Fusões, aquisições e difusão da lógica financeira sobre as operações de varejo brasileiro
1 Introdução
O setor varejista nacional passa por uma dinâmica
envolvendo, por um lado, uma forte aproximação
com as instituições financeiras e, por outro, um
intenso processo de concentração, atuação de capital
estrangeiro, aberturas de capital, internacionalização dos
negócios, profissionalização da gestão, impulsionando
uma dinâmica financeirizadora do varejo brasileiro.
Este artigo visa contribuir explorando esta dinâmica,
descrita aqui segundo a noção bourdiesiana de campo,
identificando os novos atores (e as respectivas fontes
de capital por eles manipuladas) presentes à construção
do campo do Varejo Financeiro Nacional, assim
como os novos formatos, impactos e contenciosos
organizacionais decorrentes da difusão de uma lógica
de inspiração financeira sobre a lógica comercial
vigente.
Segundo Alves & Soares (2004), a ampliação do
crédito ao consumo, bancarização e inclusão financeira
fomentados pelo BID (Feltrim et al., 2009) para a
América Latina no início dos anos 2000 flexibilizou a
resolução originária da década de 1970, que regulava
a atuação dos correspondentes bancários (empresas
varejistas) no sistema financeiro brasileiro, ampliando
suas atribuições e presenças, intensificando as parcerias
entre empresas de varejo e instituições financeiras.
Segundo o último relatório de inclusão financeira do
Banco Central do Brasil (BCB, 2011), entre 2007
e 2010, o número de correspondentes bancários
cresceu 70,6%, havendo 163.569 CBs presentes em
aproximadamente 99,5% dos municípios brasileiros
ao final de 2010.
As parcerias entre varejistas e instituições financeiras,
a partir de 2000 (Alves & Menezes, 2010) passaram a
focar a venda de produtos financeiros, principalmente
de cartões de crédito (Private Label ou Co-Branded),
logrando, ao mesmo tempo, incluir financeiramente,
bancarizar e aumentar suas receitas, simbolizando
emblematicamente a aproximação entre atores da
esfera financeira e comercial, marcando o início
da forte atuação das empresas varejistas no setor
financeiro da economia brasileira na última década,
e, assim, avançando a discussão da flexibilização do
conceito tradicional de empresa (Donadone, 2010).
A união destas empresas, engajadas na cessão
de crédito via varejo, mas que operam sob lógicas
distintas, levanta a hipótese de que possa haver
a subordinação da lógica comercial em relação à
financeira direcionando suas estratégias de gestão.
O processo de naturalização e institucionalização
de tais estratégias pelas empresas varejistas revela
o engajamento de diferentes fontes de capital
(produtivo, cultural, político, social, financeiro, etc.),
empregadas segundo a posição ocupada por cada
ator na formação do campo (Bourdieu, 1998) do
Varejo Financeiro Nacional (Saltorato & Domingues,
2010). A compreensão da construção deste campo por
meio da abordagem multidisciplinar a da Sociologia
Econômica poderia explicar o empenho destes
diferentes atores e suas fontes de capital (Fligstein,
1998) na busca pela atuação varejista junto ao Sistema
Financeiro Nacional (SFN), assim como a atuação
bancária em shoppings e supermercados brasileiros,
potencializando contenciosos relativos aos contornos
organizacionais envolvidos nesta questão (Saltorato
& Domingues, 2011), sintetizados a seguir.
As empresas varejistas que integraram verticalmente
as operações ligadas à administração de seus cartões
de crédito (desde a emissão até a cobrança, passando
pela concessão de crédito), também chamadas
“administradoras de cartões de crédito” são (ou não
são) instituições financeiras? O que equivale responder
à questão: estariam estas varejistas sujeitas à Lei dos
Bancos e à respectiva legislação trabalhista e tributária
bancária; ou à Lei da Usura, que limita em 12%
a.a. a cobrança de juros por empresas que operam
fora do SFN? Os trabalhadores que desempenham
atividades ligadas à atuação financeira nestas
empresas varejistas são ou não são bancários? Questão
diretamente relacionada à repercussão da atuação
dos correspondentes bancários na esfera trabalhista,
e mais indiretamente, à (in)definição da licitude de
um processo de terceirização brasileiro. Quais são
os impactos organizacionais relativos à geração de
receita proveniente da atuação varejista junto ao setor
financeiro superar a geração de receita proveniente de
sua atuação varejista tradicional; e quão relacionadas
estas situações estão, ao aumento dos flagrantes de
trabalho escravo nas terceirizações de mão de obra
pelas grandes redes de confecção no Brasil?
O contexto exposto retrata a complexidade
de precisar limites ou fronteiras entre o fim dos
estabelecimentos comerciais e o início das instituições
financeiras. Segundo Donadone (2010), ao conceito
tradicional de empresa, tem sido atribuída uma
inércia organizacional em oposição à necessidade de
adaptação rápida diante dos imperativos do mercado
(DiMaggio, 2001), destacando uma necessidade
imperiosa de mudança da organização, no sentido
de diminuir o seu tamanho e o seu custo (Useem,
1996) e aumentando sua liquidez.
Os dados apresentados a seguir envolvem os
resultados de uma pesquisa bibliográfica a fontes
oficiais, imprensa de negócios, literatura especializada
e relatórios de demonstrativos financeiros relativos à
atuação varejista junto ao setor financeiro nacional,
revelando parte dos esforços adaptativos destas
empresas envolvidas na construção de um novo
campo para sua atuação. Tais esforços adaptativos
compreendem desde os movimentos de fusão e
aquisição empreendidos, passando pela adoção de
novos (e conflituosos) formatos organizacionais e pelo
envolvimento em novos contenciosos trabalhistas,
até a superação das margens brutas das operações
varejistas tradicionais pelas margens brutas das
operações financeiras nestas empresas.
O artigo está assim dividido: a Seção 2 apresenta
os novos players que compõem a cadeia de cessão
creditícia após o início da regulamentação do setor
de cartões de crédito, destacando que mesmo após
quatro anos de regulamentação, persiste um alto
grau de concentração em todos os elos da cadeia de
cessão creditícia; a Seção 3 apresenta alguns impactos
organizacionais decorrentes da aproximação entre as
empresas varejistas e as instituições financeiras como:
1.Os principais movimentos de fusões e aquisições
(F&A) envolvendo as empresas varejistas e instituições
bancárias realizados entre 2000 e 2014, com destaque
para a crescente participação de atores do espaço
financeiro, tipicamente, fundos de investimentos
nacionais e internacionais nos movimentos de F&A de
empresas varejistas; 2. Os novos formatos organizacionais
adotados pelos grandes varejistas e seus respectivos
parceiros para a atuação junto ao Setor Financeiro
Nacional (SFN); 3. As aberturas de mercado entre as
empresas varejistas e as margens brutas das operações
varejistas tradicionais e das operações financeiras
de 2008 a 2014 de 7 grandes grupos empresariais,
que, apesar de terem suas atuações originadas no
segmento de vestuário, calçados e acessórios, têm
testemunhado o crescimento da participação da
atividade financeira na receita final em detrimento
da atividade varejista; e 4. A composição do capital
social dos grupos pesquisados donde destaca-se
também, a crescente participação acionária majoritária
de fundos de investimento financeiros nacionais e
internacionais no controle destes grupos. A Seção 4
apresenta a construção social do Varejo Financeiro
Nacional segundo a concepção da Teoria de Campo
de Bourdieu (1999), marcado pela aproximação entre
as empresas varejistas e instituições financeiras,
em direção à formação de um subsistema social
estruturado segundo os capitais manipulados por cada
ator presente ao campo (Raud, 2007), cuja hierarquia
se altera a partir de transformações nas relações de
poder entre os atores. A Seção 5 conclui o artigo,
considerando os resultados apresentados e sugerindo
questões para pesquisas futuras, incluindo a hipótese
de que a formação do campo estaria fomentando o
surgimento de um grupo de agentes intermediários
(Donadone et al., 2012) catalisadores de algumas
das transformações organizacionais e institucionais
em curso no campo.
2 Novos players no varejo financeiro
nacional
Os cenários da ampliação do acesso ao crédito para
o consumo e redução de juros implícito nas diretrizes
da inclusão financeira e bancarização fomentados para
a América Latina (Barone & Sader, 2008) impactaram
diretamente o aumento das emissões de cartões de
crédito na última década no Brasil (ABECS, 2014).
