ESTÁDIOS DE DESENVOLVIMENTO DE EMBRIÕES NA OBTENÇÃO DE PLANTAS EM CRUZAMENTOS
ENTRE GENITORES APIRENOS DE VIDEIRA
INTRODUÇÃO
Grande parte dos programas de melhoramento genético, direcionados ao lançamento
de cultivares de uva de mesa apirenas, ou sem sementes, realizam cruzamentos
diretos entre genitores apirenos estenoespermocárpicos, resultando em 40 a 80%
de descendência apirena (Ramming, 1990). A estenoespermocarpia em uva tem
determinação genética e é caracterizada pela formação de sementes-traço no
fruto, geralmente imperceptíveis na degustação. Neste sistema, o
desenvolvimento do fruto depende da fertilização e formação do embrião, mas o
desenvolvimento da semente não se completa devido ao aborto do embrião e
degeneração do endosperma (Stout, 1936). O aborto do embrião pode ocorrer em
períodos variáveis pós-fertilização. Na maioria das cultivares avaliadas por
Emershad et al. (1989), foi observado o início deste processo na oitava semana
após a polinização.
A utilização da estenoespermocarpia no melhoramento genético da videira implica
o uso de técnicas de cultura de tecidos, capazes de previnir o aborto do
embrião e de promover seu desenvolvimento até a obtenção da planta. A cultura
de tecidos tem uma história recente em Vitissp., e o resgate de embriões, em
hibridações entre genótipos apirenos, pode ser destacado como a mais
significativa contribuição da cultura de tecidos para o melhoramento genético
da uva de mesa (Mullins, 1990). O resgate de embriões em videiras
estenoespermocárpicas foi primeiramente sugerido por Ramming (1983) e foi
somente a partir de estudos desenvolvidos nos Estados Unidos e em Israel que a
técnica passou a ser amplamente utilizada (Emershad & Ramming, 1984;
Spiegel-Roy et al., 1985).
A maioria dos grupos de pesquisa que utiliza o resgate de embriões in vitro,
mede a eficiência da técnica através da proporção de plantas obtidas a partir
das sementes-traço resultantes de cruzamentos entre genitores apirenos.
Eficiências da ordem de 2 a 15% podem ser encontradas na literatura como uma
função das variações na técnica utilizada (Spiegel-Roy et al., 1985; Bouquet
& Davis, 1989; Ponce et al., 1998; Amaral et al., 2000). O ponto crítico
desta técnica é o estádio de desenvolvimento do embrião no momento da retirada
da semente-traço. Segundo Ramming (1990), embriões muito pequenos, formados por
4 a 50 células, e em estádios iniciais de desenvolvimento, como o globular, são
difíceis de cultivar diretamente em meio-de-cultura. Neste contexto, e para
propiciar o desenvolvimento dos embriões até estádios mais promissores ao
resgate in vitro, foi desenvolvida a cultura de sementes-traço (Ramming, 1983).
Nessa técnica, o embrião continua o processo de desenvolvimento dentro de seu
ambiente mais favorável, no interior da semente (Gray & Purohit, 1991) e
tem a oportunidade de atingir a maturação mesmo depois do início da degeneração
do endosperma, que geralmente ocorre 25 dias após a antese (Ledbetter &
Ramming, 1989).
Observa-se que raros são os trabalhos que abordam este tema, apesar da sua
importância na obtenção de plantas a partir de cruzamentos entre videiras
apirenas. Assim sendo, realizou-se este trabalho com o objetivo de determinar o
efeito do estádio de desenvolvimento de embriões resgatados sobre o êxito na
obtenção de plantas de videira, em cruzamentos entre genitores
estenoespermocárpicos, utilizando dois métodos de cultivo in vitro de sementes-
traço.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi realizado no laboratório de Cultura de Tecidos da Embrapa Uva e
Vinho, em Bento Gonçalves-RS, utilizando-se de semente-traço provenientes de 12
cruzamentos entre videiras apirenas, efetuados em outubro de 1996. Os cachos
foram colhidos oito semanas após a polinização, sendo as bagas esterilizadas
com álcool etílico 70% (volume/volume), por um minuto, e hipoclorito de sódio
(2,5% de cloro ativo), por 5 minutos. Foram extraídas 1.445 sementes-traço, em
capela de fluxo laminar, e cultivadas in vitro, utilizando-se de dois métodos:
M1- 60 dias em meio-de-cultura ER (Emershad & Ramming, 1984) semi-sólido
com 0,65% de ágar, 6,0% de sacarose, 0,3% de carvão ativado; e M2- 60 dias de
cultivo conforme referido em M1, seguido de 30 dias em meio-de-cultura MS
(Murashigue & Skoog, 1962) semi-sólido com 0,65% de ágar, 3,0% de sacarose,
0,3% de carvão ativado. O cultivo das sementes-traço foi realizado em sala-de-
crescimento com controle de temperatura (26±2°C) e na ausência de luz.
