Um Cidadão do Mundo
Stephen R. Stoer (1943-2005)
Um Cidadão do Mundo*
Faleceu no último dia do ano de 2005, na sua cidade de adopção, o Porto,
Stephen Ronald Stoer, professor catedrático da Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde desempanhava(ra) as mais
marcantes res-ponsabilidades académicas e científicas: coordenador do Centro de
Investigação e Intervenção Educativas, director da revista Educação Sociedade
& Culturas, coordenador do Gabinete de Pós-Graduações e Coordenador de
Grupo de Ciências da Educação, que criou e expandiu de forma a torná-lo uma
referência nos planos nacional e internacional.
Filho de pai norte-americano que, como soldado, participou no desembarque da
Normandia na Segunda Guerra Mundial, e de mãe inglesa, Steve Stoer nasceu em
Inglaterra mas cresceu e viveu a sua juventude nos EUA. Mobilizado para o
Exército americano em plena Guerra do Vietnam, adoptou o estatuto de objector
de consciência, o que lhe valeu os mais violentos castigos e punições morais e
físicas durante o serviço militar. Apesar da sua condição de objector de
consciência, é mobilizado para o Vietnam, o que o obriga a desertar do Exército
e a refugiar-se, primeiro, no Canadá e depois em Londres, onde recupera a sua
cidadania inglesa.
Em Londres, participa activamente nos movimentos pacificistas e, abandonando os
estudos anteriores iniciados nos EUA em Gestão de Empresas, frequenta e
licencia-se na Universidade de Londres em Ciências da Educação, onde também
realiza na mesma área o seu master
. Em Londres conhece uma portuguesa, militante activa contra a ditadura
salazarista-marcelista, o que lhe permite conhecer e integrar-se nos círculos
oposicionistas ao regime português. Após a Revolução do 25 de Abril conhece
Portugal e acaba por se fixar no nosso país, trabalhando em instituições como o
Instituto Aurélio da Costa Ferreira, a Escola do Magistério Primário de Faro ou
o Instituto Superior de Ciências da Trabalho e Empresa (ISCTE), acabando por se
fixar nos início dos anos 80 na cidade (e Universidade) que adoptou para viver
e trabalhar, o Porto, e lhe permite adoptar então a sua terceira nacionalidade,
a portuguesa. Ao mesmo tempo, prossegue os seus estudos em Inglaterra,
doutorando-se em 1983 na Open University, apresentando uma tese sobre Portugal
(Educação e Mudança Social em Portugal, 1970-1980,Afrontamento, 1986), sob a
direcção de um grande sociólogo inglês (e amigo), Roger Dale.
Em todos os balanços que se fazem sobre o "estado da arte" das
ciências da educação em Portugal, há unanimidade no reconhecimento de que Steve
Stoer iniciou e foi/é o mais original e produtivo investigador no campo da
sociologia das políticas educativas, iniciando um conjunto de problemas novos
(ou menos analisados em Portugal): nos anos 80, sobre o papel do Estado
nacional em contexto de mudança social; mais tarde, sobre o papel da educação
básica e das suas relações com o trabalho em contexto semiperiférico; logo
depois, ampliando a reflexão sobre a construção da escola democrática; e, mais
recentemente, sobre as políticas inter/multiculturais, sobre os movimentos de
transnacionalização e europeização da educação e sobre os novos mandatos da
"nova classe média" atribuídos aos sistemas educativos. Como se
pode ver pelo resumo da sua obra publicada, inserta no final, Steve Stoer
valorizava muito o trabalho científico em equipa, procurando valorizar (e dar
visibilidade) a todos quantos com ele trabalhavam.
Steve Stoer era um scholar, no sentido que a língua inglesa atribui a esse
vocábulo (dos dicionários: erudito, sábio, pessoa que possui grandes
conhecimentos; letrado, intelectual, humanista). Mas era também um cidadão do
mundo, solidário e cosmopolita, empenhado na acção social, sempre disponível
para juntar acção e reflexão, nunca se fechando nas paredes da academia.
Colaborador regular da FENPROF e dos sindicatos dos professores que a
constituem, responsável por uma secção de A Página da Educação, participou em
alguns dos debates públicos mais marcantes sobre o papel das Ciências da
Educação nas políticas educativas, nomeadamente nas páginas do diário Público,
com textos onde analisou criticamente os discursos de opinion makerscomo
Filomena Mónica ou José Manuel Fernandes. Participante em diferentes edições do
Fórum Social Mundial, foi o conferencista convidado para a abertura do 1º Fórum
Mundial de Educação realizado em Porto Alegre, Brasil, em 2001. Membro de
diversas associações científicas e cívicas, foi um dos fundadores da Sociedade
Portuguesa de Ciências da Educação e um dos impulsionadores e fundadores do
Instituto Paulo Freire de Portugal
A universidade, a comunidade das ciências da Educação e os professores ficaram
mais pobres ao perderem um dos seus melhores. Fica de Steve Stoer o seu exemplo
de cientista social e de professor rigoroso e sabedor, sensível e solidário,
empenhado em todas as lutas pela emancipação social e por uma educação crítica
e libertadora.
António Teodoro
*Publicado em Jornal de Letras- Educação, ano XXV, nº 921, p. 7
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