A liberdade de ciência na constituição portuguesa de 1976
1. O ART.º 42.º CRP: INSERÇÃO SISTEMÁTICA E ÂMBITO DE APLICAÇÃO
1.1. O art.º 42.º e demais disposições constitucionais com ele conexas
A liberdade de ciência está consagrada no art.º 42.º da Constituição portuguesa
de 1976, pela primeira vez de forma directa e expressa na nossa história
constitucional. Sob a epígrafe Liberdade de criação intelectual, dispõe o n.º
2 do referido artigo: 1. É livre a criação intelectual, artística e
científica. 2. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e
divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção
legal dos direitos de autor.
A redacção destas disposições de direito fundamental (e nomeadamente a do n.º 1
do artigo), sendo muito semelhante à da homóloga norma da Constituição
espanhola de 1978
[1]
, está todavia mais próxima da canónica fórmula «weimariana» adoptada pelas
actuais leis fundamentais alemã e italiana; e nessa medida verifica-se também
maior abertura do teor literal no preceito à dimensão objectiva do direito
fundamental nele tutelada[2].
Outras disposições conectam-se ainda de forma estreita com o art.º 42.º CRP,
acautelando explicitamente a referida dimensão objectiva da liberdade de
ciência. É desde logo o caso do art.º 73.4 CRP: A criação e a investigação
científicas, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo
Estado, de forma a assegurar a respectiva liberdade e autonomia, o reforço da
competitividade e a articulação entre as instituições científicas e as
empresas. Mas também o da al. j) do art.º 81.º (Incumbência prioritárias do
Estado): Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:
j) Assegurar uma política científica e tecnológica favorável ao
desenvolvimento do país[3]. E, ainda, o da al. d) do art.º 74.2 CRP
(Ensino): Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: d)
Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus
mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística.
Uma íntima ligação com estas disposições apresenta por sua vez o art.º 76.2
CRP, nos termos do qual As universidades gozam, nos termos de lei, de
autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem
prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino.
Enfim, não se pode ignorar a proximidade da liberdade de criação científica
relativamente ao bloco constituído pelas liberdades de expressão, informação e
comunicação (art.ºs 37.º, 38.º, 39.º e 40.º)[4], pela liberdade de consciência,
religião e culto (art.º 41.º), que a precedem todas elas imediatamente no texto
constitucional
[5]
, pela liberdade de ensino (art.º 43.1) ' consagrada logo no artigo seguinte ',
e ainda pela liberdade de profissão (art.º 47.1).
1.2. Liberdade de ciência, liberdade de criação intelectual e liberdade de
criação cultural; âmbito de protecção do direito: a unificação conceptual do
resultado ou objectivação de todas as criações intelectuais levada a cabo pelo
n.º 2 do art.º 42.º
Para além das tradicionais liberdades artística e científica que também nos
surgem como companheiras de caminho noutros textos constitucionais de
referência como o italiano, o alemão e o espanhol, fala-nos ainda o art.º 42.º
CRP numa liberdade de criação intelectual, e reúne todas as três sob a
epígrafe liberdade de criação cultural.
Parece-nos todavia que na lei fundamental portuguesa, como nas demais
constituições culturalmente próximas da nossa, sob o signo comum da cultura
continuam a existir apenas dois distintos âmbitos de protecção (a actividade
artística e a actividade científica) tutelados por duas diferentes liberdades
(a liberdade artística e a liberdade científica).
Com efeito, a expressão criação intelectual reporta-se a um conjunto mais
vasto de realidades tuteladas pelo denominado bloco das liberdades do
pensamento ou liberdades de conteúdo intelectual, liberdades estas que se
configuram sobretudo como direitos subjectivos individuais que requerem
ausência de interferências ou intromissões das autoridades no processo de
comunicação[6], e que são as já citadas liberdades de expressão ou comunicação
e de informação (art.ºs 37.º, 38.º, 39.º e 40.º CRP), a liberdade de
consciência, religião e culto (art.º 41.º CRP), a liberdade de ensino (art.º
43.º CRP) e ainda a liberdade de profissão (art.º 47.1 CRP).
Em suma, e para além das liberdades artística e científica, todas as outras
disposições jusfundamentais que se acaba de referir protegem igualmente
criações do intelecto ou do espírito; donde se conclui que esta referência à
liberdade de criação intelectual no interior do art.º 42.º CRP é manifestamente
desajustada e vazia de conteúdo útil: ela apenas teria razão de ser como
epígrafe de um sub capítulo (se o houvesse) que neste capítulo dos direitos,
liberdades e garantias pessoais agrupasse todas as mencionadas liberdades.
Note-se que também a redacção do n.º 2 do artigo 42.º CRP (na parte do direito
à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária e artística)
não é muito feliz. Comece-se por se dizer que é indubitável o pretender o dito
n.º 2 abranger no seu âmbito de protecção quer, por um lado, o invento ou
invenção (patentes, modelos de utilidade, modelos e desenhos industriais,
etc.), incluindo a respectiva aplicabilidade industrial (pois de outra forma
não se explica a utilização dos termos invenção e produção), quer, por
outro lado, as obras de texto (científicas ' em sentido amplo ' e literárias) e
ainda as obras artísticas.
Todavia, o invento ou invenção, sendo qualificável como obra susceptível de
produção em massa, já não se ajusta inteiramente ao predicado científica
(pois trata-se mais propriamente de um resultado da técnica ou ciência
aplicada); e as obras de texto e de arte, sendo divulgáveis respectivamente
através da respectiva publicação ou exposição, repita-se, são criadas, e não
inventadas, e publicadas ou reproduzidas, ou expostas, e não produzidas.
Malgrado estas deficiências semânticas, parece-nos fora de dúvida o proceder
este n.º 2 do art.º 42.º CRP a uma unificação conceptual ou de natureza do
resultado ou objectivação de todas as criações intelectuais, devendo-se
entender por conseguinte que a referência à protecção legal dos direitos de
autor abrange não apenas os autores das obras de texto e das obras de arte,
mas também os autores das invenções ou inventores.
1.3 Conceito constitucional de ciência: a ciência não apenas enquanto
actividade de produção e criação, mas também e ainda enquanto investigação e
teorização, como objecto de protecção da norma; as características
individualizadoras do método próprio, da finalidade prosseguida e da
susceptibilidade de valoração
Mas a nossa crítica à redacção do art.º 42.º CRP não se fica pelas breves
considerações que se acaba de tecer. Naturalmente ' e uma vez que nesta matéria
o constituinte espanhol se inspirou na liberdade de criação cultural
consagrada no texto constitucional português ' justificam-se ainda no que
respeita à disposição em análise da nossa Constituição as mesmíssimas reservas
levantadas pela doutrina do país vizinho à redacção do preceito homólogo do seu
texto constitucional. Na verdade, e de modo similar, a redacção do art.º 42.1
CRP não é suficientemente expressiva da real extensão da norma[7], devendo
ter sido a ciência ou actividade científica tout court o explícito objecto de
protecção ' ou seja, não tanto como produção e criação, que são fruto da dita
actividade, mas sobretudo como actividade em si mesma considerada, a saber:
(como) investigação[8]e como teorização.
De qualquer forma, a criação científica, para além da actividade de teorização,
pressupõe ou implica ainda o processo dinâmico da investigação àquela
conducente, sendo a mesma investigação também objecto da protecção conferida
pelo art.º 42.1 CRP[9]. A criação científica comporta sempre, pois, uma
actividade espiritual (teorização) e material (investigação)[10]. Note-se, a
propósito, que o art.º 13.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, sob a epígrafe «Liberdade das artes e das ciências», refere apenas e
explicitamente a investigação científica (As artes e a investigação científica
são livres.).
Os conceitos de ciência e de investigação são na verdade indissociáveis:
segundo a noção de ciência que nos dá A. Orsi Battaglini (uma noção dinâmica,
ainda que ' não deixe de se notar ' mais ajustada às chamadas ciências
naturais), traduz-se a dita ciência precisamente na investigação da realidade
desvinculada de toda a hipoteca de tipo religioso ou metafísico, de uma
realidade dotada de um estatuto objectivo próprio ' constituindo a razão o
instrumento de per se idóneo para indagá-la por corresponder o seu estatuto
ao da mesma realidade (a qual funciona assim como um sólido e estável
referente «objectivo» daquela e como critério de verificação das suas
hipóteses)[11].
Ainda nas palavras do autor que se acaba de citar ' e entrando agora no cerne
do conceito constitucional de ciência ' a ciência é descoberta das leis da
realidade, é acumulação progressiva de conhecimento, é progresso: e do
progresso da ciência deriva, como da fonte originária, um mais extenso controlo
da natureza, e em definitivo melhores condições para o homem[12].
Uma noção mais universal (ainda que com maior enfoque nos resultados da
investigação) é-nos dada pelos autores espanhóis: segundo J. García Fernández,
será ciência todo o conjunto de conhecimentos fornecidos pela observação e
pela experimentação que, em conformidade com uma determinada metodologia, e
frequentemente, com uma concepção do mundo, contribuem para transformar a
percepção do meio envolvente físico, psíquico e social do homem e, por
conseguinte, o grau de domínio que tem este sobre esse meio envolvente[13].
Para L. Martín Retortillo-Baquer, por seu turno, a acepção constitucional de
ciência permite que se possa falar de ciências jurídicas, ciências sociais,
etc., não sendo a imutabilidade das leis ou a normal previsibilidade dos
desenvolvimentos ulteriores o único factor que autoriza a usar a expressão '
pelo que se reconduzirão ao conceito de ciência a profundidade de
conhecimentos, a criação de conceitos, a explicação de significados, a
reelaboração de dados, a tendência expansiva que permite preencher as lacunas,
enfim, a possibilidade de elaborar um sistema[14].
Enfim, nas definições mais sintéticas de outros autores, a ciência será
caracterizável nas suas vertentes de teorização e investigação como um
processo discursivo, metódico, racional e mensurado, alheio a qualquer valor
estranho à própria ciência e não demonstrado por esta[15], ou, mais
resumidamente, como o conjunto de actividades levadas a cabo de forma
sistemática, com vista a aumentar o caudal de conhecimentos incluindo,
eventualmente, a sua aplicabilidade
[16]
ou ainda como o reconhecimento metódico e sistemático da realidade ou de
qualquer das suas zonas[17].
Esta noção ampla de ciência não é propriamente pacífica: como diz Arthur
Kaufmann, pode-se, naturalmente, ter discussões intermináveis (e estas têm
efectivamente lugar) sobre se só as ciências exercidas matematicamente são,
realmente, «ciências» ' e neste caso não o seria, por exemplo, a ciência do
direito[18]. Mas o factor decisivo, e que a nosso ver terá sido levado em conta
pelo constituinte, é que para além das ditas ciências matematicamente
exercidas, também noutros ramos do conhecimento dedicados ao espírito e à
cultura (como, e tomando ainda o mesmo exemplo, os da ciência do direito e da
filosofia do direito) se torna indiscutível a existência de critérios de
verosimilhança, de evidenciação, de falsificação e, assim, base para uma
argumentação «razoável» bem como para um consenso intersubjectivo ' fazendo
por isso sentido falar, também aqui, de «conhecimentos e de «ciência»[19]. E
nota ainda A. Kaufmann o não existir obviamente nestes domínios uma
«racionalidade» no sentido de exactidão matemática; não obstante, não quer
isto dizer que aí se proceda «irracionalmente» : uma investigação também não é
irracional por se ocupar de fenómenos que, pela sua parte, não são inteiramente
racionais[20].
