Uma autonomia energética sustentável para Portugal. Mitigar as alterações
climáticas desenvolvendo segurança económica
As alterações climáticas, a segurança nacional e a dependência de energia são
questões intimamente inter-relacionadas. No século xxi, as nações têm de
desenvolver estratégias de autonomia energética baseada em sistemas
sustentáveis para construírem economias mais competitivas e menos expostas às
turbulências geopolíticas.
Neste contexto, a segurança energética subiu para o topo da agenda dos
responsáveis políticos, organizações internacionais e empresas. O crescimento
sustentado da procura de energia a nível do planeta levanta sérias preocupações
sobre a disponibilidade a longo prazo de fornecimento fiável e acessível.
Conflitos e tensões geopolíticas em algumas das principais regiões fontes de
matérias-primas para a produção de energia representam um risco de curto prazo
de fornecimento, bem como obstáculos para os tão necessários investimentos no
sector. Estrangulamentos no transporte e outras limitações na infra-estrutura
de energia representam ameaças adicionais para um fornecimento confiável e
acessível.
Com efeito, as alterações climáticas actuam como um multiplicador de ameaças de
instabilidade em algumas das regiões mais voláteis do mundo. Muitos governos na
Ásia, na África e no Médio Oriente já estão no limite em termos da sua
capacidade de providenciar as necessidades básicas: alimentação, água, abrigo e
estabilidade. A mudança climática projectada irá exacerbar os problemas de
governação eficaz.
Com efeito, a dependência de petróleo estrangeiro coloca um país mais
vulnerável a regimes hostis e a terroristas. Por outro lado, o investimento em
fontes alternativas de energia domésticas e limpas não só ajuda a enfrentar o
desafio sério da mudança climática global, como aumenta a autonomia energética
de forma sustentável. Como as questões estão interligadas, gerar a solução para
um problema tem implicações directas nos demais.
A LIGAÇÃO ENTRE A AUTONOMIA ENERGÉTICA, A SEGURANÇA ENERGÉTICA E AS ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS
A mudança climática resulta de emissões antropogénicas de gases com efeito de
estufa (GEE). O sector da energia é de longe a principal fonte de emissões em
todo o mundo. As opções políticas para reduzir as emissões associadas à energia
consistem na melhoria da eficiência energética, na mudança para combustíveis
fósseis menos intensivos em carbono, na adopção de fontes energéticas livres de
emissões, e na captura e armazenamento de CO2.
Ao passo que o PIB das economias ocidentais cresceu, também aumentaram as suas
necessidades energéticas. Esta procura de energia estrangula o abastecimento
disponível: as fontes de energia utilizadas para um fim, como a geração de
electricidade, não estão disponíveis para suprir outras necessidades. O gás
natural usado para a electricidade não está disponível como matéria-prima para
muitas indústrias que dependem dele, como a indústria química, a indústria de
fertilizantes e a indústria de plásticos.
Nesta linha de pensamento, no relatório National Security and the Threat of
Climate Change, da CNA Corporation, o almirante Bowman afirma que
«a segurança nacional está intrinsecamente ligada à nossa segurança
energética do país. A energia e a segurança económica são
componentes-chave da segurança nacional que devem ser concretizadas
através da exploração de formas alternativas de energia endógenas e
de parcerias energéticas com países cujos valores não estão em
contradição com os das democracias ocidentais»[1].
Neste contexto, Bowman adverte que essa interdependência entre a política de
energia e a segurança nacional deve ser encarada no longo prazo como as nações
abordam as mudanças climáticas globais, tendo como base de partida a segurança
energética.
O QUE É A SEGURANÇA ENERGÉTICA?
Para conceber uma política integrada de energia e alterações climáticas, não só
é necessário ter bem presente o conceito de segurança energética, como também
actualizá-lo. A «insegurança» energética pode ser definida como a perda de bem-
estar que pode ocorrer como resultado de uma alteração do preço ou a
disponibilidade de energia[2].
