Propagação por estaquia dos maracujazeiros doce (Passiflora alata Dryand.) e
amarelo (P. edulis f. flavicarpa O. Deg.)
PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA DOS MARACUJAZEIROS DOCE (Passiflora alata Dryand.) E
AMARELO (P. edulis f. flavicarpaO. Deg.)1
INTRODUÇÃO
A propagação em escala comercial do maracujazeiro é realizada principalmente
por via sexuada. Devido às características inerentes à propagação por sementes,
considerando a carência de híbridos ou variedades selecionadas para maior
uniformidade, a maioria dos pomares de maracujazeiro é desuniforme em termos de
produção e qualidade dos frutos obtidos, o que contribui para a baixa
produtividade nacional, de 10 t ha-1 ano-1 (Almeida et al., 1991). Dessa forma,
plantas-matrizes com características desejáveis, como elevada produtividade e
frutos com teores elevados de suco e de sólidos solúveis, podem ser
reproduzidas por meio da propagação vegetativa, aumentando sensivelmente a
produtividade dos pomares e conferindo maior uniformidade às características
das plantas e dos frutos.
Porém, até o momento, no Brasil, esse método de propagação não é utilizado em
escala comercial, ao contrário do que ocorre na África do Sul, onde o principal
método de propagação é a enxertia (Grech & Rijkenberg, 1991). Além da
enxertia, outro tipo de propagação vegetativa que pode ser utilizado
comercialmente é a estaquia, cuja principal vantagem em relação à enxertia é o
menor requerimento de mão-de-obra. Por esse método, é possível a clonagem tanto
de variedades-copa como de porta-enxertos com características agronômicas
superiores.
De acordo com Chapman (1963) e Fouqué (1972), as estacas utilizadas para a
propagação do maracujazeiro-amarelo devem ser retiradas de partes maduras da
planta, sendo que, para o primeiro autor, as estacas devem conter dois entrenós
e, para o segundo, três entrenós. A estaca deve ser cortada transversalmente
abaixo do nó proximal. Uma folha ou parte desta deixada no nó distal pode
ajudar o enraizamento. O tratamento com substâncias reguladoras de crescimento
não tem promovido aumentos significativos no enraizamento. Os dois terços
inferiores das estacas devem ser enterrados no substrato utilizado para
enraizamento. A época mais indicada para se proceder ao enraizamento é quando
as plantas estão em crescimento ativo e sem produção de frutos (início da
primavera).
Torres (1976) trabalhou com estacas de maracujazeiro-amarelo com três entrenós,
das porções apical, mediana e basal dos ramos. Nas estacas da porção basal, as
duas folhas inferiores foram removidas, ao passo que, nos outros dois tipos de
estacas, apenas dois terços do limbo sofreram essa operação. As estacas do
ápice foram as que apresentaram desenvolvimento radicular mais vigoroso em
relação às demais. As estacas da porção mediana apresentaram apenas calos,
enquanto as estacas basais apresentaram raízes uniformes, em roseta, em toda a
extensão do calo, porém com lento desenvolvimento inicial.
Nakasone & Bowers (1956) realizaram estaquia do maracujazeiro-amarelo em
câmara de nebulização e obtiveram enraizamento de 30% a 70% em 28 dias.
Verificaram que um importante fator na estaquia de maracujazeiro é a retenção
de folhas nas estacas. Em trabalhos conduzidos em Jaboticabal, Ruggiero &
Martins (1987) também destacaram a importância da manutenção de folhas nas
estacas e da nebulização intermitente para o sucesso da estaquia do
maracujazeiro.
As estacas de maracujazeiro iniciam o enraizamento entre o 20º e o 30º dia após
o enterrio no leito, quando podem ser transferidas para recipientes contendo um
substrato convencional. Nestes recipientes, devem permanecer por cerca de uma
semana sob condições de casa de vegetação, visando a adaptar-se ao novo
substrato; a partir daí, devem ser aclimatadas aos poucos até serem totalmente
expostas ao sol, quando estarão aptas a ser plantadas no campo (São José et
al., 1994).
Segundo Almeida et al. (1991), o crescimento de mudas de maracujazeiro obtidas
por estaquia ou por semente foi semelhante até 120 dias após o plantio no
campo, assim como a qualidade dos frutos.