Enfim, pesem as referidas dificuldades na precisa identificação e
caracterização do objecto da tutela da disposição de direito fundamental em
análise, retira-se de todo o modo deste conjunto de noções, que a ciência ou
actividade científica se caracteriza (assim se distinguindo dos outros géneros
de conhecimento) por ter um método próprio (o «método» científico do
conhecimento) e pela finalidade prosseguida (a investigação desinteressada da
verdade)
[21]
' sendo ainda valorável (valor objectivo das aquisições científicas)[22], o
que implica uma gradação ou modulação de substância em função de uma maior ou
menor cientificidade[23].
Especifique-se ainda ' e para rematar este ponto ' que a verdade procurada deve
ser aqui entendida como aquele conjunto de regras que descobrem, com
constância e regularidade, homogéneas modalidades de actuação no tempo e no
espaço ' orientando-se a actividade de investigação científica para a
verificação das modalidades de actuação destas regras[24]; e que a
legitimidade para aferir o valor objectivo das aquisições científicas é
exterior ao titular do direito, cabendo designadamente à comunidade científica
internacional[25](não obstante, como melhor se dirá adiante, as formais
habilitações e qualificações correspondentes a essa valoração competirem em
ultima ratio a órgãos administrativos cujo carácter científico não traduz
sempre e necessariamente uma sua plena identificação com a mesma comunidade
científica internacional)[26].
Fica assim assente que não é científica toda e qualquer actividade cognoscitiva
que reclame esse predicado (como por exemplo a astrologia e demais ciências
esotéricas)[27], mas tão só aquela como tal identificável atendendo
nomeadamente aos respectivos método e finalidade; e que a cientificidade,
depois de se dar por adquirida, é ainda susceptível de valoração ' podendo
por consequência variar em função dessa valoração o grau de protecção e
sobretudo de promoção constitucionalmente garantidos, com a consequente
introdução de diferenciações na aplicação da mesma disposição jusfundamental em
razão do mérito de cada titular da liberdade em análise.
Quanto ao mais, entramos no espaço de liberdade totalmente protegido por
igual, e portanto no domínio da livre escolha. A liberdade de ciência abrange
assim na sua dimensão negativa a livre escolha do objecto da investigação, da
forma, dos fins (no sentido mais imediato dos resultados que se pretende
alcançar com os trabalhos de investigação), do tempo, dos instrumentos de
trabalho, da orientação e do método da pesquisa científica (confinando-se
naturalmente a escolha ao leque de métodos científicos alternativos)[28]; e na
sua dimensão positiva, como melhor veremos adiante, o acesso aos meios[29].
1.4. Conceito constitucional de ciência (cont.): ciência e técnica,
investigação fundamental e investigação aplicada ou susceptível de aplicação
Questão que se coloca também na nossa Constituição científica é a de se saber
se o conceito constitucional de ciência inclui apenas a ciência propriamente
dita ou pura (e nomeadamente a chamada investigação fundamental) ' como se
poderia porventura inferir do teor literal do art.º 42.1 CRP, se atendermos
designadamente à ausência de uma referência expressa à técnica (diferentemente
do que sucede por exemplo com o texto dos homólogos preceitos das Constituições
italiana e espanhola) e ainda ao enfoque na vertente criativa da ciência ',
ou se abarca também e ainda a técnica ou ciência aplicada, nomeadamente a
investigação não fundamental ou aplicada (ou susceptível de aplicação) e os
respectivos resultados[30].
Não obstante o dito teor literal do art.º 42.1 CRP (que pode ser entendido no
sentido de acentuar a componente espiritual ou criativa, em detrimento da
material) a nossa resposta inclina-se decididamente no sentido da ampliação
do âmbito de protecção do direito fundamental em análise à ciência aplicada,
uma vez que os argumentos favoráveis à mesma ampliação são, como se passa a
demonstrar, de muito maior monta.
Desde logo, se se acolher o entendimento dominante na doutrina e na
jurisprudência constitucionais germânica e italiana, de que a invenção
resultante da investigação ou a obra de arte criada consubstanciam
respectivamente uma objectivação, resultado ou produto do exercício
respectivamente dos direito fundamentais de liberdade científica e artística
[31], estando por isso garantidos jurídico-objectivamente na pessoa titular
de tais direitos fundamentais
[32]
(entendimento esse que a fortiori parece ser de subscrever entre nós[33]) então
pela mesma ordem de razões obrigatória é a conclusão de que constitui
genericamente objecto da protecção constitucional não apenas a ciência pura,
mas ainda a investigação aplicada e os respectivos resultados, o mesmo é dizer
não apenas o trabalho de «investigação fundamental» como a etapa sucessiva da
«investigação aplicada», e não a investigação tout court, mas também ainda o
seu resultado[34] ' em suma, não apenas a ciência (ou criação científica) mas
também a técnica (ou criação técnica).
Para além disso, se é um facto que o art.º 42.º CRP fala apenas em criação
científica (n.º1) e em obra científica (n.º 2), e não em criação científica
e técnica, como o art.º 20.1 b) da Constituição espanhola, a verdade é que tal
omissão acaba por ser suprida pelas outras disposições constitucionais que (e
como já foi assinalado) com esta se conectam estreitamente, como são os casos
do art.º 73.4 CRP (A criação e a investigação científicas, bem como a inovação
tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado, por forma a assegurar a
respectiva liberdade e autonomia, o reforço da competitividade e a articulação
entre as instituições científicas e as empresas) e da al. j) do art.º 81.º
(Incumbência prioritárias do Estado: Incumbe prioritariamente ao Estado no
âmbito económico e social: j) Assegurar uma política científica e
tecnológica favorável ao desenvolvimento do país).
Enfim, de todo o modo, e como vimos, no plano das realidades a que se reportam
os conceitos em questão, são cada vez mais ténues as destrinças entre
investigação fundamental e investigação não fundamental, e entre criação ou
investigação científica e criação ou investigação técnica, o que leva alguma
doutrina a sustentar a inexistência hoje também no plano jurídico de qualquer
separação e hierarquia entre ciência pura e ciência aplicada[35]' só se
podendo afirmar por conseguinte com alguma segurança, segundo esses autores,
que enquanto na primeira prevalece o fim da investigação, na segunda
prevalece o contexto no qual ela se desenvolve[36].
Pelo que, e mesmo que se admita alguma zona de dúvida, quanto mais não seja por
força do princípio da máxima efectividade das normas consagradoras de direitos
fundamentais, forçoso é o entendimento de que a tutela constitucional se
estende ainda ao âmbito das estruturas e das realidades operativas que tenham
por si mesmas uma natureza e uma finalidade aplicativas ou práticas[37],
justificando-se a eficácia da norma constitucional qualquer que seja a sede na
qual se desenvolva a actividade de investigação[38]. O objecto do direito
fundamental consagrado no art.º 42.º CRP acaba assim por ser a investigação em
si mesma considerada[39].
Não deixe de se ressalvar, contudo, que a ciência pura ou em sentido estrito,
a ciência antes do mais compreendida como corpo de saberes que se reportam às
leis gerais de funcionamento da realidade (a que corresponde a chamada
«investigação fundamental») se coloca numa posição supraordenada relativamente
aos saberes parciais, sectoriais, aplicativos (a que corresponde a dita
investigação não fundamental), estabelecendo-se assim dentro deste conceito
mais amplo de ciência uma ordem hierárquica, descendente e dedutiva[40].
1.5. Conceito constitucional de ciência (cont.): ciência e técnica,
investigação fundamental e investigação aplicada ou susceptível de aplicação
Questão que se coloca também na nossa Constituição científica é a de se saber
se o conceito constitucional de ciência inclui apenas a ciência propriamente
dita ou pura (e nomeadamente a chamada investigação fundamental) ' como se
poderia porventura inferir do teor literal do art.º 42.1 CRP, se atendermos
designadamente à ausência de uma referência expressa à técnica (diferentemente
do que sucede por exemplo com o texto dos homólogos preceitos das Constituições
italiana e espanhola) e ainda ao enfoque na vertente criativa da ciência ',
ou se abarca também e ainda a técnica ou ciência aplicada, nomeadamente a
investigação não fundamental ou aplicada (ou susceptível de aplicação) e os
respectivos resultados[41].
Não obstante o dito teor literal do art.º 42.1 CRP (que pode ser entendido no
sentido de acentuar a componente espiritual ou criativa, em detrimento da
material) a nossa resposta inclina-se decididamente no sentido da ampliação
do âmbito de protecção do direito fundamental em análise à ciência aplicada,
uma vez que os argumentos favoráveis à mesma ampliação são, como se passa a
demonstrar, de muito maior monta.
Desde logo, se se acolher o entendimento dominante na doutrina e na
jurisprudência constitucionais germânica e italiana, de que a invenção
resultante da investigação ou a obra de arte criada consubstanciam
respectivamente uma objectivação, resultado ou produto do exercício
respectivamente dos direito fundamentais de liberdade científica e artística
[42], estando por isso garantidos jurídico-objectivamente na pessoa titular
de tais direitos fundamentais[43](entendimento esse que a fortiori parece ser
de subscrever entre nós[44]) então pela mesma ordem de razões obrigatória é a
conclusão de que constitui genericamente objecto da protecção constitucional
não apenas a ciência pura, mas ainda a investigação aplicada e os respectivos
resultados, o mesmo é dizer não apenas o trabalho de «investigação fundamental»
como a etapa sucessiva da «investigação aplicada», e não a investigação tout
court, mas também ainda o seu resultado
[45]
' em suma, não apenas a ciência (ou criação científica) mas também a técnica
(ou criação técnica).
Para além disso, se é um facto que o art.º 42.º CRP fala apenas em criação
científica (n.º1) e em obra científica (n.º 2), e não em criação científica
e técnica, como o art.º 20.1 b) da Constituição espanhola, a verdade é que tal
omissão acaba por ser suprida pelas outras disposições constitucionais que (e
como já foi assinalado) com esta se conectam estreitamente, como são os casos
do art.º 73.4 CRP (A criação e a investigação científicas, bem como a inovação
tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado, por forma a assegurar a
respectiva liberdade e autonomia, o reforço da competitividade e a articulação
entre as instituições científicas e as empresas) e da al. j) do art.º 81.º
(Incumbência prioritárias do Estado: Incumbe prioritariamente ao Estado no
âmbito económico e social: j) Assegurar uma política científica e
tecnológica favorável ao desenvolvimento do país).
Enfim, de todo o modo, e como vimos, no plano das realidades a que se reportam
os conceitos em questão, são cada vez mais ténues as destrinças entre
investigação fundamental e investigação não fundamental, e entre criação ou
investigação científica e criação ou investigação técnica, o que leva alguma
doutrina a sustentar a inexistência hoje também no plano jurídico de qualquer
separação e hierarquia entre ciência pura e ciência aplicada[46]' só se
podendo afirmar por conseguinte com alguma segurança, segundo esses autores,
que enquanto na primeira prevalece o fim da investigação, na segunda
prevalece o contexto no qual ela se desenvolve[47].
