A química dos liquens
INTRODUÇÃO
Define-se liquens como organismos simbióticos compostos por um fungo
(micobionte) e uma ou mais algas (fotobionte)1.
Calcula-se que existam 13.500 espécies (aproximadamente 600 gêneros) de fungos
liquenizados, o que corresponde a 20% dos fungos conhecidos2,3. A grande
maioria (98%) dos fungos liquênicos são Ascomicetos e 46% desses são
liquenizados, de modo que a liquenização é uma grande regra e não uma exceção
nesse grupo de fungos. Os Deuteromicetos ou fungos imperfeitos são
representados por apenas uma dezena de gêneros, ou pouco mais. Os
Basidiomicetos formam diversas associações semelhantes a liquens em regiões
tropicais e são encontrados com algas azuis. Algumas espécies do gênero
Dictyonema ocorrem como Basidiomiceto liquenizado2.
As algas mais comuns encontradas na associação são as clorofíceas e destas a
mais freqüente é uma espécie de Trebouxia, em aproximadamente 70% dos gêneros
de liquens. Além dessa, ocorrem também espécies de Coccomyxae
Trentepohlia.Entre as algas verde-azuladas (cianofíceas), as mais comuns são a
Nostoc e Scytonema 4.
Nos liquens, as algas constituem, com raras exceções, uma parte muito pequena
do talo variando entre 5-10% da massa ou volume e são completamente envolvidas
pelos tecidos do fungo nos talos. Portanto, toda a organização do talo
liquênico se deve ao fungo. As algas podem, ou não, estar restritas a uma
camada especial do talo e responsabilizam-se totalmente pela fotossíntese3.
O micobionte, geralmente dominante, é um organismo heterotrófico que obtém sua
fonte de carbono do fotobionte. A liquenização pode ser considerada uma
estratégia pela qual o fungo pode satisfazer sua necessidade de carboidrato
para respiração e crescimento2. Sabe-se hoje, que polióis em liquens com algas
verdes e glucose em liquens com cianofíceas são passados do fotobionte para o
micobionte3. No estado liquenizado a parede celular do fotobionte se torna mais
permeável à perda de carboidratos, resultando em benefício para o micobionte5.
Além disso, em cianoliquens o micobionte ganha uma fonte de nitrogênio6.
Com relação à alga, as vantagens não estão associadas a ga-nhos metabólicos em
si, mas a benefícios, de alguma maneira, relativos à hidratação, evitando
dessecação. Além disso, as hifas opacas protegem a alga de alta intensidade
luminosa, e a liquenização é um mecanismo que permite ao fotobionte se
desenvolver em ambientes de alta luminosidade7.
Como resultado da simbiose, tanto fotobionte e micobionte têm se espalhado em
muitos habitats, das regiões tropicais às polares, onde separadamente, na
condição de organismos de vida livre, não existiriam, ou seriam raros. Por
exemplo, as algas de vida livre e cianofíceas, em sua maioria, ocorrem em
ambientes aquáticos ou bastante úmidos, mas como parte de liquens ocorrem
abundantemente em habitats que são freqüentemente secos8,9.
Os liquens são encontrados desde o nível do mar até as montanhas mais altas.
Porém, são relativamente raros em altitudes acima de 5.000 m e em matas
excessivamente escuras. Podem, também, ser encontrados em desertos onde a
temperatura é bastante variável, e em regiões polares, com temperaturas
extremamente baixas. Seu limite de tolerância às oscilações climáticas é
superior a qualquer outro vegetal9. Desenvolvem-se sobre os mais variados
substratos, sendo que muitos não apresentam especificidade: existem espécies
que somente se desenvolvem sobre córtex de árvores, outras sobre folhas e
outras sobre rochas alcalinas ou ácidas, necessitando ou não das
características físicas como rugosidade, porosidade, dureza, exposição à luz;
há outras, ainda, mais exigentes quanto ao pH do substrato, presença de
partículas no ar, umidade, ventos e temperatura. Portanto, a presença de
liquens nos mais variados habitats e micro-habitats depende da disponibilidade
de fatores físicos e climáticos que proporcionem as condições necessárias para
seu desenvolvimento. Dessa forma, cada região pode apresentar uma comunidade
liquênica com componentes específicos próprios em resposta às condições
ambientais10.
QUÍMICA DOS LIQUENS
As substâncias químicas produzidas pelos liquens são agrupadas, de acordo com a
localização no talo, em produtos intracelulares e extracelulares. Sendo o talo
liquênico uma estrutura composta, alguns produtos são sintetizados pelo fungo,
outros pela alga11. Os produtos intracelulares (carboidratos, carotenóides e
vitaminas, aminoácidos e proteínas) estão ligados na parede celular e ao
protoplasto. São freqüentemente solúveis em água e podem ser extraídos com água
quente. Esses compostos ocorrem não somente em liquens, mas em fungos e algas
de vida livre e em plantas superiores11.
Metabólitos primários
Carboidratos
Polióis tais como glicerol, eritritol, ribitol, arabinitol, D-volemitol, D-
sifulitol e açúcares como glucose, sacarose, trealose e outros, são metabólitos
comuns em liquens. São produtos resultantes da atividade fotossintética do
ficobionte e ocorrem também em plantas superiores. Entretanto, compostos como
3-O-b-D-galactofuranosil-D-manitol (peltigerosídeo) e 2-O-b-D-galactofuranosil-
D-ribitol (umbilicina) são exemplos de compostos restritos a liquens12,13.
Glucanas (liquenanas e isoliquenanas) e heteropolissacarídeos contendo manose
estão presentes nos liquens em quantidades relativamente altas. Variações em
estruturas químicas de a e b glucanas (isoliquenanas e liquenanas,
respectivamente) são devidas às diferentes proporções de ligações 1®3 e 1®4
contidas em cada uma. Um outro grupo, as pustulanas, contêm unidades de b-D-
glucopiranosil com ligações 1®6, e, algumas vezes, encontram-se parcialmente
acetiladas14.
Heteropolissacarídeos de liquens, contêm galactose, manose e em alguns casos,
ácido galacturônico. Na maior parte, são constituídos de uma cadeia principal
1®6 a-D-Manp, substituída com várias cadeias laterais, incluindo unidades de a-
e b-D-Galp, b-D-Galf,ae b-D-Glcp e a e b-D-Manp.Algumas das estruturas de
heteropolissacarídeos de liquens, são semelhantes àquelas isoladas de
leveduras14,15.
Aminoácidos, derivados e proteínas
Aminoácidos livres encontrados nos liquens são similares aos observados em
outros vegetais. Dos aminoácidos que ocorrem em proteínas, alanina e ácido
glutâmico são os predominantes em liquens. Além desses, podem ocorrer
diferentes aminoácidos ou seus derivados, como sarcosina, taurina, citrulina,
ácido b-aminobutírico16-18.
A natureza das proteínas de liquens não está ainda bem estabelecida e poucos
são os relatos sobre o isolamento dessas substâncias. Vicente, em 198819,
publicou uma revisão abordando a enzimologia de liquens, envolvendo o
metabolismo de carboidratos, lipídeos, fenóis e de nitrogênio nestes
organismos. Outros relatam o isolamento de urease20, celulase21,22, manitol-1-
fosfato-desidrogenase23, bromoperoxidase24. Inibidores de serinoproteinases
(tripsina e calicreína tissular) e cisteínoproteinases foram isolados de
Collema leptosporum25,26.
Glicolipídeos
Recentemente, Machado et al.27relataram o isolamento e identificação de três
glicolipídeos extraídos de Ramalina celastri. O principal componente foi O-a-D-
galactopiranosil-(1®6)-O-b-D-galactopiranosil-(1 ®1)-D-glicerol esterificado
com ácidos graxos de cadeia longa, sendo alguns desses insaturados.
