Potencialidades do dióxido de chumbo eletrodepositado como sensor
potenciométrico
Eletrodo Auxiliar de Aço Inoxidável.Foi confeccionado para ser usado como
catodo na etapa de pré-tratamento eletrolítico do eletrodo de grafite. Cortou-
se uma lâmina de aço inox AISI 316L de dimensões 3,0 x 3,0 cm e 0,2 mm de
espessura e um prolongamento em um dos lados de 2,0 x 0,3 cm para fixação e
contato elétrico. A soldagem do fio de cobre no metal empregou a mesma técnica
utilizada para a confecção do eletrodo de grafite. A fixação da placa de aço
inox foi feita com resina epoxi em um tubo de vidro de 5 mm de diâmetro externo
e 13 cm de comprimento e a outra extremidade foi selada com Araldite. A Figura
1-B ilustra o perfil do eletrodo auxiliar de aço inox. A limpeza química foi
feita por imersão sob agitação por 10-15 segundos numa solução contendo: 65 mL
de H2O, 7 mL de HCl(t= 37% e r=1,19 g/mL), 4 mL de HNO3(t= 65% e r=1,40 g/mL) e
24 mL de H2SO4(t= 96% e r=1,84 g/mL).Atenção! Esta solução deve ser preparada
na capela, adicionando com cuidado os reagentes na ordem, devagar e sob
agitação regular. Utilizar um banho de gelo para manter a solução resfriada.
Eletrodo Auxiliar de Cobre. Foi construído em forma de espiral a partir de um
fio de cobre padrão AWG16 fixado em um tubo de vidro de 4 mm de diâmetro
externo e 13 cm de comprimento. A selagem na extremidade inferior foi feita com
resina epoxi e na superior com Araldite. Este eletrodo foi usado como catodo na
eletrodeposição do PbO2.
Pré-tratamento eletrolítico do eletrodo-base de grafite
Em um bequer de 120 mL contendo cerca de 80 mL de NaOH 2,5 mol/L, imergiram-se
os eletrodos de grafite (anodo) e aço inox (catodo) posicionados paralelamente.
Conectou-se os eletrodos na fonte de corrente constante e em seguida, sob
agitação, eletrolizou-se a solução alcalina numa densidade de corrente de 100
mA/cm2 por 15 minutos. Ao final da eletrólise, observou-se um escurecimento da
solução indicando a ocorrência de desgaste do grafite. A inspeção da superfície
com uma lente de aumento (6X), revelou a formação de poros homogeneamente
distribuídos sobre toda a superfície. Após lavagem vigorosa com água destilada,
o eletrodo de grafite foi imerso por 5 minutos em HNO3 0,5 mol/L para
neutralizar qualquer resíduo da solução de NaOH que eventualmente tenha se
ocluído nos poros da superfície. Finalmente, outra lavagem vigorosa com água
destilada para a retirada da solução ácida e secagem em fluxo de ar quente
proveniente de um secador de cabelos. Efetuou-se nova medida das dimensões do
grafite, constatando-se uma pequena diminuição na área geométrica. Determinou-
se a massa do eletrodo completo, com precisão de ± 0,1 mg, para posterior
determinação da eficiência coulômbica de deposição do PbO2.
Eletrodeposição do PbO2
Transferiu-se para uma célula eletrolítica termostatizável, 50 mL da solução de
eletrodeposição. Para manter a distribuição homogênea da corrente, o eletrodo
de grafite foi posicionado de maneira a ficar simetricamente circundado pelo
catodo de espiral de cobre. A Figura_1-C ilustra a montagem da célula
eletrolítica.
De acordo com estudos anteriores10, a eletrodeposição foi conduzida a 40°C sob
agitação constante aplicando-se uma densidade de corrente de 50 mA/cm2 durante
1 hora. Não foi observado a liberação de gases durante a eletrodeposição.
Terminada a eletrólise, o eletrodo de PbO2 foi lavado vigorosamente com água
destilada e seco com jato de ar à temperatura ambiente.
Medidas Potenciométricas
Nas titulações ácido-base, encaixou-se na célula potenciométrica os eletrodos
de dióxido de chumbo, de referência e o de vidro combinado. A conexão dos
eletrodos ao potenciômetro-pHmetro, foi feita mediante uma chave comutadora.
Desta forma, foi possível monitorar simultaneamente as variações do potencial
dos eletrodos de PbO2 e EVC e do pH da solução do analito ao longo das
titulações. Em todas as titulações utilizou-se NaNO3 0,2 mol/L como eletrólito
de suporte.