Pelo que, e mesmo que se admita alguma zona de dúvida, quanto mais não seja por
força do princípio da máxima efectividade das normas consagradoras de direitos
fundamentais, forçoso é o entendimento de que a tutela constitucional se
estende ainda ao âmbito das estruturas e das realidades operativas que tenham
por si mesmas uma natureza e uma finalidade aplicativas ou práticas[48],
justificando-se a eficácia da norma constitucional qualquer que seja a sede na
qual se desenvolva a actividade de investigação[49]. O objecto do direito
fundamental consagrado no art.º 42.º CRP acaba assim por ser a investigação em
si mesma considerada[50].
Não deixe de se ressalvar, contudo, que a ciência pura ou em sentido estrito,
a ciência antes do mais compreendida como corpo de saberes que se reportam às
leis gerais de funcionamento da realidade (a que corresponde a chamada
«investigação fundamental») se coloca numa posição supraordenada relativamente
aos saberes parciais, sectoriais, aplicativos (a que corresponde a dita
investigação não fundamental), estabelecendo-se assim dentro deste conceito
mais amplo de ciência uma ordem hierárquica, descendente e dedutiva[51].
2. POSIÇÕES E RELAÇÕES CONSTITUTIVAS DA LIBERDADE DE CIÊNCIA ENQUANTO DIREITO
FUNDAMENTAL
2.1. Dimensão objectiva da liberdade de ciência
Voltando agora a acompanhar a doutrina espanhola, se se tivesse pretendido
recolher apenas um típico direito subjectivo de defesa de liberdade de
produção e criação no campo científico, então também o nosso art.º 42.1 CRP
resultaria absolutamente supérfluo, já que tal direito entra na liberdade de
expressão do pensamento (art.º 37.º CRP), encontrando-se como se encontra nas
próprias entranhas da livre transmissão e recepção do pensamento[52].
Claro está que também não se visou a mera constitucionalização dos direitos de
autor e dos direitos de propriedade industrial, pois o n.º 2 do art.º 42.º CRP
(Esta liberdade compreende ) indica claramente que o objecto do artigo
descrito no n.º 1 é (substancialmente) mais amplo do que o direito à invenção,
produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a
protecção e legal dos direitos de autor especificado no dito n.º 2 '
constituindo este último direito uma das muitas projecções possíveis
daqueloutro.
Assim sendo, e sob pena de termos que considerar a presente disposição em boa
medida redundante, só resta a alternativa de estarmos perante um direito
fundamental com uma importante dimensão objectiva, na linha da tradição
constitucional germânica[53], onde avultam os direitos de prestação, os
direitos processuais e procedimentais, as garantias de instituto e garantias
institucionais e osdireitos de participação (GOMES CANOTILHO)[54]que se passam
a analisar nos pontos seguintes. Adiante-se já que, nesta linha teorética,
consideramos o ensino científico (por ser mais científico do que ensino)
preferencialmente abrangido por este preceito (art.º 42.1 CRP), em detrimento
do artigo seguinte (art.º 43.º ' Liberdade de aprender e de ensinar).
2.2. A liberdade de ciência como direito a acções negativas.
Seguindo a sistemática adoptada entre nós por Gomes Canotilho, na esteira de
Robert Alexy ' nos termos da qual os direitos fundamentais são garantidos (I)
como direitos a acções negativas, (II) como direitos a acções positivas, (III)
como liberdades e (IV) como competências (poder jurídico, direito de
conformação) [55], isto no pressuposto de que cada direito fundamental deve
ser visto como um todo, ou seja, como um feixe de posições jusfundamentais
que têm em comum a adscrição a uma mesma disposição de direito fundamental
[56]
' comecemos então por analisar a liberdade de ciência como direito fundamental
a acções negativas.
Nos direitos fundamentais a acções negativas a respectiva garantia configura-
se (1) como direito ao não impedimento por parte dos entes públicos de
determinados actos, (2) como direito à não intervenção dos entes públicos em
situações jurídico-subjectivas e (3) como direito à não eliminação de
posições jurídicas[57]. Recorde-se, estas posições jurídicas, sendo
características dos direitos fundamentais de defesa, também se podem consolidar
sob a égide dos direitos fundamentais sociais[58].
Apliquemos então esta subclassificação à liberdade de ciência.
Será um direito ao não impedimento de acções (Recht auf die Nichthinderung
von Handlungen), (1') o direito do estudante universitário no âmbito de
seminários de fim de curso, e do assistente universitário que pretenda obter o
grau de mestre ou de doutor, à livre escolha do seu tema de investigação, sem
quaisquer limitações (naturalmente, desde que possua a necessária preparação
científica de base e no suposto que esta corresponda ao ramo do saber próprio
da faculdade, departamento e disciplina a que esteja vinculado) ' sejam essas
limitações impostas pelas autoridades estaduais porventura responsáveis pelo
financiamento dos trabalhos de investigação, sejam elas ditadas pelas próprias
autoridades académicas (professor orientador, conselho cientifico, etc.[59]).
Note-se todavia que a mesma liberdade (pelo menos no que respeita à escolha do
tema) já poderá a nosso ver sofrer restrições sensíveis no caso dos estagiários
e assistentes de investigação (cfr. DL 124/99, de 20.04 ' Estatuto da Carreira
da Investigação Científica), dado o pendor finalizado e utilitário da
investigação desenvolvida na maioria das instituições científicas não
universitárias que os acolhem.
Como direito à não agressão a bens e situações (Recht auf die
Nichtbeeinträchtigung) temos o exemplo da (2') protecção das prerrogativas de
avaliação (do chamado ius examinandi) que cabem em ultima ratio aos professores
universitários (e indiscutivelmente àqueles a quem seja reconhecida plena
capacidade docente e investigadora) relativamente aos alunos de licenciatura,
mestrado e doutoramento.
Enfim, configura-se como direito à não eliminação de posições jurídicas
(Recht auf die Nichtbeseitigung von rechtlichen Positionen) (3') o direito que
assiste aos docentes universitários e aos investigadores dos laboratórios do
Estado e outras instituições científicas equiparadas a que o Estado não
derrogue as normas que regulam as carreiras universitária
[60]
e de investigação[61](não eliminação da posição jurídica qualificada de
funcionário científico conferida em abstracto por aqueles institutos).
2.3. A liberdade de ciência como direito a acções positivas: o direito a
prestações fácticas em sentido estrito.
Quanto à segunda subcategoria, dos direitos a acções positivas[62], e de
entre estes no que concerne aos direitos a prestações fácticas em sentido
estrito, tenha-se de novo presente, verifica-se uma predominância inversa à
referida no ponto anterior: não obstante quase todos os direitos
(fundamentais) conterem faculdades que implicam prestações[63], estas
específicas posições (direitos a prestações fácticas em sentido estrito) são
típicas dos direitos económicos e sociais abrangidos pelos capítulos I e II
do título III da Constituição[64].
Tal conteúdo ou dimensão positiva de direito a prestações em sentido estrito
(Leistungsrechten im engeren Sinne) dos direitos fundamentais de liberdade não
está normalmente explicitado na letra das disposições normativas que os prevêem
[65], podendo inclusive não ser sequer contemplado pelos correspondentes
direitos fundamentais económicos e sociais autonomizados como direitos a
prestações: é o que acontece entre nós com o direito (expressamente reconhecido
nas constituições alemã e espanhola) de as entidades titulares das escolas
privadas reconhecidas ou parificadas receberem ajuda estatal através da
atribuição de subvenções.
Não significa isso todavia que tal mandato não decorra da simples consagração
da liberdade em questão no art.º 43.4 CRP, pela simples razão de que, sem as
referidas ajudas, não se efectivam as condições fácticas necessárias ao
exercício do direito ' sendo por essa razão forçoso deduzir uma obrigação do
Estado, ou de todo o modo mais um direito do titular da escola privada, a
outorgar ou receber uma subvenção de tal disposição de direito fundamental
[66].
Mas nem sempre ocorre a dita omissão: por vezes essas posições jurídicas
subjectivas que constituem dimensões positivas dos direitos de liberdade estão
expressamente enunciadas no próprio catálogo (Cap. I do Título II), como
sucede com o direito de antena (art.º 40.1 CRP), o qual constitui um conteúdo
instrumental da liberdade de expressão e informação (art.º 37.º CRP)[67]; e
outras vezes elas surgem-nos no Cap. I do Título III (Direitos e deveres
económicos, sociais e culturais): é precisamente o caso que ora nos importa do
direito dos cientistas e das suas instituições ao incentivo e apoio do Estado,
de forma a assegurar a respectiva liberdade e autonomia, constante do art.º
73.4 CRP, e que constitui uma indelével dimensão positiva da liberdade de
ciência tutelada no art.º 42.1 CRP.
Sublinhe-se que a este dever consignado ao Estado pelo art.º 73.4 CRP
corresponde uma verdadeira posição jurídica subjectiva (instrumental) do
titular da liberdade de ciência (sendo esta asserção entre nós inquestionável,
dada a expressa referência no preceito ao objectivo de através de tais apoio
e incentivo se assegurar a liberdade e autonomia dos cientistas)[68]'
diferentemente do que já sucede no que respeita à incumbência que recai sobre o
mesmo Estado por força da al. j)do art.º 81.º CRP, de assegurar uma política
científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país.
E adiante-se, já agora, que constituirão exemplos de direitos derivados a
prestações cobertos por este conteúdo instrumental os direitos dos bolseiros de
investigação científica consignados no art.º 5.º do DL 123/99, de 20.05
(Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica), bem como o direito dos
assistentes universitários que o ECDU consagrava de gozo de uma licença com
vencimento por um período máximo de três anos, antes do terminus do respectivo
contrato administrativo de provimento, para se poderem dedicar a tempo inteiro
aos trabalhos de investigação conducentes à elaboração da dissertação de
doutoramento (cfr. art.º 27.º do ECDU, na sua anterior redacção, e art.º 5.º do
DL 245/86, de 21 de Agosto)[69].
Relativamente a tudo o que se acaba de dizer, poder-se-á contra-argumentar no
sentido de estarmos perante distintos direitos, porventura derivados das
liberdades em questão, mas de todo o modo autonomizados: direito ao tempo de
antena, direito ao apoio à criação e investigação científicas, etc.
Mas uma tal fragmentação ditada por razões de ordem puramente formal não é
conciliável com o carácter complexo e multifacetado dos direitos
fundamentais, em cada um dos quais se incluem múltiplas faculdades, com
objecto e conteúdo distinto, que são oponíveis a destinatários diferentes,
determinam deveres de variado tipo e que podem ter até titulares diversos
(Vieira de Andrade)[70]' impondo-se por isso um trabalho de articulação e
sistematização dos dados normativos fornecidos pela lei fundamental.
Também Gomes Canotilho se aproxima de algum modo desta perspectiva, a propósito
da dupla direito à educação/liberdade de aprender. Num trabalho de referência
nesta matéria
[71]
, começa o autor por adiantar o exemplo da Constituição espanhola, cujo texto
não distingue rigorosamente entre o direito à educação (derecho a la
educación) e o direito ao ensino, nem separa um direito a prestações, como é o
direito à educação, de uma liberdade (liberdade de ensino) caracterizada
fundamentalmente como direito de defesa (Abwerrecht). Ora, ainda segundo o
professor de Coimbra detecta-se no art.º 27.º CE (Todos tienem derecho a la
educación. Se reconece la libertad de enseñanza) uma «relação de contiguidade»
que nos permite estar «mais perto» do problema que aqui se pretende discutir,
e que pode sintetizar-se do seguinte modo: em que medida um «direito a
prestações» («posição jurídico-prestacional») como o direito à educação se pode
considerar como dimensão relevante do «programa normativo» de um direito
subjectivo pessoal (exemplo, liberdade de escolha de profissão, liberdade de
aprender)?[72].