Metabólitos secundários
Os produtos extracelulares, freqüentemente chamados metabólitos secundários,
são encontrados na medula ou no córtex, raramente em ambas as camadas.
Substâncias que apresentam cor, como a maior parte das antraquinonas, derivados
do ácido pulvínico e ácido úsnico [1], outras incolores como atranorina [2] e
liquexantona [3] são exemplos típicos de substâncias presentes no córtex.
Entretanto, pode ocorrer que as substâncias químicas estejam localizadas também
em outras partes do líquen. Nos apotécios de Haematoma ventosum está presente a
hemaventosina [4], que é um pigmento vermelho escuro28, 29,em Letraria
columbina os apotécios contêm ácido norstítico [5] e no talo estão presentes
atranorina [2] e ácido vulpínico30 [6]. O ácido taminólico [7] ocorre nos
apotécios e o ácido perlatólico [8] no talo de Icmadophila ericetorum31.
Em geral, em um espécime pode ocorrer de um a três ou mais compostos
resultantes do metabolismo secundário. Entretanto, há casos, como
Pseudocyphellaria impressa da Nova Zelândia que apresenta 41 diferentes
depsídeos, depsidonas, derivados do ácido pulvínico e 17 triterpenos32.
Atualmente, são conhecidos aproximadamente 630 compostos provenientes do
metabolismo secundário de liquens. São ácidos alifáticos, meta- e para-
depsídeos, depsidonas, ésteres benzílicos, dibenzofuranos, xantonas,
antraquinonas, ácidos úsnicos, terpenos e derivados do ácido pulvínico. Ainda
que esses compostos sejam também produzidos por fungos de vida livre e por
plantas superiores (50-60), a maior parte é considerada exclusiva de liquens33.
Muitas espécies em que o fotobionte é uma cianobactéria não produzem derivados
fenólicos34.
A concentração de metabólitos secundários pode variar de 0,1 a 10% em relação
ao peso seco do talo liquênico, embora em alguns casos a concentração possa ser
mais alta11,34,35. O estudo sistemático das substâncias químicas resultantes do
metabolismo secundário de liquens teve início com os trabalhos de Bebert em
1831, Alms em 1832 e Knopp em 1844 que isolaram os ácidos vulpínico [6],
picroliquênico [9] e úsnico [1], respectivamente, de algumas espécies
liquênicas36.
Gmelin, em 1858, publicou a primeira revisão sobre substâncias isoladas de
liquens36. Entretanto, o marco inicial da Liquenologia foi estabelecido com os
trabalhos de Zopf e de Hesse. Zopf (Friedlich Wilhelm Zopf) era botânico e
publicou, em 1907, uma das mais importantes obras na área de Liquenologia37. O
livro "Die Flechtenstoffe in chemischer, botanischer, pharmakologischer
und technischer Beziehung " é uma compilação de trabalhos que foram por
ele publicados e descreve fórmulas empíricas, propriedades e ocorrência de 150
compostos. O químico Hesse, no período de 1861 a 1905, publicou inúmeros
trabalhos sobre substâncias isoladas de liquens. O mais importante deles,
"Flechtenstoffe", foi editado em 191238.
O ácido lecanórico [10] foi o primeiro depsídeo de líquen sintetizado em
laboratório por Emil Fischer em 191339.
Durante o período de 1930, Asahina, químico japonês, determinou fórmulas
moleculares de várias substâncias liquênicas mais comuns e estabeleceu a base
para pesquisas posteriores desses compostos40a - 40r.
Em 1954, Asahina e Shibata, no Japão, publicaram um outro clássico da
Liquenologia, o livro "Chemistry of Lichen Substances". Essa obra é
uma compilação de seus trabalhos e contém as estruturas elucidadas de numerosos
compostos, suas sínteses, os métodos de isolamento e purificação e algumas
propriedades físicas41. Nesse trabalho incluíram também a identificação de
substâncias liquênicas por microcristalização e descreveram a ação antibiótica
de vários compostos.
Asahina e Shibata dividiram as substâncias liquênicas em alifáticas e
aromáticas. Na série alifática incluíram os ácidos graxos, polióis e
triterpenos e na série aromática os derivados do ácido tetrônico (ácido
pulvínico), depsídeos, depsidonas, quinonas, dibenzofuranos e derivados da
dicetopiperazina. O sistema de classificação das substâncias liquênicas
proposto por Asahina e Shibata foi baseado em conhecimentos estruturais e vias
biossintéticas que lhes dão origem41. O sistema de classificação mais recente é
aquele proposto por Culberson & Elix42, em que as substâncias são ordenadas
de acordo com sua provável origem biossintética.
Biossíntese
A maior parte dos metabólitos secundários de liquens são compostos oriundos da
via do acetil-polimalonil. Essa via conduz à formação de compostos alifáticos
como os ácidos graxos de cadeia longa e as substâncias aromáticas do tipo
ácidos fenólicos.
A acetilSCoA pode sofrer ativação de átomos de hidrogênio a do grupo metila por
ação do sítio de caráter básico presente na enzima que toma parte no processo
sintético. A ativação desenvolve caráter básico na molécula pela remoção de um
próton e o carbono a pode então, por um ataque nucleofílico ao carbono
carbonílico eletrofílico de outra molécula de acetilSCoA, formar o derivado
acetoacetilSCoA por condensação tipo Claisen43.
A formação do b ceto-éster é o ponto de partida para a síntese de terpenos pela
via do ácido mevalônico. O b ceto-éster obtido pode também, por redução e
repetidas condensações, conduzir à formação de ácidos graxos, ou, por
condensações sem redução, a policetídeos, os quais podem ciclizar, dando origem
a compostos aromáticos43, 44.
Via do acetil-polimalonil
Ácidos graxos
Os ácidos graxos que ocorrem em liquens apresentam certa semelhança com aqueles
que ocorrem em fungos não liquenizados, porém não são idênticos. Ácidos
agarícico [11] e 2-decilcítrico [12] isolados de fungos são estruturalmente
relacionados ao ácido caperático [13], um metabólito comum em liquens45, 46.
Além do ácido caperático [13], podem ocorrer em liquens outros ácidos, como
rocélico [14], rangifórmico [15] e nor-rangifórmico [16]. Ácidos acaranóico
[17] e acarenóico [18] são d-lactonas e os ácidos liquesterínico [19],
nefrosterânico [20], nefrosterínico [21] e protoliquesterínico [22], são
exemplos de ácidos g-lactônicos de cadeia longa.
Ácidos hidroxilados como 9, 10, 12, 13-tetraidroxieneicosanóico e 9, 10, 12,
13-tetraidroxieicosanóico são freqüentes em liquens. Até 1973, ácidos graxos de
cadeia longa, como oleico e linoleico não tinham sido citados como componentes
de liquens35. Mais recentemente, Dembitsky et al. analisaram cinco espécies de
liquens da subclasse Gymnocarpeae47, três espécies do gênero Parmelia48, três
espécies da ordem Lecanorales49 e identificaram, através da análise por CG-EM,
ácidos de cadeia longa, como palmítico, esteárico, oleico, linoleico e
linolênico, além de outros ácidos de cadeia mais longa que esses e de
estruturas variadas. Xantoria parietina apresenta ácidos graxos que variam de
10 a 20 carbonos e, entre esses, os ácidos insaturados palmitoleico, oleico,
linoleico, linolênico e 11,14-eicosadienoico50.Ácidos palmítico, esteárico,
láurico, linoleico, oleico e araquídico também foram identificados em Collema
leptosporum51.
