Vinculação e modelo interno dinâmico do self em crianças de idade pré-escolar
ABSTRACT
Attachment theory suggests that notions about the self and representations of
the attachment relationships become internalized over the time within a
matching mode, with early interactions performing a crucial role on this
process. Nevertheless, few studies looked at the associations between self-
concept and attachment quality during the preschool period, as this study aims
to do. Participants were 70 Portuguese children, aged between 4 and 5 years.
Quality of attachment representations was assessed through the Attachment Story
Completion Task - ASCT (Bretherton et al., 1990). All the 5 stories were
videotaped and rated, by three blinded trained coders, on a 8-point scale for
Coherence and Security (Bretherton, Ridgeway & Cassidy, 1990). Inter-rater
agreement reached, respectively, 0,81 and 0,85. Self representations were
assessed using the Puppet Interview (Cassidy, 1986) to evaluate the internal
working model of the self. Results show the relation between attachment
relationship and the organization of the child self internal working model.
Children with a secure attachment model showed a more positive internal model
of the self. Our results support the presence of connections between the
quality of the attachment representations and the global representation of the
self. In the future it would also be important to diversify our sample,
presently a non-risk one, so that different patterns of association between
self-concept and attachment representations can be explored.
Key Words-attachment, internal working models, self-concept
O Conceito de Self
O interesse em estudar o self tem vindo a ser profundo e contínuo ao longo dos
tempos, devido à ideia de que as crenças e sentimentos sobre o próprio possuem
um papel determinante no desenvolvimento dos indivíduos (Cassidy, 1990). De
facto, consideram-se em risco para uma série de problemas negativos, tais como
um menor sucesso escolar (e.g. Mann, Hosman, Schaalma, & De Vries, 2004),
maior psicopatologia, como ansiedade (e.g. Lee & Hankin, 2009), depressão
(e.g. Sowislo & Orth, 2013) e ideações suicidas (e.g., Thompson, 2010), as
crianças e adolescentes que pensam negativamente sobre si. Pelo contrário, as
auto perceções positivas têm sido associadas a resultados favoráveis como o
sucesso académico (e.g., Marsh, 1990), e aceitação dos pares (e.g., Boivin
& Begin, 1989).
Desta forma, ao longo dos tempos, diferentes teorias da Psicologia foram-se
interessando pelo estudo do self, desde as teorias clássicas da Psicologia
Social, passando pelas teorias de relação de objeto da Teoria Psicanalítica e
culminando na Teoria da Vinculação. Um fator unificador destas diferentes
teorias sobre o selfé a noção que este se desenvolve com as interações sociais
(Bretherton, 1991; Cassidy, 1990). De forma geral, de todos os tipos de
relações sociais, as que têm vindo a ser definidas como primordiais ao
desenvolvimento do self têm sido as relações precoces estabelecidas com os
cuidadores primários (Bowlby, 1971, 1973; Bretherton, 1991; Cassidy, 1990;
Sroufe, 1995, 2000; Winnicott, 1960; Sullivan, 1953).
No entanto, e apesar de diferentes teorias apontarem para os primeiros anos de
vida dos indivíduos como um período crucial no desenvolvimento de um
autoconceito positivo, indicando que uma vez estabelecido, tem tendência a ser
estável ao longo da vida (e.g., Entwisle, Alexander, Pallas, & Cadigan,
1987), pouca tem sido a investigação desta área efetuada em crianças pequenas,
pré-escolares (Marsh, Ellis, & Craven, 2002).
Bowlby (1971, 1973), na sua Teoria da Vinculação, sugere que as pessoas
desenvolvem um sentido global do seu self muito precocemente, em função da
relação que estabelecem com as suas figuras de vinculação. Diversos autores têm
vindo a reforçar esta ideia (e.g. Main, Caplan, & Cassidy, 1985), existindo
alguns estudos que têm vindo a demonstrar que as crianças pequenas são capazes
de falar sobre o seu self, de forma global (e.g. Eder, Gerlach, &
Perlmutter, 1987).