Parte dessas emissões englobam os cartões de crédito
Private Label (PL), emitidos pelas varejistas para
uso restrito nas lojas emissoras.
O crescimento dos cartões PL na última década
foi bastante expressivo, tanto em volume de cartões
emitidos, como das transações e de faturamento,
e, apesar da dificuldade de estimar com precisão o
tamanho do mercado nacional destes cartões, em vista
das emissões de centenas de médios varejistas, pode-se
afirmar com relativa segurança que as 10 maiores
lojas emissoras concentram cerca de 160 milhões
deles (ABECS, 2014).
Mais recentemente, porém, a base destes cartões vem
sendo substituída pelos cartões Co-Branded, cartões
emitidos pelas empresas varejistas em parcerias com
instituições bancárias, geralmente contendo as bandeiras
Visa ou Mastercard, ampliando sua aceitação para
além do varejista emissor. Os cartões Co-Branded são
cartões idênticos aos cartões de crédito tradicionais, à
exceção das vantagens decorrentes de seu uso junto ao
varejista emissor. Até então, estes cartões eram emitidos
exclusivamente pelas instituições financeiras. Porém,
tanto a desregulamentação, como a da regulamentação
de apenas determinados aspectos do setor de cartões
de crédito, vêm fomentando a atuação das empresas
varejistas como emissoras, administradoras e/ou
credenciadoras, processadoras de cartões de crédito
ou proprietárias de bandeiras nacionalmente aceitas,
ampliando sua atuação junto ao Sistema Financeiro
Nacional. Trata-se de um amplo mercado. Segundo a
estimativa da Associação Brasileira das Empresas de
Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), a movimentação
anual dos Private Label e dos Co-branded passe
de R$ 60 bilhões em 2014 para R$ 293 bilhões por
ano, em 2022, um avanço de 22% ao ano, e o total
de operações deve crescer 17% ao ano e atingir três
bilhões de transações em 2022.
No entanto, o primeiro passo na direção da
regulamentação do setor de cartões de crédito dado
em julho de 2010 (Graner & Fernandes, 2010)
deixou de fora os cartões Private Label, tendo focado
na tentativa de quebra do duopólio no segmento
credenciador, no qual duas empresas (Visanet e
Redecard) concentravam 93% da participação de
mercado (BCB, 2010), incentivando a entrada de
novas empresas nacionais e estrangeiras não só
neste segmento, como também nos demais elos desta
cadeia que envolve as bandeiras, as emissoras, as
credenciadoras e as processadoras descritas a seguir:
- Bandeiras: Também chamadas proprietárias do
sistema referem-se às empresas que detêm os
direitos da marca e definem as regras e os padrões
para o uso de sua marca e consequente entrada
em seu sistema, dentre as principais bandeiras
atuantes no Brasil estão Visa, Mastercard e
American Express, segmento também bastante
concentrado da cadeia. Sobre a atuação de novos
atores neste segmento, destaca-se o lançamento
pelo Bradesco e o Banco do Brasil em 2011,
da Bandeira Elo, 100% nacional (Rodrigues,
2011);
- Emissoras: Estas englobam bancos, financeiras,
correspondentes bancários e varejistas. Apesar
de a quebra do duopólio no credenciamento
incentivar a atuação das empresas emissoras
neste segmento, tem sido observado o aumento
de concentração no segmento emissor de cartões
de crédito em função das transações de fusões
e aquisições entre os atores:
• Empresas varejistas: GPA (Pão de Açúcar-Ponto Frio-Casas Bahia), Máquina de Vendas
(Ricardo Eletro-Insinuante), etc.;
• Bancos: Itaú-Unibanco, Santander-Banco Real, etc.;
• Bancos e Bancos criados por empresas
varejistas para suportar os braços financeiros
destas empresas: Bradesco-IBI (C&A),
Itaú-Unibanco-CSF (Carrefour Soluções
Financeiras), etc.;
• Bancos e Financeiras de Rua: HSBC-Losango,
Bradesco-Zogbi, etc.;
• Participações acionárias dos bancos e empresas
varejistas nas financeiras criadas em conjunto:
LuizaCred (Magazine Luíza e Itaú-Unibanco),
Taií (Lojas Americanas e Itaú-Unibanco), etc.
- Credenciadoras: Às quais cabe ampliar e manter
a rede de empresas que aceita os cartões emitidos
pelos bancos e lojas. Sua receita provêm 20%
do aluguel dos POS (Post Operation System)
e 80% das taxas sobre todas as transações com
cartões, ambas repassadas ao credenciador pelos
lojistas;
- Processadoras: São empresas que operam entre
as empresas Credenciadoras e as empresas
Emissoras responsáveis por manter toda a rede
funcionando, pois possuem os softwares e os
equipamentos responsáveis pela transmissão das
transações eletrônicas, controle de pagamentos
dos clientes, emissão de extratos, prevenção de
fraudes e fluxo de caixa do lojista, entre outros
(BCB, 2010). Com a quebra do duopólio, estas
empresas poderão tanto prestar serviços de
processamento para as novas credenciadoras,
como associarem-se a varejistas e bancos para
criarem suas próprias credenciadoras.
A Tabela 1 a seguir ilustra os principais atores
deste e dos demais segmentos no Brasil após o início
da regulamentação do setor.
Apesar de o início da regulamentação do setor em
2010 ter incentivado a entrada de novos atores, os
dados da Tabela 1 mostram que a concentração do
setor ainda permanece alta em todos os elos da cadeia,
tendo aumentado em quase todos os segmentos: no das
Bandeiras, em que duas empresas, Visa e Mastercard
aumentaram sua concentração de 80% para 91,19%;
no segmento das Credenciadoras, em que as empresas
Cielo e Rede tiveram sua participação de mercado
aumentada de 93% para 94,2%; e no segmento da
emissão, a concentração passou de 73% para 79,3%;
já no segmento de processamento, a concentração
do setor em torno de cinco principais empresas
permaneceu em 91% (Saltorato et al., 2014).
Dentre as razões para a dificuldade dos novos
entrantes nos segmentos de processamento e
credenciamento aumentarem sua participação no
mercado, Marques (2014) destaca as dificuldades
ligadas à captura de pagamentos no varejo, à criação
de uma rede de distribuição capaz de rivalizar com
o Bradesco, Banco do Brasil e Itaú-Unibanco, e à
adaptação de estratégias e tecnologias estrangeiras
para o cenário brasileiro.
Já entre os novos atores no segmento da emissão,
percebe-se que, entre os 18 maiores emissores, 5 são
varejistas, e alguns destes são maiores emissores que
bancos, e a participação de mercado do Bradesco é
amplamente ancorada na emissão de cartões Private
Label e cartões Co-Branded da C&A, por meio do
Banco IBI.
Entre as estratégias implementadas por estes novos
atores presentes no campo do varejo financeiro nacional,
destacam-se a formação de alianças e joint-ventures
e a disponibilização de novas tecnologias como:
a parceria entre a Elavon com a Caixa Econômica
Federal; o acordo firmado entre a Global Payments
com o Banco do Nordeste e outros bancos regionais;
ou as joint-ventures entre bancos para criação de
novas credenciadoras. Já a First Data promete que
um de seus diferenciais estará em um serviço que
combina a máquina de captura (POS) com outras
funções de automação comercial para lojistas. Já os
atores tradicionais têm buscado a estratégia focada
no crescimento inorgânico baseado em fusões &
aquisições entre empresas do mesmo elo da cadeia
de cessão creditícia (na emissão, por exemplo,
a aquisição da Camicado pela Renner) ou entre
empresas que atuem em elos diferentes (na emissão
e no credenciamento, por exemplo, a compra da
Credicard pelo Itaú-Unibanco).
3 Impactos organizacionais da
financeirização do varejo
A aproximação entre empresas varejistas e empresas
do espaço das finanças tem resultado em impactos
organizacionais para as empresas envolvidas, envolvendo
estratégias de fusões & aquisições, adoção de novos
formatos organizacionais para as parcerias, aberturas
de capital, maior participação dos resultados das
atividades financeiras em detrimento das atividades
varejistas tradicionais, aumento da participação
estrangeira nas empresas e na participação acionária
de fundos de investimentos nacionais e internacionais
no capital social das varejistas, e apresentados na
próxima seção.