A biossíntese de ácidos graxos de cadeia longa presentes em liquens, procede de
maneira semelhante àquela já estabelecida em diversos organismos19, 43, 44 52-
54. Entretanto, são poucas as informações disponíveis sobre a biossíntese das
lactonas dos ácidos alifáticos de cadeia longa. A biossíntese do ácido
protoliquesterínico [22] foi estudada por Blomer et al.54 que suplementaram
talos de Cetraria islandica com glucose e [1-14C]acetato de sódio. Os autores
sugeriram que a biossíntese do ácido protoliquesterínico deve envolver um
intermediário de 3 C como o piruvato, ou de seus precursores (como o
oxalacetato) da via glicolítica, que se condensa com o grupo a-metileno de uma
longa cadeia alcanoilSCoA, como o palmitoilSCoA. A desidratação e ciclização
oxidativa do produto resultante dessa condensação dá origem ao ácido
protoliquesterínico [22].
Compostos aromáticos
Depsídeos e Depsidonas
Embora muitos dos compostos aromáticos isolados de liquens sejam exclusivos
desse grupo vegetal, alguns podem ser encontrados também em fungos não
liquenizados ou em plantas superiores.
Os compostos aromáticos mais comumente presentes em liquens são formados pela
esterificação de duas ou ocasionalmente três unidades fenólicas, como por
exemplo, derivados do ácido orselínico43.
Duas unidades fenólicas derivadas do orcinol, isto é, sem substituintes na
posição 3 podem formar compostos denominados depsídeos55. Esses compostos são
formados pela esterificação da carboxila da posição 1 da primeira unidade com a
hidroxila da posição 4' ou da posição 3' da segunda unidade. Os compostos
resultantes são para-depsídeos e meta-depsídeos da série do orcinol, como o
ácido lecanórico [10] e o ácido criptoclorofeico [23]. Tridepsídeos são
resultantes da esterificação de três unidades fenólicas, como no ácido
girofórico[24]55.
Além dos depsídeos derivados do orcinol (ácido orselínico), ocorrem outros
derivados do b-orcinol (ácido b-metil-orselínico), como por exemplo atranorina
[2], os ácidos difractáico [25], obtusático [26] e baeomicésico [27].
Um outro grupo de compostos estruturalmente relacionados aos depsídeos são as
depsidonas. Além de ligação éster presente nos depsídeos, as depsidonas
apresentam também um heterocíclo adicional resultante de uma ligação éter,
geralmente entre as posições 2 e 5' como no ácido fisódico [28]. No ácido
variolárico [29] a ligação éter está entre as posições 2 e 3', sendo este o
único caso, até então, conhecido.
Biossíntese de derivados fenólicos
O ácido orselínico é a unidade fundamental da biossíntese de depsídeos e
depsidonas. O processo biossintético inicia-se, como no caso dos ácidos graxos,
com a condensação de 1 mol de acetilSCoA e 1 mol de malonilSCoA. A
acetoacetilSCoA, resultante da condensação da acetilSCoA com malonilSCoA, pode
condensar com duas outras moléculas de malonilSCoA em etapas sucessivas,
formando um policetídeo de 8 carbonos. Este último pode ciclizar através de
dois processos distintos: um deles por condensação aldólica produzindo ácido
orselínico, e o outro por condensação tipo Claisen, produzindo
floroacetofenona52(Fig._1).
A reação biossintética de formação de ácido orselínico é catalisada pela enzima
ácido orselínico sintase19. O mecanismo de formação desse ácido envolve reação
de desidratação somente na etapa final quando ocorre a ciclização da cadeia
para formar o ácido orselínico, diferente do que acontece na biossíntese do
ácido 6-metilsalicílico, característico de outras espécies de fungos de vida
livre. A reação de obtenção do ácido 6-metilsalicílico é catalisada pela enzima
ácido aromático sintase19. A enzima ácido orselínico sintase tem sido
caracterizada como um complexo enzimático contendo duas atividades
transacetilases, uma proteína transportadora de grupos acil, uma enzima de
condensação, uma de ciclização e uma atividade hidrolase. Embora os liquens
produzam ácido orselínico em concordância com essa via, o sistema
multienzimático não está ainda totalmente elucidado19.
O ácido orselínico é o precursor de depsídeos derivados do orcinol. A formação
desses compostos ocorre por esterificação entre unidades derivadas desse ácido.
Várias esterases podem estar envolvidas nesse processo. Entretanto, essas
enzimas não foram ainda isoladas56.
Os para-depsídeos da série do orcinol apresentam hidroxilas substituintes nas
posições 2 e 4 do primeiro anel e 2' do segundo anel, exceto no ácido planáico
[30] em que 2 e 2' se encontram metoxiladas. No ácido confluêntico [31] as
metoxilas se encontram nas posições 4 e 2', enquanto que no ácido divaricático
[32] a metoxila se encontra na posição 4.
Vários depsídeos derivados do orcinol contém outros grupos substituintes
ligados às unidades de ácido orselínico. Esses depsídeos são biossintéticamente
derivados do ácido 6-alquil-2,4-diidróxibenzóico ou do ácido 6-alquil-b-ceto-
2,4-diidróxibenzóico. Devido às variações da cadeia alquila nas unidades do
ácido orselínico, o número de depsídeos é bastante elevado52.
Cadeias laterais de um ou mais carbonos (-CH3,-CH2CH2CH3,-C5H11,-C7H15)
localizam-se nas posições 6 e 6'. Pode ocorrer que a cadeia lateral apresente
grupo cetônico na posiçãob, como no ácido confluêntico [31].
Visando determinar se as unidades de 1 Carbono são introduzidas antes ou após a
ciclização de policetídeos para formação de derivados do b-orcinol, foram
realizados experimentos utilizando talos de Parmotrema tinctorum que produzem
ácido lecanórico [10], atranorina [2] e 5-cloroatranorina [2a]57,58.Os talos
foram suplementados com [1-14C ]acetato e [1-14C]formiato. Após uma semana de
incubação os compostos foram isolados e a medida da atividade específica de
cada um deles indicou que [1-14C]acetato é o precursor dos três depsídeos,
enquanto que [1-14C]formiato é incorporado somente em atranorina [2b] e em 5-
cloroatranorina [2c] participando na formação dos grupos -CHO (C 8) e CH3 (C
8') desses compostos43.
Quando o ácido orselínico marcado nos carbonos 2,4 e 6 com 14C foi suplementado
aos talos de P.tinctorum somente o ácido lecanórico [10a] apresentou-se
radioativo. A ausência de atranorina [2b] e 5-cloroatranorina [2c] levou à
conclusão de que a introdução de unidades de 1 Carbono ocorre antes da
ciclização do policetídeo19, 43, 52.
Nos para-depsídeos derivados do b-orcinol, a posição 3 (anel A) apresenta
substituinte de uma unidade de carbono, que pode ser -CH3, -CHO, -COOH,
enquanto que na posição 3' o substituinte é sempre -CH3. As posições 6 e 6'
estão sempre metiladas, e a carboxila da posição 1' está na forma de éster
metílico somente na atranorina [2] e na 5-cloroatranorina [2a].
Meta-depsídeos
A ligação éster se estabelece entre a posição 1 do anel A e a posição 3' do
anel B. As unidades fenólicas da série do orcinol, que intervém na formação de
depsídeos, não possuem hidroxila na posição 3'. Em princípio, não se poderia
pensar em uma reação de esterificação para a formação dometa-depsídeo.
Químicamente existem 3 possibilidades distintas: a) A ligação éster (-COO-
) pode se estabelecer em posiçãometa do anel B por reagrupamento de um para-
depsídeo, que atuaria como precursor; b) O grupo -COOH da primeira unidade
fenólica pode transformar-se em carboxilato, o qual poderia formar a ligação
entre as unidades por ataque direto sobre o C-3' do anel B; c) A segunda
unidade fenólica (anel B) pode ser hidroxilada préviamente como unidade
mononuclear no carbono 3' e a formação do meta-depsídeo segue os passos normais
de esterificação, como no caso dos para-depsídeos.