Autores como Cassidy (1988), Verschueren, Marcoen e Shoefs (1996), Verschueren
e Marcoen (1999), e Clark e Symons (2000), têm vindo a comprovar que é possível
medir de forma fidedigna o selfde crianças pré-escolares e que este se
apresenta, de forma geral, estável. Estes estudos têm demonstrado também, que
as crianças desta idade possuem já uma representação global de si. Desta forma,
a investigação mais recente parece apontar para o facto de que as crianças
pequenas possuem selfs estáveis e consistentes que podem ser avaliados de forma
fidedigna (Erdmann, 2006). Byrne (1996) afirma que os instrumentos utilizados
para investigar o selfem crianças de idade pré-escolar devem ser desenhados de
forma a: (a) manterem o interesse da criança; (b) providenciarem descrições da
questão em estudo muito concretas e específicas; (c) utilizarem um método de
resposta simples e direto; e (d) compensarem a tendência de respostas
socialmente desejáveis.
Tendo por base a teoria da vinculação, Cassidy (1988) desenvolveu uma
entrevista específica para aceder à representação global doself em crianças
pequenas, denominada de Puppet Interview. Esta entrevista tem como objetivo
fazer com que a criança revele os sentimentos generalizados acerca do self, de
uma forma indireta e lúdica: o experimentador, ao colocar questões acerca do
valor da criança a um fantoche, espera que a mesma responda através do próprio
fantoche.
O Self na Teoria da Vinculação
Para a psicologia do desenvolvimento, e mais especificamente de acordo com a
teoria da vinculação, as representações acerca da relação com a figura de
vinculação estão estreitamente relacionadas com as representações do próprio
self da criança. Bowlby (1973) postulou que a existência do modelo interno
dinâmico relativo à figura de vinculação e do modelo interno relativo ao self é
complementar e mutuamente confirmatória, dependendo a qualidade destes modelos
do modo como as figuras de vinculação são sensíveis aos sinais da criança e do
modo como respondem aos mesmos de forma contingente. Se a criança a partir da
relação com a figura de vinculação, com base na disponibilidade e
responsividade da mesma, desenvolver modelos representacionais seguros (i.e.,
quando as suas necessidades de proximidade emocional, de proteção e de
segurança estão preenchidas, existindo suporte para uma exploração ativa e
autónoma do meio), provavelmente irá desenvolver um modelo de funcionamento do
self positivo, valorizado e especial. Se pelo contrário, desenvolve modelos
representacionais inseguros (i.e., quando as interações precoces são
caracterizadas por uma falta de adequação entre aquilo que são as necessidades
da criança e as respostas dadas pelas figuras cuidadoras), poderá desenvolver
um modelo de funcionamento do self negativo, desvalorizado e sem amor
(Verschueren, Marcoen & Schoefs, 1996).
O modelo interno de funcionamento do self é, assim, definido como uma estrutura
dinâmica, contendo cognições emocionalmente carregadas sobre o modo como a
criança de sente amada e valorizada (Cassidy, 1990). Na visão da autora, Bowlby
(1971) quando elaborou a noção de modelo de interno dinâmico do self, ao
contrário de outros teóricos, não se centrou na distinção entre auto-afecto e
auto-cognição, pelo que os modelos internos dinâmicos possuem quer componentes
afetivos, quer componentes cognitivos, uma vez que o selfse desenvolve na
relação de vinculação, implicando, necessariamente, desta forma, a componente
afetiva (Bowlby, 1971, 1973).
Representações de vinculação e representações de self
Os escassos estudos que procuraram relacionar as experiências e representações
de vinculação com as representações do Self em crianças de idade pré-escolar,
têm demonstrado que as representações do self começam a estruturar-se e emergir
nesta fase, encontrando-se relacionadas com as representações de vinculação. O
estudo inaugural e de referência de Cassidy (1988), em que foi testada a
existência de uma associação entre o grau de segurança e a qualidade das
representações de vinculação e a qualidade da representação global doself, com
crianças de 6 anos, utilizou: (1) um procedimento de Separação-Reunião, para
avaliar a qualidade de vinculação à mãe; (2) uma tarefa de completamento de
histórias, para avaliar a representação do self; (3) uma entrevista com a
criança onde aplicou a subescala da autoestima contida na Harter's Perceived
Competence Scale for Children(Harter, 1982); (4) a Puppet Interview para
avaliar a autoestima; e, por último, (5) a Harter's Perceived Competence Scale
for Children (Harter, 1982),para avaliar elementos do autoconceito. Este estudo
revelou que crianças seguras tendem a descrever-se de forma mais positiva,
projetando uma boa imagem do seu self e apresentando maior capacidade para
conceber imperfeições em si próprias.
