Conceito de Boa Morte na População Portuguesa
Desde o aparecimento dos Cuidados Paliativos que a ideia de uma boa morte é
considerada um conceito essencial. Num mundo pré-científico o homem sentia-se
incapaz perante a morte e as suas causas, agora, com a ciência médica, surge o
controlo (Walters, 2004). Os cuidados em fim-de-vida englobam a gestão da dor e
de outros sintomas, assim como a prestação de apoio psicológico, social e
espiritual. São sustentados também, pela sensibilidade às crenças pessoais,
culturais e religiosas (Spathis, & Booth, 2008). A qualidade de morte ou
boa morte emerge como uma experiência pessoal na condição de fim-de-vida
(Leung, Tsai, Chui, Wu, & Chen, 2010). O homem ao longo da vida tem em
conta que a morte e o processo de morrer incluem dimensões biológicas,
psicológicas e sociais (Oliveira, 2012). Quando adulto, a possibilidade de
morte é vista como algo que pode efetivamente acontecer, mas é com o avançar da
idade que a pessoa tem a capacidade de encarar a morte como algo natural,
vendo-a como a última etapa do desenvolvimento humano (Hohendorff, & Melo,
2009). Uma vida longa e uma boa morte são apoiadas pelo aumento do conhecimento
científico sobre o envelhecimento e sobre a biologia, bem como pela
possibilidade de acesso a médicos, hospitais e cuidados paliativos de qualidade
(Schenck, & Roscoe, 2008). A cultura, o género, a história pessoal, a
nacionalidade e os fatores socioeconómicos influenciam as conceções de
envelhecimento, de passagem do tempo e o próprio significado de morte (Schenck,
& Roscoe, 2008). A morte é vista como uma certeza pessoal e inevitável,
podendo representar intensos desafios existenciais aos pacientes em fim-de-vida
(Neimeyer, Currier, Coleman, Tomer, & Samuel, 2011).
Baseando-se na perspetiva e na experiência de cada um, o conceito de boa morte
é individual (Kehl, 2006). Uma boa morte é como uma pessoa autónoma quer que
seja, dentro dos limites de valores e regras sociais (Steinberg, 2012). O
conceito remete-nos para o facto de que não é apenas a ausência de
sintomatologia física que faz da morte uma boa morte, mas também os aspetos
psicológicos, sociais e espirituais (Spathis & Booth, 2008; Walters, 2004).
O conceito de espiritualidade pode ser entendido como uma reação emocional ou
um sentimento que transcende uma situação imediata com base na aquisição de um
significado, com o objetivo de compreender uma situação, um objeto, uma pessoa
ou um relacionamento. É o pico de uma experiência emocional que deve ser
consistente com os valores e crenças de cada um. As pessoas ao manterem as suas
opiniões na espiritualidade religiosa ou não religiosa, podem de algum modo
influenciar a forma como vivem, o tipo de decisões em fim-de-vida e como morrem
(Cicirelli, 2011).
Surgem diversos autores que identificam atributos centrais do conceito. Os
atributos podem variar consoante a perspetiva de cada um, sendo por isso um
conceito subjetivo (Granda-Cameron, & Houldin, 2012). O conceito pode mudar
com o tempo, com a função e com a experiência (Lokker, Zuylen, Veerbeek, Van
Der Rijt, & Van Der Heide, 2012).