Na hipótese a, o reagrupamento consistiria em uma hidroxilação secundária do
carbono formador da ligação éster no meta-depsídeo (C3'), quebra da ligação
éster do para-depsídeo seguida de um giro de 60o do anel B, de modo que a nova
ligação se formaria na posição 3', ficando uma hidroxila regenerada na posição
4'55.
A hipótese b consiste em um ataque direto do grupamento carboxílico da primeira
unidade fenólica (anel A) sobre a posição 3' da segunda unidade (anel B).
Químicamente o sistema é possível, dada a alta reatividade da espécie ArCOO-.
Considerando do ponto de vista biológico, devem haver reações enzimáticas que
realizariam mais facilmente a formação da ligação55.
A hipótese c é a mais aceita atualmente. Baseia-se na hidroxilação prévia da
posição 3 do anel B (para os derivados do orcinol, 5 para os derivados do b-
orcinol) e estabelecimento da ligação éster.
Elix et al.59forneceram evidências de que os meta-depsídeos podem se originar
por hidroxilação do C 3' de para-depsídeos, seguida de rápido rearranjo à forma
termodinâmicamente mais estável. Essas conclusões foram obtidas a partir de
estudos realizados com uma mistura de compostos isolados de Lobaria
escrobiculata, consistindo de m-escrobiculina [33], ácido úsnico, ácidos
estítico, norstítico e constítico. Verificaram por cromatografia em camada
delgada que a substância m-escrobiculina sempre estava acompanhada de um
composto relacionado de Rf levemente maior. A análise cromatográfica e os dados
espectroscópicos do composto isolado indicaram que se tratava de uma mistura em
equilíbrio dinâmico de m-escrobiculina com seu isômero p-escrobiculina [34].
Para verificar a consistência dessas observações, os autores procederam a
síntese de p-escrobiculina e concluíram que a hidroxilação do para-depsídeo é
seguida por rápido rearranjo intermolecular ao meta-depsídeo termodinâmicamente
mais estável.
A co-ocorrência de ácido divaricático[32] e ácido sequicáico [35] em várias
espécies de Ramalinafornece evidências para essa proposta59.
Os meta-depsídeos apresentam cadeias laterais de mais de 1 Carbono, como no
caso dos para-depsídeos, porém, com a diferença de que as cadeias são
absolutamente reduzidas. Estes substituintes se encontram sempre nas posições 6
do anel A e 6' do anel B. No primeiro caso o substituinte no C 6 é -C3H7,
exceto no ácido criptoclorofeico [23], que é n-C5H11. A cadeia lateral na
posição 6' é sempre n-C5H11,exceto no meta- e para- escrobiculina [33]e[34] e
no ácido sequicáico [35], que é -C3H752, 55.
Os meta-depsídeos da série do b-orcinol são menos abundantes na natureza, sendo
conhecidos os ácidos hemataminólico [36], hipotaminólico [37], taminólico [38]
e decarboxitaminólico [39]. Este último é considerado por alguns autores como
sendo um artefato resultante da descarboxilação do ácido taminólico [38] na
posição 1' durante os processos de extração, não sendo, portanto, um produto
natural55.Recentemente Elix et al.,60isolaram de Heterodermia dissecta, um novo
meta-depsídeo derivado do b-orcinol que foi denominado ácido dissético [40].
Depsidonas
Representam um grupo de compostos estruturalmente relacionados aos depsídeos,
sendo estes considerados seus precursores59. Além de ligação éster presente nos
depsídeos, as depsidonas apresentam também um heterociclo adicional, resultante
de uma ligação éter, geralmente entre as posições 2 e 5', como no ácido
fisódico [28]. Entretanto, no ácido variolárico [29] a ligação éter está entre
as posições 2 e 3', sendo este o único caso, até então, conhecido.
Embora a origem biossintética das depsidonas ainda não esteja esclarecida, a
existência de depsídeos e depsidonas estruturalmente relacionados no mesmo
líquen indica que esses compostos podem ter relação biogenética61. Como
exemplos, tem-se os ácidos olivetórico [41] e fisódico [28] isolados de
Cetraria ciliaris61.
Nesse caso, a formação de depsidonas, tendo para-depsídeos como precursores,
ocorre por uma ciclização oxidativa. A hidroxila da posição 2 do anel A e a
posição 5' não substituída do anel B dão formação à ligação éter. Entretanto, a
reação é energéticamente desfavorável e não se realiza com facilidade em
condições de laboratório62.
Uma outra rota possível para a biossíntese de depsidonas é aquela sugerida por
Salaet al.63,em que as depsidonas são derivadas de depsídeos através de
acoplamento fenólico de benzofenonas, tendo como intermediário
espirobenzofurano-3-ona. Entretanto, nenhum desses intermediários ocorre
naturalmente em liquens, embora seja um processo energéticamente favorável62,
63 (Fig._2).
Embora não sejam conhecidos para-depsídeos contendo uma cadeia lateral oxidada
no anel B, ocorrem alguns exemplos desse tipo de substituinte ligado ao anel A,
como é o caso do para-depsídeo ácido olivetórico[41]13. Se essa oxidação ocorre
na posição 3, subseqüentes rearranjos do para-depsídeo formado conduzem a meta-
depsídeos por migração do grupo acila59.Se ocorrer oxidação na posição 5'
seguida por uma migração de acila e subseqüente rearranjo tipo Smiles do meta-
depsídeo formado, isso poderá conduzir às correspondentes depsidonas derivadas
do orcinol64 (Fig._3). Os autores consideraram que tal rota poderia estar
envolvida na biossíntese desses compostos.
Diferenças estruturais entre depsídeos e depsidonas não ocorrem necessariamente
após a ciclização. Por exemplo, o ácido fumarprotocetrárico [42] pode ser
originado por inserção do ácido fumárico na posição 3 do ácido orselínico (na
forma de ácido 3-metil-orselínico) dando origem ao anel B do ácido
fumarprotocetrárico, ou por esterificação direta do grupo -CH2OH do anel B do
ácido protocetrárico19 [43] com o ácido fumárico.
As depsidonas originárias do b-orcinol são mais complexas do que aquelas
derivadas do orcinol. Pode ocorrer em alguns compostos um anel heterocíclico
com oxigênio entre os substituintes das posições 1' e 6', se estes forem
grupamentos carboxila e aldeído, respectivamente. Esse tipo de ciclização
ocorre nos ácidos salazínico [44], estítico [45] e norstítico [5].
Dibenzofuranos
A característica estrutural desse grupo de substâncias é a ligação carbono-
carbono e uma ligação éter entre duas unidades fenólicas. A ligação éter é
formada a partir de grupos hidroxilas nas posições 11 e 10 da primeira e
segunda unidades fenólicas, respectivamente. Os dibenzofuranos podem ser
divididos em dois grupos: um deles engloba os compostos que apresentam grupo
carboxila na posição 5 do primeiro anel, como os ácidos panárico [46]e
chizopéltico [47],e o outro em que esse grupo não está presente nessa posição,
como nos ácidos dídimico [48]e hipostrepisílico [49]33, 65, 66.
Ácidos Úsnicos
Uma das substâncias originadas de liquens mais conhecida é o ácido úsnico. Foi
isolado pela primeira vez de Ramalina calicaris,de Usnea barbatae de outras
espécies de liquens, em 1834, por Rochleder et al.67.Apresenta-se em duas
formas isoméricas: ácido (+)-úsnico [a]D20+ 495o e (-)-úsnico [a]D20 - 495o.