O monitoramento da resposta potenciométrica do sensor de PbO2 a íons Pb(II) em
soluções de acidez e força iônica constante foi feito da seguinte forma; os
eletrodos indicador de dióxido de chumbo e de referência foram imersos em 20,0
mL da solução do eletrólito de suporte (HNO3, NaNO3). Após estabilização do
potencial, foram adicionadas alíquotas das soluções de referência de Pb(NO3)2
contendo a mesma força iônica e concentração de HNO3 livre que o eletrólito de
suporte. A concentração final de Pb(II) na solução após cada adição é obtida
pela expressão:
onde v é o volume (mL) da solução de referência de Pb(NO3)2 0,0932 mol/
L adicionada. Na determinação do efeito da acidez, realizou-se experimentos nas
concentrações 0,03; 0,05; 0,07 e 0,10 mol/L de HNO3 livre. Todas as séries de
medidas potenciométricas foram feitas sem desaerar as soluções de trabalho.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Eletrodeposição do PbO2 sobre grafite
O depósito de dióxido de chumbo obtido foi homogêneo, aderente, de aspecto
aveludado e de coloração preta. A quantidade de PbO2 depositada por centímetro
quadrado é diretamente proporcional à carga faradaica correspondente ao
processo eletródico de formação do óxido. Considerando a equação global de
eletroformação anódica do PbO2 sob 100% de eficiência de corrente,
a massa depositada pode ser calculada por:
onde Q é a quantidade de eletricidade em mAh/cm2, a constante numérica 53,6 é o
valor em amperes.hora correspondente a 2F e M é a massa molar do dióxido de
chumbo.
Visando determinar a eficiência coulômbica da deposição anódica do PbO2 sobre a
base de grafite, efetuou-se eletrólises galvanostáticas em triplicata, nas
condições experimentais estabelecidas. O valor médio obtido foi de 0,4460 g/cm2
de PbO2 e comparando com o valor calculado pela equação (10), revelou
eficiência coulométrica de 100%.
Sendo r a densidade em g/cm3 do b-PbO2, pode-se estimar a espessura do
depósito:
De acordo com Campbell e Peter11 a densidade do dióxido de chumbo é 9,37 g/cm3
e portanto, a espessura calculada para uma densidade de carga de 50 mAh/cm2
corresponde a 0,240 mm. Medindo-se com um micrômetro, a espessura experimental
obtida foi de 0,244 mm. Esta concordância é um indicativo que o depósito obtido
nas condições utilizadas é praticamente compacto e livre de tensões. Um aspecto
importante observado, foi a excelente aderência do depósito sobre o substrato,
propriedade esta fundamental para a estabilidade mecânica do eletrodo. Estes
resultados mostram que as condições eletrolíticas previamente escolhidas para a
deposição do dióxido de chumbo sobre grafite no eletrólito a base de nitrato de
chumbo-ácido nítrico-BCTA, são adequadas para a obtenção do eletrodo indicador.
Titulações potenciométricas e diagramas potencial-pH
Visando avaliar a resposta potenciométrica do eletrodo de dióxido de chumbo
eletrodepositado sobre grafite frente às variações de pH, efetuaram-se algumas
titulações, sempre em triplicata, nos sentidos direto (titulante a base) e
reverso (titulante o ácido) de alguns pares ácido-base típicos.
Para efeito de comparação das curvas de titulação direta e reversa, utilizou-se
como norma graficar os potenciais do eletrodo de PbO2 em função da fração
titulada v/veq, onde v é o volume de titulante adicionado e veqo correspondente
volume de equivalência. No caso do ácido fosfórico, considerou-se o volume de
equivalência referente à neutralização do segundo próton.
As Figuras_2 e 3 mostram as curvas de titulação direta e reversa dos pares
ácido-base HCl-NaOH, HAc-NH3 e H3PO4-NaOH monitoradas com o eletrodo indicador
de dióxido de chumbo. Na Tabela_1 estão reunidos os volumes de equivalência e
os respectivos saltos potenciométricos obtidos nas titulações, utilizando-se o
eletrodo desenvolvido e o eletrodo de vidro combinado.
Para todos os pares ácido-base as curvas potenciométricas bidirecionais
monitoradas com o eletrodo de PbO2 mostram perfis semelhantes àquelas obtidas
com o EVC, apresentando saltos potenciométricos bem definidos e excelente
definição dos pontos de equivalência. Os volumes de equivalência e os saltos
potenciométricos são coincidentes ou apresentaram pequenas variações em relação
aos valores encontrados para o EVC, sendo isto uma indicação que a simetria das
curvas de titulação são as mesmas. Para ambos eletrodos, os desvios padrão
(n=3) calculados a partir dos volumes de equivalência, foram da ordem de ±
0,01mL. Em relação aos potenciais de equivalência e operacionais e os
respectivos coeficientes de Nernst obtidos pelos diagramas E-pH, foram
praticamente nulos, considerando a precisão de ± 1mV do potenciômetro
utilizado.
De posse dos valores do pH real e do potencial, graficou-se os potenciais do
eletrodo de dióxido de chumbo em função do pH. A Figura_4 ilustra o diagrama E-
pH correspondentes às titulações ácido-base nos sentidos direto e reverso dos
pares HCl-NaOH, H3PO4-NaOH e HAc-NH3, e a Tabela_2 engloba os parâmetros de
Nernst do eletrodo de PbO2.