3.1 Financeirização do varejo: fusões, aquisições e concentração setorial
As transações de Fusão & Aquisição (F&A) entre
estes atores têm influenciado a concentração do
segmento da emissão, destacando que o volume total
de cartões emitidos pelas lojas supera o dos bancos, e
que alguns varejistas emitem mais que bancos, caso
da C&A em relação ao Banco do Brasil. Em relação
à concentração neste segmento, considerando que as
emissões de cartões Co-Branded do GPA, Magazine
Luíza, Ponto Frio, Americanas, Ipiranga, Marisa são
feitas com a intermediação do Banco Itaú, tem-se
que o grau de concentração eleva-se, sendo bastante
plausível, a hipótese de que a concentração do segmento
emissor de cartões de crédito esteja relacionada à
aproximação entre varejistas e instituições financeiras,
que, ao compartilharem os custos relativos aos
financiamentos no varejo, liberaram as varejistas
para investir em aquisições, tornando-se, por sua
vez, mais atrativas para os bancos, realimentando o
processo de concentração na emissão de cartões de
crédito, nos setores varejistas e bancário (Caetano
& Gianini, 2010).
Tabela 1. Tradicionais e Novos Players da Cadeia de Cartões de Crédito atuantes no Brasil.
Fonte: Banco Central do Brasil (BCB, 2010, 2011), ABECS (2015), Arezzo (2015), Lojas Pernambucanas (2015), Restoque (2015).
Vários estudos (PWC, 2014; KPMG, 2014; Ibevar,
2011 apud Bertão, 2011; Deloitte, 2009) confirmam
as tendências de concentração do setor varejista.
Segundo o estudo da Serasa Experian (2009), o
faturamento do comércio varejista nacional está
cada vez mais concentrado nas grandes empresas.
Este estudo empregou o índice Theil-L para medir a
concentração do setor, que, em uma escala de 0 (todas
as empresas têm a mesma participação no mercado) a
1 (concentração total), atingiu 0,931 nos ramos super e
hipermercadista, moveleiro e eletroeletrônico, tecidos,
vestuário, calçados e acessórios. Os Quadros 1, 2 e 3
ilustram as principais transações de Fusão & Aquisição
(F&A) realizadas nos últimos 15 anos entre empresas
do setor varejista, entre bancos e entre fundos de
investimentos e empresas varejistas.
Quadro 1. Principais Fusões entre Empresas Varejistas (2000-2014).
Fonte: Autores (2015).
Quadro 2. Principais Aquisições de Financeiras por Bancos (2000-2014).
Fonte: Autores (2015).
Quadro 3. Principais Aquisições de Varejistas por Fundos de Investimentos (2008-2014).
Fonte: Autores (2015).
A aquisição de empresas varejistas por fundos de
investimentos mostrada no Quadro 1 indica que o
setor também tem despertado o interesse de outros
atores do espaço financeiro nacional e internacional.
A 13ª. Edição da pesquisa internacional “Os Poderosos
do Varejo Global”, realizada pela revista oficial da
Federação do Varejo Norte-Americano em parceria com
a Deloitte (Saad, 2010) incluía, entre as 250 maiores
empresas do mundo do setor, o Grupo Pão de Açúcar,
as Casas Bahia e as Lojas Americanas. Na edição de
2014, no entanto, apenas as Lojas Americanas ainda
ocupam a 162ª. posição.
Tamanho poderio e os 77 milhões de consumidores
desbancarizados (O Globo, 2011), potenciais portadores
de cartões de crédito, têm multiplicado na última
década as parcerias entre bancos e varejistas e os
investimentos associados a elas. O Itaú-Unibanco, por
exemplo, investiu R$ 455 milhões na associação com
o Grupo Pão de Açúcar, dos quais, R$ 380 milhões,
pagos pelo acesso aos 3,3 milhões de consumidores
(Salomão, 2004), além de outros R$ 620 milhões
para as Joint-Ventures com o Magazine Luiza
(R$ 298 milhões), Lojas Americanas e Lojas Marisa;
R$ 237 milhões, pelo cartão Hipercard à rede Bompreço
e R$ 725 milhões, por 49% do Carrefour Soluções
Financeiras (Cotias, 2011). A C&A tem um número
de cartões próximo ao número de correntistas do
Bradesco; juntas, Renner e Riachuelo têm número
de cartões próximo ao número de correntistas do
Itaú-Unibanco, e o Grupo Guararapes, dono das
Lojas Riachuelo, tem 20% de sua receita gerada
de sua atuação no setor financeiro (Pereira, 2010).
Em relação aos resultados das operações financeiras
das varejistas, tem-se que, nos nove primeiros
meses de 2014, o lucro líquido das cinco operações
financeiras de varejistas de capital aberto foi de
R$ 597,1 milhões, um avanço de 83,2% diante de
igual período de 2013. A cifra inclui os resultados
das empresas de Pão de Açúcar, Marisa e Magazine
Luiza – cuja administração dos cartões é feita pelo
Itaú Unibanco – e também de Riachuelo e Renner,
cuja administração é própria. A operação da Luizacred,
parceria entre Itaú e Magazine Luíza obteve lucro
líquido de R$ 124,3 milhões nos nove primeiros meses
de 2014. A Midway, financeira criada pela Riachuelo,
registrou lucro líquido de R$ 136,6 milhões nos
nove primeiros meses de 2014, cifra 66% superior
à de igual período em 2013. No mesmo período, na
Renner, o lucro líquido da operação financeira subiu
31,3% somando R$ 175,5 milhões. A operação do
Banco CSF teve lucro líquido de R$ 186,5 milhões
no primeiro semestre de 2014, quase o mesmo obtido
em 2013 (R$ 212,1 milhões). O Banco Ibi, adquirido
pelo Bradesco da C&A não divulga mais resultados.
Segundo Pasin & Matias (2001), tem-se um contexto
em que as cifras acima se tornam autoexplicativas em
relação ao interesse dos bancos em se aproximarem
dos varejistas. Entre os ganhos de sinergia destas
aproximações estão a economia dos bancos ao
utilizarem a estrutura varejista de distribuição que têm
lhes proporcionado aumento de liquidez, redução de
custos e aumento da lucratividade para as instituições
financeiras justificando estes investimentos. A substituição
das estruturas tradicionais das financeiras de rua e
agências bancárias, por um lado, eliminam os custos
fixos associados à imobilização em imóveis, aluguéis,
manutenções prediais, segurança, seguros, portas
giratórias, cofres, pessoal, impostos trabalhistas,
processo de aquisição de clientes pessoa física,
restrição do atendimento ao público de 30 horas
semanais, etc.; e, por outro, geram receita por meio
da bancarização via produtos e serviços financeiros
massificados, cobrança de juros decorrentes das vendas
no cartão pelo varejista, ampliação do atendimento
ao público, proximidade do local onde se processa
o consumo, etc.
3.2 Financeirização do varejo: formatos organizacionais entre varejistas e
instituições financeiras
Independentemente do agente emissor do cartão
de crédito, banco ou loja, a operação de emissão
envolve a realização de um conjunto de atividades;
como a aquisição de clientes, a concessão de crédito, a
confecção do cartão, seu envio ou entrega, a captura das
transações, o faturamento, o recebimento, a cobrança,
o pós-atendimento e, consequentemente, a decisão
a respeito do grau de centralização/descentralização
destas atividades. Segundo Alves & Menezes (2010),
a decisão por parte do varejista sobre o grau de
integração vertical a adotar para a realização destas
atividades está diretamente ligada ao objetivo buscado
com a operação de emissão de cartões, demandando
a adoção de formatos organizacionais específicos
voltados para seu alcance.
As empresas varejistas que têm buscado na emissão
de cartões (e na venda de outros produtos e serviços
financeiros) uma nova fonte de geração de receita
(caso das Lojas Renner, Riachuelo, C&A, Carrefour,
Pernambucanas, Marisa e Grazziotin) têm adotado
um alto grau de verticalização, internalizando toda
a gestão dos negócios ligados aos cartões e outros
produtos e serviços financeiros, passando a atuar como
uma empresa administradora de cartões de crédito.
As empresas varejistas cujo objetivo principal de
operação de emissão de cartões é o compartilhamento
dos riscos, custos e receitas associados ao financiamento
de suas vendas a prazo têm firmado Joint-Ventures
com instituições financeiras visando à criação de
holdings que centralizem as atividades relacionadas
aos produtos e serviços financeiros oferecidos, casos
do Grupo Pão de Açúcar, Magazine Luíza, Casas
Bahia, etc.
