A defesa europeia depois do Tratado de Lisboa
O Tratado de Lisboa constitui, indiscutivelmente, um momento fundamental na
história da construção europeia. Com a sua entrada em vigor, a 1 de Dezembro de
2009, a União Europeia (UE) passou a dispor de um conjunto de instrumentos
institucionais para melhor responder aos desafios que enfrenta, quer no plano
interno ' com as mudanças da estrutura institucional para adaptá-la e garantir
a sua eficácia numa Europa alargada a 27 ' quer no plano internacional ' com o
reforço dos mecanismos de acção externa que lhe permitem maior consistência e
maior coerência na resposta aos desafios de um mundo globalizado.
Com o Tratado de Lisboa, os instrumentos institucionais existem. Resta, agora,
saber se a UE será, politicamente, capaz de os traduzir num aprofundamento do
processo de construção europeia. De um ponto de vista geral, espera-se que
possam concretizar-se num avanço em três domínios fundamentais. Primeiro, na
racionalização da estrutura institucional com maior rapidez e maior eficácia no
processo de decisão. Segundo, no aumento da transparência e da legitimidade
democrática, através do reforço do papel dos cidadãos e dos seus
representantes. Terceiro, no fortalecimento dos mecanismos de acção externa da
União e, em particular, em matéria de segurança e defesa.
UMA DÉCADA DE POLÍTICA EUROPEIA DE SEGURANÇA E DEFESA
Tornada possível pelo acordo franco-britânico de Saint-Malo, em 1998 e lançada
nas cimeiras europeias de Colónia e Helsínquia, em 1999, a Política Europeia de
Segurança e Defesa (PESD) foi consagrada no Tratado de Nice, em 2000. E desde
então, independentemente, das vicissitudes políticas dos diversos tratados, a
PESD tem sido uma das áreas mais dinâmicas do processo de integração europeia.
Historicamente, a construção europeia tem sido concretizada segundo dois
grandes métodos. Por um lado, o método dos primeiros federalistas que, em certa
medida, regressa nos últimos anos, nomeadamente, na preparação do Tratado
Constitucional da UE. Desenvolve-se no sentido de cima para baixo, concentra-se
na tentativa de definição de uma grande visão política e uma arquitectura
institucional correspondente para a UE e procura atingir um «estado final». Por
outro, o método que prevaleceu desde a apresentação do projecto comunitário por
Robert Schuman, em 1950. Desenvolve-se no sentido inverso e procura aliar o
ideal europeu à demonstração da capacidade de resolução dos problemas comuns
aos cidadãos da Europa, num processo de construção constante, que parece,
sempre, inacabado. Ficou conhecido na história da construção europeia como o
«método dos pequenos passos».
Resultado das várias experiências históricas, não podemos deixar de admitir que
as tentativas de queimar etapas ' como ficou demonstrado quer no caso da
Comunidade Europeia de Defesa, no início do processo de integração, quer no
caso do Tratado Constitucional, mais recentemente ' tendem a provocar recuos
sérios e nem sempre fáceis de reverter. Ao contrário, o método dos «pequenos
passos», sem dúvida mais paciente e trabalhoso, tem dado provas de sucesso. E a
PESD é um bom exemplo deste segundo método.
Sustentada nos princípios e valores comuns em que assenta a União,
designadamente, a liberdade, a democracia, e o respeito pelos Direitos do Homem
e pelas liberdades fundamentais, a PESD tem sido construída, desde 1999,
através de passos concretos e prudentes, mas sólidos, nos diversos planos '
institucional, das capacidades, operacional e doutrinário ' tendo, mesmo, ido
além do que estava definido pela letra do tratado[1].
No plano institucional, a UE dispõe, hoje, de uma estrutura capaz de responder
a decisões políticas com implicações de natureza militar. O quadro
institucional traçado em Helsínquia e consagrado em Nice integra um Comité
Político e de Segurança, um Comité Militar e um Estado-Maior da UE, reunindo os
necessários mecanismos de decisão e direcção em matéria militar e em pleno
funcionamento.
No plano das capacidades, e seguindo uma metodologia semelhante à definida em
Helsínquia, embora com um nível de ambição renovado, foi aprovado em 2004 um
documento orientador, designado «Objectivo Global 2010»[2], que prevê a criação
de uma capacidade de resposta rápida europeia capaz de intervir em missões
militares de manutenção de paz, de imposição da paz e de gestão de crises.
