As Tutelas Constitucional e Penal do Meio Ambiente
Abstract
This The need to globally preserve the environment presents itself as a
difficult task. The awareness of the environmental protection emerged as people
began to realize that man's survival depends on a balanced and preserved
environment. Despite all the concern about the environment, the need for
economical development is unquestionable. Thus, in order to achieve both, it is
necessary to create rules that protect the environment at the exact extent that
the economical development does not harm the ecosystem. Therefore, this is a
real basic human right, a right for human beings to live in a healthy and
balanced environment, a right that knows no borderlines and must be respected
by all.
1. Introdução
A sociedade pós-industrial acarreta não apenas riscos como também perigos ao
meio ambiente, razão pela qual se faz necessária a sua protecção, que deve
incluir a tutela penal ambiental, sempre respeitando os princípios da
intervenção mínima e da subsidiariedade do Direito Penal.
Cabe ao Estado a garantia de protecção do ambiente através de uma política
global e eficiente, que se apresente como dever jurídico e até jurídico-
constitucional para aquele, e como direito fundamental para o cidadão
(Figueiredo Dias, 1978).
O Direito Ambiental é um ramo novo da Ciência do Direito, apresentando
peculiaridades especiais. Entretanto, leis ambientais para a protecção da
natureza já existem há vários séculos, remontando tão distante como ao Código
de Hamurabi. No entanto, devemos deixar claro que tal preocupação tinha um
objectivo estritamente económico e não propriamente a consciência da
necessidade de respeitar a natureza. Essa realmente acabou por surgir apenas no
século XX , em razão da crescente importância do ambiente na escala de valores
sociais, unida ao facto de que as Constituições devem reflectir os valores
essenciais almejados pela sociedade. Assim, o meio ambiente passa a ser
reconhecido e protegido, seja de forma directa ou indirecta e a sua tutela
jurídica passa por profundas transformações.
Uma clara demonstração de que o ambiente não era visto como um bem ameaçado,
não necessitando de nenhum tipo de protecção especial, está no facto de que
quando foi constituída a Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1957, não foi
considerado necessário o estabelecimento de uma política ambiental europeia.
É certo que antes de tal data, já na Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948, a mesma estabelecia que “Toda pessoa tem direito a um nível de vida
próprio a garantir sua saúde, seu bem-estar e de sua família”. Contudo, apesar
da preocupação com a saúde, a vida e o bem-estar, não se mencionava
expressamente a preocupação com o ambiente. Poderíamos dizer que, na Declaração
referida, a protecção era indirecta.
Nos anos 60, a primeira lei moderna para a protecção do meio ambiente foi
produzida nos Estados Unidos, entrando em vigor em 1º de Janeiro de 1970.
Trata-se da EPA – Environmental Protection Act.
No entanto, foi em 1972, no período de 5 a 16 de Junho, por sua vez, que a
Conferência das Nações Unidas sobre o tema meio ambiente teve lugar em
Estocolmo, sendo a maior e mais decisiva conferência sobre o meio ambiente até
então (
[1]
). Ficou selada a maturidade internacional do meio ambiente.
Estabeleceu, em seu Princípio 1, que “o homem tem um direito fundamental à
liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num ambiente cuja
qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar. Ele tem o dever solene
de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras” (
[2]
). Nessa Conferência foram abordadas as ameaças que estavam sendo sofridas pelo
meio ambiente mundialmente, de modo que “a presença dos mais importantes países
e os princípios que foram nela consagrados acabaram por influenciar o Direito
em todo o mundo” (Freitas, 2000). O Programa das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente consistiu no resultado mais imediato, apesar do resultado que
realmente podemos considerar como o mais valioso, esteja no facto da
consciencialização a respeito desse problema estar se estendendo pelo mundo.
Assim, a Declaração de Estocolmo foi fundamental, uma vez que não apenas “abriu
caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente
ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos
sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem realizadose
direitos a não serem perturbados” (Afonso da Silva, 2003), como também serviu
para a consciencialização dos Estados em relação a medidas preventivas. Estas
passaram a ser preocupação central dos Estados, tanto em relação a medidas
contra a poluição, como de actividades de preservação de sectores inteiros da
vida selvagem, tanto da flora como da fauna (Soares, 2003).
Nesse sentido e como comprovação de tudo o que vem sendo dito, vinha ocorrendo
um processo de democratização, com alteração de diversas Constituições.
Exemplos no continente europeu são as alterações das Constituições de Portugal,
no ano de 1976 e da Espanha, no ano de 1978. Ambas vieram a proteger
expressamente o ambiente, reflectindo claramente a consciência ecológica dos
povos civilizados e a intenção legislativa constituinte de dar uma resposta à
complexa questão ambiental.
Na América Latina também as novas Constituições tinham nítida e expressa
preocupação com a questão ambiental. Exemplo nítido é a Constituição Federal do
Brasil, promulgada no ano de 1988 que trouxe um cristalino avanço em relação à
protecção do meio ambiente.
Todas essas alterações constitucionais anteriormente mencionadas constituem,
portanto, inequívoca consequência lógica da concepção de Estado de Direito
Democrático e Social, consagradas nas Constituições em questão.
Após a Conferência de Estocolmo, a Conferência dos Chefes de Estado e de
Governo da Comunidade Europeia, que ocorreu em Paris, decidiu pelo
estabelecimento de uma política de protecção do meio ambiente própria da CE.
Com tal decisão, as instituições comunitárias foram convidadas a apresentar,
até o dia 31 de Julho de 1973, um programa de acção meio ambiental. Foi um
passo muito importante, sendo que hoje são inúmeras as disposições comunitárias
referentes ao meio ambiente e à sua protecção. Protecção essa, inclusive, na
esfera penal dado o carácter multidisciplinar do meio ambiente que exige, nos
atentados de maior gravidade, uma interferência do Direito Penal. O próprio
Comité de Ministros do Conselho da Europa acabou adoptando a resolução (77) 28
que dispunha sobre a contribuição do Direito Penal para a protecção ambiental,
declarando o seu carácter auxiliar. O relatório, logo em seu início, estabelece
que “a evolução tecnológica rápida que caracteriza a nossa época conduziu a uma
transformação dos modos de vida e, por conseguinte, a um reexame dos valores
sociais e dos modos de proteger esses valores. O Direito Penal moderno reflecte
naturalmente essa evolução e daí a crescente tendência do legislador passar a
incriminar um certo número de comportamentos ligados às actividades
tecnológicas que podem causar danos importantes à saúde, à segurança, e ao bem-
estar da colectividade. A protecção penal do ambiente é um exemplo importante
da extensão do Direito Penal nestes novos domínios” (Sardinha, 1988).