E as empresas varejistas que buscam na operação de
emissão de cartões uma ferramenta para a fidelização
de clientes, não compartilhando os custos, riscos
e receitas associados à operação com cartões têm
terceirizado sua gestão a uma instituição financeira,
que passa a remunerar a varejista. Este é o caso da
parceria entre Lojas Americanas e Bradesco, da
Luigi Bertolli, Colombo, Telha Norte, C&C, Esso,
etc. O Quadro 4 ilustra os formatos organizacionais
adotados por empresas varejistas nacionais visando
à administração de suas operações com cartões de
crédito e as respectivas parcerias.
Apesar de os formatos anteriormente citados
apresentarem linhas gerais para a tomada de decisão
sobre como organizar a emissão de cartões, uma
mesma empresa pode adotar um mix de formatos.
Segundo Coelho (2007), um varejista pode adotar um
formato para cada produto financeiro oferecido, isto
é, adotar o formato verticalizado ou In-House para a
emissão de Private Labels e uma Joint-Venture para
a emissão dos Cartões Co-Branded, como nos casos
das Lojas Marisa, que estabeleceu parceria com o
Itaú-Unibanco para a emissão dos Co-Branded e,
mais recentemente, das Lojas Renner que firmou
parceria com o Indusval & Partners.
O exame do Quadro 4 dá mostras de que, apesar
de a administração das operações com cartões de
crédito das empresas varejistas seguir concentrado
em arranjos organizacionais firmados com duas
grandes instituições financeiras (Itaú-Unibanco e
Bradesco), têm surgido novas parcerias em que
emissores independentes passam a administrar as
operações com cartões tidas como desinteressantes
aos grandes bancos. Este é o caso das ex-parcerias dos
Supermercados Sonda e Cobal que foram canceladas
por iniciativa do Itaú-Unibanco e passaram para a
DMCard (Marques & Silveira, 2013). Outra parceria
que não se mostrou proveitosa para o Itaú-Unibanco
foi a parceria com as Lojas Americanas, criada em
2005, com previsão para durar até 2026 e encerrada
em 2012, depois de sucessivos prejuízos. Em 2005, o
formato organizacional adotado para reger a parceria
foi o de uma joint-venture (FAI), que custou ao
banco R$ 250 milhões pagos como uma espécie de
adiantamento. Dois anos depois, em novembro de 2014,
a participação das Lojas Americanas na financeira
FAI foi vendida ao Itaú que, em troca, “vendeu”
para as Americanas o contrato de exclusividade
mantido até então com o banco, possibilitando que
um novo acordo fosse firmado entre a varejista e
o Bradesco (Lüders, 2012). No desenho da nova
parceria, o Bradesco pressionou a adoção do formato
organizacional terceirizado, em vez da criação de
uma nova joint-venture. O Bradesco passou a tratar
as Americanas como um correspondente bancário
e a remunerar a varejista por produto financeiro
vendido, ficando as receitas e os riscos de crédito
com o Bradesco, que não pagou qualquer tipo de
adiantamento às Lojas Americanas pela parceria
firmada (Lüders, 2012). Ao todo, o Itaú-Unibanco
cancelou 300 parcerias, estando ainda, a rede C&C
entre estas (Marques, 2015).
Quadro 4. Formatos Organizacionais adotados entre Varejistas e Instituições Financeiras.
Fonte: Autores (2015).
Tais cancelamentos expõem a não tão pacífica
natureza destas associações, uma vez que em situações
de crise e de queda nas vendas, quando os varejistas
precisariam aumentar a concessão de crédito ao
consumo, aumenta a inadimplência, levando os bancos
a serem mais rigorosos na aprovação dos pedidos de
crédito. Assim, as parcerias para financiamento do
consumo têm passado por remodelagens que vão
desde alterações nos formatos organizacionais que
as regem, passando por redefinições nas atribuições e
nas remunerações de cada uma das partes envolvidas
até o aperfeiçoamento dos modelos estatísticos que
simulam a capacidade de pagamento dos tomadores.
Assim, em alguns modelos, bancos e varejistas têm
optado por dividir o resultado da operação financeira,
embora caiba ao banco a aprovação do crédito, pois
a possibilidade de manipulação da ficha do cliente,
na tentativa de aumentar a aprovação, pode ser um
risco em parcerias em que o varejista ganhe comissão
por produto financeiro vendido, mas não arque com
a inadimplência gerada (Marques, 2015). De forma
geral, somente o HSBC ainda mantém parcerias com
médios varejistas.
Outro destaque do Quadro 4 cabe ao fim da carreira
solo no mundo das finanças das Lojas Renner depois
de 41 anos emitindo cartões, ao terceirizar para o
Banco Indusval & Partners para a operação de seus
cartões Co-Branded no final de 2014. Pelo acordo,
o banco cuidará da emissão das bandeiras Visa e
MasterCard, enquanto a Renner ficará responsável pela
distribuição e relacionamento com os clientes destes
cartões e ganhará uma comissão para executar a linha
de frente desta operação. O resultado da operação com
os Co-branded ficará com o banco, que assegurou
por meio de contrato, a garantia de uma rentabilidade
mínima sobre o capital envolvido (Alves, 2014).
A Renner, no entanto, continua a adotar o formato
organizacional In-House, totalmente verticalizado
para administrar as operações de seus cartões Private
Label, ou seja, cartões cujo uso se restringe ao uso
nas lojas Renner e Camicado (sem as bandeiras Visa
ou Mastercard). Tal decisão de terceirização por parte
do Grupo Renner deveu-se ao fato do fechamento
do cerco que o início da regulamentação do setor
deflagrou. No entanto, sua atuação com a operação
de Private Labels segue ocorrendo em meio a um
vácuo regulatório, ao mesmo tempo que fomenta uma
competição entre os dois tipos de cartão no interior
das lojas, pois, por um lado, o PL tem se mostrado
um produto bastante rentável, porém, por outro, a
loja tem uma meta mínima para alcançar para com
o banco e, assim, teria que reverter boa parte de sua
base de PL em Co-branded, ou vender Co-branded
em vez de PLs.
A indefinição da competência legal para supervisionar
as administradoras de cartões de crédito está ligada à
equiparação (ou não) destas empresas a instituições
financeiras, casos em que se incluem ainda as Lojas
Marisa, Pernambucanas, Riachuelo, Grazziotin,
Martins Distribuidora, etc.
Segundo o Banco Central do Brasil e o Supremo
Tribunal Federal (STF), amparados na Lei da Reforma
Bancária 4.595/64 e na Lei 7492/86 (Saltorato &
Donadone, 2012), que definem crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional (SFN), as administradoras de
cartões de crédito não são instituições financeiras, mas
prestadoras de serviços; exatamente o oposto do que
entende o Superior Tribunal de Justiça (STJ), traduzido
nas recentes decisões do Tribunal Regional do Trabalho
(TRT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que,
ao equipararem ex-funcionários de correspondentes
bancários à categoria sindical dos bancários, equivale
dizer que consideram legítimas a regulamentação e
supervisão das administradoras de cartões de crédito
pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo
Banco Central do Brasil (BCB). Neste caso, a estas
empresas, caberia a observância de uma série de
procedimentos próprios de instituições financeiras,
relativos à supervisão, governança, capital mínimo,
autorização para funcionamento, cumprimento da
legislação, trabalhista e tributária, específicas para
a atuação junto ao SFN.
Controvérsias desta natureza, no entanto, têm
emperrado a regulamentação do setor de cartões de
crédito, permitindo que as empresas administradoras
de cartões de crédito operem em meio a um vácuo
regulatório, sem que, no entanto, cessem as ações
civis e trabalhistas contra elas (Frisch, 2012).
3.3 Financeirização do varejo: aberturas de capital e novas fontes de remuneração
do capital
Outro impacto organizacional relacionado ao
processo de financeirização do varejo nacional é o
aumento do número de empresas do setor que têm
recorrido ao mercado de capitais para financiamento
de suas operações. Assim, a abertura de capital de
empresas varejistas nacionais tem sido um processo
organizacional cada vez mais frequente no setor, tendo
ocorrido 26 processos de abertura de capital (IPO)
entre 2007 e 2014, envolvendo somente as empresas
ligadas ao comércio de móveis e eletrodomésticos,
farmácia, vestuário, calçados e supermercados
na Bolsa de Valores de São Paulo. Considerando
outros segmentos varejistas, o número de varejistas
que abriram capital no mesmo período sobe para
55 empresas (BMF & BOVESPA, 2015). Entre as
varejistas, foco deste trabalho, que se aproximaram das
instituições financeiras e abriram capital, destacam-se
A Arezzo, Magazine Luíza, B2W, Via varejo, Hering,
Grazziotin, Brazil Pharma, Marisa, Hypermarcas,
Restoque, ViaVarejo, RaiaDrogasil.