Nesta capacidade inclui-se a formação dos Agrupamentos Tácticos (Battle
Groups), cuja capacidade operacional plena foi declarada em Janeiro de 2007. Na
sequência deste documento estratégico, foi aprovado durante a presidência
portuguesa do Conselho da UE, no segundo semestre de 2007, o «Catálogo de
Progressos» em que se descreve o actual momento em matéria de capacidades
militares e se identificam as principais lacunas e prioridades estratégicas até
2010. Desta identificação, destacam-se três áreas fundamentais: a protecção de
forças; a capacidade de projecção, em particular no que concerne ao transporte
estratégico; e a superioridade na recolha de informação (intelligence).
No plano operacional, a UE está há uma década, permanentemente, no terreno a
realizar missões. Primeiro, ao abrigo dos Acordos de «Berlin Plus», em
coordenação com a NATO, depois, de forma autónoma. Procurando responder aos
desafios de segurança e estabilidade regional, a UE promoveu, já, mais de duas
dezenas de missões PESD, civis e militares, por todo o mundo e tem hoje no
terreno cerca de sete mil homens e mulheres, distribuídos pelas 13 missões em
curso[3].
Finalmente, no plano doutrinário, foi apresentada, em 2003, a Estratégia de
Segurança Europeia (ESE)[4] que identifica as principais ameaças à segurança
comum. Este foi um documento inédito na construção europeia, já que definiu uma
doutrina estratégica e uma visão conjunta para a acção externa. Cinco anos
depois da sua aprovação, e à luz do novo contexto internacional e dos novos
desafios que se colocam à União o, então, secretário-geral do Conselho e alto
representante para a Política Externa, Javier Solana, apresentou, no Conselho
Europeu de Dezembro de 2008, um documento de avaliação da implementação da
estratégia com uma proposta de actualização dos objectivos e ambições da UE
para a próxima década em matéria de acção externa, e que constitui a nova ESE
[5].
Resultado deste percurso, e analisadas as etapas já percorridas, as avaliações
sobre o balanço da PESD dividem-se. Uma divisão que tem por base a clivagem
histórica entre as duas concepções estratégicas para a segurança europeia: a
concepção continental e a concepção atlantista. Por um lado, aqueles que
defendendo o modelo do «exército europeu» consideram que se está muito «aquém»
do objectivo a alcançar. Por outro, os que entendem que a segurança europeia é,
basicamente, a defesa atlântica e que consideram, portanto, que já se foi muito
«além» do que seria necessário.
Contudo, esta é uma clivagem que, hoje, não faz mais sentido. Perante as
ameaças e riscos do presente, é necessário ultrapassar as concepções do
passado. E, sobretudo, encarar, sem preconceitos, os desafios do futuro.
OS DESAFIOS DA POLÍTICA COMUM DE SEGURANÇA E DEFESA DEPOIS DO TRATADO DE LISBOA
Preparar a defesa europeia para os desafios estratégicos e de segurança da
próxima década significa duas coisas. Significa, em primeiro lugar, definir o
nível de ambição da UE opeia para a sua política de segurança e defesa. E
significa, em segundo lugar, identificar e promover as adaptações necessárias à
concretização dessa política, nos planos institucional, das capacidades,
operacional e conceptual. Tanto na primeira como na segunda o Tratado de Lisboa
constitui um instrumento fundamental.
No quadro do Tratado de Lisboa[6], a Política Comum de Segurança e Defesa
(PCSD) como já antes a PESD, no Tratado de Nice, desenvolve-se no quadro da
Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e beneficia, por isso, dos avanços
gerais registados na área da acção externa da União, em particular, no plano
jurídico, institucional e do processo decisório. Todos eles têm tradução no
campo da segurança e defesa. Primeiro, no reconhecimento de personalidade
jurídica internacional da União; segundo, na representação externa com a
criação dos cargos de presidente do Conselho e, sobretudo, de alto
representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.
Assumindo o «duplo chapéu» de secretário-geral do Conselho e de vice-presidente
da Comissão, poderá contribuir para uma melhor articulação Conselho/Comissão e
uma melhor coordenação dos instrumentos de acção externa divididos entre o
primeiro e o segundo pilares, nomeadamente, a ajuda ao desenvolvimento e o
instrumento militar. E terceiro, com a adopção de mecanismos facilitadores do
processo de decisão, nomeadamente, a extensão das matérias objecto de votação
por maioria qualificada, com excepção das que tenham implicações militares.