Em 1967, Shibata et al.68isolaram de Cladonia mitise Cladonia arbuscula o ácido
(+)-isoúsnico [a]D20 + 510oe de Cladonia pleurostao ácido (-)-úsnico [a]D20 -
490o. Os ácidos úsnicos [1a]e [1b]são largamente distribuídos em liquens,
enquanto que os ácidos isoúsnicos [1c] e[1d] são de distribuição restrita55.
Embora muitos autores classifiquem os ácidos úsnicos como um grupo de
dibenzofuranos, considera-se que sejam formados pela ciclização do tipo
floroglucinol e não do tipo orselínica, típica de dibenzofuranos46, 55.
A cadeia policetídica (ácido 3,5,7-tricetoctanóico ligado a uma enzima)
resultante da condensação de 1 mol de acetilSCoA e 3 moles de malonilSCoA, por
uma condensação do tipo Claisen, dá origem ao acetilfloroglucinol
(metilfloroacetofenona), que é precursor dos ácidos úsnicos52.
A biossíntese do ácido úsnico foi estudada por Taguchi et al.69 usando várias
espécies liquênicas e quatro precursores marcados: [1-14C]-acetato, [2-14C]-
malonato, [14CH3-CO]-floroacetofenona e [14CH3-CO]-metilfloroacetofenona (Fig.
4).
Quando [1-14C]-acetato foi usado, o ácido úsnico incorporou radioatividade nas
posições 2, 4, 7, 9, 11, 12, 15 e 17, enquanto que ao usar [2-14C]-malonato os
grupos metila das posições 15 e 15' não estavam marcados. Isto significa que o
grupo CO-CH3 em cada unidade fenólica deriva do acetato. Resultados
coincidentes com esses foram encontrados por Fox et al.70 para a síntese do
ácido úsnico por Cladonia sylvaticasuplementada com14 CO2.
A utilização alternativa de floroacetofenona ou metilfloroacetofenona
radioativas como precursores, resolveu outro ponto importante no quadro
biossintético dos ácidos úsnicos. Quando se empregava [14CH3-CO]-
metilfloroacetofenona, o ácido úsnico isolado apresentava-se marcado nos grupos
CO-CH3 das duas unidades fenólicas. Porém, quando o precursor era
floroacetofenona marcada na mesma posição, o ácido úsnico isolado não era
radioativo em nenhum dos seus carbonos43.
Entretanto, quando se administrava ao líquen floroacetofenona e formiato, ambos
radioativos, o ácido úsnico formado apresentava radioatividade (Fig._5). Esse
fato indicou que a formação do anel furânico entre as duas unidades fenólicas
requer a adição prévia de uma unidade de 1 Carbono, visto que os fenóis não
substituídos não são substratos da reação enzimática de ciclização. Ambos os
substituintes metila aparecem marcados nos ácidos úsnicos quando o líquen
dispõe de formiato radioativo administrado de forma exógena (Fig._5).
A formação da ligação C - C ocorre de maneira idêntica como na formação de
outros dibenzofuranos, envolvendo possivelmente a formação de radicais livres.
Uma reação subseqüente de desidratação conduz à formação da ligação éter do
anel furânico43. A reação é catalisada por fenol-oxidases ou por peroxidases43.
Cromonas, xantonas, naftoquinonas, antronas e antraquinonas
Compostos pertencentes a essas classes também ocorrem em liquens, porém não são
exclusivos desses organismos. São compostos freqüentemente idênticos a produtos
biossintetizados por fungos de vida livre ou por plantas superiores.
As rotas biossintéticas propostas envolvem a formação de um policetídeo
intermediário resultante da condensação de 1 mol de acetilSCoA com um número
variável de moléculas de malonilSCoA. Cromonas podem ser formadas pela
condensação de 1 mol de acetilSCoA com 4 ou com 8 moles de malonilSCoA,
resultando na rupicolina [50] e sifulina [51]43, 52.
Xantonas e antronas são resultantes da condensação de 1 mol de AcetilSCoA com 6
e 7 moles de malonilSCoA, respectivamente 43, 44, 52.
As antronas são facilmente oxidadas às antraquinonas. As antraquinonas e seus
derivados são produtos do metabolismo de fungos (Aspergilluse Penicillium sp.),
liquens, basidiomicetos e plantas superiores. Clivagens oxidativas do anel B de
antraquinonas produzem derivados da benzofenona que são transformados em
xantonas44. A dimerização de xantonas produzindo os ácidos secalônicos ocorre,
provavelmente, via fenol-oxidases, ou por radicais derivados de peroxidases44
(Fig._6).
Hemaventosina [4], ácido quiodectônico[54] e canariona [55] são exemplos de
naftoquinonas que ocorrem em liquens. Hemaventosina [4] é um pigmento vermelho
presente nos apotécios de Haematomma ventosum28, 29. Ácido quiodectônico [54] e
canariona [55] foram isolados de Chiodecton sanguineum(Sw.)Vain. e de Usnea
canariensis, respectivamente71.
As antraquinonas são pigmentos amarelos, vermelhos ou de cor laranja
encontrados em liquens, particularmente nos gêneros Xanthoria e Caloplaca.
Atualmente, são conhecidas cerca de 40 antraquinonas isoladas de liquens,
embora algumas ocorram também em fungos não liquenizados11.
A substância mais conhecida desse grupo é a parietina ou fisciona
[56],encontrada não só em liquens, mas também em fungos e em plantas
superiores.
Recentemente, Huneck et al.72 isolaram dos apotécios(i) de Haematomma puniceum
um pigmento vermelho que foi denominado hematomona [58] e que se assemelha ao
ácido norsolorínico [59].
Sordidona [60], sifulina[51] e ácido leprárico[61]são as cromonas conhecidas
como componentes de algumas espécies liquênicas. Sifulina apresenta dois
derivados, oxisifulina [62] e protosifulina [63], que foram isolados de Siphula
ceralites73, 74.
Em liquensocorrem também alguns glicosídeos. De Rocellaria mollis (Hampe)
Zahlbr., Schismatomma accedens (Nyl.) Zahlbr. e Roccella galepagoensis Follm.
foram isolados os glicosídeos rocelina [64], molina[65] e galapagina [66],cuja
aglicona éuma cromona75.
As xantonas isoladas de liquens são derivadas da norliquexantona35 [67]. Seis
desses compostos variam somente em relação ao grupo de O-metilação e à presença
de cloro no anel. Entretanto, uma delas, a eritromona [68], isolada de
Haematomma erytromma, é o primeiro exemplo de xantona liquênica O-acetilada76.
Além da norliquexantona [67], as xantonas conhecidas, são a turigiona [69],
ácido tiofânico [70], ácido tiofanínico [71], artotelina[72], liquexantona[3],
2,4-dicloronorliquexantona[73], 2,7-dicloronorliquexantona [74]e outras
Derivados da via do mevalonato
Esteróis e terpenos
Esteróis e terpenos não são tão freqüentes em liquens quanto em plantas
superiores. Ergosterol, fitosterol e b-sitosterol são exemplos de esteróis
conhecidos por ocorrerem em algumas espécies de liquens. Fungisterol foi
isolado de Pseudoevernia furfuraceae77.
Outros compostos derivados do ciclopentanoperidrofenantreno também são
conhecidos, incluindo divaricatinato de peroxiergosterila [75] isolado de
Haematomma ventosum78.
Triterpenos constituem o maior número de compostos entre os terpenos isolados
de liquens. Nesta classe de compostos estão incluídos zeorina [76], o mais
conhecido triterpeno isolado de liquens, leucotilina [77],que difere da zeorina
pela presença de uma hidroxila com configuração b na posição 16 e diversos
compostos derivados desses por hidroxilação, acetoxilação e oxidação do grupo
metila76.
