Triterpenos esterificados com ácidos graxos e ácidos triterpênicos isolados de
Byrosonima microphylla
INTRODUÇÃO
A família Malpighiaceae é constituída por aproximadamente 800 espécies
distribuídas em 60 gêneros sendo que, o Brasil concentra cerca de 50% das
espécies1. A família contem exemplares que apresentam diferentes substâncias
biologicamente ativas. Por exemplo, o gênero Banisteriopsis, de ocorrência
principalmente na região Amazônica, apresenta algumas espécies que são
empregadas em rituais indígenas2devido aos seus efeitos narcóticos e
alucinógenos e que foram bem estudadas sob o ponto de vista químico e
farmacológico. As substâncias responsáveis por esses efeitos são comumente
alcalóides carbolínicos3.
No Nordeste brasileiro, ocorrem várias espécies do gênero Byrsonima que são
principalmente conhecidas pela utilização dos seus frutos na alimentação e pelo
emprego com fins medicinais. Levantamento no NAPRALERT indicou que espécies
deste gênero são comumente empregadas como antiasmáticas, contra a febre e
infecção de pele4. Já foram isolados do gênero Byrsonima alguns derivados
flavonoídicos (B. verbascifolia)5, no entanto, são os triterpenos6,7 que
representam a classe de substâncias naturais de ocorrência mais freqüente no
gênero.
Dando continuidade ao estudo fitoquímico de espécies da família Malpighiaceae
que ocorrem na restinga do Estado da Bahia, este trabalho descreve os
resultados obtidos com as folhas de um espécimen de B. microphylla Juss. cuja
ocorrência é endêmica no Estado.
EXPERIMENTAL
Os espectros de absorção no IV foram registrados num espectrômetro Jasco mod.
Valor III. Os espectros no UV foram registrados em espectrofotômetro Hewlett
Packard mod. 8451A. Os espectros de RMN foram obtidos num espectrômetro Gemini
300 Varian sendo que o referencial interno utilizado foi o sinal do TMS. Os
espectros de massas foram obtidos num CG acoplado a detetor de massas da Varian
mod. Saturn II.
As folhas de B. microphylla foram coletadas nas dunas da restinga do Parque
Metropolitano do Abaeté, Salvador (BA) e identificadas pela Profa. Maria Lenise
S. Guedes. Um exemplar do espécimen encontra-se catalogado no Herbário
Alexandre Leal Costa do Instituto de Biologia da UFBA sob número 027883.
As folhas (20,4 g), após secagem e trituração, foram submetidas à maceração com
hexano e posteriormente, com metanol. Dessa maneira foram obtidos 65 mg do
extrato hexânico. O extrato metanólico (1,5 g) foi particionado com CHCl3/MeOH:
H2O e em seguida com AcOEt/H2O fornecendo 35,1 mg da partição com CHCl3 e 528
mg da partição com acetato.
O extrato hexânico foi submetido a CC em sílica gel, eluída com uma mistura de
hexano:AcOEt (95:5). Análise através de CCD das frações obtidas usando reagente
de Liebermann-Buchard resultou numa fração denominada BMH (43,0 mg) constituída
de substâncias terpenoídicas que, após revelação, apresentavam-se como uma
mancha única na placa cromatográfica.
Parte do material graxo foi separado da fase CHCl3 (35,1 mg) por precipitação
empregando-se MeOH a frio. A solução resultante forneceu uma amostra denominada
BMC em pequena quantidade, constituída de uma mistura terpenoídica (7,5 mg) com
pelo menos duas substâncias de separação difícil.
O extrato AcOEt foi submetido à cromatografia em Poliamida 6 utilizando-se
misturas de MeOH/H2O em ordem decrescente de polaridade. A fração obtida com
10% de MeOH (422 mg) foi submetida à permeação em Sephadex LH-20 utilizando-se
como eluente mistura de CHCl3/MeOH (1:4). Foram recolhidas 11 subfrações, de 10
ml, cada. A sexta fração após CC em sílica gel empregando CHCl3/MeOH/AcOH (80:
19:1) forneceu o galato de metila (30,0 mg), enquanto que a décima primeira
fração, após ser submetida à permeação em Sephadex LH-20 eluída com CH2Cl2/MeOH
(1:1), forneceu a quercetina (15 mg).
