Efeitos do Emprego público na produção privada
1. O emprego público
A experiência internacional aponta, nas décadas de 1960-1990, para um acelerado
aumento do emprego público, com níveis expressivos em relação ao emprego total.
Por várias razões, esta tendência foi interrompida para alguns países, na
década de 1980-1990, e noutros nas subsequentes. São muitas as causas para esta
inversão: nalguns casos, o início dos processos de reforma no sentido de uma
economia mais dominante do mercado, noutros a emergência da crise fiscal e/ou,
finalmente, uma combinação de causas que vão desde a necessidade de
estabilização macroeconómica à abertura do processo democrático.
A variação (%) do peso do emprego público no emprego total (Gráfico 1) tem
oscilado, por forma, ou pela razão, da necessidade de se fazer face a condições
económicas adversas que convergem para a indispensabilidade de se reformar a
administração pública ou, pelo menos, parte do sector público ou, ainda, o que
vulgarmente se designou pela redefinição das funções não essenciais (não
exclusivas) do Estado, mantendo as funções de soberania, isto é, as essenciais
(exclusivas).
Gráfico_1 ' Peso do Emprego Público no Emprego Total nos países membros da OCDE
Independentemente do modelo que norteou a reforma do emprego público, é
consensual que aquela matriz deva ser politicamentedesejável, praticável e
credível, com uma orientação, contexto e complexidade que oscila (ou oscilou)
de país para país. Assim, quer fosse na lógica de mercado (privatizações,
agências independentes, análise custo/benefício), quer fosse pelas iniciativas
participacionistas (orientação para o cliente, avaliação da qualidade do
serviços, etc.) ou, ainda, pelas iniciativas de desregulamentação e
desburocratização (simplificação de procedimentos) é generalizado e consensual
que o conjunto de factores, inter-relacionados, para as causas das oscilação do
emprego público foram: (i) pressão fiscal (carga, fraude e evasão fiscais);
(ii) pressão dos cidadãos (perda de legitimidade e crise de governabilidade);
(iii) os interesses do Estado (um insensível e evasivo Estado); (iv) a crise do
Estado providência (o tamanho demasiado grande do Estado e a necessidade de
redução dos gastos públicos, a inflação, o desemprego e a recessão; e, (v)
promoção internacional de novas ideias de reforma.
Apesar do que se expõe, o crescimento do emprego público, nalguns casos
desmedido (em particular no ratio do emprego total) não foi constante e/ou
idêntico, à semelhança das tipologias de reforma, para todos os países.
Ressalta dos estudos empíricos que grupos de países, significativos até, como
por exemplo o grupo nórdico (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia)
encarado, em geral, como Estados de Bem-Estar", com grandes sectores
públicos e redistribuição de rendimentos (tratando-se de economias ricas e com
elevados padrões de qualidade de vida) ainda hoje mantêm uma elevada
percentagem do emprego público no emprego total. É, aliás, todo o grupo nórdico
que mantém na última década os maiores valores para aquela relação (Gráfico_1).
É por demais evidente que os desequilíbrios económicos e a inflação, a recessão
e o desemprego, as crises bancárias e deficits fiscais excessivos, conduziram à
dúvida da viabilidade económica e sustentabilidade financeira dos estados Bem-
Estar, apesar de nalguns casos e para algumas décadas (1950/1970) algumas
economias, norte da Europa sobretudo, tenham experimentado crescimentos rápidos
e de pleno emprego e que, a partir da década de 80, se desvigoraram. É, apesar
desta circunstância, também no grupo de países nórdicos onde o consumo público
em ratio do PIB é mais elevado (Gráfico 2).
Gráfico 2 ' Peso do Consumo Público no PIB nos países membros da OCDE
Resultará daqui que o conjunto de reformas no emprego público levadas a cabo
nas últimas décadas, essencialmente a partir da década de 90, em particular na
redução de efectivos ou pelo menos na sua contratualização com o Estado, foram
suportadas na percepção de que os países com uma elevada proporção de emprego
público poderiam estar associadas ao fraco desempenho macroeconómico. Esta
ideia prevalece, sobretudo, em economias com níveis superiores de
desenvolvimento (Koskela, E. e Viren, M., 1999) que partilharam a reflexão de
mudança associada àquele facto. Os efeitos do emprego público total afectariam,
portanto, o output, isto é, a produção privada.