No que diz respeito à política de segurança energética, uma distinção pode ser
feita entre as acções do Governo para mitigar os riscos de curto prazo de
indisponibilidade física que ocorre em caso de ruptura de abastecimento e os
esforços para melhorar a segurança energética no longo prazo.
No primeiro caso, as acções incluem o estabelecimento de reservas estratégicas,
o diálogo com os produtores e determinar planos de contingência para reduzir o
consumo em tempos de interrupção de fornecimentos críticos.
No segundo caso, as políticas tendem a concentrar-se no ataque às causas da
insegurança energética. Estas podem ser divididas em quatro grandes categorias:
● Interrupções do sistema de energia ligadas a condições climáticas extremas ou
acidentes.
● Equilíbrio a curto prazo entre a oferta e a procura no mercado da
electricidade.
● Falhas de regulamentação.
● Concentração dos recursos de combustíveis fósseis.
Através desta tipologia de política de segurança energética, é possível
identificar claramente as áreas que se sobrepõem com as acções de mitigação das
alterações climáticas. Políticas destinadas a responder a preocupações de
segurança energética ligada à concentração de recursos têm potencialmente
implicações mais significativas para a mitigação das alterações climáticas, e
vice-versa. Em ambos os casos, as políticas são susceptíveis de afectar os
combustíveis e as escolhas tecnológicas associadas.
O PANORAMA DA SEGURANÇA ENERGÉTICA DA UNIÃO EUROPEIA (UE)
Responder à procura de energia é o requisito básico da segurança energética. De
acordo com a Segunda Análise Estratégica de Energia da UE, duas tendências são
evidentes:
● Os recursos e as reservas indígenas na UE estão em declínio.
● Os recursos mundiais/reservas, ainda relativamente abundantes, estão a ficar
concentrados nas mãos de um pequeno número de países.
É difícil especificar a quantidade de gás, petróleo, carvão e urânio ainda
existente no manto da Terra e de quanto pode ser extraída no futuro.
Além disso, a segurança energética da Europa continuará a depender fortemente
da disponibilidade de fontes de energia primária. No mix actual de energia da
UE, petróleo, gás, carvão e urânio são as principais fontes primárias de
energia e representam uma parte significativa do futuro cabaz energético da UE.
De facto, a Europa sempre se baseou na oferta externa de fontes de energia para
responder à sua procura e continuará a fazê-lo.
De acordo com a segunda análise estratégica da energia da UE,
«a poupança e a diversificação de energia com as energias renováveis
tornará a UE menos vulnerável aos efeitos da evolução dos preços
voláteis de importação. A segurança energética é um dos principais
objectivos da União Europeia para garantir o seu desenvolvimento
económico e o bem-estar dos seus cidadãos»[3].
A DEPENDÊNCIA DAS IMPORTAÇÕES DA UE
Embora a dependência das importações globais de energia na UE seja elevada e
continue a aumentar, a situação varia consideravelmente de país para país. A
Dinamarca é o único país completamente independente em termos energéticos,
enquanto que em alguns países, como a Polónia e o Reino Unido, as taxas de
dependência das importações são bastante baixas (cerca de 20 por cento).
No outro extremo, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha têm relações de
dependência de importação superiores a 80 por cento, enquanto pequenos países
insulares, como Malta e Chipre (devido à sua situação geográfica), juntamente
com o Luxemburgo, são totalmente dependentes das importações de energia.
A UE produz menos de um quinto de seu consumo total de petróleo. O petróleo
inclui a maior parte do total das importações de energia da UE (60 por cento),
seguido por importações de gás (26 por cento) e combustíveis sólidos (13 por
cento). A proporção entre a energia importada e a das energias renováveis é
insignificante (menos de um por cento).
Tendo em conta o crescimento previsto da procura mundial de energia, a
competição por recursos ficará mais difícil e o poder de mercado dos poucos
grandes exportadores de energia irá aumentar ainda mais.
Portanto, torna-se necessário desenvolver abordagens metodológicas que permitam
avaliar o grau de risco inter-relacionado de segurança energética e as
alterações climáticas, baseado no poder de mercado, de forma a conceber uma
política integrada que assegure uma autonomia energética sustentável.