As boas mortes são aquelas em que o sujeito se encontra sem dor, com um elevado
grau de controlo, de autonomia e de independência sobre o seu percurso (Scarre,
2012).Como elementos centrais sobre o que constituiria uma boa morte surgem, a
consciência da morte, a manutenção do sentido, a manutenção da auto
congruência, o participar inteiramente na própria morte e o estar em paz com os
entes queridos. A pessoa ao refletir sobre a sua própria morte proporciona uma
perspetiva mais determinada sobre o que é importante na vida e leva a uma
diminuição do medo associado à morte (Sinclair, 2011). De acordo com Kehl
(2006) os atributos são, o ter controlo, o estar confortável, a presença de um
sentimento de conclusão, o reconhecimento do valor do paciente, a confiança nos
prestadores de cuidados, o reconhecer que a morte é iminente, crenças e valores
honrados, a carga/fardo minimizados, relações otimizadas, a adequação da morte,
o deixar uma herança e a assistência à família. Segundo Granda-Cameron e
Houldin (2012), uma boa morte envolve uma combinação de fatores, sendo eles a
ocorrência de sintomas físicos, sentimentos de luto e de perda, as preocupações
existenciais, o apoio da família e da comunidade, a satisfação com a vida e a
esperança de uma boa viagem após a morte (Granda-Cameron, & Houldin,
2012).
Do ponto de vista de pacientes, família e profissionais de saúde, os atributos
que lhes são comuns são, o alívio da dor e do sofrimento, o estar ciente da
morte, a aceitação do momento da morte de alguém, a aceitação e a autonomia, o
manter a esperança viva, o preparar-se para a partida e ainda tomar a
decisão sobre o local onde desejam morrer. Pacientes e famílias, identificam
numa boa morte atributos como, a gestão apropriada de sintomas e dor, o evitar
que o morrer seja um processo prolongado, o alcance de uma sensação de
controlo, o alívio da carga/fardo e o fortalecimento das relações com os
familiares e amigos (Granda-Cameron, & Houldin, 2012).A família sente a
necessidade de recolher mais informação sobre quais as mudanças físicas e
psicossociais que ocorrem com a aproximação da morte (Steinhauser et al.,
2000).É o paciente, enquanto sujeito autónomo e independente, que tem a última
palavra sobre os tratamentos a realizar e quando pretende terminar (Scarre,
2012).A comunicação e a abertura sobre o facto de que um paciente está a morrer
são atributos de uma boa morte, sendo vistos como preferíveis, apesar de que
esta comunicação entre a equipa de profissionais de saúde e o paciente ser
muitas vezes insuficiente (Lokker et al., 2012).Ressalva-se que, os valores
culturais e as crenças de origem religiosa da família e dos pacientes têm um
papel significativo na promoção de uma boa morte (Granda-Cameron, &
Houldin, 2012).
De acordo com Payne, Langley-Evans e Hillier (1996) os profissionais descrevem
uma boa morte através do controlo de sintomas, do envolvimento da família, com
tranquilidade e ausência de angústia, os pacientes descrevem-na como boa
quando, se morre durante o sono, de forma tranquila, com dignidade, livre de
dor e repentina.
Quanto aos enfermeiros, uma boa morte exige um elevado padrão de cuidados que
envolve, uma excelente gestão de sintomas e um cuidado holístico fornecido à
família e ao paciente. Mais especificamente, estes profissionais acreditam que
para obter uma boa qualidade de morte deve existir uma antecipação da morte
pelo enfermeiro, ter um responsável designado pelo paciente para a tomada de
decisões, ter diretivas com a orientação de não reanimação, um controlo elevado
de dor, a presença dos familiares do paciente no momento da morte e estar
disponível um protocolo de cuidados em fim-de-vida. Os enfermeiros assumem que
uma boa morte é mais provável de ocorrer em ambiente hospitalar (Granda-
Cameron, & Houldin, 2012).
De acordo com Walden-Galusko, alunos do primeiro ano de medicina apresentam um
conceito dito tradicional. O conceito de boa morte para estes alunos passa pelo
morrer em casa rodeado pelos entes queridos, enquanto médicos experientes,
apresentam um conceito de boa morte quando esta é rápida, súbita e com um bom
controlo de sintomas (Walden-Galusko, 1997, 1998, cit. in Schwartz et al.,
2003). Os médicos, enquanto intervenientes principais no processo de morrer e
de morte, reúnem como características de uma boa morte, uma morte esperada,
oportuna e pacífica, com cuidados apropriados de conforto, coerência e uma boa
comunicação com o paciente, com a família e com os prestadores de cuidados
(Granda-Cameron, & Houldin, 2012).