Nesse mesmo sentido foi o pronunciamento da Terceira Recomendação da II Secção
do XII Congresso Internacional da Associação Internacional de Direito Penal,
ocorrido em Setembro de 1979, em Hamburgo. Afirmou-se que “en la preservación
del medio ambiente corresponde el papel esencial de las disciplinas no penales.
El Derecho penal debe intervenir, sin embargo, para asegurar la eficacia de la
normativa de carácter no penal, principalmente de Derecho administrativo y
Derecho civil. En este ámbito el Derecho penal cumple ante todo una función
auxiliar. Es preciso, no obstante, que el Derecho penal intervenga de forma
autónoma en supuestos atentado grave al medio ambiente” (Mata Barranco, 1996).
Em Julho de 1990, por sua vez, foi a vez da 17º Conferência, que se deu em
Istambul, voltar a insistir na necessidade de desenvolvimento do direito penal
ambiental, com recomendações ao Comité de Ministros no sentido a convidar os
Comité Europeu encarregado dos problemas criminais, a elaborar directrizes
comuns, em forma de recomendação, objectivando, com isso, lutar contra os
atentados ao ambiente e os seus responsáveis.
Para além das disposições comunitárias, cabe-nos estar atentos, ainda, ao
importante papel desenvolvido pela Organização das Nações Unidas em relação à
protecção ambiental (
[3]
), uma vez que foi um dos primeiros organismos internacionais a se preocupar
com tal questão, criando, inclusive, um programa específico: o PNUMA – Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Ressalta-se que “especialmente en las
cuestiones penales ambientanles, la Sub-división de Prevención del Delito y
Justicia Penal de las Naciones Unidas, con sede en Viena, Austria, los incluyó
entre los asuntos objeto de su quehacer, asignalándoles así una transcendente
importancia” (Libster, 2000).
Em Portugal, especificamente, podemos notar um aumento gradativo da preocupação
com o meio ambiente, nas últimas três décadas, influenciada principalmente “(…)
pela natureza volúvel do discurso político-jurídico institucional” (Pinto,
2000).
Com efeito, “na década de setenta, o discurso ambiental correspondia para o
poder político, em grande medida, a uma herança das concepções político-
filosóficas dos movimentos contestatários dos anos sessenta. Mereceu, por isso,
pouca atenção, até que nos anos oitenta se verificou que, nos Estados
democráticos, a opinião pública era vulnerável aos problemas da poluição
marítima visível e à insegurança gerada pelos acidentes nucleares. Esses factos
transformaram as concepções básicas da defesa de valores ecológicos e da
qualidade de vida em arma política e, por essa via, o discurso oficial absorveu
algumas linhas de força das políticas propostas pelos movimentos
ambientalistas. As formulações jurídicas dos anos oitenta orientaram-se por
princípios muito divergentes, como o princípio do crescimento sustentável, a
aceitação (algo precipitada, em minha opinião) do princípio do poluidor-pagador
(como se o dano no ambiente pudesse ser objecto de um direito a poluir ou de
uma simples prestação patrimonial) até intervenções, porventura mais
consequentes, por via do Direito de Mera Ordenação Social (veja-se, por
exemplo, em Portugal a Lei de Bases do Ambiente: Lei nº 11/87, de 7 de Abril).
Os anos noventa conduziram ao reconhecimento da importância central do
ambiente, como valor em si e como valor instrumental para a tutela do cidadão,
tendo conduzido em Portugal às primeiras experiências de criminalização dos
comportamentos lesivos ao ambiente” (Pinto, 2000).
No que diz respeito à legislação penal ambiental, em Portugal, antes da Reforma
Penal ocorrida em 1995, que alterou o Código Penal de 1982, a intervenção na
área ambiental era privilégio do Direito Administrativo e do Direito de Mera
Ordenação Social (
[4]
) (
[5]
). Assim, apenas com dita reforma é que surgiram as primeiras incriminações
autónomas referentes à protecção ambiental, não por apresentarem uma nova
aparência dogmática, mas pelo facto de apresentarem um novo bem jurídico.
Portanto, “o surgimento de um Direito Sancionatório do Ambiente, permitindo a
reacção punitiva da ordem jurídica contra agressões ambientais, é um fenómeno
muito recente. Pois, só há pouco mais de duas décadas é que se começou a
colocar o problema da criminalização de condutas lesivas do ambiente, surgindo
o Direito Penal do Ambiente, ao mesmo tempo que se alargavam as sanções
administrativas ao domínio ambiental, dando origem ao Direito Administrativo
Sancionatório ou Contra-Ordenacional do Ambiente” (Silva, 2002).
O Código Penal de 1995 estabeleceu nos seus artigos 278º, 279º e 280º,
respectivamente, sobre os crimes de “danos contra a natureza”, “poluição” e
“poluição com perigo comum” (
[6]
). Tratam-se de tutelas penais directas do meio ambiente.
Portanto, o crime ecológico entrou no cenário jurídico português após 1995 e,
com ele, várias problemáticas surgiram. Com efeito, “a entrada em vigor do CP
na sua versão de 1995 desencadeou uma das mais cerradas controvérsias da
doutrina jurídico-penal portuguesa recente, que quase nada deixou livre de
análise e de crítica: desde a legitimidade da criminalização à sua
imprestabilidade para a tutela do meio ambiente, sequer sob a forma de mera
conservação; desde a configuração do bem jurídico à acessoriedade
administrativa da tutela e aos seus termos, a qual – sobretudo quando ligada à
construção típica do crime como delito de desobediência – violaria princípios
constitucionais elementares, o da legalidade incluído; desde a configuração
típica substancialmente análoga à dos crimes de perigo abstracto à violação por
eles, quando não de princípios constitucionais, seguramente de princípios
básicos da doutrina jurídico-penal como os que presidem à imputação objectiva e
à culpa; desde a total ineficácia da tutela perante os grandes e novos riscos
da sociedade industrial contemporânea até à sua arvoragem em exemplo
paradigmático de um direito penal negativamente ‘simbólico’, em absoluto inapto
para a luta contra a criminalidade económica, da empresa e organizada”
(Figueiredo Dias, 2001).