Como se pode observar, os diagramas potencial-pH referentes às titulações de
HCl e H3PO4 com NaOH e ácido acético com NH3 nos sentidos direto e reverso,
apresentaram uma única região linear em toda extensão de pH, sendo que na
presença de íons acetato ocorre um pequeno grau de histerese na varredura
reversa. Com os valores dos potenciais operacionais, KH, obtidos por
extrapolação a pH=0 e dos coeficientes de Nernst, o comportamento potencial-pH
do sensor de PbO2 à força iônica de 0,2 mol/L em NaNO3 e na presença de íons
cloreto, fosfato e acetato são, respectivamente:
E=1285,0 - 54,3pH (procedimento direto) e E=1287,2 - 54,1pH
(procedimento reverso)
E=1315,5 - 56,0pH (procedimento direto) e E=1310,9 - 55,4pH
(procedimento reverso)
E=1280,0 - 52,6pH (procedimento direto) e E=1297,8 - 53,2pH
(procedimento reverso)
Para o eletrodo de vidro combinado nas mesmas condições, as relações de Nernst
são, respectivamente:
E= 393,4 - 57,1pH
E= 399,8 - 57,0pH
E= 388,0 - 56,1pH
Embora apresente um comportamento sub-Nernstiniano, a sensibilidade do eletrodo
de PbO2 à íons H+ é praticamente a mesma do eletrodo de vidro combinado,
indicando a viabilidade operacional do dióxido de chumbo eletrodepositado sobre
grafite como sensor de pH. O baixo nível de histerese e a reprodutibilidade de
potenciais, favorecem a aplicação do eletrodo no monitoramento de H+ em reações
de neutralização.
Resposta potenciométrica do eletrodo de PbO2 à íons Pb(II)
A resposta potenciométrica do eletrodo de PbO2 à íons Pb (II), foi estudado em
soluções 0,03; 0,05; 0,07 e 0,10 mol/L de HNO3 livre, por adição de volumes
exatamente conhecidos de soluções de nitrato de chumbo 0,0932 mol/L. A Figura_5
mostra o efeito da concentração de ácido na resposta potenciométrica do
eletrodo de PbO2. A Tabela_3 apresenta os potenciais operacionais, KPb, as
inclinações operacionais em mV/década e os respectivos coeficientes de
correlação para cada acidez estudada. Pelas mesmas razões comentadas
anteriormente, os desvios padrão (n=3) calculados a partir dos valores dos
potenciais e coeficientes de Nernst obtidos pelos diagramas E-logC, foram
também nulos.
Os resultados mostram que os valores obtidos da inclinação operacional das
curvas de potencial em função do logarítmo da concentração do Pb (II), são
menores do que o valor teórico esperado para uma espécie divalente (29,5 mV/
década a 25oC). A acidez do meio não exerce influência no limite de detecção do
eletrodo. Independente da concentração de ácido nas soluções, o eletrodo de
PbO2 exibe comportamento linear sub-nernstiniano na faixa de 0,35 a 30 mmol/L.
Porém, com o aumento da acidez os valores dos potenciais operacionais se
deslocam para valores mais positivos e os coeficientes angulares convergem para
o valor teórico, ou seja A1®1.
O desempenho e reprodutibilidade como sensor de íons Pb(II) é comparável aos
eletrodos de grafite impregnados com PbO2 e dois eletrodos íon-seletivos a Pb2+
comerciais reportados por Midgley12, embora estes tenham apresentado tempos de
resposta maiores. Um outro aspecto importante a considerar é o fato de que os
eletrodos de membrana sólida íons-seletivos ao íon Pb2+ são a base de PbS-Ag2S,
instáveis em meios de acidez elevada.
Tempo de vida útil do eletrodo de PbO2
Com o intuito de avaliar o efeito do tipo de armazenagem e o tempo de vida útil
do eletrodo indicador de PbO2, foram realizadas titulações potenciométricas
direta e reversa de H3PO4 e NaOH diariamente por um período de três meses.
Verificou-se que o tempo de vida do eletrodo de PbO2 é grande e uma excelente
reprodutibilidade é obtida quando o eletrodo é guardado a seco, e o depósito de
dióxido de chumbo mantém o mesmo aspecto e características mecânicas obtidos
logo após a eletrodeposição. Quando o eletrodo foi guardado em um recipiente
contendo água deionizada, o eletrodepósito inicialmente de coloração preta,
passou a apresentar uma coloração preto-avermelhada após alguns dias, indicando
a formação da espécie mista PbO2-Pb3O4 na superfície do eletrodo. O recipiente
contendo água em que foi armazenado o eletrodo, ao longo das semanas adquiriu
uma coloração esbranquiçada, evidenciando o processo de corrosão lenta do PbO2
em meio neutro com a formação de íons Pb(II) que por hidrólise, forma o Pb(OH)2
(s). O substrato de grafite pode ser reciclado para novas deposições após a
limpeza química da camada de dióxido de chumbo em uma solução de ácido acético
glacial, água oxigenada e água 1:1:1.
CONCLUSÕES
Os resultados mostram que o eletrodo de dióxido de chumbo eletrodepositado
sobre grafite pode ser utilizado como sensor potenciométrico em titulações
ácido-base e na dosagem de íons Pb (II) em meios de acidez rigorosamente
controlada.
O tempo de vida útil do eletrodo é longo desde que armazenado a seco, podendo
ser utilizado repetidas vezes com boa reprodutibilidade.