Mas, mais do que estas alterações de carácter geral, o Tratado de Lisboa
regista um não menos importante conjunto de alterações específicas em matéria
de segurança e defesa, das quais é importante salientar quatro inovações
essenciais.
Em primeiro lugar, uma inovação de carácter semântico, mas com um profundo
significado político: a mudança de designação de Política Europeia de Segurança
e Defesa para Política Comum de Segurança e Defesa. É a assunção formal na
letra do tratado de que os estados-membros têm interesses comuns de segurança e
defesa e que querem desenvolvê-los em conjunto.
Em segundo lugar, a introdução de duas importantes cláusulas de solidariedade
em matéria de segurança e defesa. Uma cláusula de defesa mútua (artigo 42º, n.º
7), de acordo com a qual «se um estado-membro vier a ser alvo de agressão
armada no seu território, os outros estados-membros devem prestar-lhe auxílio e
assistência por todos os meios ao seu alcance». Vem substituir o artigo 5.º do
velho Tratado de Bruxelas e significa o compromisso político de ajuda mútua na
defesa do território. E uma cláusula de solidariedade (artigo 222.º), válida em
caso de catástrofes naturais ou provocadas pelo Homem, bem como em caso de
atentados terroristas, que é a resposta às novas ameaças e riscos. De acordo
com estas duas cláusulas, os estados-membros comprometem-se com acções de
assistência mútua aos seus pares em cenários definidos, promovendo os
princípios em que a UE se baseia, de solidariedade entre os seus membros.
Em terceiro lugar, e no que concerne à identificação das missões, o Tratado de
Lisboa alarga o leque de missões nas quais a União pode utilizar meios civis e
militares (artigo 43.º) ' originariamente conhecidas como missões «Petersberg»
' enumerando, pela primeira vez, o tipo de missões que se inserem nesta
categoria[7].
Finalmente e, em quarto lugar, o Tratado de Lisboa introduz dois importantes
mecanismos de cooperação em matéria de segurança e defesa: o mecanismo de
cooperação reforçada[8] e o mecanismo de cooperação estruturada permanente[9].
As cooperações reforçadas não são nem um mecanismo novo, nem um mecanismo
específico da política de segurança e defesa. Trata-se da extensão da aplicação
do mecanismo estabelecido pelos tratados de Amesterdão e Nice a outras áreas e
em particular na política externa e de segurança comum, quando estejam em causa
objectivos de cooperação que não podem ser atingidos, num prazo razoável, pela
União no seu conjunto, desde que, pelo menos, nove estados-membros participem
no projecto. As cooperações estruturadas permanentes, pelo contrário, são um
mecanismo novo e específico da segurança e defesa. Prevêm a possibilidade de
uma cooperação mais estreita entre os estados-membros que o desejem e
demonstrem vontade política e capacidade militar para realizar maiores esforços
no domínio da segurança e defesa. O objectivo é claro: ser um catalisador de
mudança que estabelece, com critérios acordados entre todos os estados-membros,
um quadro político e um instrumento efectivo para o desenvolvimento de
capacidades militares europeias. Pretende-se, objectivamente, que os estados
canalizem os recursos, que, hoje, já despendem com a defesa, de forma mais
orientada para os interesses colectivos, em particular no que concerne à
capacidade de projecção e sustentação de forças e à promoção da investigação e
desenvolvimento em matéria de defesa.
O desenvolvimento deste mecanismo de cooperação poderá ter duas interpretações.
Por um lado, os críticos consideram que apenas cria oportunidades para as
grandes potências europeias aprofundarem a sua cooperação, deixando os
restantes à margem. Mas, por outro lado, sendo um mecanismo aberto e inclusivo,
poderá impulsionar o desenvolvimento das capacidades de defesa de todos os
estados-membros, grandes ou pequenos, desde que cumpram os critérios acordados.
Isto é, que demonstrem a vontade política de contribuir para a defesa e a
segurança comum, e a capacidade militar para integrar esses programas e essas
missões. A opção entre estas duas interpretações cabe aos estados-membros da
UE.
É claro que a criação destes instrumentos visa, no essencial, um propósito:
dotar a UE de uma visão global e integrada, que lhe permita tornar-se um actor
com um papel de maior peso na cena internacional e em particular na produção de
segurança e estabilidade.