Apesar dos cuidados paliativos portugueses encontrarem-se ainda numa fase
inicial, não existindo dados suficientes que permitam uma estimativa de quais
as necessidades que ainda faltam ser satisfeitas (Barros, Machado, &
Simões, 2011), a estratégia para o desenvolvimento do Programa Nacional de
Cuidados Paliativos menciona a existência da necessidade de realizar um
inquérito à população portuguesa que possibilite um conhecimento sobre o que as
pessoas pensam sobre a morte digna e quais as expetativas relativamente à
própria morte (Serviço Nacional de Saúde, 2010). Deste modo, deve obter-se
informação sobre a estabilidade concetual, através da utilização de um
instrumento, pois a sua utilidade verificar-se-á na compreensão do significado
clínico de alterações concetuais (Schawrtz, Mazor, Rogers, Ma, & Reed,
2003). O instrumento utilizado no estudo surge da validação da escala de
Carolyne E. Schwartz, Kathleen Mazor, Jane Rogers,Yunsheng Ma e George Reed
(2003). Apresenta três domínios, o domínio Controlo, domínio Esperança e o
domínio Encerramento. Cada domínio representa aspetos de uma boa morte, sendo
que o domínio Controlo reflete aspetos físicos da experiência de morrer, tais
como o controlo de dor, controlo do período de morrer, controlo nas funções
corporais, capacidade de comunicação e estado de alerta. O domínio Esperança
relaciona-se com o usufruir de momentos importantes e o conforto de uma morte
sem sofrimento. O domínio Encerramento reflete os aspetos psicossociais e
espirituais de boa morte. Uma avaliação apropriada e feita precocemente sobre o
suporte social e a preferência torna-se crucial nos cuidados paliativos (Agar
et al., 2008).A presente investigação tem como objetivo verificar a conceção de
boa morte na população geral portuguesa.
Método
Participantes
A amostra é constituída por 205 sujeitos, dos quais 62% são mulheres e 38% são
homens, com idades compreendidas entre os anos 18 e os 80 anos (M=36,12;
DP=18,50), maioritariamente de etnia caucasiana (99%) e de nacionalidade
portuguesa (99%). Relativamente ao estado civil, 62,9% são solteiros, 29,3%
casados, 3,9% divorciados e 3,9% são viúvos. O nível de formação académica
varia entre o 1º Ciclo e Mestrado (1º Ciclo: 7,8%; 2º Ciclo: 3,9%; 3º Ciclo:
3,4%; Ensino Secundário: 16,1%; Licenciatura: 61%; Mestrado: 7,8%).
Relativamente à atividade, 51,2% apresentam-se com sendo estudantes, 3,9% como
trabalhador/estudante, 22,9% trabalhadores, 2% desempregados e 20% reformados.
Relativamente à experiência com pacientes em fim de vida, 49,3% afirmam que já
tiveram essa experiência e 80,5% já experienciaram a morte de alguém próximo.
Dos 205 participantes, 67,3% refere ter religião. A amostra foi recolhida na
zona de Lisboa, sendo o critério de inclusão sujeitos com idades superiores a
18 anos de idade.
Material
A escala do presente estudo advém da tradução e validação do Concept of a Good
Death da autoria de Carolyne E. Schwartz, et al., de 2003. Apresenta uma
Escala tipo Likert, que varia entre 1 e 4, o 1 corresponde a Não necessário,
2 a Desejável, 3 a Importante e 4 a Essencial. A instrução dada para o
preenchimento do questionário é a seguinte: Por favor assinale com um círculo
o quão importante para si é cada um dos seguintes itens, relativamente à sua
conceção de boa morte. Os itens são: Item 1 ' Que seja sem dor ou
maioritariamente livre de dor; Item 2 ' Que o período de morrer seja curto;
Item 3 ' Que ocorra naturalmente, sem equipamento médico; Item 4 ' Que os
entes queridos estejam presentes; Item 5 ' Que as necessidades espirituais da
pessoa sejam satisfeitas; Item 6 ' Que a pessoa tenha a oportunidade de se
despedir; Item 7 ' Que a pessoa tenha vivido até um evento que considere
importante; Item 8 ' Que a morte ocorra enquanto dorme; Item 9 ' Que exista
lucidez até ao fim; Item 10 ' Que exista controlo das funções corporais até à
morte; Item 11 ' Que a capacidade de comunicar se mantenha até à morte.