2. Conceito de meio ambiente
2.1 Noções preliminaries
Conceituar o meio ambiente (
[7]
) não é uma tarefa fácil, em razão da riqueza de conteúdos, mas necessária.
Se a ecologia (
[8]
) consiste na parte predominante do meio ambiente, aquela que suscita os
maiores cuidados e preocupações, o conceito de meio ambiente é mais amplo,
incluindo não apenas o urbanismo, como também os aspectos históricos,
paisagísticos e muitos outros, essenciais à sobrevivência sadia do homem no
planeta. Assim, ainda que a ecologia como ciência possua amplas fronteiras, há
uma clara tendência para utilizar a expressão apenas quando se está a referir
aos meios naturais. O meio ambiente cultural, por exemplo, acaba por ser
excluído desse conceito.
Apesar do Brasil ter consagrado a expressão meio ambiente, mais apropriada é a
utilização apenas da palavra ambiente, como o fazem Portugal (
[9]
) e Itália (
[10]
). Isso porque, quando se utiliza meio e ambiente conjuntamente, acaba por
resultar em uma redundância, uma repetição (
[11]
), já que dentre os significados de ambiente, podemos considerar como sendo o
meio em que se vive.
Um bem jurídico (
[12]
) só deve ser protegido penalmente em caso de ocasionar uma lesão que venha a
afectar o indivíduo de forma directa ou indirecta, ao mesmo tempo em que o tipo
penal deve ser construído com base nele. Para que o bem jurídico tutelado seja
encontrado, caberá, então, ao intérprete e ao aplicador do direito fazer uma
análise do delito a partir de uma perspectiva sociológica e constitucional,
buscando, sempre, as razões que levaram o legislador à tipificação de
determinadas condutas lesivas.
O ambiente pertence ao domínio dos bens sociais ou supra-individuais (
[13]
), de maneira que a sua conservação pode ser caracterizada como um interesse
difuso, nomeadamente porque as consequências causadas por uma lesão a este
terão incidência directa sobre um número indeterminado de pessoas, “além da
conflituosidade que existe entre sua conservação e a necessidade de seus
recursos para o desenvolvimento do homem” (Mascarenhas Prado, 2000). Em razão
do dinamismo apresentado pela vida moderna, nomeadamente no que diz respeito ao
âmbito económico, bens jurídicos que não estão ligados directamente à pessoa,
mas relacionados mais com o funcionamento do sistema, como o ambiente, foram
configurados e denominados de bens difusos, face à sua difícil determinação e,
ainda para ser garantida a possibilidade de serem gozados por todos e por cada
um. Dessa forma, podemos afirmar, assim como o faz De la Mata Barranco, que em
relação ao ambiente “la noción de supraindividualidad no alude a algo superior
al individuo o por encima de él – así há sucedido históricamente en regímenes
de carácter totalitário -, sino que, al contrario, estos nuevos bienes de
carácter supraindividual se vinculan a un nuevo Estado social, de carácter
expansivo, que ha de atender a las necesidades de todos y cada uno de los
miembros de la sociedad” (Mata Barranco, 1996).
Portanto, o que se afirma nessa área, nas palavras de Faria Costa (2000) é que
“se está não tanto perante bens jurídicos concretamente determináveis, mas
antes em face de interesses difusos cuja consonância com o direito penal não é,
sob o ponto de vista dogmático, facilmente aceitável”.
A expressão meio ambiente (
[14]
) apresenta duas concepções estabelecidas pela doutrina: uma concepção restrita
e uma concepção ampla, sendo que, para compreender o tratamento dado pelo
ordenamento jurídico, há a necessidade de se explicitar cada uma delas (
[15]
).
2.2 Concepções restrita e ampla
A concepção restrita de meio ambiente é aquela na qual apenas o aspecto natural
do ambiente é levado em consideração, ou seja, defende que o ambiente se reduz
exclusivamente aos elementos físicos que são considerados indispensáveis para a
vida (
[16]
).
Considerando as perspectivas existentes, a fim de evitar a dificuldade, tanto
de caracterização, como de administração do conceito, entendemos que o mesmo
não deve ser amplo. Por esse motivo é que estamos de acordo com a orientação
que fora adoptada durante os trabalhos preparatórios do XII Congresso da
Associação Internacional de Direito Penal, ocorrido em Hamburgo, no ano de
1979, que estabeleceu o conteúdo do meio ambiente como abrangendo a pureza das
águas, da atmosfera, da flora e da fauna, a preservação das áreas florestais e
paisagísticas, do solo agrícola e de outras riquezas naturais. Uma orientação
simples e que deixa evidenciado que o meio ambiente restritamente considerado
deve ser visto como o conjunto de elementos naturais que ao se combinarem
acabam por configurar o habitat actual para o homem, bem como para a flora e
fauna. Qualquer alteração nociva a ele irá certamente acarretar um
desequilíbrio prejudicial a todos. Portanto, a poluição, quando ocasionada em
medidas inadmissíveis, deverá ser penalizada, a fim de que as condições
ecológicas sejam conservadas não apenas para as presentes, como também para as
futuras gerações.
A concepção ampla de meio ambiente, por sua vez, pode ser caracterizada por ser
integrada e pluridimensional, ou seja, compreende não apenas a paisagem, como
também o urbanismo, a beleza natural e o património histórico. O ambiente
visto, portanto, não só como um meio mas também como um sistema de relações.