Ora, para que isso aconteça, é fundamental que a União identifique a defesa
europeia como um desígnio prioritário e promova um conjunto de adaptações nos
planos institucional, conceptual, das capacidades e operacional.
Em primeiro lugar, a adaptação no plano institucional. Para além da definição
das ameaças, já consagrada na Estratégia de Segurança Europeia, é, agora,
também necessário analisar a forma como estas ameaças se inter-relacionam e
como a UE lhes poderá responder com eficácia. Nesse sentido, será fundamental,
desde logo, reforçar a articulação interpilares e melhorar os mecanismos
práticos de coordenação global e integrada de modo a conseguir maior
consistência e maior coerência na acção externa. Apesar da sua
complementaridade de acção no terreno, as esferas, por exemplo, da segurança e
do desenvolvimento, estão divididas entre dois dos pilares da construção
europeia: o pilar comunitário, da responsabilidade da Comissão, e o pilar da
Política Externa de Segurança e de Segurança Comum (PESC), da responsabilidade
do Conselho e dos estados-membros. E é por isso que deverá ser posta a tónica
no reforço da articulação e coordenação interna da UE, quer ao nível das
instituições europeias com competência em matérias de segurança e
desenvolvimento ' o Conselho e a Comissão ', quer ao nível da coordenação entre
as políticas desenvolvidas pelos estados-membros.
Por outro lado, será indispensável não só aproximar as comunidades políticas
dos objectivos da segurança e defesa europeia, como, também, melhorar o
controlo democrático do instrumento militar à disposição da UE. Uma função até
agora, essencialmente, desempenhada pela Assembleia Parlamentar da União da
Europa Ocidental e que, após a aprovação do Tratado de Lisboa, sem prejuízo das
competências do Parlamento Europeu, deverá traduzir-se numa responsabilidade
reforçada dos parlamentos nacionais. Em segundo lugar, a adaptação no plano
conceptual. Isto é, a constante actualização da ESE. Nesse sentido, será
necessário que a União reconheça e enfrente os novos desafios e os novos
riscos, tendo em conta não só o actual contexto internacional mas também a
afirmação da UE como actor que partilha responsabilidades na segurança
internacional. Ao nível dos desafios, a União não poderá excluir a importância
da relação com a Rússia e com as novas potências emergentes, como a Índia, a
China e o Brasil; bem como as questões relacionadas com a globalização e a
transnacionalização da cena internacional. Ao nível dos riscos, para além
daqueles já identificados na ESE, será importante considerá-los no quadro de um
conceito de segurança alargado que integre desde a segurança energética à
segurança marítima, da segurança alimentar à ciber-segurança; assim como os
riscos decorrentes das alterações climáticas, as catástrofes naturais e as
pandemias.
Ainda no domínio conceptual ou até doutrinário, será necessário definir as
regras e os quadros de intervenção militar, designadamente, em teatros de
risco. Não pode ignorar-se que o sistema internacional é marcado pela incerteza
e imprevisibilidade das ameaças e riscos e que as solicitações para a
intervenção internacional da UE, de carácter civil ou militar, são crescentes.
E isto é, hoje, verdade por maioria de razão já que a possibilidade dos
cenários de intervenção se alargou com a introdução, pelo Tratado de Lisboa,
das cláusulas de defesa mútua e solidariedade entre os estados-membros.
Para além disso, a UE tem a obrigação de assumir, e tem assumido
responsabilidades crescentes, na segurança e defesa não só dentro das suas
fronteiras, em território europeu, mas também na produção de estabilidade na
designada «vizinhança próxima», em particular na África e no Mediterrâneo. Como
tal, não pode depender exclusivamente da capacidade militar da Aliança
Atlântica, o que aliás implicaria negar as suas próprias responsabilidades de
defesa. Nesta matéria é necessário afirmar as intenções com clareza: não se
trata de rivalizar com a Aliança Atlântica, pelo contrário, trata-se de dispor
de capacidade para agir, de forma complementar mas autónoma, como aliado útil e
credível na produção de estabilidade e segurança no sistema internacional.
Em terceiro lugar, a adaptação no plano das capacidades. Falar na Europa da
defesa é falar no desenvolvimento de capacidades militares autónomas,
credíveis, adaptadas e edificadas tendo em consideração os requisitos do novo
ambiente estratégico internacional.
