Apresentação pública de O Estado em Portugal (séculos XII-XVI): Modernidades
Medievais (Judite A. Gonçalves de Freitas), na Feira do Livro do Porto em 2012
VARIA
Apresentação pública de O Estado em Portugal (séculos XII-XVI). Modernidades
Medievais (Judite A. Gonçalves de Freitas), na Feira do Livro do Porto em 20121
Luís Adão da Fonseca*
*CEPESE, Porto, Portugal. E-mail:
luisadaofonseca@netcabo.pt
Começo por agradecer à Doutora Judite Gonçalves de Freitas o convite que me fez
para apresentar este seu livro.
Não é o primeiro texto da sua autoria que é dado à estampa. Recordo a sua
dissertação de mestrado, defendida na Universidade do Porto em 1991, e que, com
o título deA Burocracia do Eloquente (1433-1438). Os textos, as normas e as
gentes, foi publicada em 19962, assim como os dois volumes que correspondem à
sua dissertação de doutoramento, defendida na mesma Universidade e que, com o
título de Teemos por bem e mandamos. A burocracia régia e os seus oficiais em
meados de Quatrocentos (1439-1460), foi publicada em 20013.
Como se vê, desde há muitos anos que a Doutora Judite Gonçalves de Freitas se
vem dedicando ao estudo das esferas do poder medieval, em termos gerais, e da
diplomática e da burocracia régia, em particular. Constitui-se, assim, como uma
relevante continuadora do seu mestre, o Doutor Armando Carvalho Homem, a pessoa
que, nos últimos anos, em Portugal, mais se tem dedicado ao estudo deste tipo
de problemas. Aliás, a própria autora, ao fazer o balanço da produção
historiográfica portuguesa sobre estes temas, reforça o que o citado autor já,
anteriormente, tinha sublinhado, ou seja a grande ligação que existe entre a
diplomática régia e a história do Estado medieval4.
Torna-se, deste modo, lógico que esta mesma autora, em 2007, tenha escolhido a
disciplina de História Política Medieval de Portugalpara sobre ela apresentar o
relatório regulamentar, por ocasião das suas provas de habilitação ao título de
agregado, na Universidade do Porto. De facto, a área temática em que se
especializou, dentro do tema mais vasto dos estudos medievais, é o da História
Política, da História dos Poderes e da História do Estado. Compreende-se,
assim, que este relatório não tenha sido alheio à elaboração deste volume,
agora intitulado, com pertinência, o Estado em Portugal (séculos XII-XVI),
acrescentando-se o subtítulo de Modernidades Medievais.
Trata-se de um título que merece alguma reflexão: História do Estado. Séculos
XII (século tipicamente medieval) a XVI (século tradicionalmente considerado já
moderno). Daí as Modernidades medievais que constam no sub-título. Aponta-se
portanto para a superação de diferenciações entre a Época Medieval e a Moderna,
hoje em dia progressivamente abandonadas. E, para isso, não é necessário entrar
pelos caminhos dos Novos Medievalismos de diferente perfil. O próprio
prefaciador do volume, o Doutor Martim de Albuquerque, o sublinha, quando
escreve que, em face deste texto, estamos perante um jogo, sempre consciente
e equilibrado, entre as realidades do passado e as categorias dos
historiadores5. Como escreve a Doutora Judite Gonçalves de Freitas logo a abrir
o volume, [m]antivemos a ideia original de conceber uma reflexão síntese sobre
as origens medievais do Estado Moderno em Portugal6, evidenciando deste modo o
sentido do seu jogo com as temporalidades, a que faz alusão o prefaciador do
volume.
Perante esta afirmação, não podemos deixar de pensar em duas obras
verdadeiramente matriciais deste tipo de estudos: em Joseph_R._Strayer e nas
suas On_the_medieval_origins_of_the_modern_state, publicado em 1970, mas que
resulta de um texto preparado nos anos 607, e também nas Origins of the Modern
State in Europe, 13th to 18th Century, nos diferentes volumes publicados sob a
direcção de Willem_Pieter_Blockmans e de Jean-Philippe Genet, sob os auspícios
da Fundação Europeia da Ciência8. Ela própria o diz9. E bem. E felicito-a por
isso. Está bem acompanhada.