Apesar de grande número de grandes varejistas terem
aberto capital na Bovespa, para as médias e pequenas
empresas do setor, a Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) não tem incentivado tais iniciativas em função
do risco embutido no processo. Segundo Luciana
Dias, diretora da CVM, apesar de o varejo estar no
centro das preocupações, não há data definida para
uma maior reflexão sobre o assunto, nem tampouco
os trabalhos de um grupo destinado a repensar as
regras impostas pela CVM para a abertura de capital
destas pequenas se iniciarem (Tavares, 2012). Assim,
este continua sendo um espaço de atuação para as
grandes empresas varejistas, as mesmas que têm se
privilegiado da aproximação com as instituições
financeiras e fundos de investimentos nacionais e
internacionais.
Porém, apesar da adesão a este espaço de atuação,
consequente adoção da Governança Corporativa e
estreia no Novo Mercado da Bovespa pressupor-se
um alto grau de transparência, traduzido, por
exemplo, na obrigatoriedade de apresentação dos
resultados financeiros segundo os padrões contábeis
internacionais do IFRS (International Financial
Reporting Standards), que desagrega os resultados
por segmento de atuação, ainda não foi possível obter
junto aos demonstrativos financeiros de algumas
empresas do segmentos de vestuário, calçados e
acessórios (como o Grupo Grazziotin) informações
suficientes para um melhor entendimento acerca
das fontes de remuneração de capital (e a posterior
inclusão nas Tabelas 2 e 3 a seguir).
Ainda que os Relatórios das Demonstrações
Financeiras das empresas varejistas que passaram
a atuar junto ao espaço financeiro do mercado de
capitais não possam balizar a equiparação (ou não) das
administradoras de cartões de crédito às instituições
financeiras, o exame deles revela que o retorno
proveniente do desempenho das atividades financeiras
tem superado o das atividades varejistas na geração da
receita total destas empresas, alimentando a dinâmica
da financeirização do varejo.
Uma consulta ao levantamento realizado pela série
Maiores e Melhores da Revista Exame (edições de
2009 a 2014) e aos Relatórios de Demonstrativos
Financeiros de empresas de capital aberto que se
aproximaram de atores do espaço das finanças, seja
visando à emissão de cartões de crédito ou por meio
da participação acionária na composição de seu capital
social (Arezzo e Restoque), possibilitou os cálculos
da participação de cada operação (varejista tradicional
ou financeira) na receita final após descontar os
impostos, ou seja, a margem bruta para cada operação
e a posterior elaboração das Tabelas 2 e 3 a seguir.
A aproximação entre as instituições financeiras e
as varejistas, presentes às Tabelas 2 e 3, se faz tanto
por meio das operações com cartões de crédito como
por meio da participação no mercado de capitais
decorrente da abertura de mercado delas.
Em relação às operações com cartões de crédito,
enquanto Renner, Riachuelo, Marisa, Grazziotin
e Pernambucanas organizam suas operações de
emissão com cartões segundo o modelo In-House,
isto é, verticalizando todas as operações relativas a
este produto, a Hering organiza segundo o modelo
de parceria, por meio de uma joint-venture com a
Losango (do HSBC) para a administração deste
produto financeiro.
É possível perceber que a média das margens
brutas das operações financeiras nos Grupos Renner,
Guararapes (Riachuelo) e Grupo Arezzo, entre 2008
e 2014, foi maior que a média das margens brutas
das suas operações varejistas tradicionais no mesmo
período, indicando uma tendência de crescimento
da atividade financeira em detrimento da operação
varejista, isto é, a venda de “dinheiro” tem sido mais
rentável que a venda de roupas ou calçados. Com
relação aos Grupos Renner e Guararapes, tem-se
que ambas controlam, por meio de suas coligadas
toda a operação com cartões (In-House), podendo
residir nesta variável a razão para o maior retorno
alcançado com o desempenho da atividade financeira
por estes grupos. Apesar de o grupo Renner ter, a
partir de dezembro de 2014, firmado parceria com
o Banco Indusval & Partners para a emissão de
cartões Co-branded, os dados da Tabela 3 incluem
os resultados de sua atuação verticalizada.
Tabela 2. Margem Bruta da Operação Varejista das Empresas Pesquisadas.
Fonte: Autores (2015). * Indisponibilidade de dados para elaboração dos cálculos.
Tabela 3. Margem Bruta da Operação Financeira das Empresas Pesquisadas.
Fonte: Autores (2015). * Indisponibilidade de dados para elaboração dos cálculos.
As Pernambucanas, ainda que também operem
segundo a adoção do modelo In-House verticalizado,
não alcançaram, com a atuação no setor financeiro,
margens tão altas como a Riachuelo e a Renner. Porém,
segundo Leal (2015), em 2014, as Pernambucanas
lucraram 160 milhões de reais, mas tiveram prejuízo
de 50 milhões de reais no varejo, tendo sido a
financeira do grupo, com lucro de 210 milhões de
reais, a garantir o resultado positivo. Uma diferença
relevante entre estas empresas reside no fato de que
as Casas Pernambucanas não abriram seu capital na
bolsa de valores, possuindo sob o controle “familiar”
(e muitos conflitos familiares relativos à herança da
rede) a administração de seus cartões Private Label. Já,
as Lojas Marisa ainda que operem segundo o modelo
verticalizado In-House para operação com Private
Labels e uma joint-venture com o Itaú-Unibanco
para a emissão de seus Co-Branded e tenham capital
aberto na Bovespa, mantêm, assim como as Casas
Pernambucanas, uma família no comando do conselho
de administração da empresa e teve a margem média
alcançada com as operações financeiras próxima da
margem média das Pernambucanas.
No caso da Hering, considerando as médias das
margens das operações varejista e financeira entre 2008
e 2014 e os respectivos desvios padrão, tem-se que a
margem da operação financeira também superaria a
margem da operação varejista. Tal superação, porém,
não advém somente da operação com cartões pela
qual a varejista é remunerada pelo HSBC por produto
vendido e sim de sua atuação no mercado de capitais.
Ainda que os formatos organizacionais das parcerias
com as instituições financeiras e a administração
familiar ou profissionalizada sejam variantes relevantes
na interpretação das margens brutas das operações
financeiras das empresas varejistas, é importante
considerar outras incursões das varejistas no espaço
das finanças, após a abertura de capital.
A margem das operações financeiras do Grupo
Renner além de contemplar as operações com os
cartões que envolvem ganhos financeiros provenientes
da cobrança de juros sobre as vendas com cartões,
empréstimos pessoais e seguros, também contemplam
uma série de investimentos em instrumentos financeiros
derivativos (Non Deliverable Forward – NDF e swaps),
financiamento a importações (FINIMP em parceria
com o Banco do Brasil, Bradesco e HSBC), operações
de financiamento de operações financeiras variadas
(FIDC), assim como investimentos em vários fundos
negociáveis pela Bovespa (fundo bovespafix, fundos
de opções de compra e venda, fundos de mercado a
termo e fundos de lote padrão). Atuações similares
neste espaço das finanças se aplicam aos grupos
varejistas Guararapes, Marisa, Grazziotin e Hering.
Já no caso da Arezzo (detentor das marcas
Arezzo, Schutz, Alexandre Birman e Anacapri), a
alta margem bruta da operação financeira decorre de
juros recebidos sobre a aplicação do saldo de caixa,
da antecipação de recebíveis, de outras aplicações
e outros ativos da companhia e ainda de ganhos e
perdas decorrentes da variação cambial sobre a dívida
e contas a receber em moeda estrangeira. A Arezzo
também é a emissora de dois fundos de investimento:
o Fundo Arezzo de Investimento Multimercado de
Crédito Privado, que investe em títulos e valores
mobiliários e instrumentos financeiros; e do Fundo
Arezzo Indústria e Comércio S.A.
Entre as aplicações financeiras do Grupo Restoque
(detentor das marcas Le Lis Blanc, Bo.Bô, Rosa Chá,
John John, Individual e Dudalina, Base), incluem-se
aplicações financeiras que correspondem substancialmente
a Certificados de Depósitos Bancários remunerados pela
variação dos Certificados de Depósitos Interbancários;
títulos de valores mobiliários, divididos em aplicações
em fundos de investimentos, em bonds americanos
e emissões de debêntures. A parca disponibilidade
de dados do grupo, não possibilitou uma conclusão
capaz de balizar a comparação com a margem bruta
média da operação varejista entre 2008 e 2014.