Apenas para fins didácticos, o meio ambiente pode ser dividido da seguinte
maneira: “a) meio ambiente natural – integra a flora, a fauna, o ar
atmosférico, a água, o solo, o patrimônio genético e a zona costeira; b) meio
ambiente cultural – integra o patrimônio cultural, turístico, arqueológico,
científico, artístico, paisagístico e paleontológico; c) meio ambiente
artificial – integra os equipamentos urbanos, os edifícios comunitários,
arquivo, registro, biblioteca, pinacoteca, museu e instalação científica ou
similar; d) meio ambiente do trabalho – integra a proteção do homem em seu
local de trabalho com observância às normas de segurança” (Sirvinskas, 2002).
Contudo, apesar de tal definição parecer-nos cristalina, há quem a considere
insatisfatória, em razão do facto de ser muito ampla, o que dificulta a sua
configuração autónoma diante de outros bens jurídicos já devidamente protegidos
pelo direito penal (
[17]
).
3. A tutela ambiental na Constituição
([18])
As Constituições mais recentes passaram a abordar o tema do ambientalismo como
de elevada importância, devendo sempre buscar uma política ambiental realista
que valorize adequadamente as realidades e necessidades locais, bem como,
apesar de limitadamente, mundiais. É preciso, portanto, pensar globalmente, em
termos planetários, apesar das acções serem, na maioria das vezes, empreendidas
localmente. Isso porque, nas palavras de Martín Mateo, “más allá de los límites
que acotan las soberanías de los Estados nacionales, la solidaridad debe ser un
imperativo no sólo ético, sino también práctico, impuesto por la base
internacional de la mayoría delos sistemas nacionales y por la necesidad de
limitar, en aras de desarrollo sostenible, un excesivo uso de los recursos, lo
que requiere obligadamente de asistencias y transvases” (Martín Mateo, 1995).
Prova disso são as repercussões mundiais em relação à questão ambiental, que
acabam por exigir uma protecção efectiva do ambiente, a fim de que as
consequências advindas da sua evidente degradação não atinjam a todos, de modo
irreversível. Com efeito, afirma José Carlos Sicoli que “a questão ambiental
tem merecido amplo destaque na agenda internacional, partindo da constatação de
que o desenvolvimento económico e social, imprescindível à civilização moderna,
está sendo alcançado à custa de acelerada, e em alguns casos irreversível,
degradação dos recursos naturais, com perda de qualidade de vida e pondo em
risco, em alguns casos, já comprovados, a própria sobrevivência humana em
certas localidades do planeta” (Sicoli, 1998). Mais uma vez, fica evidenciada a
necessidade da busca de um equilíbrio entre o desenvolvimento económico e a
protecção ambiental, levando em consideração que o ambiente não tem
nacionalidade e nem soberania, sendo que as acções contra ele praticadas
atingirão a todos. A protecção, portanto, deve visar sempre o longo prazo, já
que todos acabam por sofrer tais consequências mais breves ou mais tardiamente;
um nítido exemplo do que por nós está sendo afirmado é o “efeito estufa”. Mas
como assegurar tal protecção?
Se é certo que historicamente, a tutela ambiental surge como forma de protecção
ao aspecto patrimonial dos elementos que compõem o meio ambiente, sendo
limitada ao direito que cada um possuía de não ter a possibilidade de desfrutar
do ambiente perturbada por outrem, gradativamente, contudo, tem-se início uma
tutela preventiva, em decorrência de um aumento da preocupação mundial com a
protecção ambiental (
[19]
).
É justamente levando em consideração essa preocupação planetária com o meio
ambiente, diante de riscos que são denominados de “globais”, que devemos
admitir um direito constitucional com previsões que levem em consideração não
apenas projecções no espaço, mas também no tempo, tendo em vista estarmos
diante de um bem transnacional e transtemporal pertencente a todos os povos de
todos os tempos (
[20]
). No universo do planeta Terra, o que devemos estar cientes é de que existe um
único meio ambiente e que deve ser, portanto, protegido por todos, já que as
repercussões são mundiais. Exemplos claros do exposto são as chuvas ácidas, o
buraco na camada de ozónio e a poluição atmosférica. Aquilo que podemos
denominar de direito constitucional da amizade envolve, justamente, a
possibilidade de uma junção de vontades de todas as nações no sentido de
proteger o presente e o futuro da vida dos homens, o que envolve,
consequentemente, a protecção do meio ambiente em que vivemos. Com efeito, “a
amizade é presente e é futura. A Constituição funciona, nesse sentido, como uma
ponte entre a «amizade interna», por meio dos procedimentos, princípios formas
e valores de convivência que consagra; entre a «amizade externa», na comunhão
de esforços de uma paz perpétua e de construção de uma «rede multilateral de
Estados» e sobretudo de uma «sociedade cosmopolita» que se encaminha, ou deve
se encaminhar, para uma «cidadania planetária»; e os «amigos do futuro», as
gerações vindouras. A Constituição como um pacto entre gerações é a
Constituição da co-responsabilidade dos destinos, que tem sua grande expressão
na manutenção dos processos vitais e no uso sustentável dos recursos naturais.
É também a Constituição da pedagogia e do aprendizado da vida pacífica – nem
por isso passiva – entre nós, nossos antepassados e nosso irmãos do futuro. O
Direito Constitucional da humanidade é, por conseguinte, também a Constituição
do meio ambiente e o Direito Constitucional Ambiental seu grande e talvez
principal alicerce. Não será por excesso constituinte que os novos textos
constitucionais, originários ou reformados, se tingiram de verde e passaram a
incorporar, tanto os princípios de direito ambiental quanto deram corpo a um
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (Sampaio, Wold
e Nardy, 2003).
Para alcançarmos tais projecções em relação ao ambiente, faz-se necessário o
esforço por parte de todos. Só assim é que as questões ambientais deixarão de
ser meramente discussões académicas para se transformarem em acções não só
concretas, mas principalmente eficazes, que contribuam para a qualidade de vida
de todos, englobando não só as presentes como também as futuras gerações.
A preocupação com o meio ambiente, assim, ingressa nas Constituições
“deliberadamente como direito fundamental (
[21]
) da pessoa humana (
[22]
), não como simples aspecto da atribuição de órgãos ou de entidades públicas,
como ocorria em Constituições mais antigas” (Silva, 2003), sendo que a
justificativa para a inclusão no estatuto dos direitos fundamentais encontra-se
no facto do ambiente não apenas incidir imediatamente na existência humana,
como também em razão da sua transcendência para o desenvolvimento desta.
