a situação face-a-face (IRSff) é constituída por 7 itens para a
avaliação do comportamento do bebé e 10 itens para avaliação do comportamento
da mãe. Cada item é cotado com 1, 2 ou 3, consoante o comportamento apresentado
pela mãe e bebé. Os somatórios das pontuações variam entre os valores mínimo de
7 e máximo de 21 para o bebé e os valores mínimo de 10 e máximo de 30 para a
mãe. Como os resultados da avaliação do comportamento interativo da mãe e do
bebé devem ser divididos pelo número de itens, os resultados nas IRSff variam,
para o comportamento interativo quer do bebé quer da mãe, entre 1e 3.
A escala para a situação alimentar (IRSal) é constituída por 5 itens referentes
ao comportamento do bebé e 9 itens relativos ao comportamento da mãe. Cada item
é cotado com 1, 2 ou 3, sendo que os resultados variam entre os valores 5 e 15
para o bebé e 9 e 27 para a mãe. Como os resultados da avaliação do
comportamento interativo da mãe e do bebé devem ser divididos pelo número de
itens, os resultados nas IRSal variam, para o comportamento interativo quer do
bebé quer da mãe, entre 1e 3.
O resultado final de cada escala (total IRSff e IRSal) é obtido a partir do
somatório das pontuações encontradas em cada item a dividir pelo número de
itens da escala. Como os resultados da avaliação do comportamento interativo da
mãe e do bebé devem ser divididos pelo número de itens, os resultados relativos
à qualidade da interação nas IRSff e IRSal variam entre e 1 e 3.
Em todas as referidas situações, quanto mais elevada for a classificação de
cada elemento da díade ' mãe e bebé ', melhor é a qualidade do seu
comportamento interativo; reportando-se o valor total da escala à qualidade da
interação mãe-bebé.
Procedimento
A versão original das escalas foi traduzida para português, após a autorização
da autora para a realização do estudo. Procedeu-se à retroversão da versão
traduzida, com posterior discussão dos itens em que se observou desacordo,
resultando a versão portuguesa das escalas que se apresenta em anexo.
A versão portuguesa das escalas foi seguidamente administrada a 51 díades mãe-
bebé aos 3, 6 e 12 meses de idade do bebé, relativamente à situação face-a-face
e à situação de alimentação, tendo sido avaliada a consistência interna dos
itens, a fidelidade dos resultados e a fidelidade das escalas (Figueiredo,
1997).
As mães foram contatadas por telefone a fim de agendar um primeiro encontro.
Foi referido às mães que se tratava de um estudo de investigação e que haviam
sido aleatoriamente selecionadas, a partir das cartas que tinham devolvido.
Todas as mães contatadas aceitaram participar no estudo e assinaram
posteriormente um consentimento informado. Neste contato telefónico, foi ainda
explicado às mães o procedimento do estudo, nomeadamente a necessidade de
filmar a interação num momento em que o bebé se encontrasse desperto e os
momentos de avaliação (aos 3, 6 e 12 meses pós-parto). As interações tiveram
lugar na casa das participantes, de modo a minimizar a reatividade habitual dos
sujeitos.
RESULTADOS
À semelhança da versão original, também na versão adaptada foi calculado o
acordo entre observadores. As cotações foram efetuadas por dois investigadores
independentes, com formação prévia na administração dos instrumentos. De forma
a avaliar este acordo, foi calculada a Percentagem de Concordância, que é
obtida através da divisão do número de acordos entre os observadores pela soma
dos acordos e desacordos. A Percentagem de Concordância na pontuação de todos
os itens das ambas escalas foi significativa ou muito significativa,
apresentando coeficientes entre um mínimo de 0,78 e máximo de 0,95.
A consistênciainterna dos itens foi analisada através do cálculo dos
coeficientes alfa para a avaliação das escalas aos 3 meses de idade do bebé
(N=51). Na situação face-a-face, os coeficientes encontrados foram de 0,85 para
o bebé e 0,91 para mãe. Na situação alimentar, foram encontrados coeficientes
de 0,87 para o bebé e 0,82 para a mãe. Os elevados valores encontrados indicam
a homogeneidade dos itens para ambas as situações quer para o comportamento da
mãe, quer para o do bebé, à semelhança do que ocorreu com a versão original.
A fidelidade dos resultados obtidos foi avaliada através do método de teste-
reteste para as duas administrações sucessivas das escalas aos 3 e 6 meses
(N=46) e 6 e 12 meses de idade do bebé (N=45). No que se refere ao
comportamento do bebé foram encontrados coeficientes de 0,56 e 0,62 para a
situação face-a-face e coeficientes de 0,53 e 0,60 para a situação alimentar.