Verschueren, Marcoen e Schoefs (1996), com crianças de 5 anos, aplicaram a
Puppet Interview, numa versão adaptada por si, para aceder às representações do
selfe a Attachment Story Completion Task para aceder ao modelo interno de
vinculação. Detetaram uma relação significativa entre estes dois conceitos. No
entanto, os seus resultados demonstram que crianças com uma vinculação segura
não só possuem uma maior representação na categoria do self positivo e aberto
das Puppet Interview, mas também na categoria positivo e perfeito. Desta forma,
pelo menos nesta idade, e de acordo com este estudo, a característica principal
de crianças seguras não parece ser a de possuírem uma autoimagem aberta a
imperfeições (Cassidy, 1988), mas simplesmente uma autoimagem positiva, que
pode ser aberta ou perfeita, dependendo de fatores ainda desconhecidos.
Verificou-se também que as crianças com uma representação positiva do self, se
apresentam mais competentes socialmente e melhor ajustadas à escola do que as
crianças com uma representação negativa.
Mais tarde, Verschueren e Marcoen (1999), replicando este estudo em crianças
com a mesma idade, ao mesmo tempo que introduziam novas medidas e avaliavam
separadamente as representações de vinculação do pai e da mãe, verificaram que
crianças com uma representação de vinculação segura da sua relação com a mãe
apresentavam valores mais elevados ao nível da autoestima e da autopercepção
das suas competências cognitivas e físicas. Neste estudo, que utilizou
diferentes metodologias para aceder à autoestima, a diferença mais robusta foi
encontrada quando as representações do self foram acedidas por meio da Puppet
Interview. Já a qualidade da representação da relação de vinculação com o pai,
predisse problemas comportamentais de ansiedade e de isolamento.
No seu estudo longitudinal, Clark e Symons (2000), utilizaram o Attachment Q-
Sort, para aceder à qualidade da relação de vinculação aos 2 anos de idade, a
Pictorial Scale of Perceived Competence and Social Acceptance for Young
Children, para aceder ao autoconceito das crianças aos 5 anos de idade e a
Puppet Interview, para aceder à autoestima das crianças também aos 5 anos.
Encontraram relações concorrentes entre o comportamento de vinculação das
crianças às suas mães e as suas representações de self, sugerindo a existência
de uma associação moderada entre o grau de segurança da vinculação e a
qualidade afetiva da autoestima e da representação global das crianças sobre
si. No entanto, os scores da segurança de vinculação aos 5 anos não predisseram
uma quantidade significativa de variância no autoconceito geral ou na aceitação
social. Estes resultados diferem de trabalhos prévios (Cassidy, 1988).
Contrariamente às expectativas, a segurança de vinculação aos 2 anos de idade
não predisse as representações do self aos 5 anos de idade. Por outro lado, não
foram encontradas relações entre as duas medidas de self, confirmando
resultados de estudos prévios (Cassidy, 1988; Verschueren, et al 1996), onde as
crianças que avaliaram de forma positiva as suas competências nas escalas de
autoconceito não se descreveram uniformemente de forma positiva na medida de
autoestima. Os autores concluíram que a falta de relação entre as duas medidas
de self, bem como o facto de não encontrarem relações entre a segurança de
vinculação e as dimensões do autoconceito, contribuem para crescentes
preocupações com a validade da PSPCSA (e.g. Fantuzzo et al., 1996). Será também
de referir que a medida utilizada neste estudo para aferir acerca da
vinculação, é uma medida comportamental, o que pode influenciar os resultados
obtidos a este nível.