Concluído o tempo de cultura in vitro, as sementes-traço foram dissecadas para
extração dos embriões em capela de fluxo laminar, com auxílio de microscópio
estereoscópico e instrumentos cirúrgicos. No momento da abertura das sementes-
traço para o resgate, os embriões obtidos foram classificados, em escala
crescente, quanto ao estádio de desenvolvimento, como globulares, cordiformes e
torpedos (Figura_1), conforme Cutter (1987). Embriões sem formato definido, ou
atípicos, foram classificados como indefinidos. Imediatamente após a
classificação, cada embrião foi cultivado em tubo-de-ensaio (25x120 mm)
individual, contendo meio-de-cultura Woody Plant (WP), de Lloyd & McCown
(1986), com 0,65% de ágar, 3,0% de sacarose, 0,3% de carvão ativado e
suplementado com 2 mL de uma solução a 1 mM de 6-Benzilaminopurina (BAP) para
cada 1 L de meio-de-cultura. O cultivo dos embriões foi estabelecido em sala-
de-crescimento com controle de temperatura (24±2ºC), fotoperíodo de 16 horas de
luz e luminosidade de 400 W/m2, produzida por lâmpadas fluorescentes do tipo
extra luz-do-dia (PHILIPS®) e gro-lux (SYLVANIA®) na proporção 4:2,
respectivamente.
As plantas com pelo menos 5 folhas e vigoroso sistema radicular foram
consideradas, pelo seu desenvolvimento, aptas para iniciar o processo de
aclimatização, sendo, portanto, computadas como plantas obtidas. Foi efetuado o
teste de qui-quadrado para verificar se o estádio de desenvolvimento do embrião
no momento do resgate influencia ou não a obtenção de plantas. Empregou-se o
teste para cada método de cultivo utilizado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise de qui-quadrado permitiu verificar a influência significativa do
estádio de desenvolvimento do embrião sobre a obtenção de plantas nos dois
métodos de cultivo utilizados (c2= 17,05 , p < 0,05 em M1 e c2 = 8,79 , p <
0,02 em M2). Foi detectada a predominância de embriões globulares (79%) quando
se utilizou o método de cultivo de sementes-traço M1 e dos tipos globular (52%)
e torpedo (44%) em M2. Por outro lado, foram muito baixas as freqüências de
embriões do tipo cordiforme (3%, tanto em M1 como em M2) e daqueles
considerados indefinidos (1-55% e 1%) para os respectivos métodos de cultivo
utilizados (Tabela_1). Quanto à capacidade de germinação dos embriões, ficou
evidente a superioridade do tipo torpedo pelos altos valores obtidos em M1
(63%) e em M2 (85%) (Tabela_1).
Os percentuais de plantas obtidos estimam a probabilidade de sua ocorrência em
cada estádio de desenvolvimento do embrião nos diferentes métodos de cultivo.
Com a finalidade de desdobramento do teste qui-quadrado, esses valores serviram
como indicadores do estádio de desenvolvimento do embrião mais apropriado para
iniciar o processo de resgate in vitro. Assim, quanto à capacidade de
germinação dos embriões, ficou evidente a superioridade do tipo torpedo pelos
altos valores obtidos em M1 (63%) e em M2 (85%) (Tabela_1). No entanto, quanto
à probabilidade de gerar plantas, Fficaram em destaque os estádios cordiforme
em M1 (63%) e torpedo em M2 (57%). Foi constatado também que o maior número de
plantas obtido a partir de embriões globulares (87, somando os dois métodos de
cultivo) é uma função da predominância deste estádio de maturação no momento do
resgate e não uma conseqüência da sua capacidade de gerar plantas, expressas
por probabilidades de 20% em M1 e 38% em M2.