A nosso ver, os critérios fundamentais para se aferir se uma determinada
faculdade atribuída aos cidadãos pela lei fundamental integra o conteúdo deste
ou daquele direito fundamental (ainda que como dimensão ou conteúdo
instrumental), ou se diferentemente constitui em toda a sua plenitude um
autónomo direito (rectius, se deverá tal faculdade ser considerada um autónomo
direito fundamental), terão que ser o critério da identidade de objecto, o
critério funcional (critério este que nos indica se o exercício efectivo do
direito passa ou não necessariamente pela criação de determinadas condições
fácticas resultantes da conduta prestativa dos poderes públicos em que se
traduza o exercício dessa faculdade) e ainda o critério da determinabilidade
[73].
Tal faculdade integrará assim o feixe ou complexo de posições jusfundamentais
que constituem um determinado direito fundamental:
(1) se tiver desde logo o mesmo objecto, isto é, se se reportar ao mesmo
«domínio normativo» das normas que os consagram, ou seja, àqueles determinados
«bens» ou «domínios existenciais» (exemplo: a vida, o domicílio, a religião, a
criação artística ( ), «realidades da vida» que as normas captam como «objecto
de protecção», sendo os ditos «âmbitos» ou «domínios protegidos» pelas normas
garantidoras de direitos fundamentais designados de várias outras formas:
«âmbito de protecção» («Schutzbereich»), «domínio normativo» («Normbereich»),
«pressupostos de facto dos direitos fundamentais» («Grundrechtstatbestände»)
(Gomes Canotilho)[74];
(2) se se revelar indispensável ao concreto exercício do direito a criação de
determinadas condições fácticas resultantes do exercício da faculdade em
questão (ainda que numa medida necessariamente limitada, que não foge ao
princípio da reserva do possível);
(3) se o comportamento estadual for de execução vinculada, no sentido de ser
possível surpreender (na norma que institui a mesma faculdade) uma convicção
(determinação) na intenção normativa em relação ao direito fundamental de
liberdade em causa, isto é, que as respectivas normas constitucionais são
capazes de fornecer todos os elementos e critérios necessários e suficientes
para a sua aplicação, sendo o mesmo direito determinado ou
(jurisprudencialmente) determinável por opção constitucional (Vieira de
Andrade)[75].
Se assim for (e esta é a conclusão que importa retirar) integrará essa
faculdade o conteúdo do mesmo direito ' conteúdo que é precisamente constituído
pelo conjunto das faculdades que garantem ou protegem o direito, para tornar
operativa a protecção das supra-referidas realidades, designadamente de
direitos subjectivos ( ), direitos de prestação ( ), direitos processuais e
procedimentais ( ), garantias de instituto e garantias institucionais ( ) e
direitos de participação ( ) (Gomes Canotilho)[76]. Por consequência ' e sempre
na hipótese de tal faculdade estar adstrita a um direito de liberdade que
integre o catálogo dos direitos, liberdades e garantias ou que como tal seja
qualificável por via da sua natureza análoga ' beneficiará então tanto quanto
possível, isto é, sempre sob a reserva económica do possível (Vorbehalt des
Möglichen), do regime fixado no art.º 18.º CRP, mesmo que a respectiva
disposição normativa se situe fora do catálogo.
De todo o modo, mesmo que se entenda que não estamos perante um tipo de
direito prima facie a que corresponde, por parte dos poderes públicos, um dever
prima facie ' isto é, se não se puder afirmar, como nos casos de posições
jurídico-prestacionais garantidoras de um direito subjectivo definitivo, que o
princípio de liberdade fáctica é de tal modo imperativo que obriga os poderes
públicos à densificação de um grau mínimo de existência[77]' sempre se poderá
dizer, como diz Gomes Canotilho a propósito do direito consagrado no art.º 74.2
e) CRP, e parafraseando Müller, Pieroth & Fohmann, que estamos perante
direitos a prestações constitutivas do «âmbito normativo» (Normbereich) de um
direito fundamental de liberdade (ou liberdades: de escolha de profissão, de
ensino, investigação, etc.) que o Estado (poderes públicos) deve prima facie
efectivar[78].
2.4. A liberdade de ciência como direito a acções positivas (cont.): o direito
a prestações fácticas em sentido amplo (os direitos a protecção e a organização
e procedimento)
Continuando na segunda subcategoria (dos direitos a acções positivas),
detenhamo-nos agora nos direitos a prestações fácticas em sentido amplo ' os
quais se subdividem por sua vez, recorde-se, nos direitos a protecção e nos
direitos a organização e a procedimento, e que podem por sua vez ser direitos
a acções jurídicas ou a acções fácticas.
Constituirá um exemplo destes direitos a prestações fácticas em sentido amplo,
e nomeadamente de direitos a protecção (fáctica), o direito dos estudantes,
docentes universitários e investigadores a uma concreta protecção (policial ou
equiparada) que lhes garanta o desenvolvimento das actividades de estudo,
ensino e investigação nos locais e instituições a elas destinados, face a
actuações como o encerramento compulsivo das instalações levado a cabos por
quaisquer terceiros, como por exemplo (outros) estudantes ou ambientalistas
radicais[79].
E serão ainda (dentro dos direitos a protecção) direitos a prestações
jurídicas, no mesmo caso que acabamos de referir, o direito dos docentes e
estudantes universitários à emanação de normas legais e regulamentares que
especificamente prevejam e imponham às competentes autoridades administrativas
a necessária actuação disciplinar, bem como à criação dos normativos que numa
tarefa de concordância prática estipulem os adequados limites ao direito de
manifestação, prevendo designadamente a indispensável intervenção das
autoridades policiais para assegurar o respeito por tais normativos.
Típicos direitos a protecção, na modalidade de prestações jurídicas, são ainda
os direitos (entre nós expressamente consagrados no n.º 2 do art.º 42.º CRP)
dos autores de obras científicas à protecção legal dos seus direitos autorais
sobre este tipo de obras e dos inventores à tutela legal das patentes de
invenções.
Cabe agora uma breve referência (ainda nesta matéria dos direitos a prestações
fácticas em sentido amplo) aos direitos a organização e procedimento, na sua
qualidade de dimensão adjectiva dos direitos fundamentais, e que decorre da
dimensão positiva destes ' componente essa dos ditos direitos que tanta atenção
tem merecido à doutrina e à jurisprudência constitucionais dos países objecto
do nosso estudo.
Desde logo, serão direitos a organização e procedimento ' e para aproveitar
ainda o caso dos direitos de propriedade intelectual ' o direito à organização
e ao procedimento registrais (quer fácticos, quer jurídicos) indispensáveis
para a concretização da tutela legal dos sobreditos direitos de propriedade
intelectual.
E impõe-se também, claro está, uma menção à garantia institucional da
Universidade e demais instituições científicas equiparáveis e respectivo
autogoverno. Em razão da natureza primordialmente subjectiva dos direitos
fundamentais (derivada da respectiva fundamentação subjectiva), devem ser
reconhecidas aos titulares qualificados da liberdade de ciência, e nomeadamente
aos docentes-investigadores universitários, pretensões individuais de
participação (qualificada e diferenciada) nos colégios universitários
claramente susceptíveis de radicação subjectiva (Pereira Coutinho)[80]' sendo
obrigatório o entendimento de que lhes assiste, a par de um status negativo,
um status activus que não equivale a um «direito de participação democrática»,
mas antes a um «wissenschaftsgrundrechtlich status activus» (Ulrich Karpen)
[81].
Por conseguinte, as liberdades de investigação e ensino científicos, na sua
qualidade de direitos subjectivos, têm que ser entendidas como situações
jurídicas complexas que incluem posições jurídicas de diferente natureza e de
diferente estrutura, entre as quais se incluem os ditos direitos de
participação qualificada e diferenciada nos órgãos colegiais universitários
[82]; assim sendo, e nas palavras de Winfred Kluth, os direitos de
participação da cada cientista individual nos órgãos de auto-administração
académica não são meros vínculos organizatórios de direito objectivo, mas
também direitos individuais de participação (sind die Mitwirkungsrechte der
einzelnen Wissenschaftler in den Organen der akademischen Selbstverwaltung
nicht lediglich Organisationsrechte, sondern auch individuelle
Mitwirkungsrechte)[83].
Note-se entretanto que as dimensões e os exemplos que acabamos de referir estão
naturalmente longe de esgotar o tema dos direitos a organização e
procedimento: uma importância de primeiro plano merece ainda nesta sede toda a
problemática do acesso às carreiras de investigação científica e ensino
universitário e aos respectivos graus e qualificações, como se passa a
demonstrar.
A ciência é por definição hierárquica, podendo ser representada por uma
estrutura piramidal cujo vértice é ocupado, no que à respectiva titularidade
concerne, pela casta daqueles a quem é reconhecida a plena capacidade
investigadora, ou seja, pelos professores catedráticos e associados e pelos
investigadores principais e coordenadores.
Ora, o acesso a estas categorias formalizadas de cientistas depende de um
sistema de outorga de sucessivas e formais qualificações ou habilitações
(licenciatura, mestrado doutoramento, superação de provas para professor
associado e investigador principal, etc.) que consubstanciam os momentos em
que alguém decide, ou deve decidir aquilo que é científico e aquilo que não o
é (A. Orsi Battaglini)
[84]
, e por conseguinte quem é ou não (formalmente) cientista ' rectius, (uma
valoração sobre) quem atinge ou não o grau de conhecimentos científicos
correspondente à formal habilitação ou qualificação em causa. Naturalmente, os
decisores, pese a sua obrigatória tendencial identificação com a comunidade
científica, procedem às necessárias qualificações, em rigor, enquanto titulares
de órgãos da administração pública, fazendo-o através de mecanismos
procedimentais e organizatórios cuja constitucionalidade não pode obviamente
deixar de ser aferida à luz da liberdade científica[85].
Insista-se, no que respeita à liberdade de ciência, o que se pode apreciar
também no direito comparado, é muito menos importante a dimensão negativa ou de
direito de defesa
[86]
do que a dimensão positiva
[87]
; ora esta segunda dimensão revela-se desde logo no já referido sistema de
formais qualificações ou habilitações, o qual implica que a concretização da
mesma liberdade de ciência passe pela realização do direito à obtenção de tais
qualificações ou habilitações
[88]
' direito este que oferece assim, para além da dimensão substantiva, uma
importantíssima vertente adjectiva, consubstanciando-se também no direito à
efectivação de estruturas organizacionais/procedimentais que garantam condições
mínimas (prévias) de justiça (proibição do arbítrio), igualdade e
imparcialidade nos procedimentos conducentes à obtenção dos ditos graus.