Por sua vez, Goodvin, Meyer, Thompson, e Hayes (2008), verificaram que a
segurança das representações de vinculação, aos 4 anos, está associada a um
self mais positivo aos 5 anos, sendo que as crianças seguras demonstram uma
maior consistência ao longo do tempo relativamente às suas auto-percepções.
Estes resultados de associação entre as representações de vinculação e as
representações de self foram corroborados por estudos de diversos autores
(Ackerman, & Dozier, 2005; Gullón-Rivera, 2013; Maia, Ferreira, Veríssimo,
Santos e Shin, 2008; Silva e Santos, 2011; Toth, Sheree, Cichetti e Macfie,
2000).
Também em estudos com crianças mais velhas, foi demonstrado que crianças
seguras, possuem umself mais positivo e fazem atribuições mais positivas acerca
das intenções dos outros (pais, pares ou professores) (Clark & Symons,
2009). Já em adolescentes, Mikulincer (1995) verificou que os indivíduos
seguros possuem uma visão mais positiva acerca do self, comparativamente a
indivíduos ambivalentes. Os adolescentes seguros demonstraram também possuir
uma estrutura do self mais coerente, equilibrada e complexa.
Desta forma, a presente investigação teve como objetivo compreender a relação
entre o modelo interno de funcionamento do self e o modelo interno da figura de
vinculação, pretendendo-se analisar se existe uma associação entre a qualidade
da representação de vinculação e a representação global do self, em crianças de
idade pré-escolar.
MÉTODO
Participantes
Participaram 70 crianças, com idades compreendidas entre os 4 e os 5 anos.
Caracterizada pela sua homogeneidade, a amostra é constituída por participantes
que se encontram inseridos em contexto escolar, numa instituição privada de
ensino pré-escolar no Distrito de Lisboa. Relativamente às famílias das
crianças, as habilitações literárias maternas variam entre os 9 e os 23 anos de
escolaridade (M=15,00; DP=3,04) e as habilitações paternas entre os 4 e os 19
anos (M=15,1; DP=3,33). As mães têm em média 35,8 anos (DP=4,67) de idade e os
pais 38,3 anos (DP=6,6). Os pais receberam informação sobre o projeto e
preencheram um consentimento informado.
Material
Representação de Vinculação:
Attachment Story Completion Task (ASCT,Bretherton, Ridgeway & Cassidy 1990;
Maia, Veríssimo, Ferreira, Silva, & Fernandes, 2009). A ASCT é um
instrumento que tem como objetivo aceder ao modelo interno de vinculação
através da análise das narrativas das crianças construídas a partir de cenários
do dia-a-dia familiar apresentados pelo investigador. É aplicável entre os 3 e
os 6 anos e consiste numa entrevista de cerca de 30 minutos, durante a qual,
através de uma família de pequenos bonecos (pai, mãe, duas crianças do mesmo
sexo, mas de idades diferentes e a vizinha) e adereços (e.g. mesa e cadeiras,
bolo de aniversário, camas, e um automóvel), a criança é convidada a construir
pequenas narrativas que terminem os inícios das histórias apresentados pelo
investigador.
É constituída por seis histórias distintas, tendo cada uma delas sido formulada
no sentido de remeter para uma problemática distinta acerca da vinculação: (1)
a figura de vinculação num papel de autoridade face a um acidente da criança (a
história do Sumo Entornado); (2) a dor como um desencadeador de comportamentos
de vinculação e proteção (história do Joelho Magoado); (3) o medo da criança
(história do Monstro no Quarto); (4) a ansiedade de separação e a capacidade de
copingcom um cuidador substituto, a vizinha, (história da Partida); (5) e a
tonalidade afetiva do regresso dos pais (história do Reencontro). Previamente a
estas seis histórias, é apresentada a história do Aniversário, que serve de
história de aquecimento e ambientação da criança à tarefa. Diversos estudos têm
utilizado a ASCT nos últimos anos em Portugal, sugerindo a validade da sua
utilização em crianças do pré-escolar (Maia et al 2008; Pinto et al 2011, Maia
& Veríssimo, 2012).