METODOLOGIA PARA CÁLCULO DO RISCO DA SEGURANÇA ENERGÉTICA
A avaliação de poder de mercado no direito da concorrência não é simples. O
poder de mercado é altamente dependente das circunstâncias de cada caso. Além
disso, é, em grande medida, critério das autoridades de concorrência decidir se
existe ou não um caso de dominação de mercado (OFT, 1999). Em resumo, o poder
de mercado pode ser medido de duas formas:
● Participação no mercado ' O poder de mercado é improvável sem concentração no
mercado (FTC, 1992; OFT, 2004a). Portanto, uma medida de concentração do
mercado fornece um proxy do poder de mercado. A quota de mercado é
provavelmente a mensuração mais simples de concentração do mercado. Este
indicador é muito utilizado na política pública, especialmente na Europa onde,
apesar de esta não limitar a quota de mercado a uma dimensão específica, é
amplamente utilizado em apoio da lei.
● Índice Herfindhal-Hirschman (IHH) ' Este índice é calculado pela soma dos
quadrados das quotas de mercado individuais de todos os participantes. É um
indicador mais elaborado de concentração do mercado, uma vez que leva em conta
o número de empresas no mercado e respectivas quotas de mercado. O IHH é
especialmente utilizado para auxiliar a Comissão Federal de Comércio dos
Estados Unidos na apreciação das concentrações horizontais (FTC, 1992). Uma
abordagem baseada na medida de concentração do mercado é atraente pela sua
simplicidade. Já é amplamente utilizada por governos e constituirá a base da
presente análise.
O IHH é definido da seguinte forma:
em que Si é a quota de mercado da empresa i no mercado e n é o número de
empresas. Assim, num mercado com duas empresas em que cada uma tem 50 por cento
do mercado, o índice de Herfindahl é igual a 0,502 + 0,502 = 1 / 2.
O índice de Herfindahl (H) varia de 1/N para 1, onde N é o número de empresas
no mercado. Equivalentemente, o índice pode chegar até 10 mil, se as
percentagens forem usadas como números inteiros, como em 75, em vez de 0,75. A
máxima neste caso é 1002 = 10 000. Portanto, estabelece-se que:
● Um índice IHH inferior a 0,01 (ou 100) indica um índice altamente
competitivo.
● Um índice IHH inferior a 0,1 (ou 1000) indica um índice de não concentrado.
● Um índice IHH entre 0,1 a 0,18 (ou 1000 a 1800) indica concentração moderada.
● Um índice IHH superior a 0,18 (acima de 1800) indica alta concentração.
Um pequeno índice indica uma indústria competitiva com nenhum dos operadores
dominantes. Se todas as empresas possuem uma quota igual, o recíproco do índice
mostra o número de empresas no sector. Quando as empresas possuem partes
desiguais, o recíproco do índice indica o «equivalente» ao número de empresas
no sector.
Embora simples, uma medida de concentração do mercado é altamente dependente da
definição do mercado relevante. Em matéria de concorrência, esse processo
resume-se a determinar os melhores substitutos para o produto sob investigação,
quando estes constituem a restrição mais imediata ao concorrente.
Na presente abordagem, o foco centra-se no curto e médio prazo de substituição,
dado que este é o mais adequado para análise da segurança energética.
Identificar potenciais substitutos de combustíveis fósseis é um exercício
único. Os combustíveis fósseis são diferentes de quaisquer outros produtos.
Eles são a principal matéria-prima essencial para os processos subjacentes à
actividade económica: electricidade e de calor, processos industriais, e
transporte, entre outros. Estes processos são complexos, de capital intensivo e
baseados em sistemas tecnológicos desenvolvidos ao longo de várias décadas.
Para avaliar a possibilidade de substituição de combustível é necessário,
portanto, analisar a flexibilidade tecnológica para alternar combustíveis em
cada um desses processos e usos finais. Por isso, os três combustíveis fósseis
continuarão a ser considerados como «produtos» únicos em mercados distintos.