A ordem jurídico-constitucional de Portugal está atenta a essa tomada de
consciência da necessidade de uma maior protecção e prevenção em relação a
questão ambiental, concedendo ao ambiente a condição de bem constitucional.
Com efeito, a Constituição da República Portuguesa (CRP) em 1976 passa a tratar
da questão ambiental expressamente em seu artigo 66º - ambiente e qualidade de
vida. - não estabelecendo, contudo, uma definição de ambiente ou de qualidade
de vida, tampouco distinguindo tais conceitos (
[23]
). No entanto, apesar da CRP não estabelecer um conceito de ambiente, deu ao
tema uma formulação moderna, fazendo uma correlação do mesmo com o direito à
vida (
[24]
) (
[25]
). Portanto, conjugando o disposto pela CRP em seu artigo 66º, nº 1 com as
disposições das Leis de Base do Ambiente – Lei nº 11/87 -, fica-nos claro o que
vem a ser o direito ao ambiente. Trata-se do “direito dos cidadãos a disporem
de todo um conjunto de sistemas de natureza física, química e biológica que
lhes permitam realizar salutarmente a sua personalidade humana num contexto
social, económico e cultural liberto de condicionalismos tecnológicos, a fim de
se criar uma verdadeira qualidade de vida para toda a colectividade” (Sardinha,
1988).
Estamos diante de um conceito “estrutural, funcional e unitário de ambiente”
que permite uma “compreensão estrutural-funcional de ambiente, pois os sistemas
físicos, químicos e biológicos e os factores económicos, sociais e culturais,
além de serem interactivos entre si, produzem efeitos, directa ou
indirectamente, sobre unidades existenciais vivas e sobre a qualidade de vida
do homem” (Canotilho e Moreira, 1984).
A qualidade de vida, por sua vez, “é considerada como um resultado, uma
consequência da interação de múltiplos fatores, no mecanismo e funcionamento
das sociedades humanas, e que se traduz numa situação de bem-estar físico,
mental, social e cultural (no plano individual) e em relações de solidariedade
e fraternidade no plano coletivo” (Leite dos Santos, 2002) e, em assim sendo,
“dependerá entonces del equilibrio de los ecosistemas mirados en términos
puramente naturales y de la interrelación de ellos com el hombre, es decir, del
modo en que éste se relacione com la naturaleza y del efecto que ésta ejerza
sobre aquél” (Libster, 2000). Trata-se de uma das claras manifestações dos
chamados direitos de terceira geração, ou seja, “(…) las respuestas jurídicas
frente a los fenómenos de «contaminación de las libertades» que aqueja a los
derechos fundamentales ante determinados desarrolos y usos de las nuevas
tecnologias” (Perez Luño, 2003), demandando, assim, uma adaptação às novas
exigências temporais, bem como espaciais. Isso porque, nas palavras de Aroso
Linhares, 2003 “(…) construir novas gerações de direitos… ou exigir um
alargamento diacrónico do espaço da intersubjectividade (e do respondere
jurídico-penal)… ou submeter o instituto do património a uma recompreensão
dialéctica (conferindo-lhe em simultâneo possibilidades de representação
privilegiada)… não é apenas reagir como lex aos apelos em causa (e aos
problemas que estes denunciam). É também e ainda oferecer outras tantas
possibilidades de especificação problemática (se não mesmo de mutação ou de
solidariedade e da corresponsabilidade e aos compromissos que estes estabilizam
(com o alcance que Castanheira Neves nos ensina a reconhecer)”.
A protecção ambiental objectiva, justamente, a qualidade do meio ambiente em
função dessa qualidade de vida de que fala a CRP e, para tanto, abrange a
preservação da natureza em todos os seus aspectos essenciais à vida humana e à
manutenção do equilíbrio ecológico. Realmente, só se torna possível garantir
uma qualidade de vida diante de um ambiente que seja não apenas ecologicamente
equilibrado, como também não degradado, revelando, que o fim último da
qualidade de vida se concretiza em dois objectivos que acabam por entrar em
confronto: por um lado, o desenvolvimento económico e, por outro, a preservação
ambiental. Afirma Mata Barranco que “la tensión entre ambos obedece a la
progresiva conciencia colectiva sobre la necesidad de una articulación más
equilibrada de la relación del hombre con la naturaleza. Pero no es cierto que
la tutela de los recursos naturales no sea compatible con el crecimiento
económico, sino que, al contrario, le resulta imprescindible, aunque a corto
plazo pueda chocar con intereses parciales” (Mata Barranco, 1996). Assim, é
cristalino que se deve buscar um equilíbrio entre os objectivos mencionados, a
fim de que seja garantida uma harmonia dentro do sistema que permita tanto o
progresso industrial e económico, como a protecção ambiental, numa evidente
maneira de se garantir, dessa forma, a qualidade de vida dos cidadãos,
elevando-a cada vez mais.
Portanto, “o ambiente é, nesta concepção, simultaneamente um valor autónomo e
um valor funcional, relativamente à protecção das condições de existência de
cada cidadão” (Pinto, 2000). Notamos, assim, a autonomia do ambiente como
direito fundamental (Miranda Rodrigues, 1998) que é, ao mesmo tempo um direito
positivo e negativo. Trata-se de um direito positivo na medida em que exige do
Estado uma acção para a efectivação da sua protecção e controle das acções
poluidoras. Por outro lado, negativo, uma vez que consiste em um direito à
abstenção não somente por parte do Estado, como também por parte de terceiros,
daquelas acções que forem nocivas ao meio ambiente (Canotilho e Moreira, 1984);
constitui-se, dessa forma, como direito fundamental de natureza análoga (
[26]
).
O crime de poluição tratado no artigo 279º do Código Penal, por sua vez, tem a
sua legitimação material nesta base constitucional, o que é essencial para uma
criminalização legítima (
[27]
).
