Desaluminação do zeólito ofretita por efeito da radiação gama
INTRODUÇÃO
As propriedades dos zeólitos como catalisadores, adsorventes e permutadores
iônicos, estão diretamente relacionadas com o teor em alumínio da rede
cristalina, constatando-se, por exemplo, que o aumento da razão Si/Al da rede
zeolítica se traduz numa maior estabilidade térmica e em alterações
significativas da acidez destes materiais.
Na medida em que a maioria das estruturas zeolíticas só pode ser sintetizada
num intervalo muito estreito de razões Si/Al, revestem-se de grande importância
os tratamentos de desaluminação que, como o nome indica, permitem remover uma
fração dos átomos de alumínio da estrutura zeolítica, sem que tal afete de
forma muito acentuada a rede cristalina das amostras.
A primeira referência a este tipo de tratamentos pós-síntese é um estudo
realizado nos anos 60 por Barrer e Makki1 sobre a modificação do zeólito
clinoptilolita por tratamentos ácidos. Desde este trabalho pioneiro encontram-
se propostos na literatura diversos outros processos de desaluminação de
estruturas zeolíticas, sendo os tratamentos hidrotérmicos (calcinações a
temperaturas superiores a 773 K, em regime de steaming ou self-steaming, isto
é, introduzindo ou não um fluxo contínuo de vapor de água no sistema
reaccional)2,3 e os tratamentos com SiCl44 os mais vulgarmente usados. Dos
restantes salientam-se reações com EDTA5 ou outros agentes quelantes6 e
tratamentos com soluções de (NH4)2SiF67 , cuja aplicação é relativamente
frequente, e reações com F28, com compostos fluorados9,10 e compostos
clorados11,12, que são empregues de modo esporádico.
As estruturas zeolíticas podem ainda ser modificadas por efeito da radiação g,
encontrando-se, de fato, na literatura, alguns trabalhos em que por este
processo se promovem alterações das propriedades ácidas das estruturas
irradiadas13-17. Revendo estes estudos conclui-se que, por um lado, nenhum
deles teve em vista a desaluminação das estruturas e, por outro, constata-se
que em nenhum dos casos as estruturas foram irradiadas em atmosfera de umidade.
Considerando que a presença de água é determinante para promover a
desaluminação das estruturas zeolíticas por tratamentos térmicos, o trabalho
que agora se apresenta teve por objetivo realizar um estudo preliminar sobre o
efeito da radiação g, nomeadamente do calor gerado por esta radiação, sobre
estruturas zeolíticas, em diferentes condições de umidade. A estrutura
selecionada para este estudo foi a do zeólito ofretita, dado que este trabalho
se enquadra num estudo mais vasto sobre a desaluminação desta estrutura
zeolítica18-20, dispondo-se assim de um conjunto de resultados que permite
confrontar as características das amostras irradiadas com as apresentadas pelas
estruturas desaluminadas por processos mais usuais, nomeadamente, tratamentos
hidrotérmicos.
O zeólito ofretita apresenta uma rede cristalina de simetria hexagonal, sendo o
sistema poroso constituído por dois tipos de canais: grandes canais retilíneos
(aberturas de 12 átomos de oxigênio) interligados por cavidades gmelinita
(aberturas elípticas de 8 átomos de oxigênio), cuja sucessão origina canais
sinuosos e perpendiculares aos anteriores21-23. Estas características
estruturais conferem à ofretita a propriedade de seletividade de forma:
enquanto que moléculas com diâmetros críticos relativamente pequenos, como os
hidrocarbonetos lineares, tem acesso aos dois tipos de canais, moléculas mais
volumosas, como por exemplo os xilenos, difundem-se apenas nos grandes canais.
PARTE EXPERIMENTAL
Preparação das amostras
A amostra de ofretita protônica, HOFF, que serviu de base a este estudo foi
obtida da correspondente forma K,TMA,OFF (TMA - íon tetrametilamônio) seguindo
a protocolo descrito na ref. 18 e apresenta a seguinte composição da célula
unitária, estimada a partir dos resultados de análise elementar:
K0.50H2.40Al2.9 Si15.1O36
Para proceder à irradiação introduziram-se amostras de cerca de 200 mg em
ampolas de pyrex que foram seladas nas seguintes condições:
A -sob_vácuo, após desgaseificação a 673 K durante 3 horas com vácuo inferior a
10-5 torr.
B - numa atmosfera_de_vapor_de_água, correspondente à tensão de vapor de 23
torr.
C - na presença_de_água, numa proporção de volume de água/massa de zeólito de
0.5 cm3 g-1.
Nestas condições as amostras, inicialmente à temperatura ambiente, foram
expostas a doses de radiação g entre 300 e 2100 kGy, com uma taxa de dose de
40kGy h-1, à temperatura ambiente, usando uma fonte de cobalto-60. Após
irradiação, e seguindo os procedimentos adotados por outros autores13,14, as
amostras permaneceram seladas durante 3 semanas antes de se proceder à sua
caracterização.