Utilizou-se um questionário sociodemográfico para caraterizar a amostra, sendo
pedido os seguintes critérios: Sexo, Idade, Etnia, Nacionalidade, Estado Civil,
Formação, Situação Profissional, Experiência com pacientes em fim de vida,
Experiência com a morte de alguém próximo e Religião.
Procedimento
Procedeu-se a distribuição do questionário a 205 sujeitos, na zona de Lisboa,
sendo uma amostra de conveniência. A todos os participantes foi transmitido que
o estudo pretendia verificar qual a conceção de boa morte na população
portuguesa, sendo os dados anónimos e confidenciais, utilizados apenas para
investigação, referindo ainda que poderiam abster-se ou desistir em participar
e que isso não traria qualquer consequência para os mesmos. Para a análise
estatística realizada no presente estudo, foi utilizado o Programa PASW '
Statistics 18.
Resultados
Será apresentado um quadro com as descritivas das medidas em estudo.Como se
pode verificar, a variável Controlo é a que apresenta uma média mais elevada,
sendo que as três dimensões apresentam valores superiores ao ponto médio (2)
(Quadro_1).
Com objetivo de justificar o uso de teste paramétrico ou não paramétrico,
verificou-se a normalidade da distribuição das variáveis quantitativas em
estudo, através do teste One Sample Kolmogorov Smirnov.
Ao analisar o quadro_2, pode-se verificar que não existe distribuição normal
nas três dimensões da Escala de Conceito de Boa Morte, pelo que se irá recorrer
a testes não paramétricos na análise estatísticas destas três dimensões.
Com objetivo de verificar as possíveis diferenças entre sexos em relação às
três dimensões em estudo foi usado o teste Man-Whitney após verificar que os
pressupostos de aplicação não estavam cumpridos (distribuição normal).
Como se pode verificar no quadro_3, não existem diferenças entre sexos para a
dimensão Controlo (U=4758; p=0,633) e na dimensão Esperança (U=4790; p=0,690).
No entanto, verifica-se que pessoas do sexo feminino (M=3,137; DP=0,787)
apresentam valores de Encerramento significativamente mais elevados que
sujeitos do sexo masculino (M=2,814; DP=0,811), pois U=3725; p=0,003 (p <0,01).
Com objetivo de verificar as possíveis diferenças entre Religião em relação às
dimensões em estudo foi usado o teste Man-Whitney. Após a análise de
resultados, observou-se que não existem diferenças entre quem tem religião e
quem não tem para a dimensão Controlo (U=4030; p=0,133), Esperança (U=4276;
p=0,380) e para a dimensão Encerramento (U=4331,5; p=0,460) (quadro_4).
Para se proceder à comparação de médias dos diferentes graus de Formação
relativamente às dimensões da escala de conceito de boa morte, efetuou-se o
teste não-paramétrico Kruskall-Wallis. Após a observar os resultados,
verificou-se que os valores da variável Controlo não diferem significativamente
entre os diferentes graus de Formação [?²(5) = 4,149; p=0,528], no entanto
verificou-se que a dimensão Esperança varia significativamente entre graus de
Formação [?²(5) = 18,400; p=0,002], verificando-se uma significância marginal
(p=0,065), entre quem tem licenciatura (M=2,304; DP=0,741) e quem tem segundo
ciclo (M=3,083; DP=0,792), após a utilização da correção de Bonferroni não ter
sido conclusiva quanto às diferenças entre as categorias da variável Formação.