4. Visão antropocêntrica do direito constitucional ambiental
No início da denominada Idade Moderna, a posição do homem no mundo passa por
uma grande transformação. Há uma revisão em relação a posição do homem frente
ao cosmos, já que na Idade Média estava inserido em um contexto objectivo no
qual o mundo tanto material, como social era concebido como realidade objectiva
e regido por princípios e leis determinadas, segundo os quais também o homem
tinha as suas condutas regulamentadas; ele era apenas um dado do todo e com tal
estava submetido aos princípios do universo do qual faz parte. Contudo, surge
uma posição contrária, antropocêntrica, deixando o homem “de ser um simples e
pouco relevante elemento do mundo natural e social para a passar a ter uma
função activa na reformulação, e mesmo na construção da realidade. O homem
passa a ser dominus, principalmente, de seu universo específico da sua própria
realidade, e do contexto inter-humano em que obrigatoriamente vive” (Luisi,
1999).
Dessa forma, o sistema filosófico segundo o qual o homem aparece como a figura
principal e o centro de todo o universo é denominado de antropocentrismo, Ele
serve de base para todo o sistema jurídico vigente e encontra as suas origens
no movimento do Humanismo (Antunes, 1998).
Em relação ao Direito Ambiental há dois posicionamentos, além de uma teoria
monista-pessoal, que defende o direito penal ambiental objectivando a protecção
da vida e da saúde humana. Dentre os posicionamentos defendidos, por um lado
está a visão antropocêntrica ou ecológico-antropocêntrica (
[28]
), segundo a qual o ambiente não pode ser considerado como um bem jurídico
autónomo, já que não recebe protecção penal por si mesmo, devendo o ordenamento
jurídico estar centrado nas pessoas e nos direitos individuais e apenas
proteger os bens ambientais quando a degradação destes afectar aqueles
direitos; o ambiente, portanto, está vinculado aos interesses do homem (
[29]
). Por outro lado, há o posicionamento ecocêntrico, segundo o qual o meio
ambiente deve ser juridicamente autónomo (
[30]
) das necessidades dos homens, e, portanto, protegido em si mesmo considerado.
Este último é um movimento basicamente motivado pelos movimentos ambientalistas
mais radicais, que acabam por atribuir ao meio ambiente um carácter de entidade
viva independente, em razão do qual é considerado como um verdadeiro “sujeito”
de direitos.
Acreditamos que ambas as posições são muito extremas, razão pela qual adoptamos
uma posição intermédia, qual seja, a de um antropocentrismo moderado ou, como
nas palavras de Souto Moura, um “antropocentrismo relativo” (Moura, 1992) (
[31]
), uma vez que o meio ambiente não pode nem ser considerado um bem autónomo sem
qualquer finalidade para o homem (
[32]
), assim como também não pode ser destinado a única e exclusivamente satisfazer
os desejos dos homens. O Direito Ambiental possui uma visão antropocêntrica
necessária, evidentemente, sendo certo que tem por objectivo satisfazer as
necessidades humanas e a sadia qualidade de vida do homem, que, para ser
concretizada, passa necessariamente pela preservação da natureza.
Valemo-nos, então, dos ensinamentos de Canotilho e Moreira (1984) para os quais
“a compreensão antropocêntrica do meio ambiente justifica a consagração do
direito ao ambiente como um direito constitucional fundamental, o que constitui
uma relativa originalidade em direito constitucional comparado”.
Partindo da mencionada concepção moderada antropocêntrica do ambiente, segundo
a qual o conceito de ambiente deve ser amplo, mas não totalizador, devemos
estar cientes, ainda, como estabelece Anabela Miranda, “que a sua protecção não
pode ser concebida de forma absoluta, mas apenas segundo níveis de
tolerabilidade: o que está em causa é preservar um ambiente ‘com determinadas
quotas de qualidade’, isto é, com níveis de lesão comunitariamente suportáveis”
(Miranda Rodrigues, 1998 e 1999). Mesmo porque, segundo Figueiredo Dias (2001),
“face às condições de complexidade, de massificação e de globalidade das
sociedades industriais contemporâneas, às quais estão ligadas, pela natureza
inevitável das coisas, uma multiplicidade e uma diversidade inumeráveis de
condutas lesivas ao meio ambiente, o direito penal tem de distinguir entre
ofensas admissíveis e ofensas inadmissíveis, limitando-se à criminalização
destas últimas. O que não é outra coisa senão o que estatui o art. 279º do CP,
ao restringir a punição às condutas poluidoras que ocorram em medida
inadmissível” (
[33]
).
Dessa forma, “o bem jurídico que o direito penal protegerá será, não o ambiente
enquanto valor absoluto, mas a qualidade do ambiente (
[34]
), dentro de certos parâmetros considerados adequados a permitir a vida do
Homem com certa qualidade” (Bravo, 1997).
5. Princípios fundamentais
5.1 Considerações iniciais
Nos Estados Contemporâneos, os princípios são verdadeiras pedras-basilares dos
sistemas políticos-jurídicos; “são enunciados deônticos que sedimentam e
cristalizam valores e políticas no ordenamento jurídico (princípios formais e
materiais)” (Sampaio, Wold e Nardy, 2003). E, ainda, podem ser expressos ou
estarem previstos de forma implícita no ordenamento jurídico.
Em relação ao Direito Ambiental também não poderia ser diferente, havendo
princípios que o regem e que acabam por ser adoptados internacionalmente,
indicando qual deva ser o caminho protector adequado das normas ambientais, bem
como a política do ambiente a ser adoptada. Portanto, estão voltados para a
finalidade básica de proteger a vida, em qualquer forma em que ela se
apresente, além de garantir um padrão digno de existência para os seres humanos
tanto da presente como das futuras gerações.
“Percebe-se, pois, a existência de princípios de Política Nacional do Meio
Ambiente e princípios relativos a uma Política Global do Meio Ambiente.Tais
princípios moldam a concepção fundamental e a política procedimental de
racionalidade de protecção do meio ambiente. Os princípios da política global
do meio ambiente, inicialmente formados na Conferência de Estocolmo de 1972 e
ampliados na ECO-92, são fundamentos genéricos e directores aplicáveis à
protecção do meio ambiente, enquanto os princípios da política nacional do meio
ambientesão os enforcementou implementação destes princípios globais, adaptados
à realidade cultural e social de cada país, sempre tendo por escopo final a
defesa e proteção do meio ambiente, na acepção mais ampla que o vocábulo
comporta” (Fiorillo e Rodrigues, 1999).