Compostos como ácido ursólico, taraxenoe friedelinaocorrem também em liquens76.
Embora não tenham sido relatados estudos da biossíntese desses compostos em
liquens, considera-se que esse processo segue o modelo estabelecido, envolvendo
a formação de ácido mevalônico a partir de 3 moléculas de acetilSCoA que é
ativado pela ação de ATP em ácido mevalônico pirofosfato, e por descarboxilação
e desidratação transforma-se em pirofosfato de isopentenila, precursor
biossintético dos compostos derivados do isopreno43, 53.
A condensação entre unidades de pirofosfato de isopentenila (isopreno) conduz à
formação de monoterpenos, sesquiterpenos, diterpenos, triterpenos e outros43,
44,53.
Até o momento, foram isolados de liquens aproximadamente 70 compostos derivados
da via do ácido mevalônico, incluindo diterpenos, sesquiterpenos e triterpenos.
Além desses, são conhecidos também 41 esteróis33.
Via do ácido chiquímico
Derivados do ácido pulvínico
Os derivados do ácido pulvínico são pigmentos amarelos ou de cor laranja. Nesse
grupo estão incluídos compostos como calicina [78], epanorina [79], ácido
leprapínico [80], ácido vulpínico [6] e outros.
Dos compostos obtidos de liquens, somente dois pertencem à classe classe das
terfenilquinonas e 12 são derivados do ácido pulvínico. São compostos
biossintetizados pela via do ácido chiquímico. Seus intermediários geram
fenilpropanóides, que se condensam, dando origem a compostos como os ácidos
polipórico [81]e telefórico [82] ou os derivados do ácido pulvínico calicina
[78], epanorina[79], ácido leprapínico[80], ácido vulpínico[6] e outros43, 79.
Os derivados do ácido pulvínico são pigmentos amarelos encontrados em alguns
liquens, como em Letraria vulpina, Rhizocarpum geographicum e Bryoria
fremontii.As terfenilquinonas são pigmentos de cor vermelha e púrpura e, até o
momento, foram isolados somente de liquens da família Peltigerales80.
Taxonomia e Quimiotaxonomia
Liquens são identificados aos níveis de gêneros e espécies por várias
combinações de caracteres morfológicos dos apotécios e talos.
Dados relativos apenas à análise morfológica muitas vezes não elucidam a
identificação de um dado espécime, mas aliados às informações obtidas sobre a
provável composição química do espécime em estudo, podem conduzir a uma
identificação mais segura.
A análise química, para fins de taxonomia, é realizada utilizando reações de
coloração no talo, microcristalização, análise cromatográfica, análise por
fluorescência e análise por espectrometria de massas. Dependendo da natureza do
material em estudo, pode-se obter informações pelo uso de apenas uma das
técnicas, ou se necessário, pelo conjunto delas. As reações de coloração no
talo são as mais utilizadas pelos liquenologistas e podem, em geral, fornecer
informações suficientes, que somadas àquelas de análise morfológica, conduzem à
identificação de uma dada espécie.
O uso de informações químicas para fins de taxonomia de liquens, deve-se ao
fato de que esses organismos produzem metabólitos secundários, os quais são em
grande parte exclusivos do referido grupo vegetal. Além desses, muitos outros
compostos, tanto do metabolismo primário, quanto do secundário, são obtidos de
liquens. Porém, muitos deles são comuns em fungos ou em plantas superiores.
A elucidação estrutural de compostos liquênicos resulta principalmente da
combinação de métodos químicos clássicos e de técnicas espectroscópicas
modernas. Entretanto, um grande número de informações disponíveis sobre a
ocorrência de substâncias liquênicas é baseado em métodos microquímicos de
análise33.
- Reações de Coloração
Reagentes como hidróxido de potássio e hipoclorito de cálcio, são usados para
caracterização de várias substâncias liquênicas. O uso desses reagentes em
taxonomia de liquens foi iniciado em 1886, por Nylander81. As reações são
conduzidas aplicando a solução do reagente com um capilar a um fragmento do
talo liquênico, e a variação de cor é melhor observada em microscópio
estereoscópico. As colorações observadas dependem da natureza das substâncias
presentes.
O hidróxido de potássio promove a hidrólise da ligação éster de depsídeos e de
depsidonas, dando formação a compostos cujas colorações variam de amarelo a
vermelho intenso. Além de depsídeos e depsidonas, pigmentos quinoidais
presentes no líquen podem apresentar reação positiva, enquanto que derivados do
ácido pulvínico, xantonas e ácido úsnico não reagem.
A reação com hipoclorito de cálcio é positiva com compostos que apresentam
configuração meta-diidroxi. A ação de oxidantes moderados sobre compostos meta-
diidroxi promove a formação de derivados quinoidais. A cor apresentada pelas
quinonas, laranja e vermelho vivo, é provavelmente modificada pela presença de
outros grupamentos ligados ao anel aromático, como no 3,5-diclorolecanorato de
metila e outras substâncias que apresentam reações positivas com hipoclorito de
cálcio11.
Depsídeos derivados do orcinol dão aparecimento à coloração vermelha intensa
pela ação de hipoclorito. Esse procedimento permite separar os depsídeos em
dois grupos, um deles constituído por derivados metaidroxilados, que reagem
positivamente com hipoclorito, e outro, constituído por derivados meta-
substituídos metoxilados, que em sua maior parte dão reação negativa11.
As depsidonas não apresentam reação com hipoclorito de cálcio. No entanto,
esses compostos podem apresentar reação positiva com esse reagente se forem
tratados inicialmente com KOH. A reação combinada desses reagentes sobre
depsidonas pode dar aparecimento à coloração vermelha82.
Além desses, podem ser utilizados outros reagentes para detecção de outros
grupos funcionais, como por exemplo grupamento aldeído. Soluções de benzidina,
p-fenilenodiamina, anilina, o-toluidina e outras podem ser utilizadas para
detecção de grupo aldeído. A reação ocorre pela formação de bases de Schiff de
coloração amarela, laranja ou vermelha.
As reações em que se utilizam hidróxido de potássio, hipoclorito de cálcio e p-
fenilenodiamina, são empregadas amplamente pelos liquenólogos em trabalhos de
taxonomia. Entretanto, não são reações específicas no sentido de permitir a
identificação precisa dos componentes presentes no líquen. Isto porque
diferentes substâncias podem apresentar os mesmos grupamentos químicos, que ao
reagirem produzem a mesma variação de cor, não sendo possível distinguí-las
quando se encontram em mistura. Além disso, muitos ácidos liquênicos não
produzem qualquer variação de cor pela ação desses reagentes, requerendo,
portanto, a utilização de outras técnicas de detecção dessas substâncias.
Outros reagentes também são usados, como por exemplo, solução de Cloramina T e
de Cloreto de Titânio para detecção de ácido úsnico e reagente de Dimroth para
xantonas82.
- Microcristalização
A técnica de microcristalização é utilizada em taxonomia de liquens para a
identificação de várias classes de compostos provenientes do metabolismo
secundário de liquens. Esses compostos em condições adequadas de cristalização
apresentam formas cristalinas características que observadas ao microscópio
permitem a identificação quando comparadas à padrões ou a dados da
literatura83-86.
Um pequeno fragmento do líquen é extraído com um solvente orgânico (clorofórmio
ou acetona ou sequencialmente clorofórmio e acetona). O extrato obtido é
colocado sobre uma lâmina de microscópio de maneira a formar uma mancha
contendo o resíduo após evaporação do solvente. Sobre esse resíduo se coloca
uma gota da solução para cristalização e a mistura é coberta com uma lamínula.
Algumas misturas são aquecidas mais intensamente e outras levemente. Soluções
para cristalização contendo derivados nitrogenados exigem pouco ou nenhum
aquecimento82, 86.