Tais estruturas são pois indissociáveis do próprio direito, enquanto condições
da respectiva exequibilidade por constituírem a sua dimensão adjectiva[89]'
dispensando por isso uma autónoma positivação na lei fundamental. Note-se não
obstante que, no respeitante ao acesso e à progressão nas carreiras públicas
especiais do ensino universitário e da investigação científica, a sobreposição
de direitos, liberdades e garantias (designadamente do direito de acesso e
progressão à/na função pública ' art.º 47.2 CRP e da liberdade de ciência '
art.º 42.º CRP) exige um reforço de protecção no que concerne à exigência da
verificação de condições de igualdade e liberdade e à regra do acesso por
via de concurso prescrita na primeira das citadas disposições de direito
fundamental.
Antecipe-se desde já que constitui a primeira destas garantias procedimentais e
organizacionais do examinando, dado o carácter especializado dos conhecimentos
científicos, o ser ele avaliado (1) nos patamares superiores da hierarquia
científica, por indivíduos já possuidores de grau ou qualificação idêntica (e
por conseguinte já integrantes da categoria) à que se candidata e pertencentes
à área de conhecimento em questão[90]e (2) nos patamares inferiores por
cientistas possuidores de grau ou qualificação superior àquela a que se
habilita. Com efeito, constitui esta regra a única garantia do examinando de
poder vir a ser objecto de avaliação materialmente justa, ou seja, uma
avaliação não arbitrária, respeitando-se ainda a igualdade de oportunidades a
que têm direito cada um dos examinandos face aos demais ' arbitrariedade que
presuntivamente se produz (se pode produzir) se o avaliador tiver um nível
certificado de conhecimentos inferior ou igual ao avaliado[91].
Finalmente, tenha-se uma vez mais presente que os direitos a organização e
procedimento, do mesmo modo que os direitos a protecção, podem por sua vez ser
direitos a prestações jurídicas ou direitos a prestações fácticas. Um direito a
prestações jurídicas será por exemplo na liberdade ora analisada o direito de
todos aqueles que obtenham o grau de doutor a serem inscritos, sempre que o
solicitem, no colégio de especialidade adstrito ao Conselho Superior da
Ciência, Tecnologia e Inovação correspondente à área científica do respectivo
doutoramento[92]. Outro direito reconduzível a tal categoria será o direito a
actos jurídico-públicos organizatórios e procedimentais que garantam condições
mínimas (prévias) de igualdade e de imparcialidade nos procedimentos de
avaliação conducentes às sucessivas categorias de cientistas previstas nas
carreiras púbicas de ensino universitário e investigação (provas públicas de
mestrado e doutoramento, etc.).
E direitos a prestações fácticas serão nos exemplos que se acaba de referir os
direitos a condições fácticas mínimas (prévias) de justiça (proibição do
arbítrio), igualdade e de imparcialidade na organização e nos procedimentos das
provas públicas de acesso aos graus e categorias das carreiras científicas
(vertente fáctica da organização e procedimento).
2.5. A liberdade de ciência como liberdade
Os direitos fundamentais, na sua qualidade de direitos subjectivos, para além
de serem garantidos como direitos a acções negativas e como direitos a acções
positivas, podem-no ser ainda enquanto liberdades ' sendo que estas últimas se
caracterizam pela alternativa de comportamentos[93], traço específico que as
individualiza face aos demais direitos, liberdades e garantias (Gomes
Canotilho)[94].
Assume uma especial importância nesta estrutura lógica das liberdades como
alternativas de comportamento a sua componente negativa (Gomes Canotilho) '
na liberdade ora em análise, desde logo, a escolha entre abraçar ou não a
carreira de investigação científica ou a carreira universitária, entre obter ou
não uma determinada habilitação ou qualificação no âmbito das mesmas carreiras,
etc. Adiante-se agora como exemplo de restrição a esta componente negativa da
liberdade de ciência determinados deveres que recaem sobre os investigadores e
os docentes universitários no âmbito das instituições científicas a que
pertençam, de se integrarem e participarem nos órgãos colegiais de carácter
científico das mesmas instituições[95].
2.6. A liberdade de ciência como garantia de competências
Por último temos ainda como posição jurídica constitutiva da liberdade de
ciência as competências (como já vimos no sentido de poder jurídico e de
direito de conformação)adstritas a este direito fundamental ' traduzindo-se
esta posição na possibilidade de o indivíduo praticar determinados actos
jurídicos e, consequentemente, alterar, através desses actos, determinadas
posições jurídicas: segundo Gomes Canotilho, dado que as liberdades se
caracterizam por um momento negativo inerente às alternativas de
comportamentos, a garantia de competências contribui para a criação de
alternativas activas[96]. Estas posições jurídicas são ainda próprias dos
direitos fundamentais de defesa, existindo tanto no direito público como no
privado ' pelo que tanto a celebração de um contrato como um acto
administrativo constituem o exercício de uma competência, modificando
situações jurídicas através de determinadas acções praticadas por quem possui
competência[97].
É possível no quadro de determinadas relações jurídicas, e no âmbito de certos
procedimentos administrativos, estar o titular do direito fundamental investido
numa competência para cujo exercício não sejam necessárias acções de outros
sujeitos jurídicos (como acontece com o exemplo que se acaba de dar do
contrato), sendo ele capaz por isso de modificar unilateralmente a posição
jurídica de outro sujeito jurídico que desse modo se encontra na
correspondente posição de sujeição ' podendo inclusive a entidade em posição de
sujeição ser um (órgão de um) ente público[98].
É o caso da posição jurídica do requerente em tradicionais procedimentos
administrativos descondicionadores do acesso a profissões protegidas (por
excelência as profissões agrupadas em Ordens e Câmaras), nomeadamente
quando se conclua ser o acto administrativo para que aparentemente tende o
procedimento um simples acto declarativo, e não constitutivo ' surgindo-nos o
dito requerente em tal caso como titular de um direito potestativo face à
Administração, que o mesmo requerente exerce com a mera entrega do
requerimento.
Pois bem, uma vez que ' e como adiante teremos a oportunidade de constatar '
face à aptidão expansiva da liberdade de ciência, também os profissionais
universitariamente titulados são sujeitos deste direito fundamental, então a
posição jurídica do requerente nos ditos procedimentos administrativos
descondicionadores do acesso a profissões protegidas agrupadas em Ordens (ou
seja, a profissões cujo exercentes sejam por exigência legal indivíduos
licenciados por instituições universitárias) será beneficiada por uma
coincidência ou sobreposição de âmbitos de protecção em sede de direitos
fundamentais. Com efeito, a mesma posição jurídica de poder estará nesses casos
coberta simultaneamente por dois direitos, liberdades e garantias,
designadamente pela liberdade de profissão (art.º 47.2 CRP) e pela liberdade de
ciência (art.º 42.º CRP), postulando por conseguinte um reforço de protecção.
Notas:
[1] O constituinte espanhol inspirou-se inclusive no art.º 42.º da nossa
Constituição.
[2] Em vez do reconhece-se o direito a (ou de) da Constituição espanhola,
que é o enunciado típico da consagração de direitos subjectivos ou de
liberdades, temos a ciência ou criação científica como referente directo da
liberdade proclamada ' o que propicia a sublimação do valor comunitário que
ostenta a mesma ciência, para além do benefício que representa para o seu
titular como espaço de liberdade face a ingerências estranhas (i. é, como mero
direito subjectivo de defesa).
[3] Esta articulação entre os art.ºs 42.º, 73.4 e 81.º j) CRP é sublinhada por
JORGE LACÃO, em Constituição da República Portuguesa. 5.ª Revisão, 2001,
Lisboa, 2001, p. 122.
[4] Para GOMES CANOTILHO & VITAL MOREIRA, estas liberdades constituem
manifestações particulares da liberdade expressão do pensamento, podendo
todavia relativamente a esta genérica liberdade exigir um reforço de
protecção (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra,
1993, pp. 246-247).
[5] Sublinham entre nós a intima conexão da liberdade de ciência com as
liberdades de expressão do pensamento e de consciência GOMES CANOTILHO &
VITAL MOREIRA, na sua Constituição anotada, cit., p. 247.
[6] F. J. GÁLVEZ MONTES, Comentário ao art.º 20.º da Constituição Espanhola, in
«Comentários a la Constitución», obra colectiva, dir. Garrido Falla, F., 3.ª
ed., Madrid, 2001, p. 463.
[7] F. J. GÁLVEZ MONTES, Comentário ao art.º 20.º , cit., p. 464.
[8] O. ALZAGA VILLAAMIL, Comentario sistemático a la Constitución española de
1978, Madrid, 1978, p. 217
[9] Em termos próximos, relativamente ao homólogo preceito da Constituição
espanhola, ver F. B. LÓPEZ-JURADO ESCRIBANO, autor que considera a (liberdade
de) investigação científica assimilável à criação científica (La autonomia de
las Universidades como derecho fundamental: la construccion del Tribunal
Constitucional, Civitas, Madrid, 1991, p. 94). Também entre nós GOMES CANOTILHO
& VITAL MOREIRA, a propósito da dimensão do incentivo e apoio à criação e
investigação científicas e à inovação tecnológica se referem à liberdade
consagrada no art.º 42.º CRP como uma liberdade de criação e investigação
científicas (Constituição Anotada, cit., p. 363).
[10] BVerfGE 35, 79 (113), apud J. L. CARRO, Polémica y reforma universitaria
en Alemania. Libertad científica. Cogestión. «Numerus clausus», Madrid, 1976,
p. 50.
[11] A. ORSI-BATTAGLINI, Libertà scientifica, libertà accademica e valori
costituzionali, «Nuove dimensioni nei diritti di liberta: scritti in onore di
Paolo Barile», CEDAM, Pádua, 1990, p. 92.
[12] A. ORSI BATTAGLINI, op. cit., loc. cit.. Como sublinha também entre nós J.
M. CARDOSO DA COSTA, este mesmo progresso científico e tecnológico ' sobretudo
na medida em que respeita aos próprios mecanismos da vida do Homem e em que se
traduz em mudanças tão sensíveis das condições (físicas, económicas, sociais,
etc.) no seio das quais se desenvolvem a vida e a convivência humana, chegando
ao ponto de pôr em causa as representações culturais até aqui aceites sem
reservas ' suscita perplexidades e interrogações no seio da comunidade
jurídica, colocando ainda questões novas de legitimidade dos comportamentos
(individuais e colectivos) que o direito e o pensamento jurídico não podem
ignorar (Constitution et progrès scientifique et technique, BFDUC, n.º 68,
1992, pp. 87-88).
[13] J. GARCÍA FERNÁNDEZ, Art.º 44.2. Fomento de la ciência, in Oscar Alzaga
(org.), «Comentários a la Constitución Española de 1978», Tomo IV (art.ºs 39.º
a 55.º), Madrid, 1996, p. 227. Como o autor esclarece, esta noção é próxima da
de MAX WEBER, para quem a ciência 1) proporciona conhecimentos sobre a técnica
que, mediante a previsão, serve para dominar a vida; 2) proporciona métodos
para pensar; 3) traz claridade; 4) deriva de uma visão do mundo (El político y
el científico, trad. F. Rubio Llorente, Madrid, 1967, pp. 221-223).
[14] A vueltas con la Universidad, Madrid, 1990, p. 96.
[15] MIRIAM CUETO PÉREZ, Régimen jurídico de la investigación científica: la
labor investigadora en la Universidad, Barcelona, 2002, p. 66.
[16] R. MARTÍN MATEO, La Administración de la Ciencia, Madrid, 1980, p.
13.
[17] MANUEL ANTUNES, Ciência, in «Enciclopédia Luso-Brasilera de Cultura»,
Editorial Verbo, Lisboa-São Paulo, vol. VI, 1998, p. 1246.