No que respeita aos limites geográficos destes mercados, muito depende das
infra-estruturas existentes e do comércio. No caso do petróleo, as infra-
estruturas físicas estão bem desenvolvidas e os custos de frete são
suficientemente baixos para permitir o comércio global. Portanto, um mercado
global de petróleo pode ser assumido na análise.
As infra-estruturas físicas existentes também permitem o comércio mundial de
carvão. Para o gás, as limitações de infra-estrutura são muito mais
significativas. O comércio de gás é predominantemente baseado em pipeline e,
assim, tem um alcance regional. No caso do gás, portanto, as fronteiras de
mercado consideradas nesta abordagem vão evoluir conforme o desenvolvimento das
infra-estruturas de Gás Natural Liquefeito (GNL). Por agora, para a presente
análise, são apenas consideradas as do gás natural por gasoduto.
Levando em consideração todos estes aspectos, a medição da concentração do
mercado em cada mercado de combustíveis fósseis está no centro da abordagem
proposta para quantificar o risco da segurança energética relacionado com a
dependência das importações.
No entanto, uma série de modificações precisam ser feitas para reflectir a
natureza específica dos problemas de segurança energética. Podemos distinguir
dois elementos na análise:
● A caracterização dos riscos de segurança de energia através de um indicador
de concentração de mercado, referido aqui como Índice Geopolítico de Segurança
Energética de Concentração das Importações (IGSECI).
● A exposição de um determinado país a riscos de segurança energética. Este
elemento é considerado através da definição de um Índice de Risco Geopolítico
de Segurança Energética (IRGSE).
A base para quantificar a concentração do mercado na segurança energética é
calcular o Índice Herfindhal-Hirschman (IHH), igual à soma do quadrado das
quotas de mercado individuais de todos os participantes. Como discutido
anteriormente, o IHH é um indicador bem estabelecido de concentração do mercado
comummente utilizado pelos governos como um instrumento para auxiliá-los na
determinação do poder de mercado.
No contexto desta análise, os participantes do mercado são considerados como
países. Indiscutivelmente, as empresas privadas, que desempenham um papel
essencial em mercados de combustíveis fósseis, devem ser consideradas como os
participantes do mercado. No entanto, os governos, em última instância, são as
entidades que têm controlo sobre o nível de exploração dos seus recursos
naturais. De uma perspectiva de segurança energética, portanto, uma abordagem
ao nível do país parece mais adequada.
A dependência das importações de energia primária foi escolhida tendo como base
a medição da concentração de mercado do IHH, devido à importância e
complexidade da energia para a economia de cada país. A disponibilidade de
energia que se acredita ser crucial para a existência de uma grande economia é
muitas vezes referida como recurso «estratégico». Atribuindo o conceito de
«recurso estratégico» à energia, esta assume a qualidade intrínseca da
utilidade para a economia, bem como a necessidade de garantia de
disponibilidade tão estreitamente ligada com o interesse nacional.
Se o abastecimento de energia é de importância «estratégica», então deve ser
utilizado para analisar a dependência de uma economia quanto às importações
deste recurso «estrategicamente» importante.
A dependência das importações de energia pode ser muito amplamente
conceptualizada como uma relação entre a quantidade de energia primária
produzida e a quantidade de energia primária importada. Esta relação também
pode ser entendida como um rácio de auto-suficiência «invertido». No entanto,
este rácio só transmite informações inertes sobre a balança comercial do sector
em específico, e não diz nada sobre as implicações para outros sectores e, por
extensão, diz muito pouco sobre as implicações para a economia em geral.
Este rácio per se não é importante; só é analiticamente significativo apenas em
conexão com o risco que o rácio representa para a economia. Com base nessa
observação, é muito mais relevante para quantificar a dependência em termos de
nível de risco que esta relação representa para a economia. A presença de risco
pode ser, portanto, contextualizada através da avaliação da vulnerabilidade que
o nível de dependência apresenta para a economia.
Portanto, a dependência de importação será operacionalizada através da medição
do nível de risco de concentração que esta situação representa para a economia.