Dependendo da substância, a formação de estruturas cristalinas pode ocorrer
imediatamente, após alguns minutos, ou após algumas horas. Em alguns casos as
formas cristalinas podem ser melhor observadas após 24 horas. As formas
cristalinas são visualizadas em microscópio e a identificação dos compostos é
feita por comparação com substância padrão tratada nas mesmas condições e por
comparação com fotos mostradas na literatura83-86.
Asahina, em 1936, desenvolveu essa técnica para identificação de ácidos
liquênicos. O método foi gradativamente aperfeiçoado e continua sendo utilizado
pelos liquenólogos em trabalhos de taxonomia83.
As soluções usadas para cristalização podem conter compostos nitrogenados como
o-toluidina, quinolina, anilina, piridina e outras. A formação de estruturas
cristalinas pelo uso dessas soluções depende da formação de sais e, no caso da
presença de grupos aldeído no ácido liquênico, pode ocorrer formação de base de
Schiff. As soluções que não contém compostos nitrogenados na composição, não
promovem qualquer reação, sendo apenas meios de cristalização45, 86.
Além das soluções mencionadas, o uso de certos reagentes inorgânicos, tais como
soluções de hidróxido de bário, carbonato de potássio e hidróxido de potássio,
podem conduzir à identificação de ácidos liquênicos pela observação dos
cristais dos sais formados45, 83 - 86.
Pelo uso da técnica de microcristalização é possível identificar um grande
número de ácidos liquênicos das séries dos depsídeos, depsidonas e
dibenzofuranos, xantonas, antraquinonas, ácidos alifáticos (ácidos caperático
[13], protoliquesterínico [22], rangifórmico [15],rocélico [14] e outros) e
terpenos ( friedelina, leucotilina [77], ácido ursólico, zeorina [76]e outros),
que também formam estruturas cristalinas nas condições citadas86.
- Cromatografia
A cromatografia é uma das técnicas mais utilizadas na identificação de
substâncias liquênicas.
Wachtmeister87e Mitsuno88foram os primeiros a utilizar a cromatografia em papel
para a detecção e identificação de substâncias liquênicas. Entretanto, a
cromatografia em camada fina tem sido mais extensivamente usada não só pela
aplicabilidade geral, como também por ser uma técnica sensível, rápida e
simples.
Numerosos trabalhos foram publicados sobre a separação de substâncias
liquênicas por cromatografia em camada fina89-92. Tabulações de dados e
referências são encontrados nos trabalhos de Huneck93 e Santesson94.
A cromatografia de extratos liquênicos utilizando placas de cromatografia em
camada delgada de alta performance tem permitido detectar com mais precisão um
número de compostos presentes nos extratos devido à maior resolução do
método95. O emprego da cromatografia gasosa para análise de misturas de
substâncias liquênicas é de uso limitado devido à baixa volatilidade e
labilidade térmica da maioria dos compostos conhecidos.
A cromatografia líquida de alta resolução (clae) para análise de extratos
liquênicos foi empregada pela primeira por vez por Culberson96.
Estudos sobre a composição e proporção de ácidos liquênicos em espécies do
gênero Cladoniaempregando clae têm sido realizados por Huovinen et al.97-103.
Feige et al.104analisaram por clae 331 compostos obtidos de liquens e Yoshimura
et al.105 utilizaram a técnica de análise por clae com detector de arranjo de
fotodiodos. Yoshimura et al.105tabelaram dados relativos a 80 diferentes
compostos liquênicos e determinaram a composição de extratos de 15 espécies de
liquens.
A identificação de liquens aos níveis de gêneros e espécies tem sido conduzida
pela análise morfológica, reações de coloração no talo, cromatografia,
microcristalização e em alguns casos análise por espectrometria de massas de
micro-extratos. Mais recentemente, tem sido sugerida a utilização de dados
espectrais de RMN 13C de heteropolissacarídeos para identificação de
liquens106-108.
Importância dos compostos liquênicos
O interesse na química de polissacarídeos de liquens está na possibilidade de
sua atividade antitumoral. Esses estudos tiveram início no final da década de
60109-113. Recentemente, Hirabayashi et al.114 relataram a atividade inibitória
de um polissacarídeo sulfatado, GE-3-S, contra a replicação de HIV in vitro.
Vários ácidos liquênicos têm sido estudados do ponto de vista farmacológico. A
ação antibiótica de extratos liquênicos tem sido investigada há algumas
décadas. Burkholder et al.115,116 publicaram os primeiros estudos qualitativos
das propriedades antibióticas dos liquens. Foram testadas 100 espécies
liquênicas em relação à Staphylococcus aureuse Bacillus subtilis;52% das
espécies inibiram o crescimento de um, de outro, ou de ambos microorganismos.
Os compostos liquênicos exercem sua ação antibiótica preferencialmente sobre
bactérias gram-positivas117.
A atividade antibiótica está relacionada à presença de derivados fenólicos nos
extratos liquênicos. Os mecanismos da ação antibiótica de ácidos liquênicos,
mais precisamente do ácido úsnico [1] e seus derivados, sugerem que esses
compostos modificam a estrutura das proteínas. Essas modificações resultam em
alterações de certas capacidades metabólicas das células infectantes
(permeabilidade de parede, permeabilidade de membrana, atividade enzimática,
etc.), causando-lhes, às vezes, alterações irreversíveis e até mesmo conduzindo
à morte celular 55.
Tentativas de relacionar estrutura química e atividade antibiótica têm sido
realizadas desde 1948. Shibata et al.118 estudaram os efeitos de substituições
nos anéis A e B do ácido úsnico [1] na ação antibiótica destes. Verificaram que
esterificando as duas hidroxilas livres do primeiro anel com ácido acético a
atividade do ácido úsnico se reduz em 50% sobre Mycobacterium tuberculosis
avium. A hidrogenação da dupla ligação, convertendo o ácido úsnico em
diidroúsnico, reduz a 1/4 sua capacidade antibiótica. Essas observações indicam
que as duas hidroxilas livres (C-8 e C-10) no primeiro anel, são fundamentais
como suporte da atividade antibiótica dos ácidos úsnicos. Tal conclusão é
reafirmada pelo fato de que o ácido usnóico, resultante da oxidação da
hidroxila em C-10, em função cetona, tem uma atividade 1/6 menor que a do ácido
úsnico. O grau de oxidação do segundo anel é também importante na atividade
antibiótica.
O ácido (-)-úsnico [1b] interfere nos processos de fosforilação oxidativa e,
provavelmente, intervém de algum modo na estrutura das paredes bacterianas.
Sabe-se, também que esse ácido atua sobre o metabolismo do DNA em células
animais inibindo a fusão nuclear119.
O ácido (-)-úsnico [1b] atua também como agente antitumor120, 121. Os ácidos
úsnicos apresentam também atividade antiistamínica, espasmolítica e antiviral.
São usados em cremes antissépticos encontrados no comércio europeu como
"Usno"122 e "Evosin"122. Usno é o derivado hidróxido de
benzilidimetil-(2-[2[9p-1,1,3,3) tetrametilbutilfenoxietoxi] etilamonio. Esse
produto apresenta bons resultados para combater doenças da pele e em usos
veterinários no tratamento de mastite em vacas. Na Alemanha são encontrados os
produtos Evosin I e Evosin II. O primeiro contém ácidos úsnico e evérnico e o
segundo ácidos úsnico, fisódico e fisodálico122.
Dibenzofuranos estruturalmente relacionados aos ácidos úsnicos também possuem
atividade antibiótica frente a uma ampla gama de bactérias. O ácido dídimico
[56] mostra atividade quando na presença de Staphylococcus aureuse M.
tuberculosis.
