Língua Portuguesa e Cooperação para o Desenvolvimento
Língua Portuguesa e Cooperação para o Desenvolvimento
Maria Helena Mira Mateus & Luísa Teotónio Pereira (orgs) (2005)
Lisboa: Edições Colibri e CIDAC
A problemática da diversidade linguística nos Palop e em Timor e da cooperação
de Portugal com esses países é assim clarificada por Luísa Teotónio Pereira:
trata-se de cimentar a coesão nacional,transformando uma língua estrangeira,
imposta durante séculos pelo colonizador,numa língua ofcial em todas as esferas
da actualidade, na qual todos os cidadãos possam expressar-se livremente (ou
seja, com à-vontade, com gosto), sem por isso terem de abdicar do conhecimento
e da prática de outras línguas, nomeadamente das que são suas línguas maternas
(p.9).
Maria Helena Mira Mateus sublinha alguns pressupostos para essa cooperação:
reconhecimento da diversidade cultural e linguística; o facto de o Português
não ser a língua materna da maioria dos falantes; aceitação do conceito de
Cooperação para o Desenvolvimento no sentido de um intercâmbio de interesses e
serviços.
Ora Portugal, em contraste com outros países colonizadores, está atrasado no
estudo das línguas dos países que colonizou, estudo que facilitaria a
comunicação entre falantes linguisticamente diferenciados. E essa diversidade
linguística, propõe a autora, exige uma reflexão sobre os métodos didácticos e
pedagógicos a utilizar, de modo a que os professores de língua portuguesa e os
cooperantes possam consciencializar-se da especificidade dos públicos a
ensinar, nomeadamente quanto à pertinência de uma educação bilingue.
Esta tese de uma educação bilingue penetra boa parte dos estudos incluídos,
tanto na primeira parte da obra que parte de um projecto de apoio ao ensino
básico no arquipélago de Bijagós e inclui outros estudos sobre ensino do
Português na Guiné-Bissau, como na segunda parte, que inclui colaboração de
profissionais africanos e portugueses que têm trabalhado no ensino do Português
nos cinco Palop.
A tese da educação bilingue é assim exposta por Feliciano Chimbutane, docente
da Universidade Eduardo Mondlane:
ao desenvolver capacidades de leitura e escrita na sua língua materna, o aluno
estará a desenvolver as bases conceptuais sobre as quais assentará o
desenvolvimento das capacidades académicas em língua segunda, ou seja, ele não
terá que adquirir de novo as mesmas capacidades em língua segunda, mas sim
transferi-las para a nova língua (p.164).
Chimbutane apoia-se em Cummings (1997) e lembra que a teoria da educação
bilingue se opõe à teoria da exposição máxima, ou seja, de que a fraca
proficiência em língua segunda só pode ser ultrapassada através de uma
instrução intensiva e o mais cedo possível. Mas o autor menciona algumas
dificuldades no uso da educação bilingue, nomeadamente a de fazer-se a ponte
para uma segunda língua que é suporte de maior capital social.
Uma competência plurilingue e pluricultural é prevista pelo Conselho da Europa,
num relatório redigido por prestigiados acadé?micos (2001, p.231), num contexto
em que não existe o problema da diferença de capital cultural entre as
diferentes línguas mas em que a argumentação é semelhante à que acabamos de
constatar em Chimbutane:
à medida que a experiência pessoal de um indivíduo no seu contexto cultural se
expande ( ) as línguas e culturas não ficam armazenadas em compartimentos
separados; pelo contrário, constrói-se uma competência comunicativa para a qual
contribuem todo o conhecimento e toda a experiência das línguas (p.26)
Assim, em adição a outros argumentos, o bilinguismo poderá também ser a base
para o plurilinguismo. Voltando à obra que nos ocupa, um projecto guineense
descrito por Maria Antónia Barreto assume também o bilinguismo:
o crioulo enquanto língua de identidade nacional deveria ser língua de ensino e
língua estudada e a língua portuguesa seria estudada numa metodologia de língua
estrangeira apenas na segunda fase do ensino elementar (3ª classe) para alguns,
ou apenas a partir do complementar (5ª classe) (p.44).