Verificou-se também que o Encerramento varia significativamente em função dos
diferentes graus de Formação [?²(5) = 14,790; p=0,011], onde quem tem como
Formação o Ensino Secundário (M= 2,510; DP=0,878) apresenta valores
significativamente inferiores quando comparado com pessoas que possuem o grau
de Licenciatura (M=3,133; DP=0,727) e Mestrado (M=3,292; DP=0,529), tendo sido
utilizado a correção de Bonferroni para a comparação entre Ensino Secundário e
Licenciatura (p=0,001) e Ensino Secundário e Mestrado (p=0,036) (quadro_5).
Em relação ao domínio Controlo, Esperança e Encerramento foi usado o teste Man-
Whitney para verificar possíveis diferenças entre pessoas que possuem
Experiência com pacientes em fim-de-vida e pessoas que não possuem essa
experiência. Verificou-se que não existem diferenças entre quem tem Experiência
com pacientes em fim-de-vida e quem não tem para a dimensão Controlo (U=1254;
p=0,626) e para a dimensão Encerramento (U=1160,500; p=0,270). No entanto
constatou-se que pessoas que têm Experiência com pacientes em fim de vida
(M=2,323; DP=0,787) apresentam níveis significativamente inferiores de
Esperança quando comparados com pessoas que não têm essa experiência (M=2,558;
DP=0,733), pois U=4255; p=0,018 (p<0,05) (quadro_6)
Em relação ao domínio Controlo, Esperança e Encerramento foi usado o teste Man-
Whitney. Verificou-se que não existem diferenças entre quem tem Experiência com
a morte de alguém próximo e quem não tem para a dimensão Controlo (U=2752,5;
p=0,101), Esperança (U=3197; p=0,758) e para a dimensão Encerramento (U=3194,5;
p=0,752) (quadro_7).
Para se proceder à comparação de médias dos diferentes Estados Civis
relativamente às dimensões Controlo, Esperança e Encerramento, efetuou-se o
teste não-paramétrico Kruskall-Wallis. Após observar os resultados, verificou-
se que os valores da variável Controlo [?²(3) = 6,171; p=0,104], da variável
Esperança [?²(3) = 4,980; p=0,173] não apresentam diferenças para os diferentes
Estados Civis. No entanto na dimensão Encerramento, os solteiros (M=3,167;
DP=0,700) apresentam níveis significativamente superiores quando comparados com
os casados (M=2,650; DP=0,871) pois, ?²(3) = 16,456; p=0,001 (quadro_8).
Para observar a relação existente entre Escala de Conceito de Boa Morte e a
Idade foi utilizado o teste de correlação de Spearman, após a verificação de um
dos pressupostos de aplicação não acontecer, nomeadamente a normalidade da
distribuição. Após verificar o quadro_9, observou-se que a idade não se
relaciona significativamente com o Controlo (rs=0,10; p=0,15), no entanto
relaciona-se de forma positiva e fraca com Esperança (rs =0,176; p=0,02), e de
forma negativa e moderada com o Encerramento (rs =0,288; p=0,0001).
Discussão
O presente estudo permitiu observar o que as pessoas reconhecem como sendo o
conceito de boa morte. Verificou-se que as mulheres obtiveram valores
significativamente mais elevados do que os homens no domínio Encerramento,
valorizando o facto de que, ter oportunidade para se despedir, que a pessoa
tenha vivido até um evento que considere importante e que a morte ocorra
enquanto dorme, contribui para uma boa morte. A não existência de diferenças
entre os sexos no domínio Controlo e no domínio Esperança pode indicar que
tanto homens como mulheres veem estas duas dimensões com a mesma pertinência.