Procedimentos de Aplicação da ASCT -O sexo e posição na fratria da criança-
protagonista na história são igualados aos da criança participante.
(Bretherton, Ridgeway & Cassidy, 1990). De seguida, apresenta-se cada
elemento da família à criança, pedindo-lhe que dê um nome a cada um dos irmãos/
irmãs, bem como à vizinha. Parte-se para a apresentação dos adereços da
história em questão e inicia-se a introdução dramatizada da história. No fim, o
investigador dá a seguinte instrução: Mostra-me o que aconteceu a seguir ,
largando os bonecos e deixando a cena livre para a criança. Para iniciar a
história seguinte, o experimentador diz: Tenho uma ideia para uma história
diferente ou Podemos passar à próxima história? e de modo a facilitar o
envolvimento da criança na tarefa é-lhe pedido, no final de cada história, que
ajude a dispor o cenário para a história seguinte.
Metodologia de Cotação da ASCT-Realizou-se uma avaliação das representações de
vinculação num contínuo, privilegiando a extensão em que estão presentes, ou
não, elementos da dimensão segurança ' insegurança (Heller, 2000; Maia et al
2009). Para tal, são analisados dois critérios: coerência e segurança, ambos
avaliados numa escala de 8 pontos. No presente estudo só o critério da
segurança foi utilizado. O critério da segurança constitui uma medida mais lata
que inclui a capacidade de resolução do problema, tem também em conta os
seguintes parâmetros: comportamento não-verbal, emoção geral expressa,
conhecimento emocional, representação parental, investimento na tarefa,
fluência verbal e interação com o entrevistador. É igualmente avaliada numa
escala de 8 pontos, que varia de Desorganizado (1) a Muito Seguro (8), e onde
estão contidas as distintas cambiantes dos comportamentos de evitamento e de
ambivalência.
Os vídeos foram cotados por investigadores independentes tanto da recolha dos
dados, como das restantes medidas, devidamente treinados e desconhecedores de
qualquer informação acerca dos participantes. Para avaliar a validade da
cotação, cerca de 60% dos dados foram cotados por dois investigadores, tendo-se
obtido um acordo interavaliadores de r = 0,85 para a Segurança.
Modelo Interno Dinâmico de Self:
Puppet Interview (PI: Cassidy, 1988; Verschueren, Schoefs, & Marcoen, 2000)
-A Puppet Interview, aplicável a crianças entre os 5 e os 7 anos de idade, é
uma metodologia semiprojectiva de entrevista indireta que consiste em dar-se à
criança um fantoche de mão, ao qual o entrevistador coloca 20 questões
relativas ao valor ou autoestima da criança. A criança deverá responder às
questões, dando voz ao fantoche, assumindo-se assim, que ao fazê-lo estará a
revelar as suas expectativas acerca do modo como os outros a percecionam,
podendo estas respostas ser interpretadas como um reflexo da própria autoestima
da criança (Cassidy, 1988).
A Puppet Interview foi criada por Cassidy (1988) e utilizada nesse mesmo
estudo. De lá para cá, vários autores têm vindo a utilizá-la como metodologia
de investigação, contribuindo para a sua validação (Ackerman, & Dozier,
2005; Clark, & Symons, 2000, 2009; Goodvin, Meyer, Thompson, & Hayes,
2008; Gullón-Rivera, 2013; Verschueren, & Marcoen, 1999; Verschueren,
Buyck, & Marcoen, 2001; Verschueren, Marcoen, & Schoefs, 1996). Em
Portugal os estudos sobre esta temática em crianças pré-escolares são
extremamente raros, mas têm também demonstrado bons resultados na utilização
desta medida (Silva & Santos, 2011).