Cain123-126 estudou a ação do ácido polipórico [81] e seus derivados como
agentes antitumoral, e Hirayama et al.127 testaram extratos de liquens, ácidos
liquênicos e seus produtos de degradação quanto à atividade antitumoral frente
aos carcinomas ascite e de Erlich. Verificaram que os ácidos nefrosterínico
[21] e protoliquesterínico [22] foram efetivos contra o carcinoma de Erlich.
Essas substâncias são exemplos de lactonas metilênicas, um grupo de compostos
com muitos outros representantes que exibem atividade antitumoral, como é o
caso de vernolepina e elefantopina, que são lactonas sesquiterpênicas5.
Ácido vulpínico [6], ácidos secalônicos e seus derivados são metabólitos
altamente tóxicos. O ácido vulpínico é o princípio tóxico de Letharia vulpinae
foi usadotradicionalmente no norte da Europa como venenopara lobos. É um
metabólito não somente venenoso para carnívoros, mas também para insetos e
moluscos. Entretanto, não causa o mesmo efeito em coelhos e ratos33.
O ácido secalônico D, um metabólito teratogênico, é inibidor da proteína
quinase C e proteína quinase dependente de AMP cíclico. Inibidores dessas
proteínas podem interferir no desenvolvimento normal128.
Harada et al.129 observaram que o ácido secalônico A causa peritonite em ratos,
e verificaram que o aumento da permeabilidade vascular na cavidade abdominal
dos mesmos é comparável àquela causada pelo ácido acético, porém difere quanto
ao tempo de duração do processo inflamatório .
Wennersten130estudou o comportamento de 13 diferentes substâncias liquênicas
quanto às suas capacidades de induzir lesões foto-oxidativas de membranas,
confirmando que os compostos liquênicos investigados têm capacidade de induzir
fotossensibilização. Atranorina [2] e ácido estítico [45] são capazes de
fotossensibilizar a pele humana, sendo, portanto, alergenos de contacto5, 11.
Hidalgo et al.131 investigaram a atividade antioxidante de atranorina[2], ácido
divaricático [32], panarina [83] e 1'-cloropanarina [84], empregando como
modelo a auto-oxidação de homogenato de cérebro de rato e b-caroteno em uma
suspensão de ácido linolênico. Dos compostos testados, o 1'-cloropanarina[84]
foi o mais ativo, seguido da panarina [83]. Atranorina [2] e ácido divaricático
[32] foram menos ativos em relação aos dois primeiros.
Essas observações são de interesse, considerando que as substâncias liquênicas
(ácidos liquênicos) estão geralmente presentes nos liquens em concentrações
relativamente altas e, devido à atividade antioxidante, é provável que
contribuam às defesas antioxidantes desses organismos131.
Shibamoto et al.132 testaram os ácidos úsnico[1] e fisodálico [85]quanto à
mutagenicidade no teste de Ames: o último exibiu mutagenicidade dependente da
dose.
Os ácidos úsnico [1] e difractáico [25]apresentam também atividade analgésica e
antipirética quando testados em ratos133.
Um dos importantes usos de liquens, hoje, é na indústria de perfumes. Duas
espécies: Evernia prunastrie Pseudevernia furfuraceae são colhidas no sul da
França, Marrocos e Iugoslávia, em grandes quantidades, na faixa de 8.000 a
10.000 toneladas/ano. O líquen é misturado com a casca das árvores,
subseqüentemente extraído com um solvente orgânico e tratado com etanol. O
concentrado dessa solução contém uma mistura de óleos essenciais e derivados de
depsídeos (produtos de degradação). O extrato final com seu odor característico
de musgo é usado como fixador de alguns perfumes. A maior parte é constituída
de borneol, cineol, geraniol, citronelol, derivados da cânfora, naftaleno,
orcinol, ésteres do orselinato e seus homólogos5.
Os ácidos liquênicos freqüentemente contém grupos polares tais como OH, COOH, e
CHO que favorecem a complexação de cátions134. A complexação de metais por
ácidos liquênicos tem significado importante em processos de desgaste de
minerais e rochas que atuam como substrato de liquens. Devido a isso os liquens
podem extrair de seus substratos de crescimento os minerais que são necessários
ao seu metabolismo. Os cátions inorgânicos podem ser provenientes não somente
de substratos de crescimento, mas, também, da contribuição atmosférica e de
precipitações. Essas três fontes de elementos são de importância e variam entre
sítios, entre espécies de liquens e entre elementos. Entretanto, a maior parte
dos oligoelementos são necessários em concentrações catalíticas, como cofatores
de enzimas ou como integrantes de metaloproteínas ou de cromóforos. A excessiva
concentração de íons pode ser prejudicial ao líquen, conduzindo em alguns casos
à diminuição do tamanho do talo e, em outros, a malformações55.
Devido à capacidade dos liquens em acumular minerais em níveis superiores às
suas necessidades, ao fato de que muitas espécies têm larga distribuição
geográfica, e a constatação de que a morfologia não varia de maneira marcante
ao longo das estações, esses organismos são usados como bioindicadores de
poluição135, 136. Foi sugerido, também, que as propriedades antimicrobianas
apresentadas pelos ácidos liquênicos envolvem um mecanismo de complexação de
metais, face a forte correlação que existe entre propriedades antibacterianas e
a capacidade de complexação de metais em compostos orgânicos sintéticos137.
Uma outra hipótese considera que os ácidos liquênicos, à semelhança de taninos
e flavonóides, nas fanerógamas se comportam como agentes inativantes de enzimas
com funções metabólicas primárias nos organismos invasores55.
Estudos relacionados à atividade da urease, enzima de origem estritamente
vegetal, difundida tanto em bactérias, algas e fungos, como em fanerógamas,
indicam que os ácidos liquênicos bloqueiam grupos SH na proteína e promovem
inibição impedindo a formação do complexo enzima-substrato. Além disso,
polimerizam a proteína, sendo que a solubilidade do polímero formado decresce
inversamente ao peso molecular. Isto significa que existem ao menos duas
classes de sítios ligantes de fenóis na molécula da urease55.
A enzimologia de liquens foi pioneira na biotecnologia de enzimas e células
imobilizadas. Mosbach & Mosbach138descreveram uma técnica simples de
fixação de enzimas e células de liquens usando matriz de poliacrilamida.
Verificaram que a enzima ácido orselínico descarboxilase produzia orcinol sem
qualquer perda significante de atividade, após 14 dias a 20oC. Quando células
de liquens eram fixadas na matriz do gel, elas retinham parte de sua atividade
descarboxilase após 3 meses a 20oC. Com esse método é possível fixar enzimas de
uma dada seqüência biossintética e isolar intermediários em grandes
quantidades. Esse processo é importante para a produção de substâncias de
interesse químico e bioquímico19. Estudos relacionados à imobilização de
células de liquens e enzimas para bioprodução de metabólitos vêm sendo
realizados por Vicente et al.139,140 e Pereira et al141, 142.
A bioprodução de metabólitos de liquens tem sido desenvolvida, também, através
de cultura de células de liquens ou de células do micobionte143 - 145.
Muitos compostos liquênicos apresentam potencial alelopático, ou seja, podem
agir como moléculas mensageiras, afetando não somente liquens, mas outras
espécies. Nesse sentido, tem-se observado a inibição do crescimento de
micorrizas(ii), inibição do desenvolvimento de outros liquens e musgos vizinhos
que seriam os competidores. Embora existam demonstrações experimentais da
potência de vários compostos liquênicos, as interações alelopáticas em
ecossistemas não são ainda bem compreendidas146, 147.
Substâncias cíclicas com grupos -OH livres são geralmente tóxicas para os seres
vivos e as substâncias liquênicas (ácidos liquênicos) estão incluídas nesse
grupo.