Com efeito, em ambos os casos, trata-se de obras de uma enorme actualidade, que
colocam problemas fulcrais na nossa convivência colectiva, e cuja influência no
exterior dos meios académicos está ainda por estudar. Por exemplo, no caso de
Strayer, terá sido relevante a influência deste professor de Princeton na
conformação de alguns tipos de problemas por parte do Departamento de Estado,
nestes anos10.
Parece que, no fundo do inconsciente da autora, há algo que a impele a dar uma
resposta à questão subjacente à intervenção de Jorge Borges de Macedo,
apresentada no colóquio que o citado programa Origins of the Modern State in
Europe organizou em Portugal em 1992, e que viria a ser publicado pelo Arquivo
da Torre do Tombo, em 1996. E a questão é esta: há um modelo de estado
português?11
Vejamos então o que nos diz a autora. Logo na introdução, depois de indicar a
extensa lista dos autores em que se fundamenta, escreve:
Projectámos a realização de um livro que explicasse as metamorfoses do Estado
português desde a formação reinícola aos alvores da modernidade tendo por base,
fundamentalmente, a análise das condicionantes de afirmação do poder régio
enquanto autoridade pública e a criação e aperfeiçoamento dos sectores da
governação ao longo da Idade Média portuguesa.
A que se segue a afirmação, a meu ver, fulcral:
Na verdade, conforme veremos, os reis medievais foram os impulsores da
construção do Estado moderno12.
Efectivamente ' continua ': Para explicarmos a formação do Estado moderno em
Portugal, tivemos que recuar às origens da realeza medieval e salientar a
partir daí os principais traços evolutivos 13.
Quais são esses traços? A autora indica quatro, tantos quantos os capítulos do
seu livro, e que se podem formular nas seguintes perguntas:
– O que é a realeza, como governa e como se relaciona com os outros poderes
(das Cortes aos senhorios, dos municípios aos poderes eclesiásticos)?
– Qual é o papel do rei, perante as Cortes e perante a Lei? Como se configura
o poder real e como se legitima a sua supremacia?
– Como se organiza a monarquia como forma de Estado? O que significa
governar?
– Quais são as estruturas do poder político? Quais são os seus órgãos? O que
é a burocracia? O que é a administração? Quais são os seus âmbitos de
intervenção, na garantia da segurança, no exercício da justiça e da
administração fiscal?
É impossível, no curto espaço de tempo de uma apresentação, como é a que hoje
nos reúne aqui, explicitar a forma como a Doutora Judite Gonçalves de Freitas
responde a cada uma destas quatro questões. Como já chamei a atenção, este
livro nasce de um relatório apresentado em provas de habilitação ao título de
agregado, e o respectivo texto ressente-se disso: é denso, diz muita coisa com
poucas palavras, procura permanentemente fazer o ponto da situação, é constante
a chamada de atenção para o apoio bibliográfico. É, como sublinhou o Doutor
Martim de Albuquerque, um texto pormenorizado. Como ele escreve, há uma cuidada
atenção ao pormenor (e o pormenor às vezes é tudo)14.
A meu ver, aqui reside um dos pontos mais fortes do mérito deste livro. Texto
denso, preocupado em apresentar o ponto da situação, abundantemente apoiado em
referências bibliográficas, atento ao pormenor, é, em contrapartida, um texto
de leitura clara, bem esquematizado, facilmente compreensível, acessível ao
leitor não especialista, útil, em suma. Há páginas cuja leitura é enriquecedora
para quem não esteja satisfeito com a informação light dos jornais e dos
noticiários televisivos. Por exemplo:
– quando explica o que é um rei e qual é o papel do imaginário régio15,
quando pergunta se as crises políticas reforçam a unidade16;
– quando explica os fundamentos da monarquia moderna17;
– quando explica o que é a lei ' e como ela é fundamental para a unificação
do reino e para a génese da modernidade18 (a este propósito, não resisto a
referir a citação, feita pela autora, de que é no Direito que o poder se
negoceia19);
– quando explica que a monarquia é uma forma de estado20.