[18] Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas,
ARTHUR KAUFMANN & WINFRIED HASSEMER (org.), 6.ª edição, tradução do alemão
de Marcos Keel e Manuel Secca de Oliveira, dir. António Manuel Hespanha,
Lisboa, 2002, p. 98.
[19] ARTHUR KAUFMANN, Introdução , cit., p. 98.
[20] Introdução , cit., pp. 98-99. O autor ilustra a sua proposição novamente
com o exemplo da hermenêutica jurídica: ainda segunda as suas palavras, esta é
uma ciência plenamente racional, se bem que ' não: precisamente porque ' não
trate o processo de determinação do direito como uma pura conclusão lógico-
formal, mas como um processo muito mais complexo, que também compreende
momentos produtivos, dialécticos, porventura até intuitivos, pelo que
irracional é fechar os olhos perante estes momentos. Naturalmente, continua
KAUFMANN, uma ciência não se pode colocar em confronto com a lógica; mas como
é óbvio uma ciência que não se ocupa apenas do formal, tem de ir para além da
pura lógica formal, apenas lhe sendo interdito o exceder a razão
(Introdução , cit., p. 99).
[21] G. CORREALE, Libertà della scienza e limiti all'ordinamento universitário,
«DeS», n.º 3, 1988, p. 423.
[22] F. MERLONI, Autonomie e libertà nel sistema della ricerca scientifica,
Milão, 1990, p. 8.
[23] Sobre a distinção levada a cabo pelas escolas neo-kantianas de Marburg e
de Baden (GUSTAV RADBRUCH) no princípio do séc. XX entre por um lado as
ciências da natureza (Naturwissenschaften) em sentido amplo (com inclusão das
ciências sociais, na medida em também estas últimas se limitam a descrever a
realidade social), e por outro lado as ciências da cultura
(Kulturwissenschaften) ou ciências do espírito (Geisteswissenschaften) '
categoria a que se reconduz a ciência jurídica ', no sentido de terem estas
últimas face àquelas uma autonomia gnoseológica e epistemológica, utilizando
métodos intelectuais diferentes dos métodos das ciências sociais mas nem por
isso cientificamente menos válidos, ver ANTÓNIO M. HESPANHA, Cultura jurídica
europeia. Síntese de um milénio, 3.ª ed., Lisboa, 2003, pp. 306-309.
[24] G. CORREALE, op. cit., loc. cit.
[25] Note-se que esta dimensão internacional da comunidade científica é objecto
de expresso reconhecimento pelo nosso legislador: no preâmbulo de um diploma
tão importante no direito português da ciência como o DL 123/99, de 20 de Abril
(Estatuto da Carreira de Investigação Científica), justifica-se a adopção do
concurso externo como forma de recrutamento dos investigadores pelo facto de
implicar a actividade de investigação a realização de acções
pluridisciplinares desenvolvidas por um corpo de investigadores altamente
qualificados e integrados na comunidade científica nacional e internacional
(sublinhado nosso).
[26] F. MERLONI, op. cit., loc. cit.
[27] Como é óbvio, todas estas actividades que se excluem do conceito de
ciência não deixam por isso de estar constitucionalmente protegidas;
simplesmente elas caem apenas no âmbito de protecção das disposições de direito
fundamental que tutelam as liberdades de expressão e consciência.
[28] S. LABRIOLA, Libertà di scienza e promozione della ricerca, 1979, p. 50,
F. MERLONI, Autonomie..., cit., p. 4, ANNA ACCARDO, Ricerca scientifica e
università nella prospettiva europea, Pádua, 1993, p. 4 e A. ORSI BATTAGLINI,
Libertà scientifica , cit., p. 90.
[29] A. ORSI BATTAGLINI, Libertà scientifica , cit., p. 90.
[30] Segundo a definição de JOHN R. BAKER, enquanto a ciência exprime um
conjunto organizado de conhecimentos demonstráveis acerca do Universo, a
técnica consiste numa codificação das aplicações de uma grande parte desses
conhecimentos ao bem-estar humano do ponto de vista material (CABRAL DE
MONCADA, Ciência e totalitarismo, in «Estudos Filosóficos e Históricos», vol.
I, p. 313, com referência a JOHN R. BAKER, A Ciência e o Estado planificado,
«Revista Biblos», vol. XXIII, tomo II, 1947).
Também GIOVANNI DE CESARE fala de duas grandes e distintas colectividades de
cientistas mais ou menos diferenciadas: numa, os indivíduos que a compõem
dedicam-se essencialmente à aquisição de novos conhecimentos; segundo uma
cómoda terminologia, diremos que se dedicam à «investigação científica
fundamental»; na outra, os indivíduos dedicam-se à invenção e ao
aperfeiçoamento das máquinas ou dos bens de consumo; corresponde-lhe, ainda
segundo o vocabulário tradicional, o que se chama «investigação científica
aplicada» (L'organizzazione della ricerca scientifica: aspetti problematici ed
organizzativi, in «Riv. It. Sc. Giur.», 1969, p. 2).
[31] De modo similar ao dos supra referidos ordenamentos constitucionais de
referência, no quadro da nossa Constituição científica o resultado da
actividade científica do ponto de vista económico constitui um elemento que
reentra, lato sensu, na promoção da ciência; e por conseguinte também entre
nós a disciplina jurídica de tal utilização, destinada a garantir a vantagem
do autor do próprio resultado se reconduz necessariamente à concepção da
intervenção pública em sentido activo, a favor do desenvolvimento da actividade
científica (S. LABRIOLA, Libertà di scienza , cit., p. 68). Recorde-se a este
proposto uma importante sentença do Tribunal Constitucional italiano de 1978
(Sentença n.º 20 de 20 de Março de 1978) que declarou a inconstitucionalidade
de uma norma que excluía os medicamentos do regime de protecção dos direitos
privativos de propriedade industrial (Art.º 14.º do R. D. de 29 de Junho de
1939) por ser ela contrária ao art.º 9.1 CI. O Tribunal fundamentou esta sua
decisão no entendimento de que se traduziria tal regime de protecção num
objectivo incentivo à investigação científica que constituiria directa execução
daquela disposição de direito fundamental, na medida em que seria a atribuição
de direitos privativos nesta matéria uma forma de possível cobertura a
posteriori das despesas realizadas com a mesma investigação ' pelo que uma
norma que afastasse tal regime legal relativamente a todo um campo de
actividade científica como o dos medicamentos seria por definição contrária à
dita disposição constitucional (ref. de F. MERLONI, Autonomie e libertà , cit.,
p. 387, nota 55).
[32] SCHOLZ, Grundgesetz Kommentar, apud A. GALLEGO ANABITARTE, Derechos
fundamentales y garantías institucionales: análisis doctrinal e jurisprudencial
(derecho a la educación; autonomía local; opinión pública), Madrid, 1994, p.
72.
[33] Dada a expressa inserção nestas liberdades do direito à invenção,
produção e divulgação da obra científica, literária e artística, incluindo a
protecção legal dos direitos de autor operada pelo n.º 2 do mesmo art.º 42.º
CRP, de resto como vimos numa linha de continuidade com a nossa história
constitucional ' malgrado a ambiguidade do texto, como acima referimos.
Não há portanto entre nós qualquer fundamento para contestar tal alcance do
art.º 42.º CRP, como acontece na Alemanha ' onde não faltam as vozes
dissidentes que partem ainda do princípio de que só a ciência pura, e não a
investigação aplicada, é objecto de protecção do art.º 5.3 GG, excluindo por
isso do respectivo âmbito a utilização industrial dos resultados científicos
(cfr. A. KÖTGEN, Die Freiheit der Wisseschaft, p. 314, e H. VON MANGOLDT &
F. KLEIN, Das Bonner Grundgeset, p. 256, apud GIUSEPPE DI GENIO, Università e
alta cultura in Germania, Nápoles, 1993, p. 83).
[34] MIRIAM CUETO PÉREZ, Régimen jurídico..., cit., p. 66.
[35] M. NIGRO, Lo Stato italiano e la ricerca scientifica, profili
organizzativi, «RTDP», 1972, p. 742.
[36] S. LABRIOLA, idem, cit., p. 37. Também ipsis verbis (apenas citando a
fonte no início da exposição) L. SAPORITO, La ricerca scientifica, in
Santaniello, G. (org.), «Trattato di Diritto Amministrativo», v. XVII, Pádua,
1993, p. 8.
[37] S. LABRIOLA, Libertà di scienza , cit., p. 36. Também ipsis verbis (apenas
citando a fonte no início da exposição) L. SAPORITO, La ricerca scientifica,
cit., p. 8.
[38] Ibidem, ibidem.
[39] S. LABRIOLA, Libertà di scienza , cit., p. 38, e L. SAPORITO, idem idem,
aspas aspas.
[40] A. ORSI BATTAGLINI, Libertà scientifica , cit., p. 92.
[41] Segundo a definição de JOHN R. BAKER, enquanto a ciência exprime um
conjunto organizado de conhecimentos demonstráveis acerca do Universo, a
técnica consiste numa codificação das aplicações de uma grande parte desses
conhecimentos ao bem-estar humano do ponto de vista material (CABRAL DE
MONCADA, Ciência e totalitarismo, in «Estudos Filosóficos e Históricos», vol.
I, p. 313, com referência a JOHN R. BAKER, A Ciência e o Estado planificado,
«Revista Biblos», vol. XXIII, tomo II, 1947).
Também GIOVANNI DE CESARE fala de duas grandes e distintas colectividades de
cientistas mais ou menos diferenciadas: numa, os indivíduos que a compõem
dedicam-se essencialmente à aquisição de novos conhecimentos; segundo uma
cómoda terminologia, diremos que se dedicam à «investigação científica
fundamental»; na outra, os indivíduos dedicam-se à invenção e ao
aperfeiçoamento das máquinas ou dos bens de consumo; corresponde-lhe, ainda
segundo o vocabulário tradicional, o que se chama «investigação científica
aplicada» (L'organizzazione della ricerca scientifica: aspetti problematici ed
organizzativi, in «Riv. It. Sc. Giur.», 1969, p. 2).
[42] De modo similar ao dos supra referidos ordenamentos constitucionais de
referência, no quadro da nossa Constituição científica o resultado da
actividade científica do ponto de vista económico constitui um elemento que
reentra, lato sensu, na promoção da ciência; e por conseguinte também entre
nós a disciplina jurídica de tal utilização, destinada a garantir a vantagem
do autor do próprio resultado se reconduz necessariamente à concepção da
intervenção pública em sentido activo, a favor do desenvolvimento da actividade
científica (S. LABRIOLA, Libertà di scienza , cit., p. 68). Recorde-se a este
proposto uma importante sentença do Tribunal Constitucional italiano de 1978
(Sentença n.º 20 de 20 de Março de 1978) que declarou a inconstitucionalidade
de uma norma que excluía os medicamentos do regime de protecção dos direitos
privativos de propriedade industrial (Art.º 14.º do R. D. de 29 de Junho de
1939) por ser ela contrária ao art.º 9.1 CI. O Tribunal fundamentou esta sua
decisão no entendimento de que se traduziria tal regime de protecção num
objectivo incentivo à investigação científica que constituiria directa execução
daquela disposição de direito fundamental, na medida em que seria a atribuição
de direitos privativos nesta matéria uma forma de possível cobertura a
posteriori das despesas realizadas com a mesma investigação ' pelo que uma
norma que afastasse tal regime legal relativamente a todo um campo de
actividade científica como o dos medicamentos seria por definição contrária à
dita disposição constitucional (ref. de F. MERLONI, Autonomie e libertà , cit.,
p. 387, nota 55).