Na continuação as amostras irradiadas são designadas pelas letras A, B ou C,
indicativas das condições de umidade em que decorreu a irradiação, seguidas da
dose de radiação a que foram expostas.
Técnicas de caracterização
Os difratogramas de raios X, para valores de 2q entre 5 e 40o, foram obtidos à
temperatura ambiente num difractômetro Philips 1820, usando a radiação Ka do
Cobre isolada da Kb por intermédio de um filtro de níquel. Antes de se proceder
a esta análise as amostras foram colocadas num hidratador (35 % de umidade
relativa) durante, pelo menos, 16 horas. Com base nestes resultados estimou-se
a percentagem de cristalinidade das amostras, CRX, pela razão entre as somas
das alturas dos picos correspondentes aos índices de Miller (210), (211), (102)
e (212) da amostra em estudo e da HOFF, estrutura que se tomou como padrão e
que, portanto, se considerou 100 % cristalina. O parâmetro a da célula unitária
foi determinado a partir de todas as reflexões no intervalo de 2q entre 5 e 40o
pelo método dos mínimos quadrados24.
Os espectros de infravermelho na região entre 1300 e 300 cm-1 foram realizados
à temperatura ambiente num espectrofotômetro HITACHI 250-50, com uma resolução
de 2 cm-1. As amostras foram analisadas sob a forma de pastilhas, preparadas a
partir de misturas onde a amostra de zeólito foi diluída em KBr na proporção de
1/300.
As isotermas de adsorção de nitrogênio a 77 K foram determinadas numa
instalação volumétrica convencional equipada com um sensor de pressão MKS-
Baratron (0-1000 torr). Antes de se efetuarem estes ensaios os sólidos foram
submetidos a um tratamento de desgaseificação a 673 K durante 3 horas, sob
vácuo dinâmico melhor que 10-5 torr. Os resultados de adsorção são expressos em
volume de nitrogênio, considerado líquido (rN2 = 0.808 g cm-3), por massa de
adsorvente desgaseificado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A caracterização das amostras por espectroscopia de infravermelho foi efetuada
apenas na designada região T-O-T, 1300- 300 cm-1, isto é, na região onde as
bandas de absorção refletem as vibrações das unidades primárias de construção
das estruturas zeolíticas, os tetraedros TO4 (T=Si ou Al). Assim, na Tabela_1
apresentam-se os valores dos números de onda das bandas de estiramento
assimétrico, n1, e simétrico, n2, das amostras HOFF e estruturas irradiadas. Os
valores de n2 correspondem a máximos de bandas muito bem definidas e estreitas
pelo que se considera que nas condições em que foram obtidos os espectros a
precisão destes valores é igual ou inferior a 1cm-1. A evolução dos valores que
caracterizam as amostras irradiadas relativamente aos da amostra inicial
comprova a desaluminação das estruturas, pois o decréscimo progressivo do
número de alumínios da rede zeolítica, NAl, reflete-se no deslocamento de ambas
as bandas para números de onda mais elevados18, 25. Este conjunto de resultados
mostra também que só foi possível promover a desaluminação parcial da estrutura
da ofretita quando a irradiação se processou numa atmosfera úmida. Com efeito,
apenas no caso das amostras do tipo B e C os valores de n1 e n2 são
significativamente mais elevados do que os apresentados pela amostra HOFF.
Considerando que a desaluminação progressiva das estruturas zeolíticas está
associada igualmente à contração dos parâmetros da célula unitária18, 25,
verifica-se que a evolução do parâmetro a das amostras irradiadas é consistente
com os dados de infravermelho.
Com base nos valores de n1 e n2 e nas relações NAl=f(n1 ou n2), que foram
propostas para este tipo de estrutura zeolítica18, é possível analisar
quantitativamente os efeitos dos tratamentos efetuados na composição da célula
unitária. Assim, na tabela_1 apresentam-se os valores de NAl(n2) que, como a
sua designação indica, foram estimados a partir de valor de n2 que caracteriza
cada uma das amostras. Não se recorreu à relação NAl= f(n1) por esta não se
encontrar bem definida no intervalo entre 1050 e 1075 cm-1, onde se situam os
valores que caracterizam a maioria das amostras irradiadas.
Considerando então os valores de NAl(n2) como representativos do teor em
alumínio da célula unitária estimou-se a percentagem de desaluminação das
amostras, %D, estando os resultados expressos na última coluna da tabela_1. Os
valores obtidos mostram que, no limite das condições ensaiadas, se obteve uma
estrutura (B-2100) onde foram removidos cerca de 13 % dos átomos de Al
inicialmente presentes na célula unitária. Esta taxa de desaluminação não sendo
muito elevada é, no entanto, comparável a valores obtidos para amostras de
ofretita desaluminadas por tratamentos de self-steaming e steaming, com
percentagem de cristalinidade similares18,26. Por outro lado, a confrontação
dos resultados apresentados pelas amostras do tipo B e C indica que o número de
átomos de Al que é possível remover da rede cristalina da ofretita irradiando a
estrutura em presença de umidade parece depender, fundamentalmente, da dose de
radiação a que as amostras foram expostas.