O livro termina com um breve balanço final, intitulado: Sistema político e
construção do estado21.
E começa, nestas palavras finais, por acentuar a relação de continuidade entre
a Monarquia Feudal dos séculos XI-XIII e a Monarquia Moderna dos séculos XIII-
XVI. Percebemos agora melhor as Modernidades Medievais para as quais chamei a
atenção há pouco. Entre uma e outra não há cortes nem mudanças rápidas
(lentamente é o advérbio utilizado). Falámos de génese do Estado moderno no
Portugal tardo-medievo no sentido de construção e não de consolidação ' são
palavras suas22. No fundo, esta forma de colocar o problema explica um
processo, não retrata uma situação.
O balanço termina como uma longa alusão ao corpo administrativo e à burocracia
régia. É compreensível, a Doutora Judite Gonçalves de Freitas é autora de dois
livros sobre a burocracia régia, já citados (as dissertações de mestrado e de
doutoramento). Sem querer, volta às origens. Como ela escreveu a certa altura '
e termino a minha apresentação com esta citação ', o Estado português de finais
da Idade Média apresenta-se como um misto de formas pré-modernas, patentes na
especialização, profissionalização' e laicização dos ofícios régios e de
formas tradicionais (domésticas) associadas à natureza dinástica do regime23.
Trata-se, em suma, de um texto bem estruturado e bem escrito, cuja leitura será
certamente muito útil a estudantes e académicos, assim como a todos quantos se
interessem por estes importantes temas da nossa história.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
FONSECA Luís Adão da ' Apresentação pública de O Estado em Portugal (séculos
XII-XVI). Modernidades Medievais (Judite A. Gonçalves de Freitas), na Feira do
Livro do Porto em 2012. Medievalista [Em linha]. Nº13, (Janeiro - Junho 2013).
[Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/
medievalista/MEDIEVALISTA13/fonseca1311.html.
Notas
1
Este texto reproduz as palavras de apresentação da obra que foram proferidas
na Feira do Livro do Porto, em 17 de Junho de 2012. Daí as características de
uma intervenção oral, que se mantiveram.
2
Cascais, Patrimonia, 1996.
3
Cascais, Patrimonia, 2001.
4
The Royal Chancellery at the end of the Portuguese Middle Ages: diplomacy and
political society (1970 ' 2005), e-Journal of Portuguese History, vol. 7, nº 2,
Inverno de 2009 [http://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/
ejph/html/issue14/pdf/jfreitas.pdf].
5
p. 6.
6
p. 9.
7
Princeton: Princeton University Press, 1970.
8
Cfr. GENET, Jean-Philippe ' «La genèse de l'État moderne» in Actes de la
recherche en sciences sociales, vol. 118, Junho de 1997, pp. 3-18 [http://
www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/arss_0335-
5322_1997_num_118_1_3219. Consultado em 2012.10.18].
9
p. 10.
10
TALIADOROS, Jason ' On the Medieval Origins of the Modern State, in Parergon
(Journal of the Australian_and_New_Zealand_Association_of_Medieval_and_Early
Modern_Studies), vol. 23, nº 1, 2006, pp. 219-221.
11
MACEDO, Jorge Borges de ' Portuguese model of state exportation, in
BLOCKMANS, Willem Pieter; MACEDO, Jorge Borges de; GENET, Jean-Philippe (ed.) '
The heritage of the Pre-industrial European State (The Origins of Modern State,
13th to 18th century, Second Plenary Conference). Lisboa: Arquivos Nacionais /
Torres do Tombo, 1996, pp. 25-39.
12
p. 10
13
p. 11.
14
p. 6.
15
pp. 13-45.
16
pp. 45-61.
17
pp. 88-94.
18
pp. 104-116.
19
pp. 115.
20
pp. 121-127.
21
pp. 202-203.
22
p. 202.
23
p. 181.