O objetivo deste experimento foi avaliar o desempenho de três tipos de estacas,
como material para formação de mudas de maracujazeiros amarelo e doce.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido no Setor de Fruticultura do Departamento de
Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, no período de
outubro a dezembro de 1999. Os fatores em estudo foram três tipos de estacas
(apical, mediana e basal) e duas espécies de maracujazeiro, o doce (Passiflora
alata Dryand.) e o amarelo (P. edulis f. flavicarpa O. Deg.). Estes foram
combinados fatorialmente, resultando em seis tratamentos que foram distribuídos
no delineamento de blocos ao acaso, com quatro repetições. Cada unidade
experimental foi constituída de 27 estacas.
Foram retirados ramos do último surto de crescimento de maracujazeiros com
cerca de dois anos de idade. Desses ramos, foram coletadas estacas das posições
apical (distal), mediana e basal (proximal), com comprimento de 10 a 15
centímetros e contendo três ou mais gemas. Nas estacas basais e medianas, foram
deixadas duas folhas, que foram reduzidas a três quartos de seu tamanho
original. Nas estacas apicais, foram eliminadas as folhas da metade proximal.
Após seleção, as estacas foram mergulhadas durante cinco minutos em solução de
benomil (2 g i.a. L-1). Depois de secas, as estacas foram transferidas para
tubetes com capacidade para 170 cm3,contendo como substrato casca de arroz
carbonizada, enterrando-as a aproximadamente cinco centímetros de profundidade.
Os tubetes permaneceram em câmara de nebulização intermitente coberta por
sombrite (50% de sombreamento). Para melhorar o controle da irrigação, foi
colocado filme plástico transparente sobre a câmara.
O tempo de fornecimento de água para as estacas, através de nebulizadores
instalados no interior da câmara, foi de 10 segundos, em intervalos de três a
sete minutos, sendo o menor intervalo usado nos dias de temperatura mais
elevada, e o maior, nos de temperatura mais amena. A nebulização era acionada
no período das 6 às 18 h, sendo controlada por timer.
Após 40 dias, foram observadas raízes no orifício inferior dos tubetes. Nessa
ocasião, foi aplicado 5 mL de solução de Hoagland (Hoagland & Arnon, 1950),
com a concentração de seus sais reduzida à metade, em cada tubete, o qual foi
repetido uma semana depois.
Cinqüenta dias após o início do experimento, quando já era possível visualizar
as extremidades de raízes no orifício de drenagem de cerca de 50% dos tubetes,
as estacas foram retiradas cuidadosamente dos mesmos, lavadas e secas com papel
absorvente. Foram avaliados a percentagem de estacas enraizadas, o número de
raízes, o comprimento da maior raiz, a massa seca do sistema radicular, o
comprimento e a área do sistema radicular, e a massa seca da parte aérea.
O comprimento e a área total do sistema radicular foram determinados mediante
digitalização individual das raízes num scanner de mesa. Posteriormente, as
imagens foram processadas no software Image Tools. Procedimentos semelhantes
para avaliação do sistema radicular são descritos na literatura (Kaspar &
Ewing, 1997; Stevens et al., 2000).
Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas
pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. Para a variável expressa em
percentagem, a aplicação do teste de homogeneidade de variâncias utilizando o
critério de Levene, indicou que as variâncias eram homogêneas, dispensando a
transformação dos dados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Figura_1, pode-se verificar que, cinqüenta dias após o plantio, houve
enraizamento nos três tipos de estacas, tanto no maracujazeiro-doce quanto no
amarelo.
![](/img/fbpe/rbf/v24n1/9918f1.jpg)
A utilização de estacas das posições mediana e basal permitiu obter
percentagens de enraizamento que variaram de 93 a 96%, nas duas espécies de
maracujazeiro. A percentagem de enraizamento obtida nas estacas da posição
apical foi significativamente menor em comparação com a obtida nas outras duas,
sendo verificado, no maracujazeiro-doce, a menor média (Figura_2). Em várias
estacas apicais do maracujazeiro-doce, observou-se podridão-aquosa, iniciando
indistintamente pela base ou pelo ápice, mas a causa não foi identificada.
Embora se tenha suspeitado de excesso de umidade associado a baixa
luminosidade, isso pareceu pouco provável, uma vez que o problema não foi
observado nos demais tipos de estaca. Também não foram identificados
microrganismos fitopatogênicos no local.
Fechtinger Junior (1985), utilizando estacas de maracujazeiro-amarelo com
folhas, obteve percentagens de enraizamento que variaram de 33%, para estacas
de três nós, a 80%, para estacas de dois nós, enquanto, com estacas de um nó de
maracujazeiro-doce, obteve 36% de enraizamento. Os excelentes resultados
obtidos no presente experimento com estacas medianas e basais podem ser, em
grande parte, creditados à alta permeabilidade da casca de arroz carbonizada e
ao rigoroso controle do fornecimento de água, que preveniram o apodrecimento
dessas estacas, tanto por microrganismos quanto por anaerobiose.