Perante os desafios que se colocam à UE será necessário aprofundar a capacidade
de resposta rápida europeia a situações de crise em três vertentes: a
constituição de Battle Groups nas suas três dimensões ' terrestre, aérea e
naval; o reforço da capacidade autónoma de planeamento e condução de operações;
e a criação de uma base industrial de defesa europeia. Neste sentido, e porque
o do aeroespacial e da defesa ficaram de fora do mercado único nos sucessivos
tratados, será necessário um mecanismo intergovernamental que promova a
harmonização das necessidades militares, criando as economias de escala
fundamentais à sustentação de uma base comum de indústrias de defesa entre os
estados-membros da UE. É este o papel central da Agência Europeia de Defesa
(eda).
No que diz respeito ao desenvolvimento de capacidades europeias, o caminho a
seguir passa por três grandes orientações: em primeiro lugar, o desenvolvimento
de capacidades tendo em consideração os mecanismos de resposta rápida europeia;
em segundo lugar, o desenvolvimento de capacidades que permitam a realização de
operações mais exigentes; e, em terceiro lugar, a promoção de projectos no
quadro da Agência Europeia de Defesa.
O objectivo final deste esforço, que deve ser conjunto a todos os estados-
membros, é a criação de um mercado europeu de defesa competitivo e eficaz.
Finalmente, a adaptação no plano operacional. A UE tem tido um papel crescente
em missões de prevenção, gestão e resolução de conflitos, nomeadamente, no
continente africano. Trata-se de missões que para além da componente militar
incluem uma vertente civil, e que abrangem diversos instrumentos do Estado como
sejam as Forças Armadas, as Forças de Segurança, os sistemas judiciais e a
ajuda ao desenvolvimento. Dito de outra forma, trata-se de promover, de forma
integrada, as vertentes da segurança, da construção do Estado e do
desenvolvimento. Este aperfeiçoamento poderá ocorrer em dois planos: em
primeiro lugar, através da promoção de um conhecimento comum e integrado sobre
áreas em que a segurança e o desenvolvimento e a construção do Estado podem
trabalhar em conjunto; em particular através da melhoria dos mecanismos de
comunicação e informação; e, em segundo lugar, através da criação de equipas
multidisciplinares ' que incluam representantes das áreas da defesa, do
desenvolvimento, da justiça e assuntos internos, administração pública, entre
outros ' que promovam a adopção de uma estratégia integrada que oriente a acção
externa da UE.
Por outro lado, é indiscutível ser necessário caminhar no sentido da melhoria
do produto operacional das forças militares europeias. Em particular, é
fundamental aumentar a percentagem de forças projectáveis, face ao total de
efectivos, assim como reforçar a sua capacidade de sustentação no exterior,
procurando promover a criação de forças mais pequenas, mas mais expedicionárias
e assentes em forças conjuntas e combinadas. É este o caminho que tem sido
seguido nos processos de modernização das Forças Armadas dos diversos países
europeus. E é este o caminho que a União deverá seguir.
Finalmente, mas não menos importante, será fundamental repensar e adaptar os
mecanismos de financiamento da PCSD às necessidades decorrentes das situações
de crise internacional, em particular as que exigem uma resposta rápida. Os
custos com as missões PCSD, civis e militares, devem ser assumidos pelos
estados-membros, da mesma forma que o são as responsabilidades na produção de
segurança internacional.
A DEFESA EUROPEIA E A RELAÇÃO TRANSATLÂNTICA
A Aliança Atlântica e a UE são os dois pilares fundamentais da ordem
multilateral de segurança e defesa. Neste sentido, os desenvolvimentos no
quadro da PCSD deverão fazer-se em coordenação e complementaridade com o papel
que a NATO ocupa na segurança e defesa da Europa. Devem, por isso, ser
encontradas as formas institucionais para articular, em permanência, as suas
prioridades, coordenar as suas missões e rentabilizar as suas capacidades e
meios no domínio da segurança e da defesa. Não para rivalizar, mas para que se
possam constituir como aliados úteis e credíveis.
O papel da defesa europeia no sistema de segurança internacional não deve ser
nem de rivalidade, nem de subsidiariedade, em relação à NATO. Deve ser sim e,
inequivocamente, de complementaridade. É este o espírito em que se baseiam os
Acordos de «Berlin Plus» ' que estão na base da parceria estratégica entre a UE
e a NATO ' e deve ser este o espírito que norteia os estados-membros da União e
da Aliança Atlântica.