[43] SCHOLZ, Grundgesetz Kommentar, apud A. GALLEGO ANABITARTE, Derechos
fundamentales y garantías institucionales: análisis doctrinal e jurisprudencial
(derecho a la educación; autonomía local; opinión pública), Madrid, 1994, p.
72.
[44] Dada a expressa inserção nestas liberdades do direito à invenção,
produção e divulgação da obra científica, literária e artística, incluindo a
protecção legal dos direitos de autor operada pelo n.º 2 do mesmo art.º 42.º
CRP, de resto como vimos numa linha de continuidade com a nossa história
constitucional ' malgrado a ambiguidade do texto, como acima referimos.
Não há portanto entre nós qualquer fundamento para contestar tal alcance do
art.º 42.º CRP, como acontece na Alemanha ' onde não faltam as vozes
dissidentes que partem ainda do princípio de que só a ciência pura, e não a
investigação aplicada, é objecto de protecção do art.º 5.3 GG, excluindo por
isso do respectivo âmbito a utilização industrial dos resultados científicos
(cfr. A. KÖTGEN, Die Freiheit der Wisseschaft, p. 314, e H. VON MANGOLDT &
F. KLEIN, Das Bonner Grundgeset, p. 256, apud GIUSEPPE DI GENIO, Università e
alta cultura in Germania, Nápoles, 1993, p. 83).
[45] MIRIAM CUETO PÉREZ, Régimen jurídico..., cit., p. 66.
[46] M. NIGRO, Lo Stato italiano e la ricerca scientifica, profili
organizzativi, «RTDP», 1972, p. 742.
[47] S. LABRIOLA, idem, cit., p. 37. Também ipsis verbis (apenas citando a
fonte no início da exposição) L. SAPORITO, La ricerca scientifica, in
Santaniello, G. (org.), «Trattato di Diritto Amministrativo», v. XVII, Pádua,
1993, p. 8.
[48] S. LABRIOLA, Libertà di scienza , cit., p. 36. Também ipsis verbis (apenas
citando a fonte no início da exposição) L. SAPORITO, La ricerca scientifica,
cit., p. 8.
[49] Ibidem, ibidem.
[50] S. LABRIOLA, Libertà di scienza , cit., p. 38, e L. SAPORITO, idem idem,
aspas aspas.
[51] A. ORSI BATTAGLINI, Libertà scientifica , cit., p. 92.
[52] A. FERNÁNDEZ-MIRANDA & ROSA M.ª GARCÍA SANZ, Comentário ao art.º 20.º
da Constituição espanhola (Libertad de expresión y derecho de la
información), em O. Alzaga (org.), «Comentarios a la Constitución española de
1978», vol. II (Art.ºs 10.º a 23.º), p. 546.
[53] Neste sentido, e no que concerne ao homólogo preceito da Constituição
espanhola de 1978, ver FERNÁNDEZ-MIRANDA, A., & ROSA M.ª GARCÍA SANZ, ,
Comentário ao art.º 20.º , cit., p. 547.
[54] Direito constitucional , cit., p. 646.
[55] GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed.,
Coimbra, 2003, p. 548 e ss., e ROBERT ALEXY, Teoria de los derechos
fundamentales (tradução), Madrid, 1993, p. 419 e ss.. ALEXY (re)agrupa ainda os
direitos a acções negativas e os direitos a acções positivas numa única
categoria de direitos a algo ou pretensões; mas por razões de (maior)
simplicidade privilegiamos a mais elementar classificação quadripartida
proposta entre nós por GOMES CANOTILHO.
[56] Dado que a tais posições correspondem sempre normas que as conferem, à
dita adscrição corresponde então ainda e por sua vez a adscrição de um feixe de
normas à referida disposição de direito fundamental (ALEXY, Teoria , cit., p.
241).
[57] Direito constitucional , cit., p. 553.
[58] Com efeito, à medida que o Estado vai concretizando as suas
responsabilidades no sentido de assegurar prestações existenciais dos cidadãos
nos domínios vitais abrangidos por cada um dos direitos fundamentais de
segunda geração, vão-se consolidando ao abrigo das disposições de direitos
fundamentais em questão os chamados direitos derivados a prestações (derivative
Teilhabereschte), os quais participam da natureza de direitos justiciáveis em
virtude da cláusula de proibição de retrocesso social ' permitindo
designadamente aos seus titulares o recurso aos tribunais a fim de reclamar a
manutenção do nível de realização que os direitos fundamentais tenham
adquirido (GOMES CANOTILHO). Direito constitucional , cit., p. 553. Reconhece
também as dimensões garantísticas negativas e de participação dos direitos
fundamentais sociais J. C. VIEIRA DE ANDRADE, em Os direitos fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª ed., Coimbra, 2001, p. 371. Recorde-se,
quanto a este verdadeiro direito subjectivo [(ainda que) limitado ao
existente], ele é hoje pacífico no quadro mais geral da concretização pelo
Estado das suas responsabilidades no sentido de assegurar prestações
existenciais aos cidadãos (Daseinsvorsorge), resultando de forma imediata
para os cidadãos o direito de igual acesso , obtenção e utilização de todas
as instituições públicas criadas pelos poderes públicos e o direito de igual
quota-parte (participação) nas prestações que estes serviços ou instituições
prestam à comunidade (GOMES CANOTILHO). Como refere ainda GOMES CANOTILHO,
tenha-se uma vez mais presente, é com base nestes pressupostos que a doutrina
alude a direitos derivados a prestações (derivative Teilhabereschte) traduzidos
no direito dos cidadãos a uma participação igual nas prestações estaduais
segundo a medida das capacidades existentes (Direito Constitucional , cit., p.
553).
[59] É frequente este tipo de ilegítimas restrições ao direito de livre escolha
do tema e mesmo de conformação do próprio conteúdo da dissertação, que ocorrem
quando o professor orientador exorbita do papel que lhe compete: como
testemunha SALVADOR GINER, qualquer professor com um mínimo de experiência já
se deparou com doutorandos que escrevem a dissertação que lhes disseram que
escrevesse, ou que a vão modificando segundo os ditames do seu director de
tese (La libertad académica y la falacia utilitarista, in «Boletín de la
Instrución Libre de la Enseñanza», n.º 13, 1992, p. 27).
[60] A carreira pública universitária é regulada pelo Estatuto da Carreira
Docente Universitária, aprovado pela Lei 19/80, de 06.07, com as alterações
introduzidas pelo DL 205/2009, de 31 de Agosto.
[61] A carreira pública de investigação científica é regulada pelo DL 124/99,
de 20.05 (Estatuto da Carreira de Investigação Científica).
[62] Dentro dos direitos a acções positivas, temos (I) os direitos a prestações
em sentido estrito (as clássicas prestações factuais de natureza social, nos
domínios da segurança social, saúde, ensino, habitação, etc.) e ainda outros
direitos a acções positivas, designadamente (II) os direitos à protecção e
(III) os direitos à organização e procedimento, os quais (os dois últimos)
podem ser direitos a acções jurídicas ou a acções fácticas, e que, repita-se,
só em sentido amplo são qualificáveis como direitos a prestações.
[63] VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais , cit., p. 181, nota 26.
[64] Não quer dizer tal, repise-se, que os direitos fundamentais de liberdade
(de natureza defensiva ou negativa) em regra consagrados no catálogo dos
direitos, liberdades e garantias não apresentem em maior ou menor medida uma
dimensão positiva de direito a prestações fácticas em sentido estrito:
simplesmente, trata-se neste tipo de direitos fundamentais de uma dimensão ou
conteúdo instrumental relativamente ao seu conteúdo principal, que é
constituído pelo direito a acções negativas. Sobre a distinção entre conteúdo
principal e conteúdo instrumental dos direitos fundamentais, cfr. VIEIRA DE
ANDRADE, Os direitos fundamentais , cit., p. 171.
[65] Como diz VIEIRA DE ANDRADE, também os direitos de liberdade e os de
participação politica contêm faculdades, normalmente não autonomizadas, de
exigir ou pretender prestações estaduais de protecção ou de promoção (Os
direitos fundamentais , cit., p. 171).
[66] J. M. DÍAZ LEMA, Los conciertos educativos, 1992, apud A. GALLEGO
ANABITARTE, Derechos fundamentales , cit., p. 50. Como esclarece ainda J. M.
BAÑO LEON, relativamente aos normativos homólogos da Constituição espanhola, a
liberdade de ensino (art.º 27.º CE) também ganha conteúdo com a actividade do
legislador. Aqui dir-se-ia inclusive que a inactividade equivaleria pura e
simplesmente ao desconhecimento dessa liberdade tal como ela se configura na
Constituição. O mandato do n.º 9 daquele artigo («os poderes públicos ajudarão
os centros docentes que reúnam os requisitos que a lei estabeleça») configura
um aspecto básico da liberdade de ensino (La distinción entre derecho
fundamental y garantia institucional en la Constitución española, REDA, n.º 24,
Set.-Dez. 1988, p. 163). Também SOUSA FRANCO chama a atenção para o problema
central da paridade financeira, sem a qual não há igualdade e não há
liberdade efectiva de escolha do tipo de ensino (A liberdade de aprender e de
ensinar no âmbito das liberdades fundamentais ' fundamentação da liberdade de
ensino); sobre este tema, ver entre nós, por todos, PAULO PULIDO ADRAGÃO, A
liberdade de aprender e a liberdade das escolas particulares, Lisboa, 1995.
[67] Deixe-se não obstante uma menção à voz discordante de VIEIRA DE ANDRADE,
para quem os preceitos que consagram os direitos de antena, de resposta e de
réplica política dos partidos da oposição parlamentar (n.º 2 do art.º 40.º)
são de excluir da matéria dos direitos fundamentais, explicando-se a sua
inserção sistemática entre estes direitos por meras razões de vizinhança com
as liberdades de expressão e de imprensa: e isto porque, segundo o autor, a
sua atinência material liga-os à organização do poder político, só
representando indirectamente uma garantia para a liberdade e a participação
política dos cidadãos (Os direitos fundamentais , cit., pp. 86-87). Contra a
posição de VIEIRA DE ANDRADE ver, selectivamente, JORGE MIRANDA, Manual de
Direito Constitucional, IV, cit., p. 81.
[68] A redacção do preceito, antes da IV Revisão Constitucional (de 1997),
resumia-se à primeira parte: A criação e a investigação científica, bem como a
inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado. Todavia, já
então consideravam GOMES CANOTILHO & VITAL MOREIRA que a dimensão de
incentivo e apoio à criação e investigação científicas e à inovação
tecnológica se poderia considerar como uma garantia positiva da liberdade de
criação e investigação científicas (art.º 42.º), entendendo assim os autores
mesmo antes da referida revisão constitucional que a a relação do Estado com a
ciência era já não uma simples relação negativa (a liberdade de criação e
investigação científica como direito de defesa perante o Estado) mas também uma
relação positiva (Constituição Anotada, cit., p. 363).