Os coeficientes encontrados relativamente ao comportamento interativo da mãe
foram de 0,70 e 0,77 para a situação face-a-face e 0,54 e 0,63 para a situação
alimentar. Os elevados coeficientes encontrados permitem concluir quanto à
estabilidade dos resultados obtidos na administração da versão portuguesa das
escalas IRS.
O método da divisão em duas partes foi utilizado para avaliar a fidelidade das
escalas administradas aos 3 meses de idade (N=51), tendo sido encontrados
elevados valores de correlação, quer para a escala IRSff (0,86 para a avaliação
do bebé e 0,90 para a da mãe), quer para a escala IRSal (0,87 para o bebé e
0,82 para a mãe).
A versão portuguesa das escalas IRS também foi avaliada relativamente à
validade concorrente e validade preditiva (Figueiredo, 1997). Apresentou
validade concorrente, na medida em que, aos 3 meses após o parto, se encontrou
uma correlação positiva e significativa entre os resultados nas escalas IRSff e
IRSal para o comportamento da mãe e os resultados do Inventário HOME para
Crianças dos 0 os 3 anos (Home Observation for Measurement of the Environment,
HOME, Caldweel & Bradley, 1984): respectivamente ' 0,36 (p <.05) para a
IRSff e 0,60 (p <.01) para a IRSal. Do mesmo modo, no que concerne ao
comportamento do bebé, os resultados das escalas também se correlacionaram
positiva e significativamente com as Escalas para Avaliação do Desenvolvimento
do Bebé de Bayley (Bayley's Scales of Infant Development, BSID, Bayley, 1993) '
0,52 (p <.01) aos 3 meses de idade do bebé.
A validade preditiva das escalas foi igualmente analisada, mediante a
correlação dos seus valores aos 3 meses de idade do bebé com os resultados
obtidos no Inventário de HOME (para o comportamento da mãe) e nas BSID (para o
comportamento do bebé) aos 12 meses de idade. As mães que, aos 3 meses pós-
parto, apresentavam um comportamento interativo mais adequado na IRSff e na
IRSal, eram as que providenciavam cuidados mais adequados aos 12 meses pós-
parto, quando avaliadas no Inventário HOME. Por sua vez, os bebés que
apresentavam um comportamento interativo mais adequado aos 3 meses de idade nas
IRSff e IRSal, apresentavam, nas BSID aos 12 meses de idade, uma orientação
social mais adequada com a mãe (0,52, p < 0,01), com o observador (0,43, p <
0,01) e com as pessoas em geral (0,30, p < 0,05), assim como maior cooperação
face ao observador (0,30, p < 0,05) e evidenciavam menos receio face a ele (-
0,40, p < 0,01).
A análise dos itens permitiu concluir a existência de correlações positivas
entre as subescalas para a mãe e para o bebé e o total da IRSff e da IRSal. Por
outro lado, também foi encontrada uma correlação positiva significativa entre
os resultados dos itens e das sub-escalas e da escala total (Quadro_2).
Os valores de média e desvio-padrão encontrados após a administração da versão
portuguesa das IRS aos 3 meses de idade do bebé, podem ser consultados no
Quadro_3.
DISCUSSÃO
As Escalas de Avaliação da Interação Mãe-Bebé, versão portuguesa das
Interaction Rating Scales(Field, 1980), assumem-se como um instrumento robusto
para a avaliação da interação na díade mãe-bebé, na situação de interação face-
a-face e na situação de interação alimentar, aos 3 meses de idade do bebé. Com
efeito, a versão portuguesa das escalas mostrou elevados índices de
consistência interna ' Alfa de Cronbach 0,85 (IRSff bebé), 0,91 (IRSff mãe),
0,87 (IRSal bebé), 0,82 (IRSal mãe). Foi igualmente demonstrada a fidelidade
teste-reteste ' coeficientes de 0,86 (IRSff bebé), 0,90 (IRSff mãe), 0,87
(IRSal bebé), 0,82 (IRSal mãe) ' e validade concorrente e preditiva das
escalas.
Dado a sua administração fácil e breve, este instrumento - que, não obstante,
contempla elementos chave para avaliar a qualidade da interação mãe-bebé nas
duas situações mais relevantes nesta etapa desenvolvimental, a situação face-a-
face e a situação alimentar, pode ser utilizado em diferentes amostras de mães
e bebés e em diversos contextos, tanto clinico como de investigação. Pode ainda
constituir-se um importante auxílio na avaliação da eficácia de programas de
intervenção dirigidos à promoção da qualidade de interação mãe-bebé, sendo
sensível, quer a condições que se mostraram desfavoráveis ao desenvolvimento da
criança, como a depressão materna (e.g., Field et al., 2010; Figueiredo, 2007),
quer à mudança em importantes dimensões da interação na díade mãe-bebé na
sequência de intervenção (e.g., Field et al., 1980).