No entanto, comparando as margens das operações
financeiras e varejista em 2009, 2010 e 2011, tem-se
que a primeira superou a segunda nestes três anos,
apesar de, em 2014, a margem financeira ter sido
negativa em decorrência da aquisição da Dudalina.
A estrutura varejista das empresas dos grupos
Arezzo e Restoque, ainda se beneficia da utilização de
cartões de créditos administrados por terceiros e que
impactam positivamente o risco de crédito de vendas
direto ao consumidor, ficando os riscos subordinados
às políticas de crédito das instituições bancárias que
administram os cartões que contemplam as bandeiras
Visa, Mastercard e Dinners Club International.
Nestas operações, as instituições financeiras se
propõem a arcar com os gastos inerentes às operações
realizadas junto às mantenedoras de cartões de
créditos a título de comissões, minimizando eventuais
problemas decorrentes de inadimplência, transferindo
os riscos e impactando as margens alcançadas com as
negociações com cartões de crédito. Nas lojas destes
grupos, preponderam as operações com cartões de
crédito e há um estímulo constante para seu uso por
meio de programas de fidelização e promoções para
uma ou mais bandeiras, colaborando para o impacto
na receita gerada.
Outra variável relevante para a alta margem da
operação financeira no Grupo Renner e no Restoque
tem relação com a participação acionária de fundos
de investimentos nacionais e internacionais nestas
varejistas como mostrado a seguir.
3.4 Financeirização do varejo: participações acionárias de fundos de
investimentos
Outro aspecto organizacional ainda relativo à
dinâmica de financeirização do varejo está na presença
de atores do espaço financeiro atuando junto ao
espaço varejista. A Tabela 4, a seguir, identifica os
acionistas majoritários de cada uma das varejistas
pesquisadas, separando-os entre atores do espaço
financeiro (financistas) ou sócios fundadores, suas
respectivas participações acionárias e países de origem.
O exame da Tabela 4 acima revela que a
participação de fundos de investimentos nacionais
e internacionais no capital social das empresas
varejistas é relativamente alta, variando de 14,1%
(no Grupo Marisa) até 44,15% (no Grupo Renner).
Uma das consequências da participação acionária
destes atores nas varejistas é a influência que eles
passam a exercer sobre determinados aspectos da
gestão nas empresas aportadas por meio de seus
representantes no conselho de administração delas,
visando ao retorno do capital investido.
Na Renner, por exemplo, os fundos Aberdeen e
Blackrock, com maior participação acionária no capital
social do grupo, que possui o controle acionário mais
pulverizado, têm pressionado o conselho a respeito
de uma potencial fusão com a Riachuelo de Nevaldo
Rocha, como meio de alavancar o valor das ações
da empresa e capitalizar sua saída do negócio após a
valorização de suas ações. Estes mesmos acionistas,
por meio de seus representantes no conselho de
administração do grupo Renner, restringiram 25%
do recebimento do bônus do CEO, José Galló,
à formação de sucessores para seu cargo (Leal,
2014). Representantes do fundo de investimentos
Aberdeen ainda estão presentes nos conselhos de
administração da Hering e da Arezzo, totalizando
34,61% de participação acionária no capital social só
nestas varejistas do segmento de vestuário, calçados
e acessórios. O Aberdeen ainda investe na Multiplan,
Bradesco, Iguatemi e Odontoprev. O Blackrock investe
na Petrobrás, Ambev, Vale e Cyrela.
Tabela 4. Participação acionária no capital social das empresas varejistas pesquisadas.
Fonte: Sites de Relações com Investidores das respectivas empresas.
Em relação à participação acionária dos sócios
fundadores no capital social das varejistas, tem-se que,
entre os grupos de capital aberto, o Grupo Guararapes
(75,78%), juntamente com o Grupo Marisa (73,98%),
possui as mais altas participações acionárias destes
atores que se refletem na composição do conselho de
administração destas empresas. Dentre as empresas
pesquisadas, o Grupo Guararapes é o único que possui
uma estrutura integrada verticalmente voltada para
a produção de parte de suas confecções no nordeste
brasileiro, apesar de também importar a maior parte
de suas coleções de países asiáticos.
Se, por um lado, os fundos de investimento
impõem determinados posicionamentos em relação
à gestão de suas investidas, por outro, possibilitam
a elas o financiamento de suas operações varejistas
e financeiras impactando o alcance das margens
brutas da Tabela 3.
A dinâmica em curso no setor varejista apresentada
anteriormente tem se materializado nestes, assim
como em outros impactos organizacionais nestas
empresas, simbolizando o avanço da lógica de
inspiração financista sobre as operações de varejo, que
incluem ainda mudanças na organização do trabalho
por meio de mudanças nos sistemas de controle e
remuneração de funcionários com base no alcance
de metas relativas à venda de produtos financeiros,
passando pela remodelação das lojas, diminuição
de produtos estocados, implementação de práticas
just-in-time para administração logística da entrega de
mercadorias nas lojas, terceirização (e quarteirização)
da produção até o limite da aquisição de produtos de
oficinas clandestinas de confecção de roupas flagradas
empregando mão de obra em condições degradantes
de trabalho. Tal aproximação entre as empresas
varejistas e as instituições financeiras, visando à
venda de produtos e serviços financeiros nas lojas,
pode ser descrita segundo a noção bourdiesiana de
campo, apresentada a seguir.
4 Construção do campo do varejo financeiro nacional
A construção do campo do Varejo Financeiro
Nacional, marcado pela aproximação entre as
empresas varejistas e instituições financeiras
originando os chamados Supermercados Financeiros,
pode ser descrita segundo a noção bourdiesiana de
campo, definido em termos de um subsistema social
estruturado segundo a qualidade e a quantidade dos
capitais manipulados por cada agente presente ao
campo (Raud, 2007). O conceito de campo pode ser
associado à metáfora de um campo de batalha, em
que cada agente é considerado um jogador dotado de
diferentes capacidades, as quais lhes conferem um
determinado lugar na hierarquia deste, diretamente
relacionado à sua capacidade de exercer poder sobre
os demais (Donadone & Grün, 2001). Em função
disso, este conceito pode ser usado para descrever
a formação e a consolidação do campo relativo ao
varejo financeiro no Brasil a partir da década de 2000,
por meio da ampliação do crédito ao consumo, por
meio da oferta de produtos financeiros pelas redes
varejistas, dentre os quais se destacam os cartões de
crédito Private Label.
Para melhor compreensão desta dinâmica, faz-se
necessária a definição de um momento t1 em que a
ação conjunta dos atores pode ser melhor definida
em termos cooperativos do que competitivos entre si.
Isto é, durante o momento t1 equivalente à formação
do campo, os agentes agem no sentido de suportarem
diferentes visões sobre determinado conceito, ainda
que estas sejam divergentes entre si, visando ao alcance
de um momento t2 de consolidação do campo, durante
o qual os agentes se valerão mais explicitamente de
seus respectivos capitais e poder, visando impor aos
outros agentes suas visões ou interesses na consolidação
do campo, resultando em mais competição e menos
cooperação (Fligstein, 1998).
No caso da construção do Varejo Nacional, num
momento t1 correspondente ao início da década de
2000, observa-se uma crescente tendência de oferta
de crédito ao consumo por meio da emissão de cartões
Private Label, também chamados cartões de loja.
Nesse momento, passa a haver uma certa aproximação
entre bancos e varejistas interessadas em contribuir
para o avanço da ampliação do crédito, tendo em
vista o acesso à população não bancarizada. Enquanto
alguns varejistas optavam por integrar verticalmente
todas as operações relativas à sua atuação junto
ao setor financeiro nacional (Renner, Riachuelo,
Pernambucanas, Grazziotin, Marisa, Casas Bahia e
C&A) outros optaram pela formação de parcerias com
bancos que se traduziam na formação de Joint-Ventures
(Grupo Pão de Açúcar, Walmart, Magazine Luíza,
Ponto Frio, Lojas Americanas). Estas parcerias se
mostraram bastante vantajosas durante toda a década
e, dessa forma, bancos e lojas de varejo desfrutaram
dos ganhos de sinergia decorrentes delas, nas quais
se destacavam a ausência das bandeiras (Visa e
Mastercard) e a falta de regulamentação do setor de
cartões de crédito.