Não se verificam diferenças entre quem tem Religião e quem não tem Religião nos
domínios Controlo, Esperança e Encerramento. Seria de esperar existirem
diferenças entre estas variáveis, pois o significado da morte e as crenças
existentes estão relacionados com a religião e espiritualidade (Zambrano, &
Barton, 2011). As opiniões na espiritualidade religiosa ou não religiosa podem
de algum modo influenciar a forma como se vive, a tomada de decisões em fim de
vida e como se morre (Cicirelli, 2011), O motivo pelo qual não se fizeram notar
diferenças, pode ainda ser pelo facto de pessoas que têm uma visão
internalizada do mundo religioso são os mais propensos a evitar o tema da morte
(Neimeyer, et al. 2011) e sujeitos com crenças não religiosas elevadas tendem a
ter ideias de rejeição da morte (Cicirelli, 2011).
O domínio Esperança varia significativamente entre os graus de formação,
verificando-se uma significância marginal entre quem tem Licenciatura e quem
tem o 2º Ciclo. Quem tem o grau de Ensino Secundário apresenta valores
significativamente inferiores no domínio Encerramento quando comparado com
pessoas que têm o grau de Licenciatura e o grau de Mestrado. À medida que o
grau de formação aumenta, os aspetos psicossociais e espirituais ganham uma
maior importância na conceção de boa morte.
A Experiência com pacientes em fim de vida remete-nos para pessoas que
possivelmente trabalham em contexto de saúde. Quem têm Experiência com
pacientes em fim de vida apresenta níveis significativamente inferiores no
domínio Esperança, quando comparados com pessoas que não têm Experiência com
pacientes em fim de vida. De forma a justificar os níveis inferiores de
Esperança podemos indicar que, os enfermeiros, ao assumirem que uma boa morte é
mais provável de ocorrer em contexto hospitalar, desvalorizam o facto de esta
ocorrer naturalmente sem equipamento médico (Granda-Cameron, & Houldin,
2012), isto porque presenciarem a dor e o sofrimento do paciente, é algo mais
doloroso do que a própria morte (Fernandes et al., 2009).
Contrariamente ao estudo realizado por Granda-Cameron e Houldin (2012), onde se
verifica que enfermeiros e médicos incluem como atributo de uma boa morte a
presença dos entes queridos, os resultados do presente estudo indicam que este
atributo não é valorizado por sujeitos que têm experiência com pacientes em fim
de vida, assim como as necessidades espirituais.
Os valores do domínio Controlo e Esperança não apresentam diferenças
significativas para com os diferentes Estados Civis, indicando que sujeitos
solteiros, casados, divorciados ou viúvos, consideram as duas dimensões de
igual forma. No domínio Encerramento, os sujeitos solteiros apresentam níveis
significativamente superiores quando comparados com os casados. Sujeitos
solteiros respondem aos itens do domínio Encerramento com conotação mais
elevada, valorizando que a pessoa tenha oportunidade para se despedir, que
tenha vivido até um evento importante e que a morte ocorra enquanto dorme,
enquanto sujeitos casados atribuem valores de resposta mais baixos nos itens
que correspondem ao domínio Encerramento.
E idade não se relaciona significativamente com o domínio Controlo, mas
relaciona-se de forma significativa, positiva e fraca com a Esperança e de
forma significativa, negativa e fraca com o domínio Encerramento. Pode
concluir-se que, à medida que a idade aumenta, a Esperança aumenta e o
Encerramento diminui. A idade é uma das variáveis que influencia o conceito de
morte (Oliveira, 2012), pois a passagem do tempo aproxima-nos desta (Martens,
& Schmeichel, 2011).
Verificou-se que 73,7% da amostra referiu como essencial uma boa morte sem dor
ou maioritariamente livre de dor. Este item, considerado como essencial, surge
como atributo comum entre pacientes, familiares e profissionais de saúde
(Spathis, & Booth, 2008; Granda-Cameron, & Houldin, 2012). A boa morte
é então atingida quando o sujeito se encontra sem dor (Scarre, 2012), sendo o
alívio da dor e de sintomas, visto como objetivo nos bons Cuidados Paliativos
(Clark, 2012; World Health Organization, 2002).