Reação de transesterificação. Foram adicionados 20 ml de uma solução de NaOMe/
MeOH (0,5 M) a 23 mg da amostra BMH. A solução foi mantida sob refluxo durante
2 horas. Foram então vertidos 20 ml de água ao sistema reacional e extraído por
duas vezes consecutivas com 40 ml de CH2Cl2. Após concentração, a fase
diclorometânica forneceu uma mistura com os ésteres graxos (6,5 mg). À fase
aquosa foi adicionada uma solução de HCl 10% com controle do pH até
neutralização. Em seguida foram realizadas extrações sucessivas com CH2Cl2
fornecendo 10,3 mg de uma mistura de triterpenos.
3b-Eicosanato, -estearato e-palmitato de 24-hidroxi-urs-12-enila (1a - 1c).
Óleo. EM m/z (intensidade relativa): 218 (100), 205 (12), 203 (80), 189 (35),
175 (12), 135 (14), 119 (21). RMN de 13C: Tabela.
3b-Eicosanato, -estearatoe-palmitato de 24-hidroxi-olean-12-enila (2a - 2c).
Óleo. EM m/z (intensidade relativa): 218 (100), 205 (12), 203 (80), 189 (35),
175 (12), 135 (14), 119 (21). RMN de 13C: Tabela.
Ácido 3b-hidroxi-olean-12-en-28-óico[ácido oleanólico](3) e ácido 3b,2a-
diidroxi-urs-12-en-28-óico (4). Sólido amorfo. IV nmáx. (cm-1):3432, 2927,
1710. RMN de 13C: Tabela.
Galato de metila. Dados de RMN de 13C e de 1H similares ao padrão utilizado.
Quercetina. Dados no UV, IV e RMN comparados com os obtidos na literatura8.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise do espectro de RMN de 1H da amostra BMH forneceu pouca informação,
apresentando somente sinais indicativos da presença de ácidos graxos e
derivados. A natureza triterpênica das substâncias pôde ser evidenciada pela
coloração rósea obtida na CCD da amostra quando revelada utilizando-se o
reagente de Liebermann-Buchard. O espectro de RMN de 13C comprovou a observação
preliminar e, a análise conjunta com os espectros DEPT (135o e 90o) pôde
evidenciar que BMH se tratava de uma mistura de dois triterpenos esterificados
com um ou mais ácidos graxos.
O espectro de RMN de 13C da amostra apresentou 56 sinais sendo que alguns deles
com intensidades duplicadas. Na região de Csp2, os sinais de quatro carbonos em
d 145,17; d 124,27; d 139,55 e d121,58 podem ser considerados característicos
de triterpenos com esqueletos olean-12-eno e urs-12-eno, respectivamente9.
Estes dados corroboram que a amostra BMH trata-se de uma mistura de
triterpenos. Os dois sinais em d173,83 e d 173,51 foram atribuídos aos carbonos
carbonílicos dos ésteres graxos dos triterpenos (Tabela). A comparação dos
deslocamentos mencionados anteriormente com os carbonos carbonílicos dos
derivados acetilados da a- e b-amirina10 mostrou que os carbonos carbonílicos
da mistura de triterpenos em BMH se encontravam desprotegidos cerca de Dd 3,2
ppm. Além disso, os C-2 da parte triterpênica das substâncias estavam
protegidos (Dd 5,0 ppm), enquanto que o carbono oximetínico C-3 apresentava
efeito de desprotreção em relação ao C-3 das amirinas. Os dados anteriormente
apresentados permitiram concluir que a mistura de triterpenos estava
esterificada com um ácido graxo no C-3 do esqueleto triterpênico.