No final da década, no entanto, o reinado do Private
Label começa a dar mostras de seu declínio, começando
a ser substituído pelo Cartão Co-Branded, cartões de
crédito tradicionais, ou seja, embandeirados pela Visa
ou Mastercard, mas ainda emitidos pelas lojas em
parcerias com os bancos. Do ponto de vista da noção
bourdiesiana de campo, t2, deflagra uma situação onde
agentes dotados de maior poder (bandeiras e bancos)
passam a agir demandando sua entrada no campo,
fixando as novas regras a vigorar nele. Os bancos
e as bandeiras, dotados de grande fonte de capital
financeiro conseguem quebrar a resistência histórica
dos varejistas em aceitar emitir cartões cujo uso não
se restrinja à sua própria loja, ao mesmo tempo que
passam a negociar o acesso aos dados dos clientes
varejistas, até então, uma importante fonte de capital
manipulada pelos lojistas. Assim a entrada destes
relevantes atores no campo visando à profissionalização
da operação de emissão, ao compartilhamento de
custos e riscos, pouco a pouco, canibalizou a base
de cartões PL, iniciando sua conversão em cartões
Co-Branded Visa ou Mastercard.
Ainda em t2, atores ligados à esfera governamental
adentram o campo, por meio da regulamentação do
mercado de cartões iniciada em 2010, buscando
inicialmente, fomentar a abertura de mercado,
incentivando a entrada de novos atores com a
possibilidade, por exemplo, dos varejistas tornarem-se
autocredenciadores, eliminando os custos cobrados
pelas atuais credenciadoras, o que, consequentemente,
levaria varejistas e bancos a competirem entre si, no
segmento de credenciamento. Essa potencial competição
resultaria em um conflito de interesses, na medida em
que os bancos que se tornaram “parceiros” das varejistas
no segmento da emissão de cartões Co-Branded,
são os proprietários majoritários das credenciadoras
(conforme a Tabela 1 ilustra), inibindo assim esta
possibilidade de competirem entre si. Este seria o
dilema a ser enfrentado pelo Grupo Pão de Açúcar,
caso tivesse interesse em atuar no credenciamento
de cartões, uma vez que seu parceiro (na emissão de
cartões), o Itaú-Unibanco, é o acionista majoritário
da empresa Rede (ex-Redecard), que credencia a
entrada do GPA no esquema da Visa ou Mastercard.
Ao impor a competição junto ao Itaú no segmento de
credenciamento (ou somente excluir os custos desta
transação com o Itaú-Unibanco), interessaria ao banco
continuar compartilhando os custos da emissão e
financiamento das compras junto ao GPA? Ou seja,
qual o impacto que competir com o Itaú no segmento
credenciamento causaria ao segmento emissão em
que ambos atuam como parceiros? Teriam todas as
parcerias sido firmadas antecipando-se a potencial
“quebra de duopólio” ocorrida em 2011? Teria,
efetivamente, o duopólio no segmento credenciamento
sido quebrado? Os dados da Tabela 1 mostram que,
ao contrário disso, a concentração de mercado neste
segmento passou de 93% para 94,3%. Entre outras
expectativas ligadas à regulamentação do setor estava
a queda de preços cobrados dos varejistas pelas
credenciadoras, o que não ocorreu na proporção
esperada, entre 2010 e 2013, passando de 2,96% a
2,76% (nas operações de crédito) e de 1,59% para
1,56% (nas operações de débito).
Porém, no que pode ser associado a um novo
momento t3 (ou um t1 recorrente, haja vista que tal
dinâmica é cíclica) de construção do campo, a partir
de 2012, ou seja, cerca de cinco anos após o boom
das parcerias entre bancos e varejistas, alguns bancos
começam a cancelar acordos por perceberem que as
varejistas estavam lucrando mais com a operação que
eles próprios. Assim, o Itaú-Unibanco cancelou mais
de 300 parcerias com pequenos e médios varejistas
(apesar de as Lojas Americanas e da C&C constar
entre estes cancelamentos). Bradesco e Banco do
Brasil também estariam fazendo o mesmo (Luca,
2014), restando apenas o HSBC nestas parcerias.
A saída de parte dos bancos destas parcerias fomentou
a entrada de novos atores, os emissores independentes,
menores como a Sorocred, DMCards, Credz, Ponto
Cred, etc., mas que têm crescido na casa dos 40% por
ano e para os quais os pequenos varejistas são muito
importantes. A emissão de cartões por estes novos
atores resultou num produto financeiro híbrido, que
por um lado, não leva as bandeiras Visa ou Mastercard
e, por outro, não se trata de um cartão Private Label
tradicional de uso exclusivo numa única loja, e sim
de um cartão com as bandeiras destes emissores
visando à aceitação regional.
Neste mesmo momento, para as grandes varejistas, a
participação dos ganhos com serviços financeiros (juros
e tarifas de cartões, seguros e empréstimos pessoais)
vem aumentando cada vez mais. Entre 2012 e 2014,
nas lojas Marisa, esta participação passou de 35%
para 57% do faturamento total; na rede Pão de Açúcar,
a participação dos lucros dos negócios financeiros
foi de 11% para 13,4%; e na Riachuelo, cresceu de
21,7% para 23,1% (Boanerges, 2014). Ao final de
2014, o volume de cartões de crédito Private Label
emitidos pelas Lojas Renner e Riachuelo alcançou,
respectivamente, 25.500.000 e 28.600.000, enquanto
o volume de cartões Co-Branded (com bandeiras
Visa e Mastercard) emitidos por estas lojas chegou
respectivamente a 3.000.000 e 3.600.000. (Renner,
2014; Riachuelo, 2014).
Ainda em t3, outros conflitos de interesse ameaçam
as relações de poder e hierarquia dominantes no
campo atualmente. Entre estes se destaca aquele
ligado à polêmica assinalada pela (in)definição da
competência legal para regular as empresas varejistas
administradoras de cartões de crédito no campo
(Graner & Fernandes, 2010), pois, apesar de o Bacen
ser o regulador oficial do setor, desde 2013, ficaram
fora do alcance de sua regulamentação as varejistas
emissoras de cartões PL. Se equiparadas a instituições
financeiras, essas varejistas se regulariam pela Lei
dos Bancos, o que as sujeitaria ao cumprimento da
legislação que rege tais instituições (inclusive a
trabalhista e a tributária); mas, caso não equiparadas
a instituições financeiras, estas se regulariam pela Lei
da Usura, o que as limitaria à cobrança máxima de
12% a.a. ao operarem fora do SFN (limite claramente
não observado por estas empresas). Para regularizar
essa indefinição característica dos momentos de
consolidação do campo, novas formas de capital
foram mobilizadas dando novos contornos ao campo.
Uma destas foi o Projeto de Lei 678 (PL 678/2007)
que sugeria enquadrar as administradoras de cartões de
crédito como “uma espécie de instituição financeira”.
Por um lado, estas seriam integrantes legítimas do
SFN ao se modificar o artigo 17 da Lei dos Bancos,
acrescentando dois parágrafos: um incluindo as
emissoras, credenciadoras e bandeiras de cartões de
crédito entre as instituições financeiras (e livres da
Lei da Usura) e, outro, isentando-as de cumprir todos
os requisitos para o funcionamento das instituições
financeiras (livres da Lei dos Bancos). O PL 678/2007,
porém, foi arquivado em 2014 e o Bacen, apesar
de manter o vácuo regulatório em relação aos PL,
prossegue a regulamentação coibindo a emissão de
cartões Visa e Mastecard por grandes varejistas,
motivo pelo qual a Renner firmou parceria com o
Banco Indusval & Partners (BI&P) para a emissão
de seus Co-Branded.
Apesar de ainda pairar a indefinição acima, atores
do Ordenamento Jurídico têm equiparado estas
empresas a instituições financeiras condenando-as
ao pagamento de verbas trabalhistas indenizatórias
ao equiparar seus ex-funcionários à categoria dos
bancários em vista do desempenho de atividades
ligadas ao setor financeiro, até então exclusivas dos
bancários (Frisch, 2012). E para coibir o avanço
de tais equiparações, consideradas pelos atores da
esfera financeira como práticas abusivas contra as
instituições financeiras, e visando mitigar o risco
trabalhista, o CMN reeditou em 2011, pela sexta
vez, a Resolução original (3.954/70) que regula a
atuação dos correspondentes bancários.