Procedimentos de aplicação da PI -O entrevistador começa por apresentar o
fantoche à criança (um sapo chamadoCroco), deixando que esta se habitue à sua
presença e que o agarre, se assim o desejar. É explicado à criança o
funcionamento do jogo, através das seguintes instruções: Eu vou fazer algumas
perguntas ao Croco. Perguntas sobre ti. E o Croco vai responder a estas
perguntas. Mas sabes o Croco não consegue falar por ele próprio, ele não tem
voz, então tens que ser tu a falar pelo Croco. Queres experimentar para ver
como é?.Seguem-se algumas perguntas de aquecimento para familiarizar a criança
com a tarefa, após o que investigador termina dizendo: Percebes como funciona
este jogo? Tu podes responder o que quiseres. Não existem respostas certas ou
erradas, o Croco só tem de dizer o que realmente pensa..A partir deste
momento, o entrevistador olha diretamente apenas para o fantoche e começa a
fazer-lhe as perguntas (Verschueren, Marcoen & Schoefs, 2000).
Metodologia de Cotação da PI -Quer a qualidade afetiva e positividade do self,
quer a facilidade em admitir falhas realísticas quando pressionadas (abertura a
imperfeições), são tomadas em consideração no processo de cotação (Verschueren,
Marcoen & Schoefs, 1996). De facto, com o objetivo de cotar separadamente
as dimensões ' positividade e abertura ' do modelo do self, Verschueren,
Schoefs e Marcoen (1994), procederam à elaboração de um sistema de codificação
diferente do originalmente desenvolvido por Cassidy (1988). De acordo com este
novo sistema, a abertura do self é cotada a partir de cinco questões da Puppet
Interview, as quais se referem a imperfeições realísticas. Quando a criança é
capaz de admitir uma imperfeição, pelo menos a uma destas cinco questões, a
entrevista é classificada como Aberta, caso contrário, quando a criança não
assume qualquer imperfeição, a entrevista é classificada como Perfeita
(Verschueren, et al 2000).
Relativamente à positividade do self, esta é avaliada em função das respostas
da criança às restantes 15 perguntas. Quando a criança, nas 15 questões, não é
capaz de fazer nenhum comentário negativo ou fornecer uma resposta ligeiramente
negativa (meia-negativa) acerca do self, a entrevista é classificada como
Positiva. Se, por outro lado, a criança fornecer, pelo menos, uma resposta
fortemente negativa ou duas respostas ligeiramente negativas acerca do self,
então, a entrevista é classificada como Negativa. A combinação das duas
dimensões de Positividade e Abertura conduzem a quatro possíveis modelos com os
quais as entrevistas são cotadas: (1) SelfPositivo-Aberto, (2) Self Positivo-
Perfeito, (3)SelfNegativo-Aberto, e (4) Self Negativo-Perfeito (Verschueren,
Schoefs, & Marcoen, 2000). Dois investigadores treinados, independentes da
recolha de dados, bem como das restantes medidas e desconhecedores de qualquer
informação sobre as crianças, cotaram as entrevistas, tendo-se chegado a um
acordo de 0.81.
Competência verbal:
Weschsler Preschool and Primary Scale of Intelligence(WPPSI; Weschler, 1989;
Adaptação Espanhola realizada pelo Departamento I+D da TEA Edições, Madrid,
1996). Foram aplicados os subtestes verbais da WPPSI, com o fim de analisar as
competências verbais das crianças e possíveis diferenças na capacidade lexical
e compreensão verbal, que pudessem influenciar de alguma forma os resultados
obtidos tanto em termos de vinculação como de relações de objeto.
A WPPSI avalia o Quociente de Inteligência (QI) geral, subdividindo-o em duas
partes: QI verbal e QI manipulativo em crianças com idades entre os 4 e os 6 ½
anos. A prova original é constituída por onze provas (seis verbais: Informação,
Vocabulário, Aritmética, Semelhanças, Compreensão e Frases ' Opcional) e cinco
manipulativas.
Procedimento de Aplicação da WPPSI -A recolha dos dados relativos ao QI verbal
de cada criança foi realizada de forma individual e independente, em dias
diferentes da recolha das narrativas ASCT, segundo a disponibilidade das
crianças. As provas foram aplicadas pela seguinte ordem: Prova de Informação,
Prova de Vocabulário, Prova de Aritmética, Prova de Semelhanças e Prova de
Compreensão. Não foi, portanto, aplicada a prova opcional Frases.