A evolução da percentagem de cristalinidade, CRX, em função da dose de
radiaçãog, que se reproduz na figura_1, mostra que o aumento da dose de
radiação a que a estrutura é exposta acarreta, em qualquer caso, uma maior
destruição da estrutura. Observa-se igualmente que para a mesma dose de
radiação a perda de cristalinidade é sempre mais acentuada nas amostras
irradiadas em vácuo na ausência de umidade (amostras A). Porém, os dados de
raios X obtidos nas amostras tipo B e C parecem indicar que uma maior ou menor
percentagem de umidade não se reflete na perda de cristalinidade das
estruturas, que tal como a taxa de desaluminação, parece depender,
essencialmente, da dose de radiação.
As isotermas de adsorção de nitrogênio a 77 K que se reproduzem na figura_2
exemplificam o efeito da irradiação nas propriedades texturais das amostras.
A análise da configuração de qualquer uma das curvas apresentadas permite
constatar que estamos em presença de isotermas reversíveis e predominantemente
do tipo I na classificação BDDT27, o que revela o caráter quase exclusivamente
microporoso destes sólidos. Confrontando a parte inicial das curvas (p/p0<0.4)
verifica-se que para as amostras irradiadas as quantidades adsorvidas são
sempre inferiores ao que se observa com a HOFF, sendo as curvas nesta região
praticamente sobreponíveis por um deslocamento vertical, o que sugere que a
exposição à radiação g acarreta sobretudo uma perda de volume microporoso, e
não uma alteração da distribuição de tamanho de microporos. Na região acima de
p/p0= 0.4 verifica-se que as isotermas correspondentes às estruturas irradiadas
apresentam uma inclinação um pouco mais acentuada que a observada para a curva
da amostra inicial, evidenciando a presença de uma percentagem de
mesoporosidade ligeiramente mais elevada nas amostras irradiadas.
A micro e mesoporosidade das amostras foi avaliada quantitativamente aplicando,
respectivamente, a equação de Dubinin-Raduskevich (DR)28 e método aS28 e o
método de Pierce29, estando os resultados expressos na tabela_2.
A evolução dos volumes microporosos totais estimados pelos dois métodos, VN2
(DR) e VN2(aS), são praticamente coincidentes e mostram que a perda de volume
microporoso é muito mais acentuada na amostra C-900, concluindo-se que as
condições de umidade podem condicionar significativamente as modificações da
estrutura, ao contrário do que pareciam indicar tanto os resultados de
infravermelho como os de difração de raios X, segundo os quais é a dose de
radiação e não a percentagem de umidade que determina as características das
estruturas modificadas.
Tendo presente que no processo de desaluminação há simultâneamente a formação
de espécies extra-rede, cuja mobilidade e localização final dependem da
percentagem de umidade, podem então admitir-se situações em que com a mesma
rede cristalina seja distinto o acesso ao sistema poroso. Este parece ser o
caso exemplificado pelas estruturas B-900 e C-900 que resultam praticamente
idênticas quando analisadas por infravermelho ou difração de raios X, mas
significativamente diferentes em termos de textura microporosa.
CONCLUSÕES
Os resultados do presente estudo mostram que por efeito da radiação g é
possível desaluminar a estrutura da ofretita desde que o processo se efetue
numa atmosfera com um certo grau de umidade. Com efeito, nas amostras
irradiadas sob vácuo verificou-se apenas uma perda de cristalinidade.
A percentagem de átomos de alumínio removidos da rede cristalina parece
depender fundamentalmente da dose da radiação e não das condições de umidade,
as quais, no entanto, influenciam a porosidade da estrutura das amostras
irradiadas, provavelmente por modificarem a localização final das espécies
extra-rede formadas durante o processo.
Com este estudo concluiu-se também que a monitorização do processo de
desaluminação pode efetuar-se por espectroscopia de infravermelho ou difração
de raios X pois estas duas técnicas conduzem a resultados concordantes sem, no
entanto, evidenciarem diferenças da textura das amostras. Tendo em vista a
importância desta propriedade nas amostras desaluminadas torna-se pois
indispensável recorrer à adsorção de gases, neste caso, nitrogênio a 77 K, para
avaliar a eficiência do processo.
Todas estas constatações permitem pois admitir que, desde que se otimizem as
condições experimentais, a exposição à radiação g em ambiente de umidade
controlada, pode constituir uma alternativa aos diversos métodos de
desaluminação de estruturas zeolíticas propostos na literatura.