Tais polêmicas, indefinições, contenciosos, assim
como os processos de reestruturação organizacional
presentes na formação do campo do Varejo Financeiro
Nacional, têm revelado o surgimento de diversos
nichos para a atuação de agentes intermediários
interessados em atuar no campo e delinear novas
relações de poder internas ao campo:
• MBAs voltados para a profissionalização do
varejo, responsáveis por formar especialistas
em gestão de varejo;
• Consultorias especializadas em vender serviços
visando à profissionalização das empresas do
setor, intermediar as aberturas de capital, aos
processos de fusões e aquisições e redesenhar
as parcerias entre varejistas e bancos;
• Firmas de Auditoria especializadas na emissão
de pareceres relativos às demonstrações de
resultados financeiros e aconselhamento contábil;
• Analistas de mercado especializados na produção
de opiniões sobre a performance das empresas,
difusão das “regras” de atuação no campo e
reprodução de valores, mitos, ritos e crenças
entre os atores presentes à formação do campo;
• Fornecedores de soluções automáticas para a
gestão varejista (Oracle Retail, SAP Retail,
Linx, etc.);
• Advogados especializados em defender as
instituições bancárias das ações trabalhistas
acima citadas (Madeira, 2009), assim como
também amparar os processos de consolidação
do setor;
• Tradicionais e novas entidades de representação
de classe, que incluem desde representações
sindicais (bancários, lojistas, comércio de gêneros
alimentícios, costureiras) até as representações
por parte de executivos do varejo e setor
financeiro (Instituto Brasileiro de Empresários do
Varejo – Ibevar; Instituto de Desenvolvimento do
Varejo – IDV; Associação Brasileira de Cartões
de Crédito – ABECS; Associação Brasileira de
Supermercados – ABRAS; Federação Brasileira
de Bancos – Febraban; Associação Nacional dos
Bancos de Investimento – ANBID; Confederação
Nacional dos Dirigentes Lojistas – CNDL;
Confederação nacional do Comércio – CNC).
Assim, a construção do Varejo Financeiro Nacional,
enquanto espaço de aproximação entre empresas
varejistas e instituições financeiras, tem passado por
uma desconstrução e reconstrução recorrentes a partir
da entrada de novos atores no campo e alterações em
sua hierarquia resultante da manipulação de fontes
de capital econômico, social, financeiro, acadêmico
e político pelos atores que o compõem.
5 Conclusão
A construção do campo do varejo nacional marcado
pela disputa de poder na definição dos contornos
de um espaço de atuação conjunta de varejistas e
instituições financeiras promove o avanço da lógica
financeira sobre as operações de varejo instaurando
uma dinâmica de financeirização do varejo. Vários são
os processos institucionais e organizacionais que
têm dado forma e sentido à construção deste campo.
Entre os processos institucionais promovidos
visando dar forma a este espaço está a regulamentação
da indústria de cartões de crédito impulsionada pela
ampliação da atuação do setor junto à economia.
Por um lado, a regulamentação buscou promover a
entrada de novos atores em todos os segmentos da
cadeia de cartões de crédito; e, por outro, impactou
o aumento da concentração no segmento emissor,
como resultado das transações de fusão e aquisição
entre empresas varejistas, entre bancos, entre bancos
e financeiras de rua, entre bancos e bancos de loja e
em função das joint-ventures entre bancos e empresas
varejistas na última década, aproximando varejistas
e instituições financeiras.
Esta aproximação está no cerne dos processos
organizacionais que dão forma e conteúdo ao
campo, levando as empresas varejistas a adotarem
diferentes formatos organizacionais em função dos
objetivos de suas operações de emissão de cartões
de crédito e dos serviços financeiros ofertados,
desde a terceirização destas atividades, passando
pelas joint-ventures com as instituições financeiras,
até a verticalização total das atividades financeiras
tornando-se administradoras de cartões de crédito.
A aproximação com as instituições financeiras tem
sido a fonte de contenciosos trabalhistas resultantes
da equiparação destas empresas a instituições
financeiras em várias decisões por parte de atores do
Ordenamento Jurídico, condenando-as ao pagamento
de verbas indenizatórias trabalhistas a ex-funcionários
considerados bancários em função das alterações
nos conteúdos do trabalho realizado nos espaços de
atuação varejista-financeira.
Nestes espaços, passaram a vigorar desde novas
métricas de desempenho, controle e remuneração
dos funcionários baseados em venda de produtos
financeiros até a percepção de que em certa medida
“são bancários”; passando por novos lay-outs
semelhantes aos bancários; operações em mesas de
crédito; gestão de estoques just-in-time resultando
na extinção dos estoques (último bastião da lógica
comercial); a adoção de novos formatos organizacionais
(com estruturas comerciais de maior liquidez, que
incluem a redução do número de lojas próprias em
favor das franquias); aumento das importações
chinesas, tailandesas, taiwanesas, vietnamitas, etc.;
redução drástica ou abandono da atividade produtiva
remanescente por parte das varejistas que antes
percebiam nesta atuação uma fonte de agregação
de valor (Casas Bahia-Bartira; Hering; Riachuelo;
Pernambucanas); e o aumento da quarteirização
intermediando a subcontratação de oficinas de costura
clandestinas nas quais se multiplica o emprego de
mão de obra escrava pelas grandes redes varejistas
fast-fashion (Barbosa, 2011; Gonzalez & Nóbrega,
2011; Guerra, 2011a, b; Juliboni, 2011; Oscar, 2011;
Petry, 2011; Reis, 2009; Pyl & Hashizume, 2010,
2011a, b, c), potencializando suas inclusões na Lista
Suja do Trabalho Escravo mantida pelo Ministério
do Trabalho e do Emprego (MTE).
A exploração das questões acima destacadas, assim
como um mapeamento e consequente melhor compreensão
dos agentes intermediários e suas respectivas ações
na construção do varejo financeiro nacional, e um
melhor entendimento das potencialidades de novas
parcerias entre bancos, varejo baseadas em novas
tecnologias, como a proveniente das companhias
operadoras de celular são limitações da atual pesquisa
e sugestões para pesquisas futuras.
Apesar de o emprego de mão de obra escrava ser a
mais indecorosa característica presente à definição dos
contornos relativos à formação do campo do Varejo
Financeiro Nacional, outras não ficam muito atrás.
Uma destas foi a proposta arquivada (Projeto de Lei
678/07) que sugeria considerar as administradoras de
cartões de crédito “instituições financeiras especiais”
fora do alcance da Lei dos Bancos e da Lei da Usura,
legalizando o modo como estas empresas já há muito
tempo operam.
No limite, a questão que a regulamentação do setor
de cartões de crédito busca entender é se “seriam estas
lojas, bancos?”. Algo que os relatórios oficiais das
demonstrações financeiras emitidos pelas empresas
varejistas de capital aberto pesquisadas poderiam
ajudar a responder, à medida que uma primeira análise
destes revela que a geração de receita proveniente
da atuação destas junto ao espaço financeiro cresce
a uma taxa anual, em alguns casos, 100% superior à
taxa de geração de receita proveniente de sua atuação
como varejista, vendendo seus produtos tradicionais
não financeiros.
À primeira vista, seria tentador concluir que tais
lojas viraram bancos, mas um olhar mais demorado
sobre a questão e às estruturas acionárias destas
empresas sugere que tais espaços varejistas tenham
“somente” sido colonizados pela lógica financeira,
transformando-se em espaços para os quais se
estenderam as operações das instituições financeiras,
nos quais os brasileiros se acostumaram a “comprar
dinheiro” e levar geladeiras “de troco”, ou seja, os
bancos viraram lojas.
Assim, a construção do campo do varejo financeiro
brasileiro irrompe a segunda década do século
XXI, numa situação em que o modo de produção
escravagista avança rumo à “pseudocidade mais
rica” do país invadindo seus luxuosos shoppings,
capitaneada pelas potenciais “instituições financeiras
especiais”, que, por um lado, negam-se a respeitar
a legislação bancária (e a legislação trabalhista e
a tributária, aplicáveis), por outro, desrespeitam a
Lei da Usura (tal qual agiotas) e, por outro ainda,
ignoram a legislação sobre terceirização (para não
mencionar a Declaração Universal dos Direitos
Humanos) ao quarteirizar a obtenção de seus produtos
a agentes envolvidos em redes criminosas de trabalho
escravo; restando, diante de tal cenário perturbador,
conformarmo-nos com a lógica de George Orwell,
segundo a qual talvez, realmente, “uns sejam mais
iguais que outros”.