O segundo item é considerado por 49,8% dos sujeitos como sendo essencial. Este
facto vai de encontro ao estudo realizado por Granda-Cameron e Houldin (2012),
que indica que pacientes e familiares, consideram como atributo de uma boa
morte o evitar que esta seja um processo prolongado. Médicos experientes
apresentam um conceito de boa morte quando esta é rápida e súbita (Schwartz et
al. 2003). Segundo estes autores, conforme a perspetiva de pacientes,
familiares e profissionais de saúde experientes, a boa morte pode ser
considerada quando o processo de morrer é curto, rápido e súbito. No item 3,
34,6% dos sujeitos consideraram não necessário que a boa morte ocorra
naturalmente, sem equipamento médico. É então de referir que os enfermeiros,
enquanto profissionais de saúde, de acordo com Granda-Cameron e Houldin (2012),
relatam que uma boa morte é mais provável de acontecer em contexto hospitalar,
com cuidados apropriados de conforto, envolvendo um cuidado holístico fornecido
à família e ao paciente. O item 4 é respondido como essencial que os entes
queridos estejam presentes por 39,7% da amostra. Segundo alguns autores, os
profissionais de saúde descrevem uma boa morte quando existe o envolvimento da
família, quando os familiares do paciente estão presentes no momento da morte e
ainda é considerado pelos alunos do 1º ano de medicina que o paciente esteja
rodeado pelos entes queridos (Payne, Langley-Evans, & Hillier, 1996;
Granda-Cameron, & Houldin, 2012; Walden-Galusko, 1997, 1998, cit. in
Schwartz et al. 2003). De acordo com Kehl (2006), como atributos de uma boa
morte surgem o ter controlo, ou seja, poder controlar a presença de outros no
momento da morte, e a assistência à família, que implica que esta esteja
envolvida na morte e no cuidado. A percentagem observada pode ser por este item
se centrar no próprio sujeito, tendo este o controlo sobre a decisão de ter ou
não os entes queridos presentes. Quanto ao item 5, 41% da amostra indica ser
essencial que as necessidades espirituais possam ser satisfeitas. Têm religião
67,3% da amostra. Como forma de alcançar uma boa morte surge a espiritualidade
como condição (Leung et al. 2010). Em que os cuidados em fim de vida são
sustentados além de crenças culturais e pessoais, por crenças religiosas
(Spathis, & Booth, 2008), sendo por isso importante conhecer a
espiritualidade religiosa ou não religiosa do sujeito, em que as crenças de
origem religiosa da família e dos pacientes têm um papel significativo na
promoção de uma boa morte (Granda-Cameron, & Houldin, 2012). Segundo
Neimeyer e colaboradores (2011), os sujeitos que apresentam uma visão
internalizada do mundo religioso são os mais propensos a evitar o tema da
morte.
O item 6 é considerado por 39,5% da amostra como essencial que a pessoa tenha
oportunidade de se despedir. De acordo com Kehl (2006), um atributo de boa
morte é a presença de um sentimento de conclusão que implica a ideia de se
despedir e de dizer adeus. O Item 7 é visto por 38% da amostra como importante.