Cabe-nos, então, apontar alguns princípios fundamentais na tutela ambiental:
desenvolvimento sustentável, protecção jurisdicional efectiva, prevenção e
acessoriedade administrativa.
5.2 Princípio do desenvolvimento sustentável
Os problemas que hoje são enfrentados em relação ao ambiente são consequência
principalmente da industrialização, razão pela qual o princípio do
desenvolvimento sustentável é tão importante.
Trata-se de um prima principium ambiental, consistente no uso não apenas
racional mas também equilibrado dos recursos naturais, com o intuito de
garantir as necessidades das presentes gerações, sem que as futuras sejam
prejudicadas. Deve-se, portanto, buscar um desenvolvimento compatível com a
preservação ambiental, uma “armonización entre el crecimiento económico y la
preservación de los recursos naturales, por médio de actitudes cuantitativas y
cualitativas dirigidas en función del hoy y de las futuras generaciones
humanas, que así gantizarán un auténtico desarrollo” (Libster, 2000).
Referido princípio está previsto expressamente na CRP, no seu artigo 66º, 2 que
estabelece, in verbis: “Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um
desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios
e com o envolvimento e participação dos cidadãos (…)”.
O grande problema enfrentado em relação ao princípio do desenvolvimento
sustentável está no modelo de desenvolvimento (
[35]
), uma vez que, em termos planetários, nos deparamos com a pobreza de muitos e
um dano ambiental cada vez maior. Assim, é necessário que um modelo seja
adoptado no qual se consiga manter o progresso humano de maneira mais
igualitária a todos, não apenas a curto prazos mas também envolvendo as
gerações futuras, abandonando a ideia de que os países pobres não se deveriam
desenvolver para não aumentar os níveis de poluição mundial (
[36]
).
Apesar da busca de um “ponto de equilíbrio” entre o desenvolvimento económico,
social e uma adequada utilização dos recursos naturais – devido a sua
vulnerabilidade (
[37]
) - não ser nada fácil, exigindo um planeamento territorial que leve em conta
os limites de sustentabilidade, ela deve ser incessante. Deve ser, também,
levada em consideração, em relação ao critério do desenvolvimento sustentável,
a totalidade do território nacional, bem como as necessidades sócio-culturais e
criativas do país, além das diferenças físicas e biológicas.
O conflito, portanto, ambiente e desenvolvimento económico sempre irá existir.
O que se deve fazer é buscar uma maneira de amenizá-lo, dentro de um critério
de aceitabilidade de certos comportamentos.
A presença desse conflito, portanto, é compreensível, já que torna-se
impossível “oferecer ao meio ambiente a mesma proteção absoluta (integral) que
se dá a outros bens (como a vida, por exemplo), ou seja, diante de sua
característica de conflituosidade (requerendo seja ponderado com o
desenvolvimento econômico), sua tutela ocorrerá em alguns níveis ou graus de
agressão, e assim, se tais patamares não forem alcançados, os comportamentos
devem ser aceitos” (Mascarenhas Prado, 2000). Mesmo porque, se a protecção dada
ao meio ambiente fosse absoluta como a dada à vida, uma intervenção penal seria
prejudicial e não auxiliadora. Com efeito, Souto Moura estabelece que “se ao
ambiente se desse a protecção absoluta dispensada à vida humana, evidentemente
que a previsão penal em vez de estar a viabilizar a vida comunitária, estava a
obstaculizá-la completamente, porque dificilmente se encontraria uma actividade
que dalgum modo não alterasse o ecossistema. No que à poluição concerne, então,
interessaria introduzir no tipo legal uma expressão que separasse a poluição
tolerada da intolerada” (Moura, 1992). De certa forma, é o que notamos ao
analisar o artigo 279º do CP que trata do crime de poluição já que estabelece a
penalização da poluição, quando ocorrida em medida inadmissível, remetendo para
a norma administrativa o estabelecimento dos valores-limite, numa evidente
demonstração da relação entre o direito penal e o direito administrativo, bem
como da importância deste último, em termos de protecção ambiental (
[38]
).
5.3 Princípio da protecção jurisdicional efectiva
A Constituição da República Portuguesa, em seu artigo 52º, 3, a), estabelece,
in verbis: “É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de
defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos
previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a
correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções
contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a
preservação do ambientee do património cultural”.
Através dessa previsão constitucional fica cristalina “a densidade subjectiva e
o carácter vinculante do direito ao ambiente” (Rodrigues, 1998 e 1999) que, uma
vez incluído entre os direitos classificados como direitos difusos, têm, na
acção popular, o direito de promover os seus interesses. É clara a protecção
jurisdicional dada ao meio ambiente que, uma vez lesado, possui instrumentos de
defesa contra tais acções lesivas. É justamente aqui que se nota mais
claramente a importância prática da previsão do ambiente como direito
subjectivo, uma vez que assim, abre-se a possibilidade para os cidadãos, diante
de uma violação relacionada ao ambiente, de reclamarem, perante os tribunais, a
tutela ambiental. O próprio artigo 20º, nº 1 da CRP garante essa protecção
jurisdicional efectiva ao estabelecer, in verbis: “A todos é assegurado o
acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de
meios económicos”.
5.4 Princípio da prevenção
É certo que uma vez lesado o meio ambiente, dispomos de instrumentos
jurisdicionais que garantam a sua efectiva protecção. No entanto, impedir uma
acção lesiva contra o meio ambiente, como, por exemplo, uma poluição em medida
inadmissível, é muito mais eficaz (
[39]
) na protecção e conservação (
[40]
) ambiental do que uma punição posterior. A prevenção é particularmente
importante em matéria ambiental porque se trata de uma estratégia chave, ao
considerarmos que os danos ocasionados, como por exemplo, a contaminação
atmosférica mundial, costumam ser irreversíveis ou causadores de graves
sequelas.
Justamente levando em consideração a importância do carácter preventivo do
Direito Ambiental é que o princípio da prevenção é considerado como um
verdadeiro pilar dentro do ordenamento jurídico ambiental.
