MCKENDICK, Scot; LOWDEN, John; DOYLE, Katleen - Royal Manuscripts: The Genius
of Illumination. London: British Library, 2011
RECENSÃO
MCKENDICK, Scot; LOWDEN, John; DOYLE, Katleen - Royal Manuscripts: The Genius
of Illumination. London: British Library, 2011
Adelaide Miranda, Delmira Espada*
*Instituto de Estudos Medievais FCSH ' UNL Lisboa, Portugal. E-mail:
mmac@fcsh.unl.pt, delmiraespada@gmail.com
We need to allow the books to tell their own stories1
O estudo do fundo da chamada Old Royal Library2, integra-se numa lógica
expositiva que tem vindo a ser adoptada pelas principais instituições europeias
detentoras de importantes núcleos de manuscritos iluminados.3 O seu programa
integra uma grande exposição, a produção de um catálogo, um conjunto de
aplicações electrónicas e dossiers pedagógicos4 que complementam e apoiam a
mostra, assim como, um conjunto de conferências decorrentes do processo de
investigação. Esta iniciativa foi apoiada por uma equipa de investigadores, que
ao revisitar o fundo procurou criar novas relações entre os manuscritos,
compreender a sua produção e fruição ao longo da história e a sua presença no
contexto da coleção. Este projeto, uma parceria entre a British Library e o The
Courtauld Institute of Art, financiado pelo Ars & Humanities Research
Council, esteve na origem das linhas definidoras da lógica intrínseca da
própria exposição, dando a legítima visibilidade às investigações académicas
que a suportaram.
O catálogo, cuja edição se deve ao mecenato de que se destaca a família Pigott,
espelha esta mesma dinâmica. Estruturado de forma bastante clara e eficaz,
apresenta duas breves introduções que contextualizam e esclarecem a metodologia
do projeto. Seguem-se três ensaios, resultantes dos três anos de investigação
que serviram de base à preparação do evento, explorando as questões essenciais
da pesquisa. O primeiro, de John Lowden (professor de História da Arte no
Courtauld Institute), analisa as várias possibilidades de ligação dos
manuscritos à família real inglesa, justificando a sua presença no contexto da
coleção, assim como, a forma como cada um destes códices, no percurso da sua
existência, se relacionou com a casa real. O segundo ensaio, de Scot McKendrick
(responsável pelo departamento de História da British Library), põe em
evidência, por um lado, as fortes relações históricas e geográficas que uniram,
durante séculos, a Inglaterra e a Europa continental e, por outro, a herança
cultural e a influência que a produção de manuscritos continentais teve no
gosto da monarquia inglesa, nomeadamente através da influência do duque de
Berry (irmão do Rei de Inglaterra, Henrique V) e de Eduardo IV. Kathleen Doyle
(Curadora dos Manuscritos Iluminados da British Library), no terceiro ensaio,
faz uma aproximação cronológica à história da Old Royal Library, refazendo a
história da coleção. Por último, as 154 entradas do catálogo propriamente dito,
organizadas de acordo com os seis núcleos da mostra.
The Christian Monarch,o primeiro grande núcleo da exposição, composto por 46
manuscritos datados entre os séculos VIII e XVI, põe em destaque a relação
entre os membro da casa real e a igreja, testemunhando a centralidade da
religião cristã na vida da corte inglesa. A sumptuosidade destes códices teve
como propósito, por um lado evidenciar a riqueza e o estatuto do seu mecenas, e
por outro, o desejo de glorificar Deus, eterno rei dos céus, legitimando assim
o poder do monarca. Este núcleo comporta Saltérios (profusamente iluminados),
Bíblias, Evangeliários, Livros de Horas, constituindo um conjunto variado de
textos devocionais mais ligados à esfera do privado (por exemplo o rolo de
orações de Henrique VIII ' cat. 44), mas também textos devocionais de uso
monástico e outros que visam a regulamentação das relações entre o poder real e
a Igreja, nomeadamente registos e cartas régias (cat. 36 e 5) ou a escritura
quadripartida entre Henrique VII e o abade de Westminster, John Islip (cat.
41).
O segundo, Edward IV: Founder of the Old Royal Library, centra-se
especificamente na relação dos monarcas ingleses com os livros, integrando um
conjunto de 16 manuscritos oriundos dos Países-Baixos, adquiridos por Eduardo
IV, na segunda metade do seu reinado (1461-70 e 1471-83). Esta relação do
monarca com os manuscritos flamengos, alicerçada nas fortes relações que o
ligaram a esta região durante o seu exílio, forma o corpo principal da primeira
biblioteca real inglesa de carácter permanente.