[1110t1.gif (24409 bytes)]
De um modo geral, os sinais de RMN de 13C registrados para a amostra BMH são
muito semelhantes aos obtidos para a- e b-amirina (Tabela). No entanto, pela
análise do espectro de DEPT 135o, pôde ser constatado a presença de 14 grupos
metílicos diferentemente dos 16 encontrados nos espectros das amirinas (8
grupos de cada). No entanto, a presença de um carbono oximetilênico de
intensidade duplicada em relação a outros sinais, em d 64,41, indicou que dois
grupos metílicos poderiam estar substituídos. A partir da comparação dos dados
de RMN de 13C dessas substâncias com as das amirinas, pôde-se constatar efeitos
de proteção em C-23, C-2 e C-5 e efeito de desproteção no C-4. Estes dados são
indicativos da presença de grupo oximetilênico nas posições 23 ou 24. A análise
comparativa dos deslocamentos químicos do grupo CH3-23 em BMH, naa- e b-amirina
e com as ressonâncias do anel A da hederagenina e epi-hederagenina11 (Figura
1), tornou possível a identificação da parte triterpênica de BMH como sendo
formada pelo derivado de 3b,24-diidroxi-olean-12-eno e 3b,24-diidroxi-urs-12-
eno. Os picos em m/z 218 (pico base) e m/z 203 observados no espectro de massas
da parte triterpênica de BMH, oriundos da fragmentação retro Diels-Alder no
anel C são típicos de olen-12-enos e urs-12-enos com anéis D e E não
substituídos12 (Figura_2). Esta observação corrobora a informação previamente
apresentada.
[1110f1.gif (5842 bytes)]
[1110f2.gif (5947 bytes)]
A análise dos ácidos graxos esterificados com estes triterpenos foi efetuada
via CG/EM dos ésteres graxos metílicos obtidos pela reação de
transesterificação de BMH com MeONa/MeOH. O cromatograma de íons totais
apresentou três picos com diferentes tempos de retenção e cada um deles
originou um espectro de massas cujos íons moleculares (m/z 326, 298 e 270) e
fragmentos eram correspondentes ao eicosanato de metila, estearato de metila e
palmitato de metila, respectivamente. Portanto, a análise conjunta dos dados
permitiu propor como constituintes da fração BMH as seguintes substâncias: 3b-
eicosanato, 3b-estearato e 3b-palmitato de 24-hidroxi-urs-12-enila (1a - 1c) e
3b-eicosanato, 3b-estearato e 3b-palmitato de 24-hidroxi-olean-12-enila (2a -
2c). Os constituintes triterpênicos da mistura BMH foram encontrados pela
primeira vez em Phyllanthus flexuosus (Euphorbiaceae), além de estarem
presentes em outras fontes vegetais13. No entanto, os triterpenos esterificados
com os ácidos graxos ainda não haviam sido descritos. Triterpenos simples como
as amirinas, esterificadas com ácidos graxos ainda são de distribuição
relativamente restrita. A ocorrência desse tipo de substância tem se mostrado
comum nas folhas das espécies do gênero Erythroxylum14 (Erythroxylaceae)
coletados em solos arenosos e restingas.
[1110f3.gif (10996 bytes)]
A amostra BMC isolada do extrato clorofórmico era constituída de uma mistura de
dois triterpenos ácidos, evidenciados pelos espectros de absorção no IV (3432 e
1710 cm-1), EM e RMN. O espectro de RMN de 13C mostrou absorções
características de triterpenos, assim como em BMH.Os sinais na região de Csp2
sugeriram a ocorrência de uma mistura de triterpenos de esqueletos urs-12-eno
(d 121,98 e 145,10) e olean-12-eno (d124,87 e 139,52). A mistura apresenta,
entre outros, sinais para um grupo hidroxílico adicional (d 72.1) cuja
intensidade é metade da observada para o sinal do C-3 (d 79,03). Isso sugeriu
que esta absorção pertence somente a um dos componentes da mistura, enquanto
que o C-3 apresenta o mesmo deslocamento químico nos dois triterpenos
componentes da mistura. O sinal em d178,41 foi atribuído ao grupo carboxílico
em C-28. a comparação com os dados de RMN de 13C de alguns triterpenos
ácidos11, possibilitou identificar um dos componentes como sendo o ácido 3b-
hidroxi-olena-12-en-28-óico (3) e permitiu observar algumas semelhanças
estruturais entre o outro triterpeno que compõe a mistura e o ursolato de
metila11. No entanto, esse segundo triterpeno da mistura possui um grupo
hidroxílico adicional. A posição de substituição deste grupo hidroxílico na
estrutura do ácido ursólico foi proposta baseada na inspeção dos valores de
carbonos oximetínicos de diversos derivados do ácido ursólico e seus efeitos de
proteção e desproteção nos carbonos relacionados. Assim, a comparação com os
dados de RMN de 13C reportados para 3b, 21a-diidroxi-urs-12-en-28-oato de
metila, isolado de Amaracus dictamnus15, tornou possível a identificação do
segundo componente triterpênico da amosta BMC como sendo o derivado ácido
correspondente 4.