Trata-se, portanto, de um princípio que pode ser visto como a palavra de ordem
em matéria ambiental, uma vez que é sabido que, na maioria das vezes, os danos
ambientais ocasionados são irreversíveis e irreparáveis (
[41]
). Portanto, seguindo esta linha de raciocínio, mais importante do que punir é
prevenir danos ocasionados ao ambiente, uma vez que de nada adiantaria uma
punição após a ocorrência de um dano colectivo irreversível. E é justamente em
razão disso que muitas condutas contrárias ao ambiente, acabam por ser
tipificadas como de perigo abstracto que, apesar de não recomendáveis em
matéria penal, acabam por ser necessárias para a protecção ambiental (
[42]
).
A própria CRP, em seu artigo 66º, 2, a), deixa evidenciada a necessidade da
prevenção em relação a poluição e os seus efeitos, numa evidente demonstração
da adopção do princípio da prevenção como fundamento do Direito Ambiental.
Tanto o Estado como terceiros são obrigados a não cometerem acções que sejam
lesivas ao meio ambiente, devendo, assim, absterem-se delas.
Para tanto, ou seja, para se alcançar um nível de prevenção e preservação
ambiental satisfatório, é mister que haja uma consciência ecológica por parte
das pessoas, consciência que será atingida através da educação ambiental,
princípio expressamente previsto na CRP, em seu artigo 66º, 2, g (
[43]
), e da informação.
5.5 Princípio da acessoriedade administrativa
Princípio de grande importância na área do direito penal do ambiente é o da
acessoriedade administrativa, uma vez que consiste numa maneira da índole
preventiva do direito ao ambiente ser garantida, de forma eficaz. Reconhece-se,
assim, o protagonismo do direito administrativo em relação a disciplina
ambiental, já que de outra maneira não poderia ser, ao considerarmos que o
direito penal deva sempre actuar como ultima ratio da política social. Com
efeito, afirma José Eduardo Figueiredo Dias que o direito penal não poderia ser
o protagonista na protecção ambiental uma vez que “isso seria reconhecer que as
infracções às normas ambientais implicavam sempre uma violação de condições
básicas de convivência social e um atentado aos valores fundamentais da
comunidade social juridicamente organizada” (José Figueiredo Dias, 2002).
Contudo, assim como o autor também o faz, ressaltamos que isso não implica em
dizer que o direito penal não deva intervir na tutela ambiental. Tanto é
verdade, que há um claro aumento dos instrumentos do direito penal, como o
próprio Código Penal após a Revisão de 1995 deixou demonstrado, através da
inclusão dos crimes de poluição e de danos contra a natureza, previstos
expressamente em seus artigos 279º e 278º, respectivamente.
Se é certo, como já anteriormente afirmamos, que a necessidade leva ao
legislador a criminalizar certas condutas lesivas ao meio ambiente, como foi o
caso do delito de poluição, não podemos deixar de estar atentos para o facto de
que “tal valorização da intervenção penal no domínio do ambiente não deve
obscurecer o facto de que a sua consequente protecção deve começar por uma
política económica e industrial racional e pela utilização de mecanismos
técnicos e jurídicos de intervenção e controle de outros ramos do direito,
designadamente do direito administrativo” (Rodrigues, 1998). O direito penal e
o direito administrativo, portanto, devem estar relacionados de maneira a ficar
concretizada uma relação de integração, numa nítida busca da eficácia na
protecção ambiental, salientando, contudo, que o direito administrativo acaba
por conseguir, muitas vezes, efeitos dissuasores muito mais significativos que
o Direito Penal (
[44]
).
Conclusão
Nos últimos anos, foram poucas as questões que ocasionaram tanto fervor e
inquietação como a referente as relações do homem com o meio ambiente em que
vive, condicionador da sua existência e que pode ser o responsável pela sua
própria destruição.
A importância da protecção que deve ser conferida ao meio ambiente envolve não
apenas o presente, mas também o futuro, uma vez que os reflexos das acções
actuais atingirão as gerações vindouras. A preocupação com o ambiente vem sendo
cada vez maior, tendo em vista que o homem já se deu conta de que a humanidade
está sendo ameaçada e tudo isso por culpa dele que, sem dúvidas, é o maior
poluidor da natureza. Assim, o importante é a consciencialização de que a
prevenção é fundamental em termos ambientais, já que as ofensas ao meio
ambiente são nítidos exemplos dos grandes e novos perigos que caracterizam a
sociedade de risco.
É verdade que os riscos sociais são cada vez maiores. O grande problema da
humanidade está, no entanto, no facto de apenas se consciencializar quando os
problemas atingem dimensões catastróficas. O que é preciso, nomeadamente na
área ambiental, é uma consciência anterior, razão pela qual a actuação
preventiva é fundamental.
Estamos nitidamente diante de um direito social do homem. E mais, diante de um
direito fundamental: o direito ao meio ambiente, considerando que o direito à
qualidade do meio ambiente pode ser extraído da sua relação com o maior de
todos os direitos fundamentais, que é o direito à vida. Dessa forma, a
qualidade do meio ambiente é uma tutela instrumental, porque é através dela que
a vida é protegida. É nítida a Constituição da República Portuguesa que, em seu
artigo 66º, consagrou o meio ambiente como bem constitucional.
A protecção ao ambiente é imediata e advém da necessidade de uma resposta
diante da complexidade das situações apresentadas na sociedade moderna. Se é
verdade que a sociedade do risco, na qual vivemos, implica em processos
políticos conflituosos, porque os interesses envolvidos também o são, estes não
se podem sobrepor à protecção ambiental.
O ambiente não tem nacionalidade nem soberania, atingindo a todos. Assim, a
protecção deve visar a longo prazo, porque todos acabarão sofrendo as
consequências, como já ocorre em relação ao aquecimento global.
Devemos ter claro que o direito penal não pode consistir no único instrumento
para uma política ambiental, sendo necessário que haja uma política económica
paralela coerente para, então podermos vislumbrar um possível desenvolvimento
sustentável que vise, acima de tudo, uma harmonia entre a industrialização, o
desenvolvimento económico e a efectiva/adequada protecção ambiental.