O terceiro núcleo, How to be a King: Works of Instruction and Advice, é
composto por 25 manuscritos, entre os séculos XIII e XVI, considerados
essenciais à formação dos jovens príncipes, incluindo uma cópia da primeira
metade do século XIV, do famoso texto Secretum secretorum,do Pseudo-Aristóteles
(Cat. 63). Os valores cristãos, as virtudes da conduta cavaleiresca e o
conhecimento da história e dos heróis da Antiguidade formavam um conjunto de
saberes indispensáveis à formação do futuro monarca. Embora sejam em muito
menor número, existem também textos dedicados à educação das princesas, como é
o caso do Miroir des dames(cat. 68), Miroir de l'âme, Speculum dominarum, Des
Cleres et nobles femmes(cat. 70 e 71). Agregados a esta secção podemos também
encontrar Bestiários (cat. 80 e 81), onde os ensinamentos dos vícios e das
virtudes se revelam através das características dos animais, Bíblias
historiadas (cat. 74), Vidas de Santos (cat. 78 e 79), Saltérios (cat. 82-85) e
cópias iluminadas do Apocalipse (cat. 86 e 87).
O quarto núcleo, The World's Knowledge, é dedicado ao mundo do conhecimento
medieval, integrando 26 volumes de temas muito abrangentes. Entre outros
figuram As Etimologias de Isidoro de Sevilha, De rerum naturisde Rábano Mauro,
De proprietatibus rerumde Bartholomaeus Anglicus, o Livro da Medicina de
Aldobrandino de Siena, Tratados astrológicos, teológicos e políticos e um vasto
conjunto de mapas.
O quinto núcleo, Royal Identity,composto por 20 volumes, selecionou obras que
contribuíram para o desenvolvimento da identidade dos monarcas ingleses,
legitimando, em certa medida, o seu poder. É o caso das crónicas, das
genealogias, armoriais, liturgia das coroações, histórias épicas e outros
textos.
O último núcleo, England and the Continent: Affinity and Appropiation, assinala
a relação entre a Inglaterra e a Europa continental, apresentando uma seleção
de 21 obras oriundas dos dois principais centros de produção de manuscritos
iluminados: França e Países-Baixos.
Além da reprodução a cores de, pelo menos, um dos fólios, data, dimensão, cota
e proveniência, o catálogo fornece ainda uma breve descrição dando uma visão
global do manuscrito, que é, em nosso entender, um excelente exemplo de uma
obra de divulgação ao serviço de um público alargado. Escritas de forma muito
clara, numa linguagem acessível a um público menos especializado, sintetizam o
essencial de cada manuscrito, deixando transparecer a existência de um estudo
aprofundado do códice. Uma descrição codicológica detalhada, assim como um
conjunto de reproduções mais alagado, pode encontrar-se no site da British
Library. No final do catálogo é disponibilizada uma bibliografia geral alargada
e atualizada, bem como uma bibliografia específica para cada manuscrito.
Este, é pois um dos catálogos que figurará como testemunho das exposições sobre
manuscritos iluminados que ultimamente têm divulgado uma das manifestações
artísticas mais criativas e originais da Idade Média, conjugando, por
excelência, a arte e a história. As imagens são aqui tratadas como objecto
artístico e fonte de conhecimento; um contributo fundamental na construção da
História da Inglaterra, seus monarcas e respectivo contexto europeu. Optou-se,
como vem sendo hábito nas grandes exposições, pelo recurso quase exclusivo a
manuscritos provenientes da própria instituição. Apesar disso, não deixou de se
incluir manuscritos deslocados doutras instituições inglesas, cuja presença se
justificava no contexto da mostra.
Sublinha-se uma vez mais, no âmbito deste projeto, a excelência da parceria
entre as várias instituições que souberam reunir esforços, ao conjugar o
trabalho de investigação com a divulgação do património iluminado, numa
dinâmica que visou a abrangência de diversos públicos, requalificando um
período em que a criação artística foi posta ao serviço do livro.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
MIRANDA Maria Adelaide; ESPADA Delmira ' MCKENDICK, Scot; LOWDEN, John; DOYLE,
Katleen - Royal Manuscripts: The Genius of Illumination. London: British
Library, 2011. Medievalista [Em linha]. Nº13, (Janeiro - Junho 2013).
[Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/
medievalista/MEDIEVALISTA13/miranda_espada1307.html.
Notas
1
Lowden, John ' The Royal Manuscript as Idea and Object. In Royal
Manuscripts. The Genius of Illumination. Londres: British Library, 2011, p. 40.
2
Constituído por cerca de 2000 volumes, dos quais 1200 pertencem ao período
medieval. A forma como estes manuscritos se agruparam numa única coleção é o
tema de um dos ensaios deste catálogo.
3
Miniatures flamandes,fruto da parceria entre a Bibliothèque Royale de Belgique
e a Bibliothèque Nationale de France, esteve patente ao público em Bruxelas de
30.09.11 a 30.12.11 e irá agora ser apresentada em Paris de 06.03.12 a
10.06.12. A mostra de Londres decorreu de 11 de Novembro a 13 de Março de 2012.
4
http://www.bl.uk/royal.