Procedimentos Gerais-O presente estudo enquadra-se num projeto de investigação
mais vasto financiado pela FCT (PTDC/MHC-PED/3929/2012). O projeto foi aprovado
pela Comissão de Ética do centro de Investigação do ISPA-Instituto
Universitário. Os pais foram contactados através da direção das escolas e
convidados a participar numa reunião na qual os investigadores apresentaram os
objetivos do estudo e os instrumentos a utilizar. Todos os pais que autorizaram
a participação dos seus filhos assinaram um documento de consentimento
informado, antes de iniciar as entrevistas foi solicitado o consentimento à
criança.
As recolhas da entrevista ASCT, da Puppet Interview e da WWPSI foram realizadas
por grupos de investigadores independentes, previamente treinados e cegos a
todas as outras medidas. Todas as sessões foram videogravadas e cada
instrumento recolhido em dias diferentes. A ordem de recolha dos diferentes
instrumentos foi mantida para todas as crianças, primeiro a ASCT seguida da
Puppet Interview e finalmente aWWPSI.
Para o tratamento estatístico dos dados, foi o utilizado o software Statistical
Package for the Social Sciences(SPSS - versão 17). Foram determinadas as médias
e os desvios-padrão no que respeita àscaracterísticas da amostra e às variáveis
contínuas em estudo. A consistência interna do ASCT foi avaliada através do
alfa de Cronbach. Recorreu-se a testes de análise de variância para verificar
as diferenças entre crianças com um self positivo ou negativo ao nível da
segurança da vinculação.
RESULTADOS
Representações de Vinculação
Realizou-se uma análise de Cronbach entre as diferentes histórias da ASCT, em
relação à Segurança, tendo-se verificado um alfa de 0,85. Através da média dos
valores de Segurança, nas 5 histórias, foi criada uma nova variável, denominada
de Segurança total (M=5,61; DP=0,98). Não encontramos correlações
significativas entre a segurança e a capacidade verbal.
Modelo Interno do Self
Tendo em conta o número de sujeitos (N=70), a cotação do modelo interno do self
foi reduzida para uma dimensão de positividade versus negatividade. Desta
forma, foram criadas duas categorias: 37 sujeitos foram classificados na
categoria Self Positivo e 33 sujeitos na categoria Self Negativo.
Modelo Interno de Vinculação e Modelo Interno do Self
Para avaliar de que forma é que o modelo interno dinâmico de vinculação está
relacionado com o modelo interno dinâmico do self,recorreu-se à ANOVA one-way.
Observou-se um resultado estatisticamente significativo entre a positividade do
self e os resultados de Segurança (F (1, 69) = 4,40, p <0,05), com os sujeitos
com um modelo interno dinâmico positivo do self a apresentarem valores
significativamente mais elevados na escala de Segurança, comparativamente aos
sujeitos com um modelo interno negativo dinâmico do self. Na figura_1
apresenta-se a representação gráfica das médias.
DISCUSSÃO
No presente estudo, foi possível confirmar uma forte associação entre a
segurança da representação da relação de vinculação, e a positividade doself.
Mais especificamente, através da análise das narrativas produzidas no ASCT,
ficou demonstrado que as crianças que apresentaram valores mais elevados na
escala de Segurança (representação mais segura da relação de vinculação),
possuem uma representação global do self mais positiva. Estes resultados vão ao
encontro do proposto por Bowlby (1971, 1973), de que crianças com um modelo
interno de vinculação mais seguro, possuem um modelo interno do self mais
positivo. Tendo em conta o racional da ASCT, é igualmente importante salientar
que as crianças que possuem um modelo interno de vinculação mais seguro,
constroem narrativas mais seguras e mais coerentes e são capazes enfrentar os
problemas apresentados nas histórias de forma emocionalmente aberta,
apresentando resoluções onde, por exemplo, os adultos respondem de forma
contingente às necessidades da criança protagonista.