Considerando-se, contudo, os valores obtidos nos dois métodos de cultivo,
observa-se a alta capacidade de gerar plantas dos embriões cordiformes e
torpedos, indicando permite que estádios mais avançados de desenvolvimento do
embrião são mais adequados para os métodos de resgate in vitro utilizados. O
estádio cordiforme, apesar da alta capacidade de formar plantas, pode ser
considerado menos expressivo que o torpedo em conseqüência da sua baixa
freqüência de ocorrência, em qualquer dos métodos de cultivo. Desta forma, em
função dos dois fatores analisados, ocorrência e capacidade de gerar plantas, o
embrião do tipo torpedo pode ser considerado como o estádio mais promissor.
O fato de aqueles embriões que se encontram em estádios de desenvolvimento mais
avançados, serem mais eficientes em gerar plantas, pode estar relacionado com
as menores exigências em balanço nutricional dos meios-de-cultura, em tempo de
permanência em cultura e em controle ambiental do cultivo in vitro. Isto vem ao
encontro do preconizado por Ramming (1990) que se referiu à necessidade de
meios mais complexos quanto menor e mais imaturo o embrião e de uma simulação
in vitro das condições encontradas no interior da semente. Da mesma forma,
Raghavan (1976) distinguiu duas 2 fases no desenvolvimento do embrião, com
necessidades diferenciadas para o cultivo in vitro. Na primeira, heterotrófica,
as exigências para o desenvolvimento do embrião seriam maiores e, na segunda,
autotrófica, o embrião se caracterizaria pelo formato cordiforme e por não
depender mais de fontes exógenas de reguladores de crescimento.
Como resultado geral do resgate de embriões, em diferentes estádios de
desenvolvimento e métodos de cultivo in vitro, foram obtidas 163 plantas a
partir de 501 embriões resgatados de 1.445 sementes-traço (Tabela_2). Os dois
diferentes métodos de cultivo das sementes-traço utilizados para verificar a
influência do estádio de desenvolvimento do embrião no resgate in vitro
apresentaram diferenças significativas quanto ao número de plantas obtidas
(c2 = 12,78 , p < 0,01). A superioridade do M2 ficou caracterizada pelas
proporções de plantas formadas por sementes-traço cultivadas (plantas/sementes)
e de plantas formadas por embriões resgatados (plantas/embriões), as quais
podem ser adotadas como índices de eficiência da técnica de resgate de
embriões. Neste sentido, o índice médio de eficiência de 14,5% para plantas/
sementes, obtido com M2, e que superou o de 8,4% obtido com M1, pode ser
atribuído ao período adicional de 30 dias em cultura das sementes-traço no meio
MS. Esta diferença observada entre os dois métodos representa uma provável
melhoria da técnica e caracteriza a vantagem de adoção do M2 na rotina
laboratorial.
Os métodos de cultivo in vitro de sementes-traço também propiciaram respostas
diferenciadas quanto à germinação dos embriões (Tabela_2). Ao fazer esta
análise, verificou-se maior germinação em M2, que contemplou maior período de
cultivo in vitro, representando a permanência do embrião imaturo no interior da
semente por mais trinta dias, vindo a beneficiar o seu desenvolvimento, mais do
que o resgate antecipado para o meio de cultura WP (M1), quando a maioria dos
embriões ainda se encontra num estádio precoce de desenvolvimento, conforme
indicado na Tabela_1. A partir destes estudos, pode-se sugerir que adaptações
nas técnicas de cultivo de sementes-traço e de resgate de embriões, que venham
a aumentar a freqüência de embriões em estádios de maturação mais avançados,
como o torpedo, podem incrementar a eficiência de obtenção de videiras
apirenas.
CONCLUSÕES
1- O estádio de desenvolvimento do embrião, no momento do resgate in vitro, tem
efeito sobre a obtenção de plantas.
2- Quanto mais avançado o estádio de desenvolvimento do embrião, maior é a sua
capacidade de gerar plantas in vitro.
3- O maior tempo de permanência do embrião, em cultivo in vitro de sementes-
traço, favorece o desenvolvimento do embrião até estádios mais promissores para
o resgate.