O quadro estratégico das relações entre a Aliança Atlântica e a UE, no domínio
da segurança, defesa e gestão de crises deve ser mais definido e mais
reforçado. É certo que há uma cooperação concreta entre as duas instituições.
Mas, mais do que isso, é necessária uma visão estratégica comum, sem a qual a
complementaridade entre a Aliança Atlântica e a UE no domínio da segurança e
defesa não se pode estruturar de uma forma estável e permanente. Este deve
constituir um objectivo a alcançar no contexto do relacionamento
transatlântico, de forma a restaurar, plenamente, a confiança entre os dois
pilares da Aliança: o europeu e o norte-americano. E este é o bom momento para
o fazer. Os Estados Unidos reconhecem, hoje, a necessidade de uma Europa forte
e coesa e do reforço da autonomia da defesa europeia num quadro em que a UE
partilhe com a Aliança Atlântica as responsabilidades pela defesa colectiva dos
europeus. É, igualmente, necessário que os estados-membros da UE recusem,
definitivamente, as estratégias que visem prejudicar, não só a coesão no
interior da União, mas também a coesão no interior da relação transatlântica.
Esse novo compromisso é necessário para que a Aliança Atlântica possa assumir
as suas responsabilidades crescentes na segurança internacional, e para que a
UE possa assumir as suas responsabilidades na defesa europeia e na segurança da
sua vizinhança próxima.
O futuro da Europa como actor internacional exige que a UE assuma as suas
responsabilidades. Sem deixar de ser uma potência económica, sem deixar de ser
uma potência civil, mas sem deixar também a dimensão militar.
Há cerca de trinta anos a possibilidade de a então Comunidade Europeia se
tornar um actor internacional não passava de mera utopia. Hoje é uma
necessidade concreta para a segurança europeia e para a estabilidade
internacional. É esse o objectivo que deve nortear a consolidação da Política
Comum de Defesa e Segurança.
NOTAS
[1] Para um balanço dos dez anos da PESD, veja-se por todos Grevi, Giovani,
Helly, Damien, e Kehoane, Daniel (ed.) ' European Security and Defense Policy,
The First Tem Years. Paris: Institute for Security Studies, 2009.
[2] O Objectivo Global 2010 (Headline Goal 2010) foi aprovado pelo Conselho de
Assuntos Gerais e Relações Externas a 17 de Maio de 2004 e subscrito pelo
Conselho Europeu de 17-18 de Junho do mesmo ano. Disponível em: http://
consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/2010%20Headline%20_Goal.pdf
[3] A União Europeia realizou até hoje um total de 22 missões. Tem, hoje, em
curso 13 missões, sendo duas exclusivamente militares; duas civis-militares e
as restantes exclusivamente civis.
[4] A estratégia europeia em matéria de segurança, intitulada «Uma Europa
segura num mundo melhor», foi aprovada pelo Conselho Europeu de 12 de Dezembro
de 2003. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/
031208ESSIIP.pdf.
[5] O Conselho Europeu, em Dezembro de 2007, convidou o secretário-geral do
Conselho e alto representante para a Política Externa, Javier Solana, para, em
conjunto com a Comissão e com os estados-membros, analisar a implementação da
Estratégia e propor novos elementos para uma melhor execução da mesma. O
relatório final apresentado ao Conselho da UE encontra-se disponível em: http:/
/register.consilium.europa.eu/pdf/en/08/st17/st17104.en08.pdf.
[6] A versão consolidada do Tratado da União Europeia encontra-se disponível
em: http://www.consilium.europa.eu/showPage.aspx?id=1296&lang=en
[7] A saber: acções conjuntas em matéria de desarmamento, missões humanitárias
e de evacuação, missões de aconselhamento e assistência em matéria militar,
missões de prevenção de conflitos e de manutenção da paz, missões de forças de
combate para a gestão de crises, incluindo as missões de restabelecimento da
paz e as operações de estabilização no termo dos conflitos.
[8] Título iv do tratado sobre o funcionamento da União Europeia.
[9] Artigos 42.º e 46.º do Tratado da União Europeia e Protocolo relativo à
cooperação estruturada permanente estabelecida no artigo 42.º do Tratado da
União Europeia.
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