Apesar de terem sido realizados poucos estudos que procurassem analisar a
associação entre o conceito de self e o modelo interno de vinculação, no
período pré-escolar, os resultados do presente estudo, vão, na sua
generalidade, ao encontro dos resultados encontrados em estudos anteriores
(e.g., Cassidy, 1988; Clark & Symons, 2000, 2009; Verschueren &
Marcoen, 1999; Verschueren, Marcoen & Schoefs, 1996), contribuindo assim
não só para os estudos empíricos realizados na área dos modelos internos
dinâmicos, como também para a validação, quer da ASCT, quer da Puppet
Interview.
Relativamente às limitações da presente investigação, podemos apontar duas
questões essenciais. A primeira refere-se ao tipo de amostra escolhida, pois os
participantes são todos oriundos de famílias pertencentes a uma classe
socioeconómica média e média alta, não representando assim a generalidade das
famílias portuguesas. Deste modo, os resultados deste estudo não podem ser
generalizados a toda a população, o que resulta numa validade externa mais
reduzida. Torna-se assim importante, em futuros estudos que pretendam
generalizar estes resultados, procurar uma amostra mais diversificada do ponto
de vista socioeconómico. Em segundo lugar, encontra-se o facto de as medidas
aplicadas serem concorrentes: apesar de serem recolhidas e cotadas por equipas
de investigadores independentes, a recolha de ambas foi realizada,
sensivelmente, ao mesmo tempo. Tal facto, implica a não existência de validade
preditiva, ou seja, que os dados obtidos não permitem afirmar que a qualidade
das representações de vinculação prediz a qualidade da representação global do
self.
Desta forma, no futuro e tentando colmatar a segunda limitação apontada e
algumas lacunas na literatura, será importante realizar um estudo de carácter
longitudinal onde se analise, por exemplo, a direção dos efeitos entre a
qualidade da relação de vinculação com a mãe, a relação com os professores e a
relação com os pares no desenvolvimento do self. No período pré-escolar e
escolar, para além da relação de vinculação com os cuidadores, assiste-se a uma
crescente importância da relação com os pares e com os professores no
desenvolvimento da criança, podendo estas relações influenciar de forma
positiva, ou negativa a sua adaptação e, consequentemente, o próprio self. Em
estudos anteriores, foi comprovado que enquanto o envolvimento em relações de
suporte com professores e pares prediz de forma positiva o desenvolvimento
favorável da criança, a rejeição pelo grupo de pares e as interações
conflituosas com os professores favorecem a inadaptação da criança ao contexto
escolar (Verschueren, Doumen & Buyse, 2012). O estudo de Verschueren, et al
(2012), foi pioneiro neste sentido, uma vez que na literatura as associações
entre o autoconceito, a relação com os cuidadores, com os professores e a
relação com os pares são analisadas separadamente. Assim, os resultados do
estudo apontaram na direção de um modelo de efeito especializado entre o
autoconceito académico e a qualidade da relação com os professores, entre o
autoconceito social e a aceitação pelos pares e entre o autoconceito global e a
qualidade da vinculação à mãe.
Será igualmente importante, no futuro, diversificar o tipo de amostra, na
medida em que a atual corresponde a uma população normal. Deste modo, mais do
que aumentar o número de participantes, será importante analisar, por exemplo,
os padrões de associação entre a representação global do self e as
representações de vinculação numa população de risco.
Quando a figura de vinculação é sensível aos sinais da criança e responde às
suas necessidades de conforto e proteção, a criança provavelmente irá
desenvolver um modelo de figura de vinculação disponível, protetora e apoiante
e um modelo de si própria como valorizada e competente (Bretherton, 1990). Por
outro lado, quando os cuidadores adoptam comportamentos desadequados, sob a
forma de maus-tratos ou negligência, as crianças têm maiores probabilidades de
desenvolver padrões inseguros de vinculação e de construir modelos distorcidos
do self, percepcionando os outros como rejeitantes e indisponíveis (Benavente,
Justo & Veríssimo, 2009). Posto isto, e tendo como referência as concepções
sobre os modelos internos dinâmicos, revela-se interessante, com a mesma
metodologia adoptada no presente estudo, analisar a associação entre as
representações da relação de vinculação e o modelo interno de funcionamento do
self, por exemplo em crianças vitimizadas em contexto institucional.