Resultará daqui que o conjunto de reformas no emprego público levadas a cabo
nas últimas décadas, essencialmente a partir da década de 90, em particular na
redução de efectivos ou pelo menos na sua contratualização com o Estado, foram
suportadas na percepção de que os países com uma elevada proporção de emprego
público poderiam estar associadas ao fraco desempenho macroeconómico. Esta
ideia prevalece, sobretudo, em economias com níveis superiores de
desenvolvimento (Koskela, E. e Viren, M., 1999) que partilharam a reflexão de
mudança associada àquele facto. Os efeitos do emprego público total afectariam,
portanto, o output, isto é, a produção privada.
2. Relação do emprego público com o output privado
Se há evidência que o emprego público possa ser excessivo, o seu processo de
redução (adoptado em maior ou menor escala nos diversos países e com as mais
diversas técnicas ou modelos, muitos deles por isomorfismo de mimetismo com o
abandono, ou pelo menos diminuição, dos regimes de carreira em favorecimento
pelos regime de emprego) pode ser visto como uma medida que aumenta o bem-estar
da comunidade, isto é, ser politicamente credível e aceitável. Assim, acredita-
se, que a reforma pode levar a uma maior eficiência e, portanto, há espaço para
compensar os perdedores da reforma, e ainda obter um benefício líquido para os
cidadãos.
A contrário, e a jusante da ideia de possível equidade, o aumento do emprego
público poderá gerar uma pressão ascendente sobre os salários reais e, dessa
forma, deslocar emprego do sector privado para o sector público e, portanto, um
efeito de deslocamento sobre o emprego e a produção no sector privado (Koskela
e Viren, 1992, apud Maldonado e Ávila, 1997). Acresce que, como toda a despesa
tem que ser financiada, os impostos adicionais podem criar efeitos
desincentivadores na actividade privada.
No entanto, existe a hipótese do sector público poder afectar a produção de
maneira não-linear, isto é, os efeitos da produtividade do emprego público
sobre a produção privada poderem assumir uma relação positiva ou negativa
dependendo da dimensão do sector público (reduzida ou elevada,
respectivamente).
Com efeito, a incerteza de como é que as despesas do governo afectam a produção
total ou crescimento do produto pode ser indistinta já que concorrem para
aquela relação múltiplas variáveis; por exemplo, no caso duma relação
positiva poderá assentar nos efeitos indirectos da produtividade das despesas
do governo, particularmente os investimentos públicos (ver Aschauer (1989),
Barro (1990), Grossman e Lucas (1974), por outro lado, a relação poderá ser
negativa devido aos efeitos distorcionários dos impostos (ver por exemplo,
Barro (1990)) ou devido aos efeitos de crowding out do investimento privado.
É comum, evidente portanto, que a literatura aponta para o facto de haver uma
assumpção de que o emprego público e os níveis salariais desse mesmo emprego,
estarão relacionados com o sector privado em todas as suas dimensões até
porque, em grande medida, os recursos para pagar os salários do sector público
provêm do sector privado. Observe-se, então, daquela relação, na perspectiva do
emprego público total e do consumo público e os seus efeitos na produção
privada.
2.1. Modelo
Para se estimarem os efeitos do emprego público na produção privada, recorre-se
a um modelo do tipo VAR, seguindo a especificação de Koskela e Virén (2000), em
que a produção privada em cada período depende do valor observado no período
anterior e do nível do emprego público neste mesmo período (eq. [1]).
[1]
De forma a analisar se existe uma relação não linear entre emprego público e
output privado, inclui-se, adicionalmente, a dimensão do sector público:
[2]
Onde OP representa o output do sector privado a preços constantes, EP o emprego
público e DIM a dimensão do sector público, avaliada por indicadores
alternativos, nomeadamente o peso do consumo público no PIBpm (G/PIB) e do
emprego público no emprego total (EP/ET).
2.2. Dados e fontes estatísticas
A amostra é constituída por 19 membros da OCDE
[2]
, (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Islândia, Irlanda, Itália,
Japão, Coreia, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia,
Turquia, Reino Unido e Estados Unidos da América), no período de 1960-2008.
Todas as séries foram obtidas a partir do Economic Outlook No 85 - June 2009 -
Annual Projections for OECD Countries.
2.3. Resultados
A estimação da eq. [1], cujos resultados se apresentam no Quadro 1, sugerem que
a relação entre emprego público e produção privada não é linear. Os valores
estimados para α3 tanto são positivos como negativos e, na maior parte dos
casos, sem significância estatística.
Quadro 1 ' Resultados da estimação do modelo:
Procurou-se, nesta decorrência, avaliar a existência de uma relação não linear
entre aquelas duas variáveis, tendo em consideração a dimensão do sector
público. Na equação [2] utiliza-se um modelo com base em dados de painel
considerando duas especificações alternativas: numa primeira, admite-se que as
economias são estruturalmente semelhantes (pooled), e, numa segunda, se
ocorrerem diferenças, existe também uma correlação entre a variável dependente
e a constante (modelo de efeitos fixos - FE). O modelo foi estimado pelo método
SUR (Seemingly Unrelated Regression).