O número de raízes por estaca variou de 11 a 19, não sendo verificadas
diferenças significativas entre as duas espécies de maracujazeiro em quaisquer
tipos de estacas avaliadas. No entanto, considerando-se apenas o maracujazeiro-
doce, as estacas da posição apical produziram número significativamente maior
de raízes que as das posições mediana e basal (Figura_2).
A maior massa seca radicular foi verificada nas estacas da posição apical
(Tabela_1). Essa média foi elevada pelo grande número de raízes emitidas pelas
estacas apicais do maracujazeiro-doce. Torres (1976) observou grande
desenvolvimento de raízes em estacas apicais de maracujazeiro-amarelo, mas isso
não se confirmou neste experimento (Figura_2). De qualquer modo, esse tipo de
estaca só deve ser usado caso se consiga detectar a causa do apodrecimento e
aumentar o percentual de enraizamento. Não foram detectadas diferenças, entre
os tipos de estacas, no comprimento da maior raiz. Nas demais características
avaliadas, as estacas da posição mediana apresentaram valores
significativamente maiores em comparação às estacas da posição apical, embora
sem diferir das basais. A massa seca da parte aérea das estacas medianas e
basais foi significativamente maior em comparação às estacas da posição apical
(Tabela_1). Contudo, esse resultado deve ser analisado com certo critério, pois
não se refere apenas ao peso das brotações surgidas após o plantio, e sim ao
peso das estacas originais acrescidas das novas brotações. Assim, estacas
basais e medianas, de maior diâmetro e mais lignificadas, pesaram mais que as
apicais.
No maracujazeiro-doce, o comprimento e a área total do sistema radicular das
estacas da posição mediana foram superiores aos das demais estacas. Já no
maracujazeiro-amarelo, não foram verificadas diferenças entre os tipos de
estacas. Com a utilização de estacas da posição mediana, o comprimento e a área
total do sistema radicular do maracujazeiro-doce foram maiores em comparação
aos do amarelo. Essa diferença também foi verificada para o comprimento total
do sistema radicular com a utilização de estacas da posição basal. Essas
características do sistema radicular influem diretamente na capacidade de
absorção de água e de nutrientes; portanto, estacas basais e medianas devem
formar mudas mais vigorosas e, possivelmente, em menor tempo (Figura_2).
De forma semelhante aos resultados obtidos para o maracujazeiro-doce, Cereda
& Figueiredo (1988) verificaram que as estacas de maracujazeiro-amarelo
originadas da parte mediana dos ramos enraizaram melhor que as apicais.
Segundo Mesquita et al. (1996), estacas de maracujazeiro-doce da parte mediana
de ramos tratadas com 500 mg L-1 de AIB apresentaram melhores resultados para o
número de estacas calejadas, número de estacas vivas e número de raízes por
estaca, quando comparadas com as estacas das posições apical e basal. Neste
experimento, foram obtidas percentagens de enraizamento superiores a 90%, sem
utilização de reguladores de crescimento, o que torna dispensável o uso desse
insumo, diminuindo os custos de produção das mudas.
No maracujazeiro-doce, foram verificados maiores valores de massa seca das
raízes e da parte aérea, além do comprimento da maior raiz (Tabela_1). No caso
do comprimento da maior raiz, a expansão radicular do maracujazeiro-doce foi
limitada pela altura do tubete, ou seja, as extremidades radiculares necrosaram
ao ultrapassar o orifício de drenagem na base do tubete.
Os resultados obtidos neste experimento comprovam o grande potencial de uso da
estaquia na propagação dos maracujazeiros doce e amarelo, ressalvado o fato de
que as mudas obtidas não foram levadas a campo para avaliação de seu potencial
produtivo, conforme recomendaram Ruggiero & Martins (1987). Entretanto,
como já descrito anteriormente, Almeida et al. (1991) não encontraram
diferenças no crescimento vegetativo de mudas obtidas por sementes ou por
estacas, aos 120 dias após o plantio no campo, nem na qualidade dos frutos de
ambos os tipos de mudas, aos 270 dias após o plantio.
CONCLUSÕES
Os maracujazeiros amarelo e doce apresentaram maior potencial para formação de
mudas por estaquia a partir de estacas oriundas das porções mediana e basal do
último surto de crescimento.