Este item remete-nos para a importância da consciência da morte e a sua
aceitação (Kehl, 2006), o alcance de uma sensação de controlo, e a manutenção
de esperança (Granda-Cameron, & Houldin, 2012). Colocando a hipótese que,
os sujeitos evitam o tema da morte, também evitaram o tomar consciência desta,
assim como a possibilidade de a aceitar. No Item 8, 34,1% da amostra refere ser
desejável que a morte ocorra enquanto dorme. Segundo Payne, Langley-Evans e
Hillier (1996), os pacientes descrevem uma boa morte quando se morre durante o
sono. Possivelmente, a preferência de morrer enquanto se dorme, pode indicar
uma ausência de sofrimento para o próprio e para os outros, de um processo
curto de morrer e um conforto na própria morte. Pode remeter-nos para além da
sintomatologia física, podendo estar envolvidos aspetos psicológicos, sociais e
espirituais (Walters, 2004). Quanto ao item 9, 42% da amostra refere ser
essencial que exista lucidez até ao fim. Segundo Scarre (2012), as boas mortes
são aquelas em que o sujeito apresenta um elevado grau de controlo, de
autonomia e de independência sobre o seu percurso. Este facto pode dar a
possibilidade de participar nas interações humanas, que nesta fase assumem um
papel relevante (Steinhauser et al. 2000). Ao manter a lucidez até ao fim,
existe a possibilidade de o sujeito manter as suas capacidades e desse modo
transmitir as suas preferências durante o seu percurso, tendo a possibilidade
de tomar decisões. O item 10 é considerado essencial para 41,5% dos
participantes. Além deste item indicar um atributo de controlo, pensa-se que
esteja implícita a autonomia, dignidade pessoal e a qualidade de vida. Segundo
Kehl (2006), o atributo de reconhecimento do valor do paciente abrange os
conceitos de dignidade, integridade, qualidade de vida e individualidade.O item
11 é visto como e essencial para 44,9% dos sujeitos, ou seja, é essencial que a
capacidade de comunicar se mantenha até à morte. A comunicação e a abertura
sobre o facto de que um paciente está a morrer são atributos de uma boa morte
(Lokker et al. 2012), sendo que a comunicação com os médicos pode diminuir o
medo da morte e a inadequada gestão de sintomas. O participar em decisões
médicas dá uma sensação de poder ao paciente (Steinhauser et al. 2000). A
comunicação interpessoal reduz a ansiedade de pessoas que estão em fim-de-vida
e estratégias comunicacionais verbais e não-verbais promovem o conforto
emocional e influenciam de forma positiva o ajustamento psicológico ao processo
de doença, assim como ao processo de morrer.A utilização destas estratégias é
vista como central no suporte emocional nos cuidados paliativos (Araújo,
Martins, Silva, & Júlia, 2012). Perante estes autores, é possível afirmar a
importância da comunicação entre o paciente, a família e os profissionais de
saúde.
Quanto ao objetivo da investigação, pode afirmar-se que se obteve conhecimento
sobre a conceção de boa morte da população portuguesa. Para as mulheres a
conceção de boa morte, de forma distinta dos homens, passa pela valorização de
ter oportunidade para se despedir, que a pessoa tenha vivido até um evento que
considere importante e que a morte ocorra enquanto dorme. Mas esta valorização
diminui à medida que a idade aumenta para ambos os sexos. Pessoas que tenham
experiência com pacientes em fim de vida demonstram menor interesse no usufruir
momentos importantes assim como no conforto de uma morte sem sofrimento, sendo
que estes aspetos são valorizados com o avançar da idade para a população em
geral. Sujeitos solteiros apresentam níveis mais elevados, que sujeitos
casados, nos aspetos psicossociais e espirituais de boa morte. De salientar
será o facto de que a maioria da população portuguesa considera essencial para
uma boa morte, a ausência de dor.
Será necessário adequar o tema estudado à cultura, pois apresenta-se como um
fator que influencia o significado de morte (Schenck, & Roscoe, 2008). O
tema é abordado de forma exígua em Portugal, assim como a literatura que se
encontra disponível. Foi notável apouca aceitabilidade da população perante o
tema em estudo. Quanto à aplicabilidade do instrumento, tal como a autora
refere, apresenta a vantagem de ser breve, de autopreenchimento, abrangendo uma
grande variedade de populações (Schawrtz et al. 2003). Sugerem-se novos estudos
que abordem o tema de conceito de boa morte, para que seja possível uma melhor
compreensão sobre o conceito na população portuguesa e sobre quais as
necessidades desta.