Desta forma, para cada combustível fóssil f, o Índice Geopolítico de Segurança
Energética de Concentração das Importações (IGSECI) no mercado é definido por:
Onde Sif é a parte de cada i fornecedor no mercado de combustíveis f definida
pela dependência das importações do mercado de destino (Sif varia de 0 a 100
por cento). Os valores do IGSECI, conforme definido na equação, variam entre
zero (representando um mercado perfeitamente competitivo) e 10 mil para um
monopólio puro. Portanto, quanto mais elevado for o valor de IGSECI, menor é a
segurança energética, porque maior é a concentração de importações.
Contudo, terão de ser consideradas modificações adicionais na presente fórmula
para a medição do impacto na segurança energética na economia. Numa segunda
instância, temos de considerar a inclusão de um factor adicional que parece de
particular importância: a estabilidade política do país exportador do
combustível fóssil.
Com efeito, além de serem geograficamente concentrados, os recursos energéticos
também estão muitas vezes localizados em áreas politicamente sensíveis do
mundo. Este facto desempenha um papel importante na medição das implicações de
segurança energética da concentração de recursos que afecta a fiabilidade dos
países parceiros comerciais.
As operações do sector da energia podem ser afectadas por distúrbios civis. Ao
longo dos últimos anos, por exemplo, as greves têm afectado as exportações de
um número de países produtores de petróleo, incluindo os mais proeminentes como
a Nigéria e a Venezuela, por vezes com efeitos adversos significativos sobre os
preços do petróleo.
A estabilidade política de um país também deverá reflectir a possibilidade de
abuso por parte do Governo face à posição dominante do país no mercado (grande
quota de mercado no IGSECI).
Para incluir a estabilidade política na medição das implicações na segurança
energética derivada da concentração de recursos num determinado mercado de
combustíveis fósseis, a medida de IGSECI conforme definido na equação pode ser
modificada da seguinte maneira:
Em que ri é a classificação de risco político do país i. A inclusão deste
parâmetro deve intensificar os riscos de concentração de mercado, quando os
participantes do mercado são considerados politicamente instáveis. A extensão
da escala reflecte a importância dada à estabilidade política ao considerar as
preocupações relacionadas com a concentração de recursos.
Na presente análise, é considerado que a escala de r varia entre um a três. Em
outras palavras, o pior nível de estabilidade política conduz a uma triplicação
da contribuição do país para o IGSECI e o melhor nível não afecta a
contribuição do país. Portanto, o IGSECIpol varia entre zero (para uma
concorrência perfeita entre os países com melhor nível de estabilidade
política) e 30 mil para um monopólio puro de um país com o pior nível de
estabilidade política.
Qualquer conjunto de r pode ser seleccionado, dependendo da importância dada a
estabilidade política na medição IGSECIpol. O principal objectivo na presente
análise, entretanto, é simplesmente comparar IGSECI e IGSECIpol nos três
mercados de combustíveis fósseis.
Uma série de ratings de estabilidade política pode ser utilizada para a medição
do risco político. No âmbito deste estudo optou-se pela escolha do «Worldwide
Governance Indicators» do Banco Mundial. Esta bateria de indicadores usa uma
metodologia transparente desenvolvida pela primeira vez na década de 1990, a
qual tem sido continuamente revista e melhorada. Baseia-se numa agregação
estatística de um grande número de respostas ao inquérito sobre a qualidade da
governação nos países da OCDE e em vias de desenvolvimento elaboradas por
institutos de pesquisa, think tanks, organizações não governamentais e
organismos internacionais (Banco Mundial, 2006).
Além disso, os indicadores são concebidos para serem aplicados em mais de 200
países, o que se adapta à análise proposta na presente abordagem.
Os indicadores do Worldwide Governance Indicators avaliam seis dimensões de
governação através de seis indicadores distintos. Dois deles são de especial
interesse do ponto de vista da segurança energética:
● «Estabilidade Política e Ausência de Violência» mede a percepção do risco que
o Governo no poder vai ser desestabilizado ou derrubado por possivelmente
inconstitucional e/ou por meios violentos, incluindo a violência doméstica e
contra o terrorismo.
● «Regulamentação da Qualidade» mede a incidência de políticas pouco favoráveis
de mercado, tais como controlo de preços ou de supervisão bancária inadequado,
bem como as percepções dos encargos impostos pela regulamentação excessiva em
áreas como o comércio exterior e o desenvolvimento de negócios.
Estes indicadores são definidos numa base anual, e variam entre -2,5 e +2,5. Os
valores positivos mais elevados indicam melhor desempenho de governança. A
classificação percentual também está disponível. A fim de considerar ambas as
dimensões de interesse usamos um indicador composto de governança com base na
média dos dois anteriormente referidos, os quais depois são convertidos para a
escala definida para r (um a três).
O ÍNDICE DE RISCO GEOPOLÍTICO DE SEGURANÇA ENERGÉTICA (IRGSE)
As medidas de IGSECI e de IGSECIpol caracterizam a dependência das importações
da segurança energética em mercados de combustíveis fósseis, face à
concentração de recursos. No entanto, a exposição de um país a estes riscos de
concentração de recursos depende do papel que o combustível fóssil desempenha
na economia do país.
Embora seja necessária uma avaliação detalhada para uma apreciação sectorial do
papel de cada combustível, para a presente análise, podemos simplesmente
multiplicar IGSECIpol pelo peso do combustível no mix energético do país
importador (Fornecimento Total de Energia Primária ' FTEP). Por outras
palavras, multiplicamos a dependência do país pelas importações de um
determinado combustível e pela nossa caracterização do risco de concentração de
recursos. O Índice de Risco Geopolítico de Segurança Energética (IRGSE) soma os
produtos de IGSECIpol para cada combustível multiplicado pela parte exposta do
mix de combustível, pode ser representado da seguinte forma:
em que Cf / FTEP (Fornecimento Total de Energia Primária) é a parte do mix de
combustível. Portanto, um valor mais elevado de IRGSE significa um maior risco
para a segurança energética. Quanto mais um país está exposto a uma elevada
concentração de dependência de importação de um combustível dominante no mix
principal de fornecimento de energia, está menos seguro e mais vulnerável a
turbulências geopolíticas.
COMPARAÇÃO DOÍNDICE DE RISCO GEOPOLÍTICO DE SEGURANÇA ENERGÉTICA: PORTUGAL VS
SUÉCIA
Para avaliar a exequibilidade desta abordagem quantificada do risco de
segurança energética e relacioná-la com as alterações climáticas, optou-se por
comparar Portugal e a Suécia pelas seguintes razões:
● Ambos são pequenos países europeus, sem recursos minerais, importando todo o
petróleo, gás e carvão, e não têm energia nuclear.
● A Suécia tem um mix de energia diferente de Portugal, que inclui uma
contribuição substancial da energia nuclear e renováveis na oferta de energia
primária.
A comparação entre esses dois exemplos extremos dará uma visão sobre o impacto
das energias renováveis e da energia nuclear, tanto a nível da segurança
energética, da mitigação das alterações climáticas e da sustentabilidade da
autonomia energética.
BREVE PERFIL ENERGÉTICO DE PORTUGAL
Portugal não possui recursos minerais e depende da importação de combustíveis
fósseis ' carvão, gás natural, gás natural liquefeito e petróleo ' para suprir
83 por cento das suas necessidades energéticas (2006). Dois terços das suas
necessidades de energia eléctrica são cumpridos pelos combustíveis fósseis,
enquanto o terço restante provém de fontes renováveis, incluindo a hidráulica,
a eólica e a biomassa.
A procura de energia tem vindo a aumentar ligeiramente mais rápido do que a
taxa de crescimento económico e, consequentemente, a intensidade energética da
economia é quatro por cento maior do que era em 1991, situando-se 10 por cento
acima da média da UE. O consumo de energia final é dominado por transportes (39
por cento) e indústria (31 por cento), que é quase o oposto da situação em
1991, quando a indústria contabilizava 39 por cento e o transporte de 33 por
cento. O sector de serviços tem crescido consideravelmente nos últimos anos,
representando actualmente 32 por cento do consumo de electricidade em
comparação com 21 por cento em 1991. Portugal era um importador líquido de
electricidade em 2006, respondendo por 10 por cento das suas necessidades,
valor este que varia um pouco anualmente com base na disponibilidade hídrica.
A integração no mercado de energia ibérico avança paulatinamente e poderá
contribuir para uma maior confiabilidade e segurança do sistema. A infra-
estrutura de transporte e distribuição de petróleo e gás tem melhorado nos
últimos anos, incluindo o desenvolvimento dos oleodutos e pipelines de gás
natural, os dois terminais de petróleo e um terminal de GNL, que iniciou a sua
operação em 2003.
Portugal tem colocado uma ênfase muito grande sobre os seus programas de
energia renovável e de legislação. A legislação nacional aponta para uma meta
ainda maior de energias renováveis em 2010 ' 45 por cento ' do que a meta da UE
no âmbito do indicativo existente Res-E (Directiva 2001/71/CE) para Portugal
(39 por cento). O objectivo proposto para 2020 é de 31 por cento de energias
renováveis no consumo final. É de salientar que Portugal tem objectivos
ambiciosos para as tecnologias emergentes, como a energia das ondas e a
concentração de energia solar.
A dependência de importação de energia e alta dependência dos combustíveis
fósseis significa que aumento da energia renovável e maior ênfase na eficiência
energética contribuirá para melhorar a segurança energética, bem como para os
objectivos ambientais e de emissões.
BREVE PERFIL ENERGÉTICO DA SUÉCIA
Com uma dependência energética de apenas 37 por cento, entre as características
distintivas do sistema energético sueco encontram-se a utilização significativa
de biomassa e uma predominância de electricidade face a outros tipos de energia
fora do sector dos transportes. A utilização da biomassa tem aumentado
significativamente em todos os sectores desde a crise do petróleo dos anos 70
do século passado, sobretudo para a produção combinada de calor e
electricidade.
Com efeito, entre 1970 e 2008, a Suécia diminuiu em 60 por cento o consumo de
petróleo e planeia até 2030 cortar em mais 40 por cento este indicador,
aumentando a contribuição da biomassa, passando esta fonte energética a
dominante (cf. gráficos 1 e 2).
Gráfico 1: Suécia: Objectivos da política energética, 2030
Gráfico 2: Suécia 1970-2008
O fornecimento de electricidade tem sido dominado por hidroeléctricas e pelo
nuclear desde a década de 1980. Uma variedade de esquemas de apoio à produção
de energias renováveis foi amplamente consolidada no programa de energia
renovável, iniciado em meados de 2003. A forte ênfase na eficiência energética
tem diminuído significativamente o consumo total de energia.
A Suécia tem uma elevada percentagem de energias renováveis, as quais
representam 29 por cento do consumo interno bruto em 2006, em comparação com
uma média de sete por cento para uma UE-27. Esta percentagem deve-se à elevada
penetração da biomassa e de outras fontes renováveis para aquecimento e geração
de energia.
As questões políticas fundamentais para os próximos anos dizem respeito a
questões sobre o futuro da energia nuclear e de uma maior expansão das energias
renováveis para além da biomassa.
RESULTADOS DA MEDIÇÃO DO IRGSE PORTUGAL VS SUÉCIA
Os resultados são bastante expressivos na demonstração da interligação entre a
segurança energética e as alterações climáticas.
O fornecimento de energia primária em Portugal é dominante em petróleo. O
portefólio de importações é muito diversificado ' o IHH revela um mercado não
concentrado (ver tabela em anexo). Por outro lado, o IHH revela que os mercados
do gás e do carvão estão concentrados. Em consequência, o IGSECIpol de petróleo
(0,19) é muito menor em comparação com o IGSECIpol para o gás (1,47) e carvão
(2,75). No entanto, uma vez que os combustíveis fósseis representam mais de 80
por cento do FTEP, o IRGSE (0,85) é muito maior do que a Suécia.