Os resultados da estimação da Eq. [2] são apresentados no Quadro 2. Apesar da
qualidade do ajustamento não ser muito elevada, os coeficientes estimados são
estatisticamente significativos e apresentam os sinais esperados. De facto, o
valor da estimativa α3 é negativo e estatisticamente significativo, o que
sugere, dada a dimensão do sector público (avaliada quer pelo peso do consumo
público no PIB quer pelo ratio do emprego público no emprego total)o emprego
público pode ter um impacto negativo no output privado. Os valores da dimensão
crítica do sector público variam, conforme o modelo estimado, entre os 16,62% e
17,94%, quando a dimensão pública é proxied pelo ratio do emprego público no
emprego total. Para o valor crítico de 17,94%, o Canadá, Dinamarca, Finlândia,
França, Noruega, Suécia e Reino Unido, em termos médios no período de análise,
apresentam uma dimensão pública excessiva, pelo que o aumento do emprego
público é prejudicial à produção privada (Gráfico 3), com especial relevância
para a Dinamarca, Noruega e Suécia.
Quadro 2 ' Resultados da estimação do modelo:
19 países da OCDE, 1960-2008
Gráfico 3 ' Diferenças entre a dimensão pública média e a crítica nos países
membros da OCDE (emprego público em ratio do emprego total)
Quando a dimensão do sector público é avaliada pelo peso do consumo público no
PIB, os valores críticos variam entre 20,01% e 20,41%. Estes resultados sugerem
que a Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Holanda,
Suécia e Reino Unido poderiam aumentar a produção privada pela redução do
emprego público (Gráfico 4).
Gráfico 4 ' Dimensão pública dos países membros da OCDE e o seu valor crítico
(peso do consumo público no PIB)
Considerando apenas os membros da OCDE que integram a UE, constata-se,
igualmente, que muitos dos países apresentam uma dimensão pública excessiva
(Erro! A origem da referência não foi encontrada.). Apenas Luxemburgo, Portugal
e Espanha apresentam um sector público com uma dimensão inferior à crítica
quanto esta é avaliada pelo Consumo publico em percentagem do PIB (Gráfico 5) e
Holanda, Portugal e Espanha quando se avalia pelo peso do emprego público no
emprego total (Gráfico 6). Nos restantes países, dada a dimensão excessiva, o
efeito do emprego público na produção privada torna-se negativo.
Gráfico 5 ' Diferenças entre a dimensão pública média e a crítica em 12 EM da
UE (consumo público em % do PIB)
Gráfico 6 ' Diferenças entre a dimensão pública média e a crítica em 12 EM da
UE (emprego público em ratio do emprego total)
Quadro 3 ' Resultados da estimação do modelo:
12 EM da UE, 1960-2008
3. Conclusões
As estimativas obtidas sugerem que os valores da dimensão do sector público
crítico variam entre os 16,62% e 17,94%, quando a dimensão pública é proxied
pelo ratio do emprego público no emprego total, sendo que para aquele valor
crítico apenas 7 países (Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Noruega, Suécia
e Reino Unido) dos 19 analisados apresentam uma dimensão pública excessiva,
prejudicial ao sector privado, sendo que 12 países (onde se inclui Portugal)
poderiam ver aumentado o emprego público, sem que para isso fosse prejudicial
ao output privado.
Considerando-se a dimensão do sector público avaliada pelo peso do consumo
público no PIB, os valores críticos variam entre 20,01% e 20,41%, sugerindo-se
que para 10 países (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Irlanda,
Itália, Holanda, Suécia e a Reino Unido) poder-se-ia aumentar a produção
privada pela redução do emprego público.
No caso particular do conjunto dos 12 países da UE constatou-se, igualmente,
que muitos dos países apresentam uma dimensão pública excessiva e que apenas o
Luxemburgo, Portugal e Espanha apresentam um sector público com uma dimensão
inferior à crítica quando esta é avaliada pelo Consumo publico em percentagem
do PIB e Holanda, Portugal e Espanha quando se avalia pelo peso do emprego
total. Note-se que, para Portugal, a dimensão é sempre inferior à crítica, quer
o modelo seja estimado na óptica do consumo público em percentagem do PIB, quer
na óptica do emprego público no ratio do emprego total. Nos restantes países
analisados (da UE) a dimensão do sector público tem um impacto negativo na
produção privada.