[69] A categoria (e carreira) de assistente universitário foi eliminada pela
profunda e recente reforma da carreira universitária levada a cabo pelo DL 205/
2009, de 31.08, vigorando actualmente um regime de transição que visa acautelar
os direitos dos docentes que mantêm essa qualidade, até ao respectivo
doutoramento (actual artigo 12.º do ECDU- «Anteriores assistentes ou
assistentes convidados»).
[70] Os direitos fundamentais , cit., p. 168.
[71] Tomemos a sério os direitos económicos, sociais e culturais, in «Estudos
em homenagem ao Prof. Doutor Ferrer-Correia», vol. III, Coimbra, 1991, pp. 461
e ss..
[72]Tomemos a sério , cit., p. 494.
[73] Sobre este último, ver GOMES CANOTILHO, Métodos de protecção de direitos,
liberdades e garantias, BFDUC, Volume Comemorativo, 2003, especialmente pp.
802-805, e VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais , cit., pp. 181 e ss.
[74] Direito constitucional , cit., p. 646.
[75] Os direitos fundamentais , cit., pp. 183-184.
[76] Direito constitucional , cit., p. 646.
[77] Como explica GOMES CANOTILHO, importa distinguir entre duas situações.
Numa primeira situação, o cidadão tem um direito subjectivo originário a
prestações ou em que a posição jurídico-prestacional é garantida por normas
vinculantes (bindende Normen) de «direitos subjectivos originários a
prestações» (definitive subjektive Rechte auf Leistungen): é isto que acontece
com o direito a prestações existenciais mínimas entendidas como dimensão
indeclinável do direito à vida (art.º 24.1 CRP) (Tomemos a sério , cit., pp.
485 e 488); neste caso a norma constitucional garante um direito subjectivo de
tipo definitivo, isto é, ela fornece fundamento imediato para uma norma
individual de decisão (caso do direito à sobrevivência) (op. cit., p.497). Já
numa segunda situação a norma apenas garante prima facie um direito
subjectivo, ou seja, estamos perante uma norma que contém fundamento para
justificar o direito a prestações, mas que não tem obrigatoriamente como
resultado uma «decisão individual» (ibidem). E trata-se de um direito
subjectivo prima facie porque, com razoabilidade, e pegando no exemplo do
acesso à Universidade, não se pode resumir tal problema em termos de «tudo ou
nada»: na verdade, a questão da «reserva do possível» (Vorbehalt des
Möglichen), da ponderação necessária a efectuar pelos poderes públicos
(Abwägung) relativamente ao modo como garantir, com efectividade, esse direito
(«optimização das capacidades existentes, «alargamento da capacidade»,
«subvenções a estabelecimentos alternativos») conduz-nos a um tipo de direito
prima facie a que corresponde, da parte dos poderes públicos, um dever prima
facie (GOMES CANOTILHO, Tomemos a sério , cit., pp. 497-498).
[78] Tomemos a sério , cit., p. 498.
[79] Constituem casos típicos a colocação de barreiras físicas como cadeados e
veículos pesados nos pontos de acesso às instalações de instituições
científicas no decurso de acções de protesto promovidas por dirigentes
estudantis nas respectivas universidades, ou por ambientalistas radicais em
organismos de investigação dedicadas ao desenvolvimento de energias sujas
como a energia atómica.
[80] As faculdades normativas universitárias no quadro do direito fundamental à
autonomia universitária. O caso das universidades públicas, Coimbra, 2004, p.
87. Como vimos (ver supra), o Tribunal Constitucional Federal alemão limitou-
a a invocar os direitos fundamentais em jogo como meros «elementos do
ordenamento objectivo (Elemente objektiver Ordnung), tendo configurado o dever
que impendia sobre o Estado de emitir as medidas adequadas de tipo
organizatório como um dever apenas objectivo e não «relacional», o mesmo é
dizer, judicialmente inexequível a instâncias do titular da liberdade de
ciência (PEREIRA COUTINHO, ibidem).
[81] Wissenschaftsfreiheit und Hochschulfinanzierung ' Überlegungen zu einem
effektiveren Mitteleinstz, Berlim, 1983, p. 16, apud L. P. PEREIRA COUTINHO, op
cit., p. 87.
[82] ROBERT ALEXY, Teoria de los derechos fundamentales, cit., pp. 184-185.
[83] Funktionale Selbstverwaltung ' Verfassungsrechtlicher Status '
Verfassungsrechtlicher Schutz, Tubinga, 1997, p. 426; no mesmo sentido, ver
também HANS-HEINRICH TRUTE, Die Forschung zwischen grundrechtlicher Freiheit
und staatlicher Institucionalisierung ' Das Wissenchaftsrecht als Recht
Kooperativer Verwaltungsvorgänge, Tubinga, 1994, p. 373 (cit. e ref. de PEREIRA
COUTINHO, op. cit., p. 88, nota 159).
[84] Libertà scientifica , cit., p. 105.
[85] A. ORSI BATTAGLINI, op. cit., loc. cit.
[86] A qual, nas palavras de J.J. GOMES CANOTILHO & VITAL MOREIRA (a
propósito de outra liberdade fundamental ' Constituição..., cit., p. 261)
abrange quer o direito de não ser forçado a, quer de não ser impedido de,
escolher um determinado objecto de estudo, para efeitos de teorização,
investigação e comunicação e aplicação dos resultados destas actividades.
[87] Nesse sentido, ver J. J. GOMES CANOTILHO & VITAL MOREIRA,
Constituição..., cit., p. 262, e JORGE MIRANDA, Direito..., v. IV, cit., p.
408.
[88] Sobre o direito à obtenção dos requisitos para o exercício de certas
profissões, como concretização da liberdade profissional, ver J. J. GOMES
CANOTILHO & VITAL MOREIRA Constituição..., cit., p. 261.
[89] Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos
fundamentais, procedimento, processo e organização, sep. BFDC, Coimbra, 1990, e
Direito Constitucional, cit., pp. 651-654.
[90] Segundo o Tribunal Constitucional espanhol (Sentença do n.º 26/87, de 27
de Fevereiro, FJ n.º 12, ref. de BLANCA LOZANO, La libertad de cátedra, Madrid,
1995, p. 163), a homogeneidade das áreas de conhecimento dos membros das
Comissões encarregados de decidir os concursos e de proceder subsequentemente
ao preenchimento das vagas postas a concurso é requisito de preenchimento
obrigatório pelo facto de tornar efectivo o princípio de igual acesso à função
pública (art.º 23.2 CE) em que se integram também os corpos docentes
universitários, na medida em que, ao garantir que a mesma competência se
reporta aos conhecimentos próprios que correspondem às vagas objecto do mesmo
concurso, assegura a competência científica dos membros da Comissão para
valorar os méritos e a capacidade dos candidatos (de acordo com os princípios
de mérito e capacidade que estabelece o artigo 103.3 CE).
[91] Note-se que o princípio da proibição do arbítrio não se confunde com o
princípio da igualdade: tal como este, constitui uma manifestação do princípio
da justiça, princípio este que por sua vez constitui um dos fundamentos do
Estado de Direito: nas palavras do Tribunal Constitucional Federal alemão, o
princípio da proibição do arbítrio não é traduzido apenas pelo princípio da
igualdade do art.º 3.º GG; ele aparece também como um princípio geral de
direito que decorre da essência do Estado de direito ' do princípio da justiça
(BVerfGE 72, 212 (218), ref. de O. JOUANJAN, Le principe d'égalité devant la
loi en droit allemand, Paris, 1992, p. 138). No nosso ordenamento
constitucional o princípio da justiça é expressamente acolhido em mais do que
disposição, nomeadamente no art.º 1.º CRP e no art.º 266.2 CRP
[92] Cfr. art.º 2.º do DL 146/96, de 26.08 (diploma que regula a constituição e
funcionamento dos Colégios de Especialidade adstritos ao Conselho Superior de
Ciência, Tecnologia e Inovação).
[93] Em princípio, enquanto o termo direito (subjectivo) é utilizado quando se
refere uma posição que tem como objecto imediato um bem específico da pessoa
(vida, honra, liberdade física, nome, integridade) (J. C. VIEIRA DE ANDRADE,
Os direitos fundamentais , cit., p. 172), o termo liberdade pretende-se supõe
um espaço de decisão a salvo de ingerências estranhas (o mesmo é dizer, a
possibilidade de uma alternativa de comportamentos ou decisões).
[94] Recorde-se, nem todos estes direitos fundamentais são liberdades,
apontando o autor o direito à vida como exemplo paradigmático de um direito,
liberdade e garantia que não pode ser considerado uma liberdade ' o qual,
sendo um um direito (de natureza defensiva perante o Estado) não é uma
liberdade (o titular não pode escolher entre «viver ou morrer») (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 1260). Naturalmente, as
liberdades são apenas tributárias dos direitos fundamentais de defesa.
[95] Cfr. a al. b) do n.º 4 do art.º 5.º (Conteúdo funcional das categorias da
carreira de investigação científica) do DL 124/99, de 20.05 (Estatuto da
Carreira de Investigação Científica): nos termos deste preceito cabe também
aos investigadores auxiliares, principais e coordenadores: b) Exercer as
funções para eu hajam sido eleitos ou designados e participar nas sessões dos
órgãos colegiais a que pertençam.
Note-se que o facto de estes deveres decorrerem também do status «funcionarial»
dos docentes e investigadores das instituições científicas públicas não anula o
constituírem eles também restrições à vertente negativa da liberdade de
ciência, já que esta liberdade, enquanto liberdade fundamental, repele
tendencialmente quaisquer ónus ou deveres acessórios da actividade científica
individual propriamente dita, mesmo que o cientista tenha com a instituição
científica uma relação de emprego público.
[96] Direito constitucional , cit., pp. 550-551.
[97] ALEXY, Teoria , cit., p. 228. Como já tivemos oportunidade de sublinhar, o
que caracteriza as competências (por confronto por exemplo com as acções
simplesmente permitidas), na definição de JELLINEK, é o facto de elas agregarem
à capacidade de acção do indivíduo algo ( ) que ele não possui por natureza,
estatuindo as disposições que se referem à validade das acções e negócios
jurídicos um poder fazer (können) jurídico expressamente conferido pelo
ordenamento jurídico (ALEXY, op. cit., p. 230).
[98] Entre nós, fala VIEIRA DE ANDRADE na existência de direitos fundamentais
potestativos («poderes jurídicos», «direitos constitutivos», «direitos de
conformação» ou «competências»), que correspondem ao poder de o particular
produzir unilateralmente e inelutavelmente efeitos jurídicos que se impõem a
todos ou, pelo menos, ao Estado (Os direitos fundamentais , cit., pp. 177-178).
Notas Curriculares
*João Pacheco de Amorim
, Doutor em Direito, especialidade em Ciência Jurídico-Política, pela Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra. A sua tese de doutoramento versou sobre
Ordens Profissionais e direito de acesso à profissão tendo neste domínio
publicado vários livros e artigos da especialidade. Tem exercido actividade
docente em diversas Escolas de Direito entre as quais a Faculdade de Direito da
Universidade Lusíada e a Faculdade de Direito da Universidade do Porto onde é
professor auxiliar.
(recebido em 18 de Abril de 2010; aceite em 30 de Junho de 2010)
Instituto Politécnico do Cávado e do Ave
Av. Dr. Sidónio Pais, 222
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