Note-se a diferença em relação ao pensamento de Amílcar Cabral, que,
exemplificando com noções como raiz quadrada ou a noção de que a intensidade de
uma força é igual à massa vezes a aceleração, defendia o uso da língua
portuguesa: se queremos levar para a frente o nosso povo, durante muito tempo
ainda, para escrevermos, para avançarmos na ciência, a nossa língua tem que ser
o português (citado por Laranjeira, 1995, p.408). Aliás, no mesmo texto,
aquele dirigente previa o desenvolvimento do crioulo para uma fase posterior.
Luísa Solla, a propósito de um outro projecto realizado na Guiné-Bissau para a
produção de manuais escolares, volta à problemática da educação bilingue. E
interroga-se: qual a melhor língua para as aprendizagens iniciais da escola?
Deixa a resposta aos guineenses, mas vai lembrando uma outra interrogação da
poetisa Odete Semedo: Em que língua escrever/ as declarações de amor/ Em que
língua contar as histórias que ouvi contar?. E Luísa Solla responde, a
propósito do bilinguismo ou, talvez melhor, do plurilinguismo, com um verso de
Dagerman:Que é do mar, se os rios se recusam?.
Vale a pena mencionar algumas linhas de uma mesa redonda nas ilhas Bijagós,
evocadas por Luigi Scantamburlo:
Existem vantagens no ensino/aprendizagem das línguas maternas,porque elas:
-facilitam a transmissão de conhecimentos;
-facilitam a articulação entre a educação familiar e a educação escolar;
-incentivam o aluno à participação, à inovação e ao desenvolvimento da
criatividade (p.70).
Para terminar, evoquemos uma situação descrita por Luísa Solla a propósito do
projecto que se destinava a produzir manuais de língua portuguesa para o ensino
básico da Guiné'Bissau, uma situação provavelmente comum à cooperação
portuguesa com os Palop. no final tínhamos os livros, mas não o dinheiro para
publicar os manuais para todos os alunos. Evoquemos ainda a descrição por
Feliciano Chimbutane de uma aula típica moçambicana, em que os alunos não têm
manual, e todos olham para uma imagem de um carpinteiro que o professor mostra,
procurando explicar uma a uma, algumas profissões.
Ora, na introdução, Luísa Teotónio Pereira menciona a miríade de pequenos
projectos prosseguidos por diferentes entidades públicas e privadas, sem que se
construam ocasiões de diálogo. E sublinha o contraste entre essa
multiplicidade descoordenada de projectos com base em pressupostos tidos como
novos e os projectos inovadores que se desenvolvem nos países de língua
oficial portuguesa, de que se dá conta na presente obra.
Uma conclusão: um mínimo de coordenação é preciso!
Post Scriptum
O documento Diversidade Linguística na Escola Portuguesa (2005), de que são
coordenadoras Maria Helena Mira Mateus, Glória Fisher e Dulce Pereira, apoia-se
na teoria de Cummins (1997), já mencionado, ou seja, a de que os alunos
imigrantes ou descendentes de imigrantes se tornam rapidamente fluentes, num
período de cerca de dois anos, quanto à interacção conversacional na língua
dominante na sociedade acolhedora, mas é necessário um período de um mínimo de
cinco anos para desenvolvimento de um nível proficiente para fins académicos
nessa mesma língua.
Daí a necessidade de um planeamento para desenvolvimento emocional, cognitivo,
linguístico e integração no ambiente escolar. E mencionam-se estudos sobre
Educação Bilingue que mostram uma correlação positiva entre o desenvolvimento
de habilidades de literacia em língua materna e o desenvolvimento das
habilidades de literacia na segunda língua. Entre outros, mencionam-se modelos
bilingues de transição em que os alunos efectuam as aprendizagens básicas da
leitura e escrita na sua língua materna e paralelamente uma aprendizagem da
língua maioritária. Ao fim de um período entre dois a seis anos, ingressam nos
modelos regulares da escola.
Trata-se de um interessante documento de reflexão para a escola portuguesa, tal
como, embora de modo menos directo, a obra acima recenseada, pensada
primeiramente como um conjunto de estudos sobre o ensino da língua portuguesa
nos Palop e implicitamente Timor.
Em termos de aplicação à situação portuguesa, um modelo bilingue de transição
nos termos acima descritos tem implicações administrativas complexas, mas pelo
menos uma gestão dos fluxos de alunos falantes de outras línguas maternas
poderia possibilitar a presença na aula de um professor-intérprete para apoio
não apenas vocabular mas situacional, incluindo ligação com as famílias.
José B. Duarte