Portanto, Portugal está muito mais exposto a turbulências geopolíticas
relacionadas com a segurança energética.
Por sua vez, a carteira de importações de petróleo, gás e carvão da Suécia não
é muito diversificada ' o IHH revela um mercado concentrado para os três
combustíveis fósseis. Quando comparados com Portugal, os IGSECIpol de petróleo
(0,47) e do gás (1,75) da Suécia são superiores, mas verifica-se um valor muito
mais baixo no carvão (0,26). No entanto, uma vez que os combustíveis fósseis
representam menos de 40 por cento do FTEP, o IRGSE (0,23) é muito inferior ao
de Portugal. Portanto, a Suécia está muito menos exposta a turbulências
geopolíticas relacionadas com a segurança energética, contribuindo igualmente
para uma mitigação das alterações climáticas.
Quando procedemos à comparação do IRGSE com indicadores de intensidade
energética, dependência energética e intensidade de carbono, comparando
Portugal e Suécia, descobrimos que não só o risco geopolítico de segurança
energética da Suécia é muito inferior que o de Portugal, como também todos os
outros indicadores (cf. gráfico 3).
Gráfico 3: Índice de risco geopolítico de segurança energética e alterações
climáticas: Portugal vs Suécia
Isto significa que a Suécia possui um mix energético e respectiva utilização
muito mais sustentável do ponto de vista económico e ambiental. Portanto,
podemos especular que a segurança energética com uma forte componente de
energia renovável e nuclear contribui positivamente não só para uma maior
segurança económica, mas também para uma mitigação das alterações climáticas e
para uma autonomia energética sustentável.
Desta forma, segurança energética e alterações climáticas são duas faces da
mesma moeda ' a concepção da política tem de enfrentar os dois aspectos em
simultâneo, construindo activamente uma autonomia energética sustentável.
Podemos avançar que a mudança para uma matriz energética baseada em energias
renováveis e energia nuclear, combinada com as políticas activas em matéria de
eficiência energética, de diversificação dos canais de abastecimento de GNL, de
bioenergia, de captura e armazenamento de carbono gera um efeito positivo quer
na diminuição da vulnerabilidade a choques geopolíticos associados à
dependência das importações e da concentração de combustíveis fósseis, quer na
criação de uma economia de baixo carbono competitiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em jeito de conclusão, no caso de Portugal, e tomando como exemplo as boas
práticas suecas, a política energética deverá ter como objectivo alcançar a
autonomia energética sustentável no prazo de quinze a vinte anos, explorando as
seguintes linhas estratégicas, em adição às já existentes:
● Incentivar a I&D e incorporação de biocombustíveis de origem nacional
(proveniente por exemplo da indústria de papel e celulose) nos transportes
públicos, explorando as potencialidades do BioDME e do etanol celulósico, por
exemplo.
● Desenhar uma estratégia competitiva para o terminal de GNL de Sines,
aproveitando a situação geográfica Euro-Atlântica portuguesa.
● Estudar seriamente a criação de uma central nuclear, para assegurar a
produção endógena de energia e ajudar a suprir as intermitências das energias
renováveis.
● Incentivar a I&D em tecnologias alternativas de armazenagem de energia
renovável ' o aumento dos períodos de seca irá erradicar a capacidade de
armazenamento das barragens.
● Aumentar a utilização do biogás dos aterros sanitários para geração de calor
e electricidade.
● Investigar o potencial geológico de armazenamento de CO2 no onshore e no
offshore português.
As linhas estratégicas expostas contribuirão decisivamente para afirmar a
autonomia energética nacional no mundo e colocar Portugal na vanguarda dos
países líderes da energia sustentável.
A exportação de soluções sustentáveis de energia produzidas por indústrias
geradoras de emprego e com baixo potencial de deslocalização, permitirá elevar
as competências tecnológicas dos empreendedores e trabalhadores portugueses,
conduzindo a um aumento de produtividade e de salários, e diminuindo o
desequilíbrio da nossa